Discursos João Paulo II 1992 - Sábado, 6 de Junho de 1992


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

DISCURSO DO SANTO PADRE

DURANTE A CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


NO AEROPORTO DE SÃO TOMÉ


Sábado, 6 de Junho de 1992



Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Caro e venerado Irmão Dom Abílio Ribas,
Minhas senhoras e meus senhores,

1. Embora a minha permanência entre vós tenha sido breve, estou deveras agradecido a Deus por me ter oferecido esta oportunidade de vir a São Tomé e Príncipe. Pude admirar algumas das suas belezas, dos seus monumentos histórico-religiosos, mas, sobretudo, pude verificar com profunda satisfação o sentido religioso e humano do povo destas ilhas. Conservo no coração o eco do vosso entusiasmo em louvar Jesus Cristo, da vossa piedade a Nossa Senhora, da vossa felicidade por estar juntos, da vontade que vos anima a um renovado empenho no serviço do vosso País.

Para organizar esta visita em todos os seus pormenores, foi necessária a colaboração de tantos homens e mulheres que, com grande dedicação, a tornaram uma feliz realidade. Antes de partir, digo a todos o meu muito obrigado e que Deus vos retribua com a Sua bênção!

Estou profundamente grato pelas gentilezas que as Autoridades deste país tiveram para comigo. Agradeço em primeiro lugar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, ter-me amavelmente acolhido e acompanhado: formulo os melhores votos para a sua pessoa e a nobre missão que desempenha.

Gostaria agora de exprimir o meu afecto cordial a todos os membros da Igreja Católica, neste País. Dirijo esta saudação ao Senhor Bispo e a cada um dos sacerdotes, das religiosas e irmãos religiosos, dos catequistas e dos animadores dos diversos movimentos de apostolado. Penso nas vossas comunidades cristãs, tanto do meio citadino como rural; em cada uma delas, por mais humilde que seja, os baptizados constituem o Povo de Deus, o santuário verdadeiro que tem como pedra angular o próprio Cristo.

Aqueles a quem não pude encontrar, especialmente as pessoas doentes ou que vivem sozinhas, levai-lhes uma saudação afectuosa e o conforto da Bênção de Deus, que daqui lhes envio.

2. Caros santomenses, praza a Deus nunca vos esqueçais de que a grandeza de um povo não se mede pela sua riqueza ou pelo seu poder, mas pelo grau da mútua solidariedade, da solicitude de cada um pelas necessidades do próximo, especialmente de quem é mais fraco e menos afortunado.

A Sagrada Escritura promete que “aquele que semeia com largueza, também com largueza recolherá” (2Co 9,6). Estas palavras exprimem uma profunda verdade que governa a vida tanto dos indivíduos como dos povos. Desde o momento que respeiteis a lei de Deus e ponhais o bem do próximo acima de vós mesmos, experimentareis uma riqueza que vai muito além de qualquer cálculo material.

Amados cristãos, encorajo-vos a trabalhar pelo bem comum deste País, segundo as orientações da doutrina social da Igreja. Fazei-o, animados pelo espírito fraterno que Jesus Cristo vos ensinou. Sabemos que a chave da unidade, da reconciliação, da fraternidade está no Evangelho; só edificando uma Nação cristã, permanecendo fiéis às vossas autênticas raízes, é que podereis construir o país novo desejado: um São Tomé e Príncipe sempre digno, justo e próspero.

3. Durante a minha visita, procurei salientar a importância da família, cujo papel é primordial no tecido da sociedade santomense, enquanto manancial de fortaleza e carácter moral para a vida das futuras gerações. É convicção da Igreja Católica que só a família, rectamente consolidada, poderá garantir a estabilidade social de uma Nação, pois, como educadora primeira, cabe-lhe a missão de transmitir aos jovens, os valores morais e espirituais. Ela é o instrumento mais eficaz de humanização e de personalização da sociedade (Cfr. Familiaris Consortio FC 24 FC 48).

No interesse da Nação, renovo aqui o meu apelo às Autoridades e ao povo santomense para que protejam e promovam a instituição matrimonial - tal como Deus a criou - monogâmica e indissolúvel, fecunda e respeitadora da vida familiar.

4. Senhor Presidente, caros santomenses! Espero que a minha visita se tenha revelado para todos uma mensagem portadora de paz e de fraternidade, que vos facilite o aproveitamento e a convergência do contributo de cada um para o bem comum. Reine entre todos a mútua confiança, sem perder de vista que o homem deve ser a origem e o termo de todo o desenvolvimento económico e social! Por fim desejo que o povo de São Tomé e Príncipe tenha verdadeiramente confiança em si próprio, e que, de modo resoluto, assuma o seu futuro.

Caros amigos, chegou a hora de vos deixar, mas asseguro-vos que o vosso país e todo o seu povo permanecerão sempre indelevelmente gravados no meu coração e no meu espírito. Certificando-vos da minha oração, confio-vos assim como às vossas famílias, à “bondade de Deus e ao Seu amor” (Cfr. Tt Tt 3,4).

Abençoe Ele todo o povo de São Tomé e Príncipe!

Abençoe e proteja estas ilhas com a paz que só Ele pode dar!

