Discursos João Paulo II 1991 - Quinta-feira, 17 de Outubro de 1991

VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO ECUMÊNICO


EM FLORIANÓPOLIS


Sexta-feira, 18 de Outubro de 1991



Caríssimos irmãos no Senhor!

1. Sinto uma intensa alegria ao poder evocar, no início deste encontro, aquelas palavras do Evangelho que nos asseguram a presença inefável do Senhor neste instante. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18,20). Certamente estamos agora reunidos em seu nome, e por isso podemos dizer alegremente que Jesus se encontra no meio de nós. As palavras que me foram dirigidas pelo Senhor Bispo Dom Gregório Warmeling, como Presidente do Conselho das Igrejas para Educação Religiosa, e do Pastor Meinrad Piske, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, nos confirmam que o Senhor quer estar no meio de nós com Sua Luz, a Luz do “Espírito da Verdade”(Jn 16,13).

Ao calor da presença de Cristo, “Primogênito entre muitos irmãos”(Rm 8,29), este encontro com os irmãos evangélicos tem para mim o caráter de um feliz e confiado colóquio fraterno. Se é verdade que ainda são muitas as coisas que nos separam, no plano da fé e do agir cristão, também é certo que nos une o anseio, acalentado pelo Apóstolo Paulo, de que “praticando a verdade na caridade, cresçamos em todos os sentidos na direção d’Aquele que é a Cabeça, o Cristo” (Ep 4,15).

2. Move-nos a todos, sob o impulso do Espírito de Cristo (Cfr. Rm 8,9), o empenho de incrementar incansavelmente o diálogo ecumênico, “até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus” (Ep 4,13).

Este diálogo ecumênico, que há anos, com a graça do Senhor, vem crescendo e produzindo frutos tão auspiciosos, é nossa sincera resposta à ardente súplica que Jesus elevou ao Pai na noite da última Ceia: “que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste” (Jn 17,21). Estas palavras de Cristo queimam em nosso coração, constituem para todos um programa e um dever iniludíveis.

Pode-se dizer que o diálogo é o pulsar do coração do ecumenismo. Foi também na Ceia, quando Nosso Senhor orava pela tão almejada unidade, que Ele nos deixou como testamento e sinal distintivo, seu mandamento novo: “que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei... Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jn 13,34-35).

Por isso, entre nós, o primeiro diálogo deve ser o diálogo da caridade, que tem por base a compreensão, o mútuo respeito e a procura, em união de sentimentos, do cumprimento da Vontade do Senhor.

Esforcemo-nos, portanto, por fomentar o que nos une, e, por compreender, com humildade e serena lucidez, e dentro da fidelidade aos tesouros da verdade divina, o que nos separa, sabendo que, entre os que seguimos a Cristo, é muito mais forte aquilo que nos une do que aquilo que nos divide.

Por isso que não nos cansemos de “procurar lealmente, com perseverança, com humildade e também com coragem, os caminhos da aproximação e da união..., sem nos deixarmos vencer pelo desânimo perante as dificuldades que possam se apresentar ou acumular ao longo desta estrada. Caso contrário, não seríamos fiéis à palavra de Cristo, nem executaríamos seu testamento”(Redemptoris Hominis, 6) .

Peço ao “Pai das luzes”, de quem provém “toda dádiva boa e todo dom perfeito” (Jc 1,17), que continue abençoando a ação que se vem desenvolvendo, em nível universal e em nível nacional, para favorecer este diálogo. Faço votos de que o trabalho que, no Brasil, está sendo realizado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), no plano religioso e no clima da caridade de Cristo, continue avançando pelo caminho do diálogo interconfessional.

3. Ao lado do diálogo da caridade, é preciso continuar intensificando também a “disponibilidade para... a busca em comum da verdade no pleno sentido evangélico e cristão”(Redemptoris Hominis, 6) . , isto é, o diálogo teológico.

“Quem pratica a verdade aproxima-se da luz” (Jn 3,21). O autêntico desejo da fidelidade a Cristo, “luz do mundo” (Jn 8,12) não é como que o pulsar da alma do diálogo teológico?

