Discursos João Paulo II 1997 - 24 de Abril de 1997

1. É com verdadeiro prazer que lhe dou as boas-vindas, no momento em que Vossa Excelência apresenta as Cartas Credenciais e inicia, solenemente, a sua missão de Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário de Malta junto da Santa Sé. Peço que se digne transmitir a Sua Excelência o Senhor Presidente Ugo Mifsud Bonnici a expressão do meu reconhecimento pelos sentimentos de cortês deferência por ele manifestados, e que Vossa Excelência gentilmente me denotou. Expresso, além disso, os meus votos de paz e de prosperidade ao querido Povo maltês.

Agradeço-lhe de coração, Senhor Embaixador, as nobres expressões que me dirigiu, e desde já faço-lhe os melhores votos para um proveitoso cumprimento do seu alto encargo ao serviço dos seus compatriotas.

2. Esta missão, Senhor Embaixador, foi-lhe confiada num singular período histórico, de modo especial para a Santa Sé; isto é, às vésperas do ano 2000, que representa o fim de uma época para o mundo inteiro e, para os crentes em Cristo, o bimilenário da Encarnação, que será celebrado com um Grande Jubileu. Todos os povos de cultura cristã, e entre eles está o antigo e nobre Povo maltês, conhecem a importância desta celebração. Ela constitui, decerto, um evento eminentemente espiritual mas, sem dúvida, as suas consequências culturais e sociais são bastante relevantes, e não duvido que os cidadãos de Malta hão-de prestar grande atenção a ambos os aspectos desse acontecimento.

3. Vossa Excelência quis centrar o seu discurso no empenho a favor da paz. Como oportunamente recordou, na tradição do Povo maltês, a da paz é uma autêntica vocação, favorecida também pela posição geográfica da Ilha. Para se alimentar e produzir fruto, tal vocação requer que permaneça ancorada nas suas profundas e sólidas raízes cristãs. A paz, de facto, não é simplesmente um valor ao lado dos outros, mas é como que a síntese e o fruto pleno de todos os valores que constituem o desenvolvimento integral da pessoa humana e das suas relações sociais. Não existe empenho pela paz sem o empenho pela verdade, pela justiça, pela solidariedade operante, pela liberdade, como recordava o meu Venerado Predecessor o Papa João XXIII, na memorável Encíclica Pacem in terris (cf. cap. III, AAS 55 [1963], 279-284).

Eis por que os povos que, ao longo dos séculos, receberam e acolheram a mensagem cristã são chamados, de geração em geração, a seguir a sua luminosa inspiração, como reafirma a recente Carta pastoral dos Bispos malteses. Essa exigência é, mais que nunca, válida e necessária para os homens do nosso tempo, se eles pretendem deixar como herança às gerações do terceiro milénio sólidos alicerces espirituais e éticos, a fim de construir aquela a que a Igreja chama a «civilização do amor». Isto comporta a árdua tarefa de conjugar os valores da modernidade e do progresso, nos vários campos do saber e do agir humano, com as verdades e os valores perenes que animaram também a cultura do Povo maltês.

4. Entre estes valores, desejo evidenciar aqueles primários da vida humana e da família, cuja exacta compreensão está hoje ameaçada pelas concepções relativistas, difundidas com frequência pelos meios de comunicação de massa.

No que se refere ao valor da vida, Vossa Excelência bem sabe que a Igreja se mobiliza em escala mundial num grande desafio, em múltiplas frentes, antigas e novas. Com a Carta Encíclica Evangelium vitae pretendi chamar a atenção dos crentes, mas também de todos os homens de boa vontade, para a mensagem cristã sobre a vida e a exigência de promover uma renovada cultura da vida humana.

Este empenho começa precisamente na família que, fundada no matrimónio, constitui o ambiente natural em que a pessoa, nos vários estádios da sua existência, é acolhida, educada, cuidada, desde a concepção até à morte.

A fim de que estes dois valores primários sejam adequadamente tutelados, é importante que as instituições civis, graças ao empenho das pessoas que nelas são chamadas a trabalhar, façam referência a critérios éticos verdadeiramente respeitosos do homem e da sua dignidade.

5. Por todos estes motivos, Senhor Embaixador, é deveras desejável a colaboração entre a Igreja e o Estado, e estou certo de que Vossa Excelência saberá contribuir para o desenvolvimento desta cooperação, segundo as melhores tradições do seu País. Asseguro-lhe que, nos meus colaboradores, poderá encontrar sempre acolhimento, atenção e solícita compreensão.