Abençoe-vos Deus Todo-Poderoso Pai, Filho e Espírito Santo. Adeus!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DE ANGOLA E DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE


Domingo, 7 de Junho de 1992



Senhor Cardeal,
Amados Irmãos no episcopado,

1. Dou graças ao bom Deus por esta oportunidade de renovarmos a comunhão e a fraternidade eclesial que vivemos juntos, durante a vossa recente visita ad Limina. Fostes à Sé de Pedro para manifestar a vossa fé apostólica. Agora com imensa alegria, o Sucessor de Pedro veio à vossa própria terra, para vos confirmar e fortalecer no vosso serviço do Evangelho, que é “poder de Deus para salvação de todo o crente” (1 Rm 1, 16). Este encontro será, pois, uma continuação espiritual e temática da vossa visita ad Limina, querendo a minha presença ser hoje no meio de vós sinal e confirmação de que a Igreja inteira está convosco, e vós estais com a Igreja e na Igreja, “solícitos em conservar a unidade de espírito, mediante o vínculo da paz” (Ep 4,3).

Agradeço de coração a saudação fraternal que o Senhor Cardeal Alexandre do Nascimento me acaba de dirigir, repassada de grande esperança e consolação. A cada um de vós, venerados Irmãos, e às respectivas dioceses – não esquecendo a diocese de M’Banza Congo –, estendo o meu abraço encorajador e a certeza de um lugar particular na minha oração e no meu coração de Pastor da Igreja universal.

2. Na tarde do domingo de Páscoa, Jesus apareceu aos seus discípulos no cenáculo e disse-lhes: “A paz esteja convosco! Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós” (Jn 20,21). Obedientes ao mandato missionário de Cristo, eles partiram por todo o mundo, levando no seu coração e nos seus lábios a Boa Nova do perdão e da paz.

Partiram eles... e partiram muitos outros, depois deles. No ano da graça de 1491, alguns chegaram a estas paragens, iluminando as suas gentes com o Evangelho e a graça. Hoje vive aqui um povo de filhos, a quem Deus tomou pela mão e comunicou, em Seu Filho, a vida imortal, que regenera o coração humano para a verdade e para o amor. Os cristãos encontraram em Jesus Cristo, o Redentor do mundo: foi Ele que “penetrou, de modo único e irrepetível, no mistério do homem e entrou no seu "coração"” (Redemptor Hominis RH 8). Por isso a Igreja em Angola, exultando nos seus muitos filhos, Lhe dedicou este Jubileu de Acção de Graças e Renovação na fidelidade ao Evangelho, envolvendo uma séria tomada de consciência do ser cristão e do consequente compromisso de seguir fielmente a Cristo na vida de cada dia.

Bendita seja a divina Providência que me consentiu estar presente entre vós, neste dia: um dia memorável por ser o do encerramento das comemorações jubilares mas também pelo facto de nele se celebrar liturgicamente o Pentecostes, em que o Espírito Santo vem sobre a Igreja para a confirmar na fidelidade virginal ao Seu Esposo e impeli-la sempre mais além até aos confins da terra, pelos caminhos do homem. Como outrora os Apóstolos no Cenáculo, deixemos os nossos corações transbordarem das maravilhas operadas por Deus, na unidade do Espírito que nos consagrou e envia.

3. O Concílio Vaticano II indica o serviço à unidade – a communio –, como sendo uma dimensão fundamental da nossa missão episcopal: “O Romano Pontífice, como Sucessor de Pedro, é o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, quer dos Bispos quer da multidão dos fiéis. E os Bispos individualmente são o visível princípio e fundamento da unidade nas suas Igrejas particulares” (Lumen Gentium LG 23).

Esta communio é uma ideia fundamental e central da autoconsciência da Igreja. Com efeito, ela define-se a si própria, como um mistério de “comunhão trinitária em tensão missionária” (Pastores Dabo Vobis PDV 12 A Igreja é comunhão e existe para esta missão: ser “sinal e também instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o género humano” (Lumen Gentium LG 1).

No centro deste mistério, encontra-se a comunhão dos bispos entre si.Sois, amados irmãos, legítimos sucessores dos Apóstolos e membros do Colégio Episcopal, tendo à sua cabeça o Sucessor de Pedro: por conseguinte, deveis sentir-vos estreitamente unidos a ele e entre vós mesmos, como partes de um só corpo (Cfr. Christus Dominus CD 6). Sinto dever renovar-vos aqui a mais viva gratidão pelo indefectível testemunho de fidelidade e adesão à Cátedra de Pedro, glória esta que vos honra e acredita como pastores movidos pela paixão de ver a inteira família humana reunida sob um único Pastor – Nosso Senhor Jesus Cristo –, e decididos a impedir, à custa da própria vida, que o lobo disperse e arrebate as ovelhas (Cfr. Jo Jn 10,11-13 Jo Jn 10,16).

Podeis imaginar a consolação que sinto ao ver estas comunidades eclesiais angolanas, congregando em si mesmas mais de 50% da população nacional! Todavia, amados Irmãos, não podemos conformar-nos com as metas já alcançadas, se considerarmos os vastos horizontes de possível expansão e aprofundamento cristão que se abrem ante os nossos olhos. Esta comunidade angolana já evangelizada irá evangelizar!

4. O Bispo desempenha um serviço de unidade na sua diocese. Recordo aqui de bom grado aquelas palavras do Concílio, plenas de esperança para as dioceses ainda a braços com limitações de todo o género: “nestas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou dispersas, está presente Cristo, por cujo poder se unifica a Igreja una, santa, católica e apostólica” (Lumen Gentium LG 26). Vós sois o ponto de convergência e de propulsão dessa vida de comunhão. Como bispos, jamais nos podemos cansar de reflectir sobre esta realidade da communio. É que o nosso ministério vem precisamente responder à necessidade mais profunda do ser humano: abrir-se à comunidade de vida e de verdade em Cristo.