Longo é, certamente, este caminho, e não faltam obstáculos. Mas também é certo que “o Deus de toda a consolação” (2Co 1,3) nos conforta, propiciando sinais alvissareiros. Convergências aparecem, que fundamentam na fé uma esperança concreta, ainda que permaneçam problemas sérios, que exigem aprofundamentos ulteriores, intercâmbios mais ativos e mais paciência e serenidade de espírito. (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Allocutio ad eos qui plenario coetui Pontifici Consilii ad Unitatem Christianorum fovendam interfuerunt, 2, die 1 febr. 1991: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIV, 1 (1991) 251).

4. Juntamente com o diálogo da caridade e o diálogo teológico, é da maior importância prosseguir no que poderíamos chamar o diálogo da vida.

Refiro-me à conjunção de esforços, entre os que professam a fé em Jesus Cristo, para servir com espírito evangélico a todos os homens. Extremamente frutuosa se vem revelando esta cooperação entre os cristãos, com o intuito de superar tantos males que afligem o mundo atual, e, em particular, o Brasil, tais como a fome, o analfabetismo, a pobreza, a falta de terra e de habitação e a injusta e desproporcionada distribuição dos bens que Deus destinou a todos.

Continuemos a unir as nossas forças para procurar, por meios cada vez mais eficazes e no espírito de caridade, o advento do reino da fraternidade, da justiça e da paz na família humana, chamada, em Cristo, a se tornar a família dos filhos de Deus (Cfr. Gaudium et Spes GS 92).

5. Não nos esqueçamos, queridos irmãos, de que este diálogo fraterno, cujos traços fundamentais lembrei agora, pede-nos para ser fecundo, que cada um de nós abra cada vez mais largamente as portas do coração a Cristo. Deve ser Ele, na força do Espírito Santo, quem há de caminhar conosco e atuar por nosso intermédio.

Todos os anseios de unidade amadurecem a partir de uma renovação dos corações, movida pelo desejo de identificação com Cristo, e alimentada pelo sincero propósito de reconhecer humildemente nossos erros pessoais, de corrigir em nós tudo quanto possa enfraquecer nossa união com o Pai, o Verbo e o Espírito Santo.

Acima de tudo, porém, que o ecumenismo encontre sua expressão mais genuína no clamor incessante da nossa oração. Nossa fé na oração, na promessa do Senhor, “tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e vos será dado” (Mc 11,24), é o verdadeiro alicerce das nossas maiores esperanças.

Deus nos conceda perseverar de tal modo unânimes na oração (cfr. At Ac 1,14), na caridade e na procura da verdade, que sejamos dignos de alcançar, como uma nova efusão do Espírito, o dom precioso da unidade. Assim poderá tornar-se realidade o que Jesus, na noite da Ceia, pediu ao Pai: “que sejam perfeitos na unidade, e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como me amaste a mim” (Jn 17,23).

É este espírito de diálogo que desejo, mais uma vez, colocar nas mãos dos meus Irmãos no serviço episcopal da Igreja Católica Apostólica Romana. Deles depende muito o futuro cristão do Brasil. Mas o entrego também aos Irmãos líderes das Igrejas de outras confissões cristãs, recomendando-o também a todos vós, Irmãos e Irmãs no mesmo Evangelho de Cristo.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS RELIGIOSAS NA SEDE DO


«SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO»


Florianópolis, 18 de Outubro de 1991



Queridas filhas em Cristo!

1. Saúdo aos irmãos religiosos que se uniram a este encontro, mas dedicado sobretudo às religiosas do Brasil. Sinto-me imensamente feliz estando novamente convosco, revivendo aqueles encontros que tive a alegria de manter com as religiosas do Brasil, por ocasião da minha primeira viagem pastoral a esta querida Nação.

Agradeço à Irmã Ilze Mees, as amáveis palavras que acaba de me dirigir, em nome de todas as religiosas do Brasil.

Minhas filhas, é fundamental vosso papel nesta imensa tarefa da nova evangelização, a que Deus nos convoca neste final de milênio. Seria impossível à Igreja cumpri-la devidamente sem a participação generosa de vossa vida consagrada.