Enquanto lhe renovo os votos de serena e profícua missão, que acompanho com desejos de todo o bem para os seus entes queridos, invoco sobre Vossa Excelência, os Governantes e todo o Povo de Malta a abundância das Bênçãos celestes.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ÓLAFUR EGILSSON NOVO EMBAIXADOR


DA ISLÂNDIA JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


24 de Abril de 1997



Senhor Embaixador

Dá-me grande prazer aceitar as Cartas Credenciais com que Vossa Excelência é designado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Islândia junto da Santa Sé. Estou grato pelos bons votos que me dirigiu da parte do Presidente, Sua Excelência o Senhor Ólafur Ragnar Grimsson, e do Governo e Povo da Islândia, e é de bom grado que lhos retribuo com a certeza das minhas orações pelo seu País. A sua hodierna presença aqui constitui uma agradável recordação da minha Visita pastoral ao seu País em 1989. Durante essa Visita, tive a oportunidade de experimentar a sua singular beleza e as tradições de hospitalidade, generosidade e amor da justiça e da liberdade, das quais os habitantes da Islândia estão justamente orgulhosos.

Aprecio profundamente as suas observações acerca da contribuição que a Igreja católica tem oferecido à vida cultural, social e espiritual da Islândia. Mediante o seu divino Fundador, à Igreja foi confiada uma missão que é acima de tudo espiritual e religiosa, voltada para o destino transcendental e eterno da família humana. Ao cumprir esta missão através da sua actividade evangélica e religiosa, a Igreja permanece ao mesmo tempo decididamente empenhada na promoção do progresso dos povos, mediante as instituições sociais e educativas sob a sua gestão. Um aspecto essencial desta obra é a formação das consciências das pessoas nas verdades fundamentais e nos valores éticos que servem de fundamento para uma sociedade verdadeiramente digna do homem.

No mundo contemporâneo, um debilitamento da aderência a tais verdades e valores pode constituir uma ameaça concreta à coexistência pacífica e à colaboração criativa entre povos e nações, com os interesses imediatos e particulares que obscurecem a solicitude pelo bem mais amplo da família humana no seu conjunto. A Igreja está convencida de que os problemas complexos e graves que atingem a paz no mundo só se podem resolver se as pessoas respeitarem as normas morais universais, inscritas por Deus no coração humano, e se os líderes governarem em conformidade com as mesmas. Estas normas constituem a guia mais segura da humanidade para a renovação genuína da vida social e política.

Através do seu empenhamento na comunidade internacional, a Santa Sé procura contribuir para uma consciência mais ampla de determinados direitos humanos universais que promanam da própria natureza da pessoa, com o correspondente dever moral da parte de cada um, de os promover e respeitar. Na véspera de um novo Milénio, devem-se despender renovados esforços para garantir estes direitos nas leis das nações e nos acordos internacionais, de modo especial para o benefício dos membros mais vulneráveis e ameaçados da sociedade. O cuidado dos desabrigados, refugiados, portadores de deficiência, idosos e doentes terminais — cuidado que se fundamenta sobre o profundo respeito pela sua dignidade humana — constitui uma autêntica medida de vida civilizada. A Igreja católica há-de continuar a servir o bem comum através das suas inumeráveis actividades educativas, sociais e de assistência à saúde, declarando directamente a sua oposição às tentativas de legitimar qualquer acção «contra os princípios fundamentais do absoluto respeito da vida e da tutela de cada vida inocente» (Evangelium vitae EV 72). Os católicos da Islândia estão empenhados em trabalhar em harmonia com os seus concidadãos, em prol do estabelecimento de uma civilização do amor, ou seja, em «construir um mundo de justiça, paz e amor, onde a vida e a igual dignidade de todos os seres humanos, sem discriminação, são defendidas e sustentadas» (Homilia, Reiquejavique, 4 de Junho de 1989; ed. port. de L’Osservatore Romano de 18.VI.1989, n. 4, pág. 4).