“Perante os nossos contemporâneos, tão sensíveis à prova dos testemunhos concretos de vida, a Igreja é chamada a dar o exemplo da reconciliação, antes de mais no seu interior; e para isto, todos devemos esforçar-nos por apaziguar os ânimos, moderar as tensões, superar as divisões, sanar as feridas eventualmente infligidas entre irmãos, quando se agudiza o contraste entre opções no campo do opinável, e procurar de preferência estar unidos naquilo que é essencial para a fé e a vida cristã, segundo a antiga máxima: "in dubiis libertas, in necessariis unitas, in omnibus caritas"” (Reconciliatio et Paenitentia RP 9). A grande tarefa que se apresenta à Igreja, nas suas diversas comunidades, é a de se tornar anúncio de Paz e lugar de reconciliação e amizade para todo o homem de boa vontade, convidando-o a ser construtor de paz.

Sei que o vosso coração de Pastores, sofre diante de tudo aquilo que é obstáculo à concórdia entre a vossa gente. Esse sofrimento deve ser estímulo para o vosso zelo - ao mesmo tempo ardoroso e paciente -, que vos impelirá a ser portadores de Deus às vossas comunidades e portadores das vossas comunidades a Deus.

5. A vós, Irmãos, incumbe a nobre tarefa de serdes os primeiros a proclamar as “razões da vossa esperança” (Cfr. 1P 3,15); essa esperança que se baseia nas promessas de Deus, na fidelidade à sua palavra e que tem como certeza inabalável a ressurreição de Cristo, a sua vitória definitiva sobre o mal e o pecado. O Espírito do Senhor não cessa de nos surpreender, fazendo levantar-se novos e interpeladores sinais dos tempos, verdadeiros caminhos da esperança. Dentre eles, limito-me a recordar-vos três, já referidos aquando da Visita ad Limina.

Em primeiro lugar, somos testemunhas de um promissor florescimento das vocações consagradas nas vossas comunidades cristãs: elas poderão, com a graça de Deus e o empenhamento da inteira comunidade eclesial, ser a resposta à grave carência de pastores e religiosos, que ainda atormenta os passos das vossas dioceses. A vossa gente terá cada vez mais necessidade de ministros de Cristo que preguem a sua palavra e comuniquem a vitalidade do Espírito. Mas, “como ouvirão se ninguém lhes prega? E como pregarão se não forem enviados?” (Rm 10,14-15). Meus Irmãos, para que a evangelização nova e renovada, voto e compromisso deste Jubileu, se estenda até aos últimos confins deste país, devereis fomentar “o mais possível as vocações sacerdotais e religiosas, e de modo particular as missionárias” (Christus Dominus CD 15).

Permiti recordar-vos os Seminários, essa instituição, que, segundo a expressão feliz do meu Predecessor o Papa Pio XII, deverá ser como que “a menina dos vossos olhos”. A Igreja de amanhã passa através dos Seminários de hoje. Com o passar do tempo, a responsabilidade pastoral já não será nossa. Mas, no presente, a responsabilidade é nossa e é pesada. O seu zeloso cumprimento é um grande acto de amor para com o rebanho.

6. Os ventos do Espírito sopram também sobre a família: é um segundo caminho de esperança e desafio pastoral que se vos apresenta. Desde a chegada do Evangelho, que se registou um cuidado muito particular por este sector onde a vida tem a sua fonte e escola primeira. Desejaria aqui renovar todo o meu apoio e a gratidão da Igreja por tudo o que estais a fazer em favor da vida familiar.

Se, por um lado, a instituição familiar goza de um enorme apreço no seio das tradições africanas, sabemos também que ela se vê confrontada com novos modelos e contravalores, nem sempre respeitadores do seu vínculo sagrado e do direito à vida do filho gerado. Entre as vossas múltiplas actividades ao serviço da vida, está a vossa atenção e campanha contra o “abominável crime” do aborto (Cfr. Gaudium et Spes GS 51); de facto, o menosprezo do carácter sagrado da vida no seio materno enfraquece a verdadeira estrutura da civilização.

7. O terceiro caminho de esperança é o alto coeficiente de juventude das vossas Nações. Os jovens são a esperança da Igreja e da sociedade, já que representam a sua possibilidade de permanência. Depois de tantos anos de instabilidade e de violência, eles têm necessidade de ouvir uma palavra que seja verdadeiramente a palavra de Deus, que lhes venha preencher o vazio espiritual que o ateísmo e outras ideologias materialistas lhe deixaram na alma. Sede testemunhas de esperança para os jovens, ameaçados pelo vaivém das falsas ilusões e pelo pessimismo dos sonhos que se desvanecem. Eles precisam que lhes mostrem o caminho do regresso ao Pai (Cfr. Lc Lc 15,11 Lc Lc 15,32), com a finalidade de alcançarem a liberdade excelsa dos filhos de Deus, para que possam assumir o seu futuro, comprometendo-se livremente num amor pleno e enriquecedor que lhes possibilite a construção de uma vida nobre e fecunda em Jesus Cristo.

Dentro desse amor e vida de serviço aos demais, recordai-lhes o seu direito e dever de trabalharem pela sua Pátria. Na verdade, tocará aos angolanos e santomenses de maior formação renovar a mentalidade das suas sociedades de origem e promover o uso racional das técnicas modernas. Só eles, quebrando a rigidez de esquemas ancestrais, poderão imprimir um vigoroso impulso para a modernidade. “Especialmente nas regiões económicas subdesenvolvidas – diz o Concílio Vaticano II –, onde se torna necessário o uso de todos os recursos aí existentes, prejudicam gravemente o bem comum”, particularmente aqueles que gozando de dotes intelectuais e bens financeiros, se deixam levar pelo desejo e tentação de emigrar. Deste modo, eles “privam as suas comunidades dos meios materiais e espirituais de que ela tem necessidade” (Gaudium et Spes GS 65).