Como dizia há dois anos a todos os religiosos e religiosas do Brasil, “seria quase impossível imaginar a vitalidade da Igreja no Brasil sem essa rede de comunidades religiosas, que tornam presente e visível o Evangelho... Agradeço-vos de coração a fidelidade à vossa consagração e missão, a vossa presença eclesial em todas as latitudes deste imenso Brasil. A fecundidade misteriosa de vossas comunidades contemplativas, o testemunho dos que vivem sua inserção entre os mais pobres e a generosa dedicação dos que trabalham em regiões longínquas e isoladas, constituem uma riqueza para a Igreja no Brasil e comprovam sua vitalidade”(Ioannis Pauli PP. II Epistula occasione oblata XV Coetus generalis ordinarii Religiosorum Brasiliae, 1, die 11 iul. 1989: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XII, 2 (1989) 70s).

2. Este horizonte tão rico e empolgante da missão que Deus vos convoca para realizar na Igreja e no mundo, exige de vós, como condição de sua vitalidade, uma fidelidade incondicional a Cristo e à Igreja. Sobre ela quero falar-vos hoje, de maneira mais especial. Nunca será demais recordar que “a identidade e autenticidade da vida religiosa se caracterizam pelo seguimento de Cristo e pela consagração a Ele, mediante a profissão dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência. Com eles se expressa a total dedicação ao Senhor e a identificação com Ele, na sua entrega ao Pai e aos irmãos”(Ioannis Pauli PP. II Epistula ad Religiosos Religiosasque Americae Latinae D imminente anno ab Evangelio ibi nuntiato, 16, die 29 iun. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1715).

Amai, com profundo espírito de fé, esses três vínculos santos. Eles, por assim dizer, definem e qualificam a vossa vida, criam um espaço de absoluta liberdade dentro dos vossos corações, que podem, por eles, acolher o amor de Cristo e viver inteiramente por Ele, para Ele e d’Ele. A religiosa, fiel aos compromissos de sua consagração, experimenta a inefável felicidade de caminhar em companhia de Jesus, de viver de sua palavra, de gozar de sua presença interior, de participar na sua missão salvadora (Cfr. Ibidem).

3. Amai, portanto, com toda a alma, o conselho evangélico da castidade.Ele liberta, de modo singular, os vossos corações, para se inflamarem mais e mais na caridade de Deus e dos homens todos. Ele é um meio ímpar para vos dedicardes com ardor ao serviço e às obras de apostolado (Cfr. Perfectae Caritatis PC 12).

Quando o amor de Cristo é assumido com “coração indiviso”, em sua plenitude, sem concessões e duplicidades, sem esmorecimentos e compensações, a castidade se revela como uma jubilosa afirmação do amor, e não como uma limitação ou uma negação. Ela canaliza e dá novo vigor à infinita capacidade de amar que Deus colocou no coração humano, levando-o às alturas do ilimitado amor divino. E é deste amor que brota a maternidade espiritual (Cfr. Gl Ga 4,19), geradora de vida para a Igreja. O exemplo de Maria Santíssima, a Virgem de Nazaré, será sempre fonte de especial fecundidade espiritual em vossa vida consagrada, e o amparo seguro da entrega feita por amor a Deus.

4. Amai, da mesma forma, com toda a alma, os conselhos evangélicos da pobreza e da obediência, com o ardente desejo de imitar o exemplo de Cristo, que “por vós se fez pobre, a fim de vos enriquecer por sua pobreza” (2Co 8,9), e que, por amor ao Pai e para a salvação dos homens, “humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”(Ph 2,8).

Os conselhos evangélicos, tal como sempre foram entendidos e vividos na Igreja, podem hoje parecer uma verdadeira “loucura” (1Co 1,18) a muitos incapazes de perceber a “sabedoria das coisas de Deus” (Cfr. Mt Mt 16,23). São, de fato, uma loucura, mas uma feliz loucura de amor.

Ficai certas de que não pode haver autêntica renovação da vida religiosa, nem um reflorescimento das vocações religiosas, sem este sincero aprofundamento da vossa fidelidade à consagração total, expressa e concretizada nesses conselhos.

Os conselhos evangélicos, permiti-me insistir, vividos em plenitude de alegria, vos identificam com Jesus Cristo Crucificado e Ressuscitado. Tornam-se assim para toda pessoa consagrada uma fortíssima motivação amorosa, um ideal sempre vivo e presente, capaz de superar todos os cansaços, aflições e contrariedades.

