Discursos João Paulo II 1997 - 25 de abril de 1997

4. Continuam ainda a ser muitas as pessoas no mundo, que não têm acesso à menor parcela da opulenta riqueza duma minoria. No quadro da «globalização » também chamada «mundialização », da economia (cf. Centesimus annus CA 58), a transferência fácil dos recursos e dos sistemas de produção, realizada unicamente em virtude do critério do lucro máximo e em razão duma competitividade desenfreada, se aumenta as possibilidades de trabalho e de bem-estar nalgumas regiões, deixa ao mesmo tempo de parte outras regiões menos favorecidas e pode agravar o desemprego nos países de antiga tradição industrial. A organização «globalizada» do trabalho, ao aproveitar-se da miséria extrema das populações em vias de desenvolvimento, gera frequentemente graves situações de exploração, que ofendem as exigências elementares da dignidade humana.

Ante essas orientações, é essencial que a acção política assegure uma ponderação do mercado na sua forma clássica, mediante a aplicação dos princípios de subsidiariedade e de solidariedade, segundo o modelo do Estado social. Se este último funcionar de maneira moderada, evitará assim um sistema excessivo de assistência, que cria mais problemas do que os resolve. A esta condição, resta uma manifestação de civilização autêntica, um instrumento indispensável para a defesa das classes sociais mais desfavorecidas, muitas vezes esmagadas pelo poder exorbitante do «mercado global». Com efeito, aproveita- se hoje do facto de as novas tecnologias darem a possibilidade quase ilimitada de produzir e de intercambiar, em todas as partes do mundo, para reduzir a mão-de-obra não qualificada e impor-lhe numerosos constrangimentos ao apoiar-se, após o fim dos «blocos» e o desaparecimento progressivo das fronteiras, numa nova disponibilidade de trabalhadores escassamente remunerados.

5. De resto, como subestimar os riscos desta situação, não só em função das exigências da justiça social, mas ainda em função das mais amplas perspectivas da civilização Em si, um mercado mundial organizado com equilíbrio e uma boa regulamentação pode suscitar, com o bem-estar, o desenvolvimento da cultura, da democracia, da solidariedade e da paz. Mas pode-se esperar efeitos muito diferentes dum mercado selvagem que, sob o pretexto da competitividade, prospera ao explorar até às últimas consequências o homem e o meio ambiente. Este tipo de mercado, eticamente inaceitável, não pode ter senão consequências desastrosas, pelo menos a longo prazo. Tende a homologar, em geral no sentido materialista, as culturas e as tradições vivas dos povos; erradica os valores éticos e culturais fundamentais e comuns; corre o perigo de criar um grande vazio de valores humanos, «um vazio antropológico», sem considerar que compromete de maneira mais nociva o equilíbrio ecológico. Então, como não temer uma explosão de comportamentos desviantes e violentos, que geraria fortes tensões no corpo social A própria liberdade seria ameaçada, e também o mercado, que se aproveitara da ausência de obstáculos. Considerada muito bem, a realidade da «globalização », avaliada duma maneira equilibrada nas suas potencialidades positivas como naquilo que ela faz temer, exige que não se adie uma harmonização entre as «exigências da economia» e as exigências da ética.

6. É preciso, contudo, reconhecer que, no quadro duma economia «mundializada », a regulamentação ética e jurídica do mercado é objectivamente mais difícil. Para se chegar a isto de maneira eficaz, com efeito, as iniciativas políticas internas dos diferentes países não são suficentes; mas é preciso uma «concertação entre os grandes países» e a consolidação duma ordem democrática planetária com as instituições, nas quais «os interesses da grande família humana estejam representados de modo equitativo» (Centesimus annus CA 58). As instituições não faltam, a nível regional ou mundial. Penso, em particular, na Organização das Nações Unidas e nas suas diversas agências de vocação social. Penso também no papel que desempenham entidades como o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio. É urgente que, no terreno da liberdade, se consolide uma cultura das «regras», que não se limita à promoção do simples funcionamento comercial, mas se encarregue, graças a instrumentos jurídicos seguros, da promoção dos direitos humanos em todas as partes do mundo. Quanto mais o mercado for «global», tanto mais deverá ser equilibrado por uma cultura «global» da solidariedade, atenta às necessidades dos mais débeis. Infelizmente, apesar das grandes declarações de princípio, esta referência aos valores está cada vez mais comprometida pelo ressurgimento de egoísmos da parte de nações ou de grupos, assim como, a um nível mais profundo, por um relativismo ético e cultural bastante difundido, que ameaça a percepção do próprio sentido do homem.