Outra questão a que Vossa Excelência se referiu, e que tem profundas implicações morais, é a necessidade de encontrar os meios para se pôr fim ao contínuo recurso à força como modo de resolver disputas. Para superar esta espiral de violência, toda a comunidade internacional deve trabalhar decididamente para criar um clima em que o diálogo é aceite como o único modo viável, responsável e ético de salvaguardar os direitos dos povos e das nações. Contudo, o diálogo só obterá bom êxito se for acompanhado de iniciativas específicas, destinadas a eliminar a transferência de armamentos para regiões altamente vulneráveis. Devem-se despender esforços decisivos para pôr fim ao escandaloso e imoral comércio de armas que viola as convenções internacionais e está intimamente ligado não só aos actuais conflitos, mas também ao terrorismo, ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Este comércio ilícito torna-se ainda mais devastador quando se persuadem os países mais pobres a comprar armas de destruição enquanto não são capazes de prover aos próprios cidadãos as necessidades básicas da vida. Faço votos por que a Islândia continue e erguer a própria voz contra os perigos do comércio de armamentos — de maneira especial a difundida venda ilícita de todos os tipos de armas e de materiais militares — e em favor de normas internacionais legalmente vinculantes. Desejo repetir o que escrevi na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1997: «É urgente desenvolver uma sólida “cultura da paz”, que previna e esconjure o desencadeamento incontrolável da violência armada, prevendo iniciativas que visem também impedir o aumento da indústria e do comércio das armas» (n. 4).

Senhor Embaixador, estou persuadido de que, ao cumprir as obrigações da sua sublime missão, os cordiais ?vínculos que existem entre a República da Islândia e a Santa Sé serão fortalecidos ulteriormente. Formulo-lhe os meus bons votos, assegurando que os departamentos da Cúria Romana estarão sempre prontos a assisti-lo. Sobre Vossa Excelência e sobre os seus compatriotas, invoco as abundantes bênçãos de Deus Todo-poderoso.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR IFTEKHAR AHMED CHOWSHURY


NOVO EMBAIXADOR DE BANGLADESH JUNTO


DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


24 de Abril de 1997



Senhor Embaixador

Sinto-me feliz por lhe dar as boas-vindas ao Vaticano e receber as Cartas Credenciais que o designam Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Popular de Bangladesh junto da Santa Sé. Agradeço-lhe as saudações que me transmitiu da parte da parte do Presidente, Sua Ex.cia o Senhor Justice Shahabuddin Ahmed, e do Primeiro-Ministro, Sua Ex.cia a Senhora Sheikh Hasina. Peço-lhe que tenha a amabilidade de lhes assegurar as minhas orações pela paz e pelo bem-estar da sua nação e do seu povo.

Vossa Excelência referiu-se aos compromissos da Santa Sé ao serviço da família humana. Com efeito, na sua actividade diplomática, a Santa Sé busca aquela «sã cooperação recíproca» (cf. Constituição pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, Gaudium et spes GS 76) entre a Igreja e a comunidade política, que redunda no benefício dos indivíduos, das nações e do mundo em geral. No núcleo desta cooperação deve existir uma solicitude comum pelo bem-estar integral dos povos e pela salvaguarda da dignidade humana. A possibilidade de íntima colaboração entre a Igreja e o Estado baseia-se, em última análise, no nosso reconhecimento do facto de que a finalidade de todo o desenvolvimento social e económico é o serviço do homem na sua totalidade, tendo em consideração não só as suas necessidades físicas, mas também as exigências da sua vida intelectual, moral e religiosa.

O homem é um ser tanto material como espiritual. Consequentemente, a plena dimensão humana da pessoa inclui valores quer materiais quer espirituais, mas são os valores espirituais a gozar de prioridade, porque dão plenitude ao significado das realidades materiais e indicam o uso apropriado que destas deveria fazer-se. O respeito pela sua hierarquia de valores é fundamental para garantir que o desenvolvimento social, económico e tecnológico sirva verdadeiramente o bem-estar de cada pessoa e da pessoa inteira (cf. Discurso ao Corpo Diplomático, 13 de Janeiro de 1997, n. 4). A Igreja está plenamente persuadida de que, salvaguardando e promovendo os valores espirituais, oferece uma contribuição essencial para a realização das mais profundas aspirações da humanidade à paz, solidariedade e progresso genuínos em cada um dos campos da actividade humana.

O povo bengalês é herdeiro de uma antiga civilização, com uma rica diversidade de tradições culturais que forjou uma comum identidade nacional. A minha ardente oração é para que, mediante o robustecimento da harmonia que já existe entre os vários sectores da sociedade, Bangladesh seja cada vez mais uma nação em que os seus cidadãos possam contribuir de modo efectivo para o desenvolvimento do país e compartilhar ulteriormente os benefícios do progresso económico e social.