5. Estes três conselhos evangélicos, arcabouço da vossa vida de doação, devem, porém concretizar-se de acordo com a identidade específica de cada família religiosa.

A variedade dos Institutos religiosos é como “uma árvore que se ramifica, esplêndida e múltipla, no campo do Senhor” (Lumen Gentium LG 43).

Esta diversidade se explica, por vontade de Deus, pela variedade dos carismas dos Fundadores e Fundadoras. Esses carismas devem ser vividos pelos seus discípulos e discípulas, conservados zelosamente, aprofundados e desenvolvidos, em homogênea continuidade, ao longo dos tempos, sejam quais forem as circunstâncias históricas.

Cada Instituto, com efeito, como reflexo da infinita variedade dos dons do Espírito, tem seus “fins e seu caráter próprios” (Cfr. Codex Iuris Canonici CIC 598), não somente no que concerne à observância dos conselhos evangélicos, mas também em tudo que se relaciona com o estilo de vida de seus membros.

6. Daí decorrem diversas conseqüências. Levando-se em conta que a formação inicial e permanente, segundo o próprio carisma, está nas mãos do Instituto, a formação intercongregacional não pode suplir inteiramente a tarefa da formação permanente dos seus membros. Esta deve estar impregnada, em muitos aspectos, das características próprias do carisma de cada um dos Institutos. Cada um deve, portanto, promover e organizar diversos tipos de formação especial, para o melhor cumprimento de seus fins específicos. Com efeito, a fidelidade ao próprio carisma precisa ser aprofundada no conhecimento, cada dia mais apurado, da história do Instituto, da sua missão peculiar e do espírito do Fundador, acompanhado de um esforço correspondente para encarná-lo na vida pessoal e comunitária. Por isso, a formação intercongregacional deverá ser complementar e a serviço de cada Instituto, mas não servirá de suplência ou como nivelamento dos distintos carismas.

A segunda consequência, derivada da primeira, é que esta rica diversidade de carismas, os frutos próprios com que contribuem para o Reino de Deus, se empobreceriam caso fossem nivelados por um mesmo padrão, ou uniformizados por causa de finalidades pastorais que se polarizam em torno de um objetivo unilateral.

Deve-se ter isto presente, de forma muito especial, com relação aos problemas que, muitas vezes, trazem consigo a chamada “inserção da comunidade religiosa em meio popular”.

Já notava o documento de Puebla, que a opção preferencial pelos pobres tem sido um fator muito expressivo na vida religiosa latino-americana durante os últimos tempos (Cfr. Puebla, 721-766). Esta opção preferencial pelos pobres, que nunca é exclusiva nem excludente, levou, de fato, a muitos religiosos e religiosas a estarem generosamente “presentes nos bairros de periferia, entre os indígenas, os anciãos e os doentes, nas inúmeras situações de miséria que a América Latina (e, conseqüentemente o Brasil), vive e sofre, como são as novas pobrezas que afetam sobretudo os jovens, desde o alcoolismo até à droga” (Ioannis Pauli PP. II Epistula ad Religiosos Religiosasque Americae Latinae D imminente anno ab Evangelio ibi nuntiato, 19, die 29 iun. 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1718).

Neste sentido, as pequenas comunidades religiosas inseridas em meio popular, podem ser, e na realidade o são muitas vezes, uma expressão significativa desta “opção pelos pobres”.

Mas é de suma importância saber que essa presença, para estar de acordo com os desígnios do coração de Cristo, deve ser vivida em perfeita harmonia com o espírito dos fundadores de cada Instituto e com as características próprias da vida consagrada.

7. Propor a todas as famílias religiosas um só modelo de vida e missão, a inserida nos meios populares, seria esquecer a importância insubstituível da ação que muitas religiosas, em consonância com o seu carisma peculiar, devem desenvolver nos diversos ambientes sociais.

As religiosas que, pela índole e fins próprios de seus Institutos, trabalham nestes ambientes, fiquem certas de que são um foco de evangelização muito necessário, e estão prestando um grande serviço à causa de Cristo na sociedade, considerada como um todo orgânico.

Naturalmente, esta vossa ação diferencia-se substancialmente da que compete aos leigos, por sua própria vocação. Nunca será uma imitação da mesma, pois isso descaracterizaria a essência da vossa vocação religiosa.