7. Mas este é — e a Igreja não cessará de o recordar! — o nó górdio a cortar, o ponto crucial em relação ao qual as perspectivas económicas e políticas devem situar-se, para determinar os seus fundamentos e a possibilidade do seu encontro. É então a justo título que pusestes na vossa ordem do dia, ao mesmo tempo que os problemas do trabalho, os da democracia. As duas problemáticas estão inevitavelmente ligadas. Com efeito, a democracia não é possível senão «sobre a base duma concepção correcta da pessoa humana» (Centesimus annus CA 46), o que implica que a cada homem seja reconhecido o direito de participar activamente na vida pública, em vista da realização do bem comum. Mas como se pode garantir a participação na vida democrática a alguém que não está convenientemente protegido no plano económico e ao qual falta até o necessário Quando o direito à vida, desde a concepção até ao termo natural, não é plenamente respeitado como um direito absolutamente imprescritível, a democracia é desnaturada a partir de dentro e as regras formais de participação tornam-se um álibi, que dissimula a prevaricação dos fortes sobre os fracos (cf. Evangelium vitae EV 20 Evangelium vitae, 20 e 70). 7. Senhoras e Senhores Académicos, estou-vos muito reconhecido pelas reflexões que promovestes sobre estes temas essenciais. O que está em jogo não é apenas o facto de um testemunho eclesial cada vez mais pertinente, mas a construção duma sociedade que respeite plenamente a dignidade do homem, que nunca pode ser considerado como um objecto ou uma mercadoria, porque traz em si a imagem de Deus. Os problemas que se nos apresentam são imensos, mas as gerações vindouras pedir-nos-ão conta da maneira como exercemos as nossas responsabilidades. Mais ainda, por isto somos responsáveis diante do Senhor da história. A Igreja, então, conta muito com o vosso trabalho, impregnado de rigor científico, atento ao Magistério e, ao mesmo tempo, aberto ao diálogo com as múltiplas tendências da cultura contemporânea.

Sobre cada um de vós, invoco a abundância das Bênçãos divinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA ESCÓCIA


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


25 de Abril de 1997



Eminência Caros Irmãos Bispos!

1. Enquanto a Igreja continua a celebrar com alegria pascal «a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos» (1P 1,3), dou-vos as boas-vindas — Bispos da Escócia — no amor de nosso Senhor e Salvador: «Graça e paz da parte d’Aquele que é, que era e que há-de vir» (Ap 1,4). A vossa visita ad limina Apostolorum é uma celebração da natureza profunda e plena de graça da comunhão colegial, que nos une no serviço de Cristo e da Sua Igreja. Junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo reafirmais a vossa fidelidade, e a do povo católico da Escócia, ao Sucessor de Pedro, a Pedra sobre a qual o Senhor continua a edificar a Sua Igreja (cf. Mt Mt 16,18). Quero que saibais que nas alegrias e esperanças, nas tristezas e angústias do vosso ministério jamais cessei de «me lembrar sempre de vós nas minhas orações, porque estou informado da fé e da caridade que tendes demonstrado» (Filém. 1, 4-5).

Enquanto nos preparamos para entrar no Terceiro Milénio, o Espírito Santo impele a Igreja a cumprir o seu dever sagrado de anunciar o Evangelho a todas as criaturas (cf. Mc Mc 16,16). O Grande Jubileu do Ano 2000 convida-nos a intensificar os nossos esforços para fazer progredir a missão de Cristo no mundo. A Igreja na Escócia está a celebrar dois grandes aniversários. O dia 9 de Junho assinala o 1.400° aniversário da morte de São Columbano, o grande apóstolo das terras montanhosas e das ilhas da Escócia. O seu labor apostólico deu renovado impulso à difusão da fé, levada a Bretanha do norte dois séculos antes por Santo Niniano, cujo 1.600° aniversário, por uma feliz coincidência, celebrareis também este ano, em Agosto.