O amor dos jovens pela sua gente terá de ser mais forte do que a tentação de se instalar num país moderno, que aparece mais cómodo do que modernizar o próprio. Nas vossas mãos, está a possibilidade de apontar às jovens gerações o modelo supremo de serviço – Jesus Cristo. Ele não recusou a cruz, para que os homens tivessem vida, e vida em abundância (Cfr. Jo Jn 10,10).

Neste âmbito, sabereis reservar particular dedicação ao sector da educação e da formação profissional que permitirá dotar os vossos países de uma “elite” dirigente e empreendedora. Sinal desse vosso cuidado e instrumento precioso é a Universidade Católica de Angola, cuja abertura se anuncia para breve e à qual auguro longa vida e frutuoso serviço a esta causa do desenvolvimento integral do homem e da Nação.

8. Tarefa vossa, ainda na vossa qualidade de criadores de concórdia e de unidade, é a obra de reconciliação no próprio País. Queridos Pastores, como Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, a vossa responsabilidade tem um horizonte amplo que abrange toda a Nação. Com a graça que brota da comunhão da fé, com a força moral que adquirem os vossos pronunciamentos unânimes, com a colaboração e o discernimento realizados no âmbito da Conferência Episcopal, sede servidores do vosso povo, abrindo caminhos de maior justiça e de progresso social para todos.

O vosso contributo nesta hora particular das vossas Nações é o de preservar e fortalecer “aquela visão da dignidade da pessoa, que se revela em toda a sua plenitude no mistério do Verbo encarnado” (Centesimus Annus CA 47); o vosso anúncio do Evangelho e da doutrina social da Igreja, transmitindo aos cidadãos o espírito e a estrutura da liberdade, do serviço, da solidariedade e da justiça, constituirá o fermento da sociedade em construção e da sua cultura política. Deus vos ajude, amados irmãos, a iluminar esta estrada em que os povos de Angola e de São Tomé estão agora a dar os primeiros passos, na esperança de encontrarem a sua verdadeira identidade e solução às graves carências que os afligem.

9. “A Paz esteja convosco!”: o Sucessor de Pedro veio oferecer às vossas Nações, dioceses e famílias este dom pascal de Jesus – o dom da reconciliação e da paz, na esperança que ela repouse e habite abundantemente no coração destes queridos povos. Ao longo da minha Visita Pastoral, vou semeando esta mensagem de esperança e reconciliação, sabendo já de antemão que vós sabereis acolhê-la e aprofundá-la, com a mesma responsabilidade pastoral com que preparastes o vosso povo para o seu encontro com o Papa.

Irmãos caríssimos, que comigo compartilhais a solicitude espiritual do episcopado, na inesquecível Eucaristia desta manhã, pudemos invocar e anunciar conjuntamente o dom do Paráclito divino. No vosso ministério episcopal, vivei e confiai-vos sempre mais a esta “força do Alto” (Lc 24,49) que vos fará incansáveis na construção da unidade e intrépidos na missão. Iluminados pelo Espírito, sabei divisar os sinais dos tempos, indicar aos vossos fiéis o rumo a seguir. Em cada um deles, seja fortalecido o “homem novo”, para que cada um responda da melhor forma possível, com coerência e fidelidade, ao divino mandato: “sereis minhas testemunhas” (Ac 1,8).

Reitero a minha gratidão a todos vós, pelo trabalho que realizais, enquanto, valendo-me da poderosa intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Jesus e Mãe nossa, Rainha e Padroeira das vossas nações, invoco sobre vós e sobre os vossos fiéis, em renovado Pentecostes, a abundância dos dons do Alto, penhor dos quais seja a Bênção Apostólica que afectuosamente vos dou, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS REPRESENTANTES DE OUTRAS


COMUNIDADES E CONFISSÕES RELIGIOSAS


Luanda, 7 de Junho de 1992



Amados Irmãos e Irmãs em Cristo Senhor,

1. Começo por vos agradecer a oportunidade e o prazer que me dais de poder estar hoje reunido convosco e falar-vos um pouco do muito que a todos nos vai na alma. Neste momento, vêm-me à lembrança aquelas palavras do Evangelho que nos asseguram a presença inefável do Senhor: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). Estamos aqui reunidos em Seu nome, e por isso podemos dizer alegremente que Jesus se encontra no meio de nós. O Senhor quer estar connosco com a Sua luz, a luz do Espírito da Verdade (Jn 16,13). A Sua presença constitui para nós uma força irresistível que nos enche de confiança e de esperança perante as suas promessas. N’Ele vos dirijo a todos e cada um a minha mais calorosa saudação.

Tenho conhecimento dos esforços feitos em todo o país pela aproximação ecuménica das várias Igrejas e Comunidades eclesiais, apesar das dificuldades recentes e de alguns erros do passado. Felicito-vos vivamente por esta aproximação fraterna, pois ela pode significar uma crescente maturidade na fé. Quem sabe dialogar com os irmãos de outras Igrejas e Comunidades eclesiais, também sabe dialogar com Deus e sabe entender a Sua palavra. Neste sentido, agradeço de coração as amáveis palavras que me foram dirigidas, em nome de todos, pelo Pastor.

Ao calor da presença de Cristo, “Primogénito entre muitos irmãos” (Rm 8,29), este encontro convosco é para mim motivo de júbilo, e me anima a um feliz e confiado colóquio fraterno. Gostaria de vos recordar aqui três motivos pelos quais todos nos devemos empenhar nesta caminhada ecuménica: o amor a Cristo, o dever de evangelizar, e a consolidação da paz na vossa Pátria.