Como muitas vezes tive ocasião de observar, uma das principais condições que se exige para uma sociedade pacífica é o desenvolvimento de uma cultura fundamentada no respeito pelo próximo, que abarque o respeito pelo seu direito à liberdade religiosa, uma liberdade que pertence a todos os indivíduos e comunidades. Particularmente às minorias religiosas deve garantir-se a liberdade de crer e de prestar culto como comunidades segundo as suas próprias tradições, e de prover de modo conveniente à educação e formação religiosas dos seus membros. Inevitavelmente, qualquer tentativa de impedir o exercício da liberdade de religião e da liberdade de consciência tem sérias consequências negativas para a ordem social e a paz na sociedade. Sem comprometer as suas crenças religiosas, todos os cidadãos deveriam poder sentir que são membros igualitários da comunidade nacional a que pertencem e que o seu contributo ao progresso da mesma é aceite e apreciado. Desta forma, a sociedade civil pode contar com fiéis que, em virtude das suas profundas convicções, não se deixarão dominar por tendências ideológicas prevalecentes, nem hesitarão em agir segundo as suas aspirações a tudo aquilo que é verdadeiro e justo, uma condição essencial para garantir a paz (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 1988, n. 3).

Quereria expressar aqui a minha gratidão pelas observações de Vossa Excelência a respeito da presença e do em empenhamento dos católicos na sociedade bengalesa. Embora constituam uma das minorias mais exíguas, os católicos em Bangladesh trabalham com os seus compatriotas pelo desenvolvimento económico, social e cultural do próprio país. É também mediante a sua dedicação que a Igreja pode continuar a própria actividade nos campos da educação e da assistência social. Ao oferecer tais serviços, ela não busca privilégios mas meramente a liberdade de continuar a própria missão espiritual e de servir o bem integral da sociedade. Estou convicto de que o Governo de Bangladesh há-de continuar a manter contactos frutuosos com os Bispos católicos do país, no que se refere às problemáticas de interesse e colaboração recíprocos.

Senhor Embaixador, tenho a certeza de que, como representante diplomático do seu país, fará muito para fortalecer os vínculos de amizade entre o seu Governo e a Santa Sé. Formulo-lhe os meus melhores votos para o bom êxito da sua missão e asseguro-lhe que os vários Dicastérios da Cúria Romana estarão prontos a assisti-lo no cumprimento dos seus deveres. Sobre Vossa Excelência e sobre todo o povo de Bangladesh invoco cordialmente as abundantes bênçãos do Altíssimo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ELTIGANI SALIH FIDAIL


NOVO EMBAIXADOR DO SUDÃO JUNTO


DA SANTA SÉ POR OCASIÃO D APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


24 de Abril de 1997

Senhor Embaixador

1. Seja bem-vindo ao Vaticano, onde tenho o prazer de acolher Vossa Excelência, por ocasião da apresentação das Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Sudão junto da Santa Sé.

Agradeço-lhe as saudações que me dirigiu em nome de Sua Excelência o Presidente Omer Hassan Ahmed Elbashir e do povo sudanês. Ficar-lhe-ia grato se se dignasse transmitir-lhe os votos que formulo para a felicidade e a prosperidade da nação inteira. Oro ao Altíssimo para que inspire em cada um os sentimentos de compreensão mútua e de fraternidade, que permitirão a edificação duma sociedade mais justa e mais solidária, fundada sobre um efectivo reconhecimento dos direitos de todos os seus componentes.

2. No seu discurso, Vossa Excelência apresentou os esforços feitos pelo Sudão a fim de chegar à paz e garantir os direitos de cada cidadão. É necessário, com efeito, que todas as nações reconheçam verdadeiramente os direitos fundamentais da pessoa, na diversidade das comunidades humanas e religiosas que as compõem. As diferenças, muitas vezes compreendidas como um peso ou uma ameaça contra a unidade nacional, manifestam ao contrário a riqueza e a grandeza da natureza humana, criada por Deus de tal maneira que todos os que nela participam formem uma única família humana. A paz constrói-se sobre uma verdadeira solidariedade entre as pessoas e entre os grupos humanos.