Quanto às religiosas que, sempre de acordo com o carisma do seu instituto e com a legítima indicação da Autoridade correspondente, se inseriram nos meios populares, compartilhando a vida e os trabalhos dos mais pobres, fiquem certas de que serão operárias eficazes do Evangelho na medida em que preservarem sua identidade como consagradas.

É, sem dúvida, muito louvável o esforço generoso e a boa intenção com que ajudam as populações carentes, muitas vezes abandonadas à própria sorte. Porém, é necessário que essas pequenas comunidades observem certos critérios, que assegurem sua autenticidade religiosa. Entre eles: a garantia de que possam viver em comunidade, de acordo com as características de cada instituto, a vida de oração, comunitária e pessoal, que exige na comunidade os tempos e os lugares de silêncio; a completa disponibilidade para obedecer às exigências das superioras do Instituto; uma atividade apostólica que corresponda, antes de tudo, não a uma escolha pessoal, mas a uma opção do Instituto, em harmonia com o carisma e com a pastoral diocesana, da qual o Bispo é o primeiro responsável (Cfr. Congr. pro Institutis Vitae Consecr. et Societatibus Vitae Apost. Normae directivae de Institutione in Religiosis Institutis, 28, die 2 febr. 1990: AAS 82 (1990) 491s). .

Enfim, qualquer que for o trabalho a que vos dedicais, não poderá nunca diminuir, de qualquer forma, a vida de oração contínua, como diz o Senhor: “convém orar sempre e não desfalecer” (Lc 18,1). A vida religiosa exige que se harmonize, em uma forte unidade, o tempo dedicado à intimidade com Deus e o tempo consagrado às diversas atividades.

8. Com grande alegria quero recordar agora a recomendação que fiz aos Bispos brasileiros do Regional Norte-1, na sua visita ad limina, quando lhes pedia “a promoção e acompanhamento dos Institutos de vida contemplativa, cuja presença na Igreja se torna tanto mais importante quanto são maiores as necessidades pastorais do povo” (Ioannis Pauli PP. II Allocutio ad quosdam Brasiliae episcopos, 4, die 21 maii 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1374).

Caríssimas religiosas contemplativas, o Papa vos assegura que sois um grande tesouro da Igreja. Sem vossa amorosa imolação, sem vossa intercessão continuada, sem vosso alegre sacrifício, o trabalho da Igreja se veria privado de uma das maiores fontes de energia. Estais no próprio coração da Igreja.Sois como um motor oculto que lhe fornece energia para sua atividade fecunda. Perseverai na vossa função indispensável de orar, contribuindo para que a ação do Espírito vivifique todo o organismo eclesial.

9. Queridas irmãs, meditai nesta dupla fidelidade que o Papa vos recorda, que Deus vos pede. Não duvideis de que dela depende a incomparável eficácia de vossa vocação e missão na Igreja. Esta fidelidade será sempre vosso ponto de referência para qualquer renovação, para toda e qualquer “reciclagem”, que procure, de modo autêntico, a verdadeira vitalidade da vida religiosa.

Termino este encontro agradecendo a Deus, mais uma vez, o dom de vossa vida consagrada, que enriquece de modo singular a Igreja toda. E peço, ao mesmo tempo, que a nova evangelização almejada por todos, seja vitalizada por uma nova floração de autênticas vocações religiosas no Brasil, autênticas religiosas.

De todo coração abençoo a todas as famílias religiosas, todas e cada uma de vós, confiando-vos aos cuidados maternos da sempre Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida. E termino este encontro agradecendo a Deus pela beatificação de Madre Paulina.





VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II AO BRASIL


ATO DE CONFIANÇA


À NOSSA SENHORA DA PENHA


Vitória, 19 de setembro de 1991



Maria, Mãe do Autor da vida, Jesus Cristo, representada de mil maneiras pelos artistas. Venerada pela Igreja sob tantos títulos, e, neste solo capixaba, com o nome querido de Virgem da Penha: Nós cremos que estais no céu, junto de Deus Trino, intercedendo em favor da humanidade, pois fostes ouvinte fiel da Sua Palavra e vos tornastes serva do Senhor na Fé.