2. O laço mais forte que nos une é certamente o amor a Jesus Cristo. Todos fazemos questão de amar o Senhor, e todos nos honramos de ser discípulos d’Ele. Porém seremos reconhecidos como Seus discípulos apenas se nos amarmos uns aos outros (Cfr. Jo Jn 13,35).

Se amamos sinceramente a Jesus Cristo, temos de cumprir igualmente os Seus mandamentos, pois não é possível amá-l’O sem guardar a Sua palavra (Cfr. Jo Jn 14,21). Ora, esta no-la condensou no Seu mandamento novo: amar-nos uns aos outros como Ele nos amou (Cfr. Jo Jn 15 Jn 12). Daqui se infere que o amor a Jesus Cristo passa necessariamente pelo nosso amor fraterno.

Por isso, o diálogo, que é como que o pulsar do coração do ecumenismo, deve ser antes de mais o diálogo da caridade, que tem por base a compreensão, a escuta e o mútuo respeito. Esforcemo-nos, portanto, por fomentar o que nos une, e por compreender, com humildade e serena lucidez, e dentro da fidelidade aos tesouros da verdade divina, o que nos separa. É com base neste diálogo de caridade que as Igrejas e as Comunidades eclesiais em Angola poderão colaborar na reconstrução e no desenvolvimento do país, no apostolado social. Apraz-me saber que a Cáritas, atenta ao espírito do Evangelho, procurou nestes anos não fazer nenhuma espécie de discriminação quando tinha a possibilidade de ajudar as populações. De igual modo, projectos, entre outros, de ajuda aos deslocados, de reencontro das famílias dispersas pela guerra, de reconstrução do mundo rural, de promoção e desenvolvimento, podem louvavelmente ter a marca da colaboração ecuménica.

3. Mas, caros Irmãos, o ecumenismo está intimamente ligado à evangelização.Devemos fazer nossa a ardente súplica que Jesus elevou ao Pai na última Ceia: “que todos sejam um, assim como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti, para que também eles estejam em nós e o Mundo creia que Tu me enviaste” (Jn 17,21). Estas palavras queimam em nosso coração, constituindo para todos um programa e um dever iniludíveis. Como disse o Papa Paulo VI, “a apresentação da mensagem evangélica não é para a Igreja uma contribuição facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandato do Senhor Jesus, a fim de que os homens possam acreditar e ser salvos” (Evangelii Nuntiandi EN 5).

A Igreja foi querida por Deus e instituída por Cristo para ser, na plenitude dos tempos, sinal e instrumento do plano divino de salvação (Cfr. Lumen Gentium LG 1), cujo centro é o mistério de Cristo.

Sabemos que Deus pode salvar os homens de muitas maneiras; mas quer salvá-los dentro da Verdade (Cfr. 1Tm 4,12). E a Verdade é Cristo, pois “não há debaixo do céu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa salvar” (Ac 4,12). Se Cristo é o único Salvador dos homens e nós O possuímos, temos a grave obrigação de O comunicar a todos os homens, para que todos se possam salvar na abundância da Sua graça. Primeiro, é preciso unirmo-nos a Ele pela fé, deixando que a sua vida se manifeste em nós; mas depois, devemos levá-l’O a todos os ambientes nos quais se desenvolvem as tarefas humanas.

O que será da Humanidade se ela avança no conhecimento da técnica e na ignorância dos valores humanos consagrados no Evangelho? “O homem – dizia o meu Predecessor, Papa Paulo VI – pode organizar a terra sem Deus, mas sem Deus só a pode organizar contra o homem” (Populorum Progressio PP 42).

4. A hora que viveis na vossa Nação constitui um desafio patriótico dirigido a todos os cristãos, a fim de que se empenhem na consolidação da paz nacional. Realmente a Igreja recebeu do Senhor o ministério da reconciliação (Cfr 2Co 2,18) e todo o cristão, cada qual a seu modo, é chamado a ser um promotor da paz, sobretudo entre os irmãos desavindos.

Os cristãos de Angola poderão desempenhar mais eficazmente esta missão reconciliadora e consolidadora de pacificação, se trabalharem de mãos dadas, em espírito ecuménico.

Assim afirmei na última Mensagem para o Dia Mundial da Paz: “Sem ignorar nem minimizar as diferenças, a Igreja está convencida de que existem elementos ou aspectos que utilmente podem ser desenvolvidos e realizados em conjunto com os seguidores de outras crenças e Confissões, para a promoção da paz....

Em definitivo, o apostolado ecuménico é um dever de todo o cristão consciente da sua fé. Se não temos culpa das divisões cristãs, uma vez que já nascemos nelas e aí fomos educados, todos seremos culpados das mesmas se nada fizermos para as superar.

Queira o Senhor consumar todo o bem que em vós começou, muito especialmente o bem da paz e da unidade dos cristãos. Essa unidade será fruto da acção do Espírito Santo que “habita nos crentes..., realiza aquela maravilhosa comunhão dos fiéis e une a todos tão intimamente em Cristo, que é princípio da unidade da Igreja” (Unitatis Redintegratio UR 2). Por isso, a celebração hodierna da Festa da Vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos, o Pentecostes, encerra um convite a abrir-nos à Luz que vem do alto, afim de que todos sejamos conduzidos ao crescimento na Verdade que o Senhor prometeu, como obra do Seu Espírito (Cfr. Jo Jn 16,13): “Vinde, Espírito Santo! Enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do Vosso amor”!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II

A ANGOLA E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS JOVENS DE ANGOLA


Luanda, 7 de Junho de 1992

: Caros jovens e queridas crianças!