3. Vossa Excelência quis evocar a contribuição da Santa Sé à paz. É dever da Igreja recordar infatigavelmente a dignidade inalienável da pessoa humana, quaisquer que sejam a sua origem, raça, sexo, cultura ou religião. Isto significa que as comunidades humanas, mesmo quando são minoritárias, devem poder existir com as suas características próprias, e que é dever do Estado reconhecer-lhes o legítimo lugar, respeitando-as e fazendo com que as suas diferenças sejam um contributo para o bem comum. Este direito à existência inclui o da liberdade de se voltar para o Criador, segundo a sua própria consciência, para procurar a verdade e poder aderir a ela sem coacção, assim como de manifestar de maneira livre e pública a sua fé, gozando com toda a segurança dos lugares de culto, de educação e de serviço social. Como tive oportunidade de declarar diante da 50ª Assembleia Geral das Nações Unidas, todas as comunidades humanas devem ser respeitadas nas suas buscas de responder ao problema da vida humana. «Neste contexto, torna-se-nos possível constatar como é importante preservar o direito fundamental à liberdade religiosa e à liberdade de consciência, como pilares essenciais da estrutura dos direitos humanos e fundamento de cada sociedade verdadeiramente livre. Ninguém tem o direito de sufocar estes direitos usando o poder de coerção para impor uma resposta ao mistério do homem» (Discurso à ONU, 5/10/1995, n. 10; ver L’Osserv. 14/10/95, pág. Rm 4).

4. O diálogo entre os crentes das diversas tradições religiosas, no qual os católicos estão empenhados, deve ser o esforço de cada um para permitir, na verdade, uma compreensão melhor a fim de que a paz e a justiça se instaurem de maneira estável entre todos os cidadãos. Nesta perspectiva, a Igreja católica deseja vivamente que cristãos e muçulmanos possam trabalhar juntos em prol do desenvolvimento do seu país, no respeito mútuo das convicções de cada um, livremente manifestadas.

5. A sua presença nestes lugares testemunha o desejo do seu país de atribuir um lugar importante aos valores espirituais, necessários para a edificação duma sociedade deveras humana. Faço votos por que a sua missão contribua para fortalecer as relações de compreensão mútua entre o Sudão e a Sé Apostólica, para o bem de todos os sudaneses, cristãos e muçulmanos.

6. Por seu intermédio, permita-me, Senhor Embaixador, saudar a comunidade católica do Sudão, cujas provas e coragem conheço. Unida aos seus Pastores, que ela continue firme na fé e ponha a sua esperança no poder de Deus, que ouve o apelo daqueles que são fracos e indefesos. Encorajo os católicos a testemunharem com ardor, a exemplo da Beata Bakhita, a caridade de Cristo no meio dos seus irmãos e das suas irmãs. Saibam que a Igreja inteira é solidária com todos aqueles que, no seu país, sofrem no corpo ou no coração!

7. No momento em que tem início a sua missão, apresento-lhe os meus melhores votos para o seu bom desenvolvimento. Esteja certo de que encontrará sempre aqui um acolhimento atencioso e uma compreensão cordial junto dos meus colaboradores. Sobre Vossa Excelência e sobre o inteiro povo sudanês invoco do íntimo do coração as Bênçãos do Altíssimo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR ELIAS NAJMEH


NOVO EMBAIXADOR DA SÍRIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


24 de Abril de 1997



Senhor Embaixador

1. É com alegria que acolho Vossa Excelência, no momento em que apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Árabe da Síria junto da Santa Sé.

Agradeço-lhe, Senhor Embaixador, ter-me transmitido os votos de Sua Excelência o Senhor Hafez Al Assad, Presidente da República Árabe da Síria. Ficar-lhe-ia grato se lhe exprimisse, em contrapartida, os meus deferentes votos para a sua pessoa e pelo seu longo empenho ao serviço de todos os seus compatriotas, assim como os votos que formulo para aqueles que têm o encargo de servir a nação e para o inteiro povo da Síria.

2. Vossa Excelência evocou a importância dos valores espirituais e morais que pertencem às tradições dos seus compatriotas e dos habitantes da sua região, marcada pela história de São Paulo, uma das colunas da Igreja, o qual se esforçou com denodo para desenvolver estes mesmos valores junto dos povos com os quais se encontrava. Ainda hoje, deve-se privilegiar estes valores, que favorecem um diálogo autêntico entre os membros das religiões monoteístas e que reconhecem a paridade das pessoas e dos diferentes grupos religiosos no seio da sociedade. Como eu recordava recentemente, os dirigentes das Nações têm a grave responsabilidade de «orientar, com as suas decisões, a convivência entre povos, culturas e religiões diversas » (Mensagem Urbi et Orbi, 30 de Março de 1997, n. 5).