Hoje, Maria, voltam-se para vós os olhos dos irmãos de Cristo, vosso Filho, presentes em todo o Brasil. Sabemos que rogais por esses vossos filhos, provados por tantos sofrimentos. Sabemos que lembrais ao Senhor nossas crianças, os jovens, os velhinhos, todas as famílias e comunidades; os que trabalham pelos direitos humanos e pela vida: os nossos Governantes e os construtores da sociedade; sabemos que lembrais ao Senhor sobretudo os pobres e doentes, os que sentem o peso do pecado, os afastados de Deus.

Por isso, ó Virgem da Penha, diante da vossa bela imagem, nós vimos reafirmar-vos nossa devoção e amor, consagrar-vos nossas vidas, confiar-vos a nova Evangelização que desejamos realizar com renovado ardor missionário, semeando luz e esperança nas diferentes culturas, para a glória do Pai e do Filho na unidade do Espírito Santo.

Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA AO BRASIL


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MORADORES DA FAVELA DO LIXÃO


DE SÃO PEDRO


Vitória, 19 de Outubro de 1991



Queridos irmãos e irmãs!

1. Quero confidenciar-lhes que este encontro com os moradores da favela de São Pedro, é um momento que eu aguardava com carinho todo especial, desde que comecei minha segunda viagem pastoral ao Brasil.

Vocês, favelados, estão muito perto do coração do Papa, porque estão muito perto do Coração de Cristo. Os pobres são os prediletos de Deus, e a eles Jesus dedicou um amor de preferência, que a Igreja deseja imitar.

Vocês estão também muito perto do coração do Papa, porque é sobretudo nos pobres, com os quais se identifica, que Jesus quer ser amado (Cfr. Mt Mt 25,40-45).

No rosto dos que sofrem, sob o peso das carências espirituais, afetivas e materiais, a Igreja reconhece o rosto do próprio Cristo. Foram os Bispos latino-americanos que o recordaram em Puebla: rostos de crianças, golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer, crianças abandonadas e muitas vezes exploradas; rostos de jovens desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade, frustrados por falta de capacitação e de emprego; rostos de trabalhadores freqüentemente mal retribuídos ou com dificuldade para se organizarem e defenderem os seus direitos; rostos dos subempregados e desempregados, despedidos por causa das duras exigências das crises econômicas; rostos das mães de família, angustiadas por não terem os meios para sustentar e educar os filhos; rostos dos mendigos e marginalizados; rostos dos anciãos desamparados e esquecidos (Cfr. Puebla, 31-39; Ioannis Pauli PP. II Homilia in Missam in loco v.d. “Xico de Chalco” prope Mexicopolim celebratam, 3, die 7 maii 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1137s.).

2. Contemplando as imensas multidões deste querido Brasil, que levam em si os traços dolorosos de Cristo, vêm-me ao pensamento as palavras de Jesus: “tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).

A Igreja quer servir aos pobres no espírito do Evangelho e, por isso, nunca deixou de se esforçar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los, através de inúmeras iniciativas e obras de beneficência, que continuam a ser, sempre e por toda a parte, indispensáveis (Cfr. S. Congr. pro Doctr. Fidei Libertatis Conscientia, 68).

Ao mesmo tempo, dentro de uma perspectiva mais ampla, a Igreja tem colaborado e colabora sem descanso para que sejam sanadas na sua raiz as causas da pobreza e da miséria, por meio de sua doutrina social, que ela se esforça para que seja levada à pratica, orientando as consciências e incentivando profundas reformas na organização da sociedade, a fim de que todos possam alcançar condições de vida que sejam dignas da pessoa humana (Ibidem)

Quando Jesus chamou bem-aventurados os pobres em espírito (Cfr. Mt Mt 5,3), anunciava uma felicidade, baseada no amor, que Ele queria implantar em cada coração humano. Referia-se a um espírito de pobreza e de desprendimento que, em qualquer situação de vida, é feito de desapego, de confiança em Deus, de fé na verdadeira riqueza, que se encontra na comunhão com Deus, de sobriedade e de disposição para a partilha (Cfr. S. Congr. pro Doctr. Fidei Libertatis Conscientia, 66).