1. Louvado seja Deus que hoje me dá a alegria de estar convosco! Ao ver-vos aqui em tão grande número no estádio da Cidadela, o coração do Papa sabe que tem diante de si, como se fosse um grande segredo todo ele a desvendar, o futuro de Angola. Vós sois, sem dúvida, a maior e mais bela promessa de vida, dada pelo Senhor a esta nobre Nação. Viva a juventude angolana, tão rica de promessas e de esperanças! Agradeço profundamente o acolhimento que me foi prestado e, em particular, as palavras do Senhor Bispo Dom José Queirós Alves, que tem a seu cargo o sector da juventude dentro da Conferência Episcopal. Para todas as pessoas que contribuíram para a realização deste Encontro, o meu sincero obrigado!

Agradeço, também, as perguntas que me fizestes chegar a Roma: ao querer ler nelas a vossa alma jovem, confesso que me chamou a atenção o vosso anseio juvenil de conhecer os princípios e os meios para uma conduta digna no mundo de hoje. Foi como se um amigo batesse à minha porta, a pedir-me o alimento e o rumo certo para uma longa estrada, que não quer errar...vós sois este amigo! Jovens de Angola, tendes um pouco de paciência para me ouvir?!

2. O Papa sabe que a experiência dura que vivestes durante estes anos de guerra, deixou em vós marcas profundas que tendes de curar. Agora, no amanhecer da paz reencontrada, quando boa parte do povo retorna aos seus trabalhos de sempre, encontra muitas vezes os lares queimados, a aldeia destruída, a vida nas cidades abalada e, o que é pior, antigas disputas de carácter ideológico ou de raiz tribal, ainda por superar. Em consequência disso, adensou-se a falta de perspectivas para o vosso futuro, nos estudos, no emprego digno, na habitação e em tantos outros sectores da vida do vosso país.

Infelizmente, a todas essas dificuldades, vem juntar-se a tendência para o indiferentismo: a falta de ideais na vida. O desgaste e pressão a que uma parte da juventude esteve sujeita gerou uma ausência de motivações, o deixar-se levar, o não se incomodar. Então o único móbil é a vida fácil, o hedonismo. Como vidas sem futuro nem esperança, tantos jovens, sentindo-se inseguros de estar vivos amanhã, queimam a vida no momento presente: querem consumir toda a vida num minuto... Não sabem o que seja esperar para ver e crescer.

Meus queridos amigos, vi que uma das vossas preocupações maiores era precisamente este vazio de valores humanos, ou mesmo a invasão de contravalores que está a afectar a juventude e o seu futuro. Mas – perguntais vós – como ultrapassar este fosso, este abismo, onde tantas vidas, como por uma vertigem, se perdem, arrastadas pela sedução de uma vida fácil, a corrupção dos costumes e o desespero diante do futuro?

O Papa sabe das vossas tristezas e dúvidas, mas conhece também, por experiência própria e por inúmeros testemunhos de jovens do mundo inteiro, que, dentro de nós – por graça de Deus – há a liberdade de dizer “não” àquilo que nos destrói e dizer “sim” à vida, ao amor, ao bem.

Pois bem! Eu vim aqui, nesta tarde, trazendo no coração precisamente esta mensagem: Caros jovens de Angola, não vos deixeis iludir pela tentação da vida fácil, do aburguesamento nos costumes; pelo sensualismo e por tudo o que corrompe a pessoa. Buscai não o que é fácil, mas o que é bom, pois só no bem encontrareis liberdade, paz e realização pessoal.

3. Quero aqui animar-vos a ouvir “os mais velhos”! Às vezes os jovens pensam começar o mundo do princípio, porque não lhe agrada o mundo que encontram. Que deveis fazer o mundo melhor é direito e tarefa vossa; mas querer começá-lo do princípio é uma ilusão que geralmente se paga cara!

Não podeis ignorar o berço onde nascestes, envolvidos nas “faixas” da cultura e da sabedoria angolana. Quantos sonhos de futuro leram “os mais velhos”, sobretudo a vossa mãe, naquele bebé que lhe sorria e começava a crescer?!

4. Perguntastes-me qual seria a melhor forma para realizar a vossa Pátria!? Não toca à Igreja como tal indicar as soluções práticas para os problemas sócio-económicos e políticos da nação. O seu contributo é apontar os princípios, que nascem da altíssima dignidade da pessoa humana chamada à filiação divina, defendendo-os à custa da própria vida, segundo o exemplo que Jesus Cristo nos deixou.

De facto, conhecendo o homem como Jesus Cristo conhece (Cfr. Jo Jn 2,25) e lho revelou, quer directamente quer nas vicissitudes da história, a Igreja conseguiu juntar uma sabedoria importante com as orientações de fundo mais correctas para a sociedade do nosso tempo. Assim se formou a chamada “doutrina social da Igreja”.

Posso dizer-vos que os homens de hoje cada vez mais se debruçam sobre tal doutrina e têm reencontrado nela o valor e o sentido da vida, que as ideologias lhes roubaram. Por isso, eu vos animo vivamente a estudar a doutrina social da Igreja, nos diversos grupos a que pertenceis. Ela vos guiará em direcção a uma recta participação nos destinos do País, como é direito e dever de todos os cidadãos, colaborando na medida das suas possibilidades, para o bem comum.