3. O diálogo, cuja importância foi acentuada por Vossa Excelência, supõe a liberdade de consciência e a liberdade religiosa das pessoas e famílias. Esta liberdade fundamental é para todos os crentes uma escola de humanidade e de fraternidade (cf. Mensagem por ocasião do cinquentenário do final da segunda guerra mundial na Europa, 8/5/1995, n. 12). Ela contribui para a edificação duma sociedade cada vez mais convivial. Com efeito, pelo respeito da sua identidade espiritual própria, os homens e as mulheres sentem-se valorizados no seu ser e estão assim mais aptos para se empenhar no desenvolvimento social do próprio país, que eles amam porque é a sua terra de origem. Esta visão deve inspirar a situação regional, e cada um deve esforçar-se, apesar das dificuldades, por sustentar a busca duma paz global, justa e duradoura.

Mas, em todas as nações, «a paz não poderá ser justa nem duradoura, se não estiver apoiada sobre o diálogo leal entre parceiros iguais, no respeito da identidade e da história de cada um, se não se apoiar sobre o direito dos povos à livre determinação do próprio destino, sobre a sua independência e segurança » (Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 13/1/1997, n. 3).

Como os seus irmãos muçulmanos, os católicos da Síria haurem o seu dinamismo da prática religiosa, necessária para a sua fé, no seio de comunidades vivas chamadas a reunir-se regularmente à volta dos seus pastores. Embora pouco numerosos no seu país, eles desejam empenhar-se no serviço da paz e da construção nacional, ao lado dos seus compatriotas. É do seu conhecimento, Senhor Embaixador, que os esforços da Igreja e dos cristãos estão orientados, de modo particular, para o bem integral das pessoas e dos povos, em razão mesmo da missão espiritual, religiosa e moral da Igreja no seio da comunidade internacional, missão à qual Vossa Excelência amavelmente se referiu.

4. Sinto-me particularmente sensível às palavras de estima do seu Governo para com os esforços envidados pela Sé Apostólica em favor da paz, da justiça e do diálogo inter-religioso. No mundo inteiro, a Igreja católica esforça-se por se fazer a intérprete da sede de dignidade e de justiça dos seus contemporâneos, e por conduzir os homens pelo caminho da paz; ela reconhece e louva a atenção da comunidade internacional e as numerosas acções empreendidas neste sector ao longo dos anos passados. Mas, de igual modo, avalia o caminho que ainda deve ser percorrido, para que cada povo encontre de novo a sua liberdade sem ambiguidade, e cada país, a sua soberania completa (cf. Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 12/1/1991, n. 7). Na causa da paz, a Igreja, que tem um papel distinto daquele das Autoridades civis, deseja unicamente servir o bem comum (cf. Gaudium et spes GS 76).

É em razão desta atenção específica ao homem que, sem tomar o lugar das Autoridades legítimas dos países, a Igreja e os fiéis de Cristo presentes nas diferentes nações desejam também participar na educação das consciências para os princípios essenciais e os valores fundamentais da vida social, como o respeito da dignidade inalienável de todo o ser humano, a solidariedade e a fraternidade entre todas as componentes humanas duma nação.

5. No momento em que inicia a sua missão, apresento-lhe os meus melhores votos. Vossa Excelência pode estar certo de que encontrará sempre junto dos meus colaboradores um acolhimento atencioso e uma compreensão cordial, a fim de levar a bom termo a sua actividade.

Sobre Vossa Excelência, sobre os dirigentes e sobre o povo da Síria, invoco de todo o coração as Bênçãos do Omnipotente.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR MOHAMED SALAH DEMBRI


NOVO EMBAIXADOR DA ARGÉLIA JUNTO


DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS




Senhor Embaixador

1. É com prazer que acolho Vossa Excelência no Vaticano, por ocasião da apresentação das Cartas, que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Argelina Democrática e Popular junto da Santa Sé.

Estar-lhe-ia grato se transmitisse a Sua Excelência o Senhor Presidente Liamine Zéroual, assim como ao povo argelino os votos de felicidade e de prosperidade, que formulo para toda a nação, suplicando ao Altíssimo que lhe conceda o dom da paz tão desejada.