O heroísmo, a dedicação e a santidade desses evangelizadores intrépidos resplandecem ainda hoje como um modelo para todos os pastores de almas, na proclamação de Jesus Cristo, «o mesmo ontem e hoje e por toda a eternidade» (He 13,8).

2. Vós tendes a ventura de contar entre os vossos colaboradores com sacerdotes, que são verdadeiramente «homens de Deus», generosos diante dos perenes e sempre novos desafios do seu ministério. Também a eles envio as minhas saudações afectuosas, e neste contexto convido-vos a encorajar, desenvolver e aprofundar as iniciativas dos últimos anos, tomadas para fortalecer a espiritualidade do presbitério diocesano, compreendido como uma comunhão cada vez mais profunda com a caridade pastoral de Jesus (cf. Pastores dabo vobis PDV 57). Fazei tudo o que é possível para promover um sentido seguro e fiel da identidade sacerdotal. Esta será a base indispensável para um esforço sustentável, em ordem a promover vocações mais abundantes ao serviço do Povo de Deus, através do ministério ordenado.

Se a Igreja na Escócia quiser enfrentar com pleno sucesso o desafio da evangelização no Terceiro Milénio cristão, deve continuar a assegurar que um número suficiente de jovens talentosos responda agora ao chamamento de Cristo. Os vossos Seminários têm a delicada tarefa de inspirar esses candidatos às Ordens com o ideal do sacerdócio de maneira que, após a formação espiritual, intelectual e pastoral que a Igreja, na sua sabedoria, predispôs para os futuros ministros do altar, os neo-sacerdotes possam depois edificar, mediante a sua pregação e a celebração dos sacramentos, comunidades cristãs centradas na presença salvífica do Senhor Ressuscitado.

Ao servirdes a Igreja, vós e os vossos sacerdotes podeis contar com o apoio dos dedicados membros dos Institutos de vida consagrada presentes no vosso país, que testemunham aquele indiviso amor por Cristo e pela Sua Igreja, expresso através da observância dos conselhos evangélicos. Juntos demos graças ao Senhor da messe pelos religiosos das vossas dioceses. Fazei com que eles saibam que são amados e apreciados como vossos verdadeiros colaboradores na comunidade de fé.

3. O aspecto do vosso ministério episcopal, sobre o qual principalmente desejo reflectir convosco, é o do vosso papel como mestres da fé. Os fiéis esperam que os Bispos sejam «doutores autênticos, dotados da autoridade de Cristo, que pregam a fé ao povo a eles confiado » (Lumen gentium LG 25). Por isso, com o Apóstolo Paulo vos exorto solenemente: «Pregai a palavra, oportuna e inoportunamente » (2Tm 4,2). O primeiro dever do Bispo é anunciar Jesus Cristo, «a força da Sua ressurreição e a comunhão nos Seus sofrimentos» (cf. Fil Ph 3,10). Só n’Ele o homem pode encontrar o significado da sua existência terrena: Ele é o centro da criação, e toda a história humana está orientada para Ele, como a sua única explicação e fim. O dever de proclamar com coragem o Evangelho torna-se cada vez mais premente, uma vez que a sociedade começa a perder o sentido de Deus: como Bispos, devemos ser incansáveis em chamar de novo os nossos fiéis ao conhecimento e ao amor de Jesus Cristo. Exorto-vos, portanto, a «dar testemunho da verdade» (Jn 18,37) sempre e com vigor, assegurando que o vosso povo receba aquela verdade que o torna livre (cf. Jo Jn 8,32). O ensinamento corajoso, esclarecido e persuasivo que a doutrina da Igreja dedica às situações práticas locais é essencial, em ordem a sustentar a vida espiritual e moral dos fiéis. Ele é também um meio eficaz para reevangelizar aqueles que «perderam o sentido vivo da fé, não se reconhecendo já como membros da Igreja e conduzindo uma vida distante de Cristo e do Seu Evangelho» (Redemptoris missio RMi 33). A elaboração dos efeitos que o Evangelho tem sobre a vida cristã no mundo e a sua aplicação às novas situações, é fundamental para a vossa guia eclesial, em particular através das Cartas Pastorais individuais ou conjuntas sobre importantes questões de fé e de moral. Chegou o momento de os católicos, juntamente com os outros cristãos, aplicarem o vigor do Evangelho à luta para defender e promover os valores fundamentais, sobre os quais edificar uma sociedade autenticamente digna do homem.