5. Antes de interromper esta primeira parte do discurso, o Papa queria fazer aos jovens e às jovens angolanas um pedido: dedicai a vossa vida a causas dignas e justas! Construí uma Pátria que se apoie nos autênticos valores humanos e cristãos, para que o mundo de amanhã não venha a acusar-vos de lhe haverdes legado uma Pátria vazia de ideais e alienada em pseudovalores. Construí algo que valha a pena!!

Amai-vos uns aos outros e ajudai-vos mutuamente, com uma atenção preferencial pelos pobres e abandonados. Não aceiteis no vosso código de relacionamento as divisões sociais: são uma triste herança do passado. Que as diferenças sejam atributos que enriquecem e dão variedade à gente angolana e não motivo de divisão e discórdia. Sede um Povo unido, edificai uma única Nação onde todos possam considerar-se como irmãos.

6. Meus amigos, retomo a palavra para vos confirmar no vosso ser e viver de jovens cristãos, que o sois na quase totalidade dos presentes. Queria começar por vos dizer o quanto tenho a peito esta missão de vos confirmar cristãmente!

Na noite da Última Ceia – já lá vão quase dois mil anos –, o Senhor Jesus confidenciou assim a Simão Pedro, na presença dos outros apóstolos: “Simão, Simão, olha que Satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo. Mas Eu roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos” (Lc 22,31-32). Desde então Pedro e os seus Sucessores na Cátedra de Roma, sentem muito forte em seu coração esta solicitude por todos os seus irmãos.

Devo confessar-vos que os jovens têm um lugar muito especial na minha solicitude de Papa, aos quais não me canso de falar de Jesus Cristo, e daquilo que Ele, o eternamente Jovem, tem a dizer a cada um. Estou agora a lembrar-me do último Encontro Mundial da Juventude, que teve lugar em Czêstochowa, em Agosto do ano passado. Aí, eu quis confiar pessoalmente a um grupo de jovens, de diversos continentes e culturas, um círio aceso, símbolo de Cristo “Luz do mundo”. Nesta tarde de Pentecostes, aqui no Estádio da Cidadela, eu rezo ao Pai do Céu que vos envie o Divino Consolador para que os vossos passos se robusteçam e sigam firmes as pegadas que o próprio Cristo deixou marcadas na história de cada um de vós e da humanidade inteira! Que o Espírito Santo realize, nesta grande assembleia dos jovens angolanos, a desejada transformação das suas vidas!

7. Muitos de vós nasceram e cresceram no meio das maiores dificuldades e privações, porque a única coisa que havia à mão era a guerra: guerra, mais guerra e sempre guerra, com um cortejo de horrores, tragédias e mortes sem fim. Muitos de vós, nestes anos de vida, nada mais viram, e talvez nada mais vos deram... Então imaginastes que nada mais existia, além do sofrimento e da solidão.

Mas isso não é verdade! Para além de tudo isso, existes tu e, pelo menos, há mais Alguém, que para ti tem reservado algo de muito grande. Ouvi-me! Pois passo a anunciá-lo. Como outrora os apóstolos Pedro e João, a um homem andrajoso e paralítico de nascença, pedindo esmola à porta do Templo de Jerusalém, o Papa vos diz: “Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: em nome de Jesus Cristo de Nazaré, levanta-te e anda!” (Ac 3,6). Sim! Jovem amigo, o Papa veio hoje aqui para te dar a força de Cristo, para te dar um Companheiro no Qual podes confiar!

Serás tu capaz de confiar, por uma vez que seja, em Alguém que nunca desiludiu ninguém?! Abre o teu coração a Jesus Cristo e conhecerás a coragem que nunca desfalece, por maiores que sejam os obstáculos: conhecerás o amor mais forte que a morte! Na presença desta multidão jovem, Eu não posso deixar de testemunhar e louvar esse poder de Deus, esse amor seguro que já salvou a minha vida da morte!

Jovem, crê e viverás! Jovem, crê e aposta forte no amor! Jovem, crê e decide-te hoje mesmo a levantar na tua vida uma construção de eternidade! Meus amigos e irmãos jovens, recobrai a confiança em vós mesmos e edificai a vossa vida, o vosso amor, o vosso lar em Cristo! Porque “Eu estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor”! (Rm 8,38) Um jovem fiel a Cristo conhecerá a felicidade verdadeira que não tem fim.

8. Vós dizeis-me que muitos jovens têm medo de empenhar a sua vida num compromisso estável, quer na vida matrimonial quer na vida de especial consagração ao Reino de Deus. O vosso povo tem um provérbio que diz: “quem pensa não casa; quem casa não pensa”! Trata-se de uma decisão séria para a vida inteira: por isso, a decisão deve ser pensada... Foi o próprio Jesus que no-lo recomendou! (Cfr. Lc Lc 14,26-33) Mas, no caso dos jovens angolanos, dizem-me que um tal medo se fica a dever ao temor de um futuro incerto, à inconstância do carácter, ou ainda à falta de meios para realizar a cerimónia. Queridos amigos, pensai um pouco comigo!

Muitos jovens desistem de edificar a vida, com o medo das incertezas do futuro. Mas isso é errado! Eles ainda não conhecem o poder de Deus... Pensar assim, seria imaginar que amanhã já não existiria o mesmo Deus e Pai que ontem vos chamou à vida, e hoje vos desafia a apostar forte no amor!

Muitos rapazes e raparigas temerosos pelo seu futuro desistem de se comprometer com alguém, devido à inconstância do carácter, tanto própria como alheia. Mas isso está errado! Eles não conhecem a pessoa humana... É que o compromisso da vida não será decidido nem resolvido ao nível do carácter e do temperamento pessoal - que evidentemente pode mudar! Quem decide, assume e respeitará o compromisso da vida é a própria pessoa que - como bem sabeis - é sempre a mesma, e está dotada do poder de comandar - e até de sacrificar, se for necessário - os seus sentimentos e o seu carácter em vista do bem comum.