2. Vossa Excelência ressaltou a necessidade do respeito das convicções de cada um e também das liberdades individuais e colectivas, a fim de estabelecer um verdadeiro Estado de direito. Para progredir nos caminhos do progresso e da concórdia, é indispensável, com efeito, satisfazer as justas aspirações do povo, abrindo perspectivas de futuro fundadas sobre uma real solidariedade entre todos os cidadãos, e sobre uma aceitação mútua das diversas sensibilidades. Mas as respostas a estas expectativas não podem limitar-se a dimensões puramente económicas e materiais; devem ter em consideração todos os aspectos da existência humana, permitindo sobretudo uma satisfação legítima das necessidades espirituais e culturais essenciais das pessoas e da sociedade.

3. Alegro-me pelo que Vossa Excelência referiu acerca do empenho do seu país, a fim de participar na edificação de um mundo mais solidário e mais justo. Para se chegar à estabilidade e à paz entre as nações, torna-se hoje necessário promover a compreensão e a cooperação. Nesta perspectiva, não se pode senão sustentar os esforços feitos entre os países situados às margens do Mediterrâneo para favorecer uma melhor compreensão recíproca e o bem-estar das populações. O diálogo entre os crentes das diferentes tradições religiosas deve também permitir uma abertura espiritual, que favoreça uma colaboração frutuosa ao serviço dos povos da região.

4. Ao aproximarmo-nos do terceiro milénio, a Igreja católica deseja que as nações e as comunidades humanas empreendam juntas «uma verdadeira peregrinação de paz, cada um partindo da situação concreta em que se encontra» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1997). Para muitas pessoas, a violência tornou-se a trágica realidade quotidiana. Os sofrimentos que ela causa fazem apelo à consciência de todo o homem de boa vontade e convidam a procurar com constância os caminhos da reconciliação. Esta via é difícil e semeada de obstáculos; portanto, a cultura da violência deve dar lugar à «cultura da paz». Só uma vontade sincera de se chegar a uma reconciliação efectiva pode permitir superar as resistências e procurar o bem comum antes dos interesses particulares.

Mediante a sua presença nestes lugares, o seu país manifesta a vontade de dar um lugar importante aos valores espirituais e morais, sem os quais uma sociedade não se pode estabelecer de modo duradouro. Faço votos por que os ligames, já antigos, entre a Sé Apostólica e a Argélia permitam uma compreensão cada vez maior, que contribua para a concórdia entre as comunidades humanas.

5. Por seu intermédio, permita-me, Senhor Embaixador, dirigir uma saudação afectuosa à pequenina comunidade católica do seu país. No decurso dos últimos meses, em várias ocasiões, ela foi tragicamente atingida pela violência cega, compartilhando deste modo a condição de muitos dos seus concidadãos. Faço votos por que o sacrifício do Bispo de Oran, dos monges trapistas de Nossa Senhora de l’Atlas, assim como o de muitos outros religiosos e religiosas, seja para o seu país um penhor de esperança e de fé, num futuro de justiça e de respeito mútuo. Aos Bispos e aos católicos da Argélia reitero os meus encorajamentos no seu generoso testemunho de fraternidade com o povo argelino inteiro. Continuo junto deles, e oro a Deus para que a essa terra, que conheceu tantas provas, chegue rapidamente o momento da reconciliação e da paz.

6. No momento em que inicia a sua missão, apresento-lhe os meus melhores votos para a nobre tarefa que o espera. Asseguro-lhe que encontrará sempre junto dos meus colaboradores um acolhimento atencioso e uma compreensão cordial.

Sobre Vossa Excelência e sobre o inteiro povo argelino, invoco de todo o coração a abundância das Bênçãos do Omnipotente.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS


25 de abril de 1997



Senhor Presidente Senhoras e Senhores Académicos

1. É-me grato encontrar-me convosco por ocasião da Assembleia plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, consagrada a uma reflexão sobre o tema do trabalho, já iniciada no ano passado. A escolha deste tema é particularmente oportuna, pois o trabalho humano «é uma chave, provavelmente a chave essencial, de toda a questão social » (Laborem exercens LE 3). As profundas transformações económicas e sociais que conhecemos, fazem com que o tema do trabalho se torne cada vez mais complexo e tenha graves repercussões humanas, pois faz surgir angústias e esperanças em numerosas famílias e em muitas pessoas, de modo especial entre os jovens.