Quantas vezes vocês, queridos irmãos favelados, os que sofrem de maiores carências, não são um exemplo maravilhoso desse espírito cristão! Vejo-os a ajudar, a partilhar o pouco que têm, a acolher uma criança abandonada, a unir seus esforços, como nos “mutirões”, para solucionar os problemas de moradia, ou para organizar e encaminhar, sem ódio nem violência, que são incompatíveis com o espírito cristão, suas justas reivindicações.

3. Mas bem diferente desta pobreza, que Cristo proclamava bem-aventurada, é outra pobreza, que afeta uma multidão de irmãos nossos e dificulta seu desenvolvimento integral como pessoas. Frente a esta pobreza, que é carência e privação dos bens materiais necessários, a Igreja ergue a sua voz, convocando e suscitando a solidariedade de todos para a debelar (Cfr. Ioannis Pauli PP. II Homilia in Missam in loco v.d. “Xico de Chalco” prope Mexicopolim celebratam, 4, die 7 maii 1990: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XIII, 1 (1990) 1139).

A Igreja é a promotora da civilização do amor. Não pode deixar de falar quando, nas multidões empobrecidas, percebe os sinais de uma civilização do egoísmo.

É por isso que se sente no dever de declarar injustas, como já o fazia, há cem anos, o Papa Leão XIII, “a acumulação da riqueza nas mãos de poucos, ao lado da miséria de muitos” (Rerum Novarum, 97 e Centesimus Annus CA 5), o escândalo da ostentação e do luxo, ao lado do sofrimento causado pela falta dos bens mais indispensáveis.

Todas as situações de injustiça social, antes de mais nada, são “o fruto, a acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais.Trata-se dos pecados muito pessoais de quem gera ou favorece a iniqüidade ou a desfruta, de quem, podendo fazer alguma coisa para a evitar ou eliminar, ou pelo menos limitar certos males sociais, deixa de o fazer por preguiça, por Çmedo e conivência, por cumplicidade disfarçada ou indiferença” (Reconciliatio et Paenitentia RP 16).

Por isso, a Igreja sabe, e prega, que toda e qualquer transformação social tem que passar necessariamente pela conversão dos corações. Esta é a primeira e principal missão da Igreja.

4. Mas a civilização do amor pressupõe necessariamente a prática da justiça. “O amor aos homens, e em primeiro lugar, ao pobre, no qual a Igreja vê Cristo, concretiza-se na promoção da justiça” (Centesimus Annus CA 58).

É preciso um forte despertar da consciência moral de todos os homens deste país, que os torne sensíveis às exigências da justiça e os faça corresponder efetivamente a elas.

Diante de vocês, queridos irmãos e irmãs da favela de São Pedro, quero renovar meu apelo a todos os protagonistas da vida econômicosocial do Brasil, trabalhadores, empresários e governantes, para que conjuguem seus esforços, solidariamente, na promoção de reformas corajosas e profundas, que possam conduzir quanto antes à superação das injustas desigualdades que afligem o povo desta amada Nação.

A doutrina social católica repudiou sempre a organização da sociedade baseada num determinado modelo de capitalismo liberal, justamente qualificado de “capitalismo selvagem”, que tem como notas dominantes a procura desenfreada do lucro, unida ao desrespeito pelo valor primordial do trabalho e pela dignidade do trabalhador. Esta procura não raro é “acompanhada pela corrupção dos poderes públicos e pela difusão de fontes impróprias de enriquecimento e de lucros fáceis, fundados em atividades ilegais”. É um sistema econômico-social que faz da ganância um fim absoluto e degrada o trabalho humano com uma iníqua exploração (Centesimus Annus CA 33 Centesimus Annus, 33 e 48).

Repudiou, igualmente, a Igreja as soluções perversas do coletivismo marxista, que asfixia a liberdade, sufoca a iniciativa, reduz a pessoa humana à condição de simples peça de uma engrenagem, fomenta o ódio e acaba no empobrecimento, que pretendia superar, e nas mais degradantes escravidões. A recente experiência do Leste europeu é bastante eloqüente neste sentido.

5. É na fidelidade a Cristo, seu Fundador, que a Igreja, sem propor modelos concretos de organização político-social, oferece, “como orientação ideal indispensável, a sua doutrina social” (Centesimus Annus CA 43).