Muitos jovens não têm o necessário para fazerem uma festa grande de “casados”...Eu sei! Mas eu quero dizer-vos que a festa exterior não é assim tão importante como pensam. Importante é o amor abençoado, que vive no coração de ambos. Senão, ouvi! Os esposos vão viver sob o mesmo tecto: este será o lugar onde vive a família, a estrutura exterior daquela vida. Mas as pessoas não se limitam a viver numa casa; elas criam um lar. E criam-no pelo facto de cada um “viver” dentro do coração do outro: o esposo vive na esposa e a esposa vive no esposo; os filhos vivem nos pais e os pais vivem nos filhos. A casa paterna é a mútua residência dos corações humanos. Pois, meus amigos, para poderdes ser “casados”, a única riqueza verdadeiramente necessária é ter este coração humano que acolhe e faz feliz o outro.

9. Um jovem cristão, uma jovem cristã, se sente a vocação da paternidade e da maternidade para a geração de novos filhos, deverá crescer até formar um lar abençoado pelo matrimónio cristão. Tu és cristão, o teu casamento deverá ser cristão!

Quando vivemos superficialmente, podemos iludir-nos e querer construir a nossa felicidade com certas formas duvidosas de viver o amor. A poligamia, o amor livre, as uniões sem sacramento são falsas e enganosas. Aí o amor não é autêntico nem total. Pelo contrário, o casamento cristão, tendo por base a monogamia, respeita plenamente a dignidade e a igualdade do homem e da mulher e faz surgir o verdadeiro amor, como Jesus mandou: aquele dinamismo interior que leva o homem e a mulher a darem-se um ao outro, em união indissolúvel, na comunhão do seu ser.

10. Queridos jovens, sabeis que, além do matrimónio, há também a vida de especial consagração, pela qual um rapaz ou uma rapariga se tornam pai ou mãe, não de uma família só, mas de muitas famílias: o missionário, o sacerdote, a Irmã religosa ou o Irmão religioso, o monge ou a monja de clausura... Todos eles tornam-se pais e mães da comunidade, numa fecundidade prodigiosa. Será que dentro de algum ou de alguma de vós se encontra esta vontade enamorada por Cristo e pela Sua Igreja?!

Na vida consagrada, à semelhança do matrimónio, há uma chamada divina que abrange toda a pessoa, a ponto de ela já não se pertencer a si, mas a Cristo. Reveste também o carácter de uma aliança, de modo que aqueles a quem Deus chama, dão a Cristo Redentor uma resposta de amor; um amor que se entrega totalmente e sem reservas para ser “como hóstia viva, santa e agradável a Deus” ao serviço do povo e da Igreja. E assim, quem se consagra a Cristo na Igreja, torna-se mãe ou pai do povo cristão e das pessoas a quem ajuda, dando-lhes vida e a vida de Deus.

11. Jovens amigos, tudo isto vo-lo digo como Jesus Cristo me mandou. É em nome do Senhor que vo-lo transmito. Deixai que a Sua Luz - a Luz de Cristo ressuscitado, que guarda em si o significado mais belo e profundo da Cruz e do Pentecostes - deixai que essa Luz inunde o vosso coração. É pelo estudo atento da Escritura, pela oração e pelo serviço do próximo que nos deixamos invadir pela Sua Luz.

Dissestes-me que, por vezes, à vossa porta, batem pessoas pertencentes a seitas, várias das quais se dizem também seguidores de Jesus, parecendo até realizar grandes curas e prometendo coisas ainda maiores. O Papa, porque vos quer bem e nunca vos enganaria, julga merecer a vossa confiança para vos falar assim: Jovens, segui e vivei na única Igreja que Cristo fundou e quis. Essa Igreja foi autenticada com o selo do Seu Espírito que, no dia do Pentecostes, enviou sobre os Apóstolos - cujos sucessores são os vossos Bispos - reunidos à volta de Pedro - cujo sucessor é o Bispo de Roma e Pastor da Igreja Católica. Qualquer outra “Igreja” ou Religião, que tenha surgido antes ou depois desse dia, não pode apresentar o selo do Espírito Santificador prometido e enviado pelo Senhor.

Nunca esqueçais que vós mesmos sois Igreja! Sois as forças vivas desta Igreja que vai pelas estradas do mundo anunciando o Evangelho da Salvação. Eu sei que assim podereis prosseguir pelo caminho luminoso do amor que Cristo nos traçou, indo na esteira daqueles primeiros quatro jovens do Reino do Congo que ali começaram a anunciar a Boa Nova de Jesus. Sede seus dignos continuadores. Fostes evangelizados; estais chamados a evangelizar. Com a maturidade de 500 anos e uma juventude tão generosa como vós, a Igreja em Angola rejuvenescerá a Nação, pelo anúncio e o dom de Jesus Cristo.

12. O Papa tem de terminar... Ao fazê-lo, quer confiar-vos ao Senhor Jesus, o Amigo dos jovens. Posso afiançar-vos que Ele nunca vos abandonará, porque Cristo falou assim: “Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo” (Mt 28,20).

Que Nossa Senhora, a quem invocais como Padroeira da Nação sob o título de Imaculado Coração de Maria, seja a guia maternal das vossas justas aspirações!

O Papa vos ama e vos abençoa de todo o coração!



Discursos João Paulo II 1992 - Sábado, 6 de Junho de 1992