Agradeço ao vosso Presidente, Senhor Professor Edmond Malinvaud, as suas amáveis palavras e a disponibilidade, da qual dá prova na jovem Pontifícia Academia. Renovo a todos vós a expressão da minha gratidão pela generosidade com que pondes as vossas competências, no seio desta Instituição, ao serviço não só da ciência, mas também da doutrina social da Igreja (cf. Estatutos, art. 1).

2. Com efeito, o serviço que deve prestar o Magistério neste sector tornou- se hoje mais exigente, pois deve enfrentar uma situação do mundo contemporâneo, que se modifica com uma extraordinária rapidez. Sem dúvida, a doutrina social da Igreja, na medida em que propõe princípios fundados sobre a Lei natural e sobre a Palavra de Deus, não varia ao sabor das mudanças da história. Entretanto, estes princípios podem ser constantemente especificados, de modo especial nas suas aplicações concretas. E a história demonstra que o corpus da doutrina social se enriquece constantemente de perspectivas e de aspectos novos, em relação aos desenvolvimentos culturais e sociais. É-me grato ressaltar a continuidade fundamental e a natureza dinâmica do Magistério em matéria social, no momento do trigésimo aniversário da Encíclica Populorum progressio, pela qual o Papa Paulo VI, no dia 26 de Março de 1967, a seguir ao Concílio Vaticano II e no caminho aberto pelo Papa João XXIII, propunha uma releitura perspicaz da questão social na sua dimensão mundial. Como não recordar aqui o brado profético que ele lançava, ao fazer-se voz dos sem-voz e dos povos mais desfavorecidos Paulo VI queria assim despertar as consciências, mostrando que o objectivo a alcançar era o desenvolvimento integral, mediante a promoção «de todo o homem e do homem todo» (cf. Populorum progressio PP 14). Por ocasião do vigésimo aniversário deste último documento, publiquei a Encíclica «Sollicitudo rei socialis», na qual retomei e aprofundei o tema da solidariedade. Ao longo destes dez últimos anos, numerosos eventos sociais, em particular a derrocada dos sistemas comunistas, transformaram de modo considerável a face do mundo. Diante da aceleração das mudanças sociais, convém hoje efectuar de maneira contínua verificações e avaliações. Consiste nisto o papel da vossa Academia que, três anos após a sua fundação, já ofereceu contribuições esclarecedoras; a sua actividade é particularmente promissora para o futuro.

3. Entre as vossas pesquisas actuais, o aprofundamento do direito do trabalho é de grande interesse, de modo especial se se considera a tendência actual do «desregramento do mercado». Trata-se dum tema sobre o qual o Magistério se exprimiu em muitas ocasiões. Pessoalmente, no ano passado evoquei-vos o princípio moral, segundo o qual as exigências do mercado, fortemente marcadas pela competitividade, não devem «ir contra o direito primordial de cada homem a ter um trabalho, que lhe permita viver com a sua família» (Discurso, 22/3/1996, n. 3). Retomando hoje este tema, devo pôr em relevo que, ao anunciar este princípio, a Igreja não quer de modo algum condenar a liberalização do mercado em si, mas pede que ela seja vista e posta em prática no respeito do primado da pessoa humana, ao qual devem estar submetidos os sistemas económicos. A história mostra amplamente a queda dos regimes marcados pela planificação que ameaça as liberdades civis e económicas. Mas isto não vale para outros tantos modelos opostos sob o ponto de vista diametral. Pois, infelizmente, a experiência demonstra que uma economia de mercado, deixada a uma liberdade incondicional, está longe de oferecer as maiores vantagens possíveis às pessoas e às sociedades. É verdade que o assombroso impulso económico de alguns países de novo industrializados parece confirmar o facto que o mercado pode proporcionar riqueza e bem-estar, mesmo nas regiões pobres. Mas, numa perspectiva mais ampla, não se pode esquecer o preço humano destes processos. Não se pode sobretudo esquecer o escândalo persistente das graves desigualdades entre as diferentes nações, e entre as pessoas e os grupos no interior de cada país, como ressaltastes na vossa primeira Assembleia plenária (cf. The study of the tension between human equality and social inequalities from the perspective of the various social sciences, Vatican City 1996).


Discursos João Paulo II 1997 - 24 de Abril de 1997