4. Como muitas vezes propusestes no vosso ensinamento, a renovação da comunidade cristã e da sociedade, no limiar do Terceiro Milénio, passa através da família. O fortalecimento da comunhão de pessoas na família é o grande antídoto contra o comodismo e o sentido de isolamento hoje tão comuns. A solicitude pastoral para com a família exige de vós «grande dedicação, solicitude, tempo, pessoal, recursos; sobretudo, porém, apoio pessoal às famílias e a quantos, nas diversas estruturas diocesanas, vos ajudam na pastoral da família» (Familiaris consortio FC 73). Deveis infundir uma nova confiança de que Cristo, o Esposo, acompanha os cônjuges, revigorando- os com a força da Sua graça e tornando-os capazes de servir a vida e o amor, segundo o desígnio de Deus «desde o início» (cf. Mt Mt 19,6). As agências diocesanas interessadas, assim como as paróquias e as escolas, deveriam estar profundamente conscientes da urgente necessidade de preparar os jovens para a vida matrimonial e para serem pais, e deveriam fazer todo o esforço possível para elaborar modalidades práticas, a fim de sustentar os matrimónios já existentes e assistir os casais em dificuldade.

Preocupada pelo bem dos indivíduos e da sociedade e obediente à vontade divina, a Igreja jamais cessa de proclamar que o matrimónio é uma aliança permanente de vida e de amor. Contudo, como bem sabeis, hoje existe o particular problema dos divorciados e dos que se casaram de novo. A caridade pastoral exige que eles não sejam marginalizados pela comunidade de fé mas, ao contrário, lhes seja mostrado o amor que o Pastor nutre por aqueles que se encontram em dificuldade (cf. Lc Lc 15,3-7). Sem quebrar a cana rachada nem apagar a mecha que ainda fumega (cf. Is Is 42,3) ou, noutro extremo, sem esvaziar de significado o ensinamento da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio, cada paróquia deveria ser considerada como uma família, na qual cada um pode experimentar o acolhimento e a consolação, assim como o perdão e a reconciliação, oferecidos pelo Pai que é «rico em misericórdia» (Ep 2,4).

5. De igual modo, desejo exprimir-vos, a vós e aos fiéis escoceses, o meu profundo apreço pelos vossos resolutos esforços em ordem a defender a dignidade inviolável da vida humana, contra as antigas e novas ameaças, por vezes disfarçadas de compaixão e dirigidas contra os nascituros, os deficientes, aqueles que estão gravemente doentes e os moribundos. Os indivíduos, as famílias, os movimentos e as associações têm amplo espaço para realizarem a tarefa de edificar «uma sociedade, onde a dignidade de cada pessoa seja reconhecida e tutelada, e a vida de todos fique tutelada e promovida» (Evangelium vitae EV 90). Os vossos esforços para ajudar as mães incertas de acolher ou não o seu filho nascituro, merecem o apoio de toda a comunidade eclesial e, de facto, de todas as pessoas de boa vontade.

Os fiéis esperam também que façais conhecer cada vez mais, com clareza e compaixão, o ensinamento da Igreja sobre as questões concernentes ao fim da vida, que sempre mais famílias e o pessoal sanitário devem enfrentar. Nas Sagradas Escrituras nada é mais claro do que a soberania do Senhor sobre a vida e a morte. A palavra de Deus ensina que «ninguém pode escolher arbitrariamente viver ou morrer; efectivamente, Senhor absoluto de tal decisão é apenas o Criador» (Evangelium vitae EV 47). É n’Ele «que vivemos e nos movemos e existimos» (Ac 17,28). Este ensinamento deveria ser entendido no contexto mais amplo da inteira abordagem cristã da vida, segundo a qual «o valor salvífico de qualquer sacrifício, aceite e oferecido a Deus por amor, brota do sacrifício de Cristo, que chama os membros do Seu Corpo místico a associarem-se aos Seus sofrimentos» (Redemptoris missio RMi 78). O caminho rumo a uma cultura da vida passa necessariamente através da participação no mistério do Calvário.

Encorajo a Igreja na Escócia, de modo particular os seus sacerdotes, os catequistas e os professores católicos, a não desanimarem na luta para defender o valor inviolável e sagrado de toda a vida, mas a velarem, a protegerem os débeis e os vulneráveis e a actuarem para convencer os concidadãos de que a renovação da sociedade se deve basear no respeito pelas verdades e pelos valores morais objectivos e universalmente válidos.

6. Entre os outros motivos de interesse vital do vosso ministério, considerais justamente as escolas católicas como fundamentais na missão da Igreja na Escócia. Imensa gratidão merecem os sacerdotes, os religiosos e os leigos que trabalham com incansável generosidade no âmbito do apostolado da educação. Estas escolas devem oferecer um tipo de ambiente educativo, no qual as crianças e os adolescentes possam tornar-se amadurecidos no amor por Cristo e pela Igreja. A identidade específica das escolas católicas deveria manifestar-se em todo o currículo de estudos e em cada sector da vida escolar, a fim de que elas possam ser comunidades em que se alimenta a fé e as crianças sejam preparadas para a sua missão no âmbito da Igreja e da sociedade. Mais do que no passado, as escolas católicas devem pôr em relevo a evangelização e a catequese, porque em muitos casos falta nas famílias uma correcta formação religiosa (cf. Catechesi tradendae CTR 18-19). Os professores das escolas católicas devem poder e querer transmitir a fé católica em toda a sua integridade, beleza e força. Por este motivo, devem ser guiados na sua vida pela «palavra da verdade», que é o Evangelho da salvação (cf. Ef Ep 1,13). Estou a par do facto que reafirmastes com vigor o direito de a Igreja fundar, guiar e administrar escolas livremente e de acordo com o direito de os pais católicos disporem dos meios para assegurar aos próprios filhos uma educação na fé (cf. Gravissimum educationis GE 8). Sempre que estes direitos são ameaçados, é necessária uma resposta decisiva.

7. Caros Irmãos no Episcopado, ao falarmos da educação dos jovens recordemo-nos do próximo Dia Mundial da Juventude em Paris, um encontro de jovens, homens e mulheres, que no futuro serão guias de evangelização e de renovação social (cf. Christifideles laici, CL 46). Como Bispos, temos a responsabilidade de convidar e acolher os jovens adultos — com a sua fome espiritual, o seu idealismo e a sua vitalidade — de maneira mais completa na vida da Igreja. Eles procuram, às vezes de modo confuso, aquela plenitude de vida que só se encontra em Jesus Cristo, «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6). Esperam que a Igreja e os seus responsáveis apresentem um sério programa de formação, com uma sólida doutrina católica, e encorajem a oração pessoal e litúrgica, e a recepção frequente do sacramento da Reconciliação e da sagrada Eucaristia. Os jovens esperam que a Igreja lhes lance desafios, aos quais sabem responder com grande generosidade. Quando encorajamos a sua paixão pela justiça, a sua solidariedade para com os marginalizados e o seu desejo de paz, oferecem um contributo singular para «edificar o Corpo de Cristo» (Ep 4,12). O ministério em favor dos jovens deveria concentrar-se na paróquia, para assegurar que eles não fiquem isolados da mais ampla comunidade de fé e de culto. Como confirma a experiência, muitas vezes útil é integrar as actividades paroquiais com associações, movimentos e grupos católicos de jovens que se ocupem das particulares necessidades dos próprios jovens (cf. Redemptoris missio RMi 37).

8. Ao aproximar-se o Grande Jubileu, a Igreja avança na sua peregrinação, vigiando e esperando o seu Senhor, o Alfa e o Ómega, que «renova todas as coisas » (Ap 21,5). Convido a Igreja na Escócia a implorar ao «Pai das misericórdias » (2Co 1,3) a graça de «estar conformada à imagem de Seu Filho» (Rm 8,29). Oro para que o Senhor Ressuscitado continue a aumentar o fervor dos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos das vossas Dioceses, e para que a boa obra que neles teve início se possa completar (cf. Fil Ph 