À luz do Evangelho, a Igreja exorta os trabalhadores à prática da solidariedade na sua “luta pela justiça social” (Centesimus Annus CA 14), isto é, a unirem seus esforços, sem violências gratuitas ou ideológicas, e abertos ao entendimento, determinados a conquistar a garantia de trabalho, o salário suficiente para a vida da família, a solução dos problemas de moradia e de educação, o seguro social para a velhice, a doença e o desemprego.

À luz do Evangelho, a Igreja recorda aos empresários a grave responsabilidade que lhes cabe, de criar nas empresas, verdadeiras “comunidades de trabalho”, em que o próprio trabalho ocupe uma “posição central”, sem jamais ver-se reduzido “ao nível de simples mercadoria” (Centesimus Annus CA 32-33 Centesimus Annus, 32-33 e 34). Nunca se pode esquecer que, se a doutrina da Igreja reconhece o valor da livre iniciativa, como uma das molas propulsoras do progresso social, não deixa de lembrar vivamente que, sobre toda propriedade, pesa uma “hipoteca social”. “O uso das coisas, confiado à liberdade do homem, está subordinado ao seu originário destino comum de bens criados” (Centesimus Annus CA 30 Centesimus Annus, 30 e 31).

À luz do Evangelho, a Igreja dirige um forte apelo moral aos poderes públicos, e afirma que “é estrito dever de justiça e de verdade impedir que necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por elas oprimidos” (Centesimus Annus CA 34). Neste sentido, reafirma o “princípio de subsidiariedade”, que justifica e, em muitos casos reclama, a oportuna intervenção do Estado para que, sem ampliar além dos limites necessários essa intervenção, se criem as condições que garantam oportunidade de trabalho, justa remuneração e atendimento a todos os direitos e necessidades dos trabalhadores (Cfr. Centesimus Annus CA 48).

É ainda à luz do Evangelho que a Igreja lança também seu apelo à cooperação internacional. “É necessário que as Nações mais fortes saibam oferecer às mais débeis ocasiões de inserção na vida internacional, e que as mais débeis saibam aproveitar essas ocasiões, realizando os esforços e sacrifícios necessários, assegurando a estabilidade do quadro político e econômico, a certeza de perspectivas para o futuro, o crescimento da capacidade dos próprios trabalhadores, a formação de empresários eficientes e conscientes das suas responsabilidades” (Laborem exercens LE 8 Laborem exercens, 8 e Centesimus Annus CA 35). Dentro deste quadro de cooperação internacional, como afirmava recentemente, “não se pode pretender que as dívidas contraídas sejam pagas com sacrifícios insuportáveis”, mas é necessário encontrar soluções “compatíveis com o direito fundamental dos povos à subsistência e ao progresso” (Cfr. Centesimus Annus CA 35).

6. Queridos favelados do “Lixão de São Pedro”. O Papa, o Sucessor de Pedro, quis ser entre vocês o porta-voz da mensagem de amor e de justiça do nosso Salvador, Jesus Cristo. Ele não se esquecerá das palavras de acolhida da Professora Maria das Graças Andreatta e Silva, falando em nome de todos os que moram aqui, para transmitir aquilo que cada habitante, homem, mulher ou criança o faria, se pudessem. Muito obrigado! Muito obrigado a todos, que viveis no Bairros Nova Palestina, Conquista, Nossa Senhora das Graças e Resistência! O Papa vos abraça e quer acrescentar: a Igreja é mensageira do “Deus da esperança” (Rm 15,13). Por isso, ela lhes pede que abram seus corações a Deus. “Abram as portas a Cristo!”, que quer caminhar com vocês, tornando santa e fecunda a cruz que carregam. Só em Cristo se encontra a luz e a vida. Nenhum bem humano, por mais necessário que seja, poderá jamais preencher o vazio que deixa na alma a carência de Deus. Só quando encontramos Cristo, como nosso maior tesouro (Cfr. Mt Mt 13,34), é que podemos compartilhar o seu amor, “dar a vida” pelos nossos irmãos (Cfr. Jo Jn 15,13) e colaborar com Ele na construção de seu “Reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz” (Praefatio in Sollemnitate D.N.I.C. Universorum Regis).

Que o Deus do amor e da paz os abençoe, como eu, em Seu nome, os abençoo de todo o coração.






Discursos João Paulo II 1991 - Quinta-feira, 17 de Outubro de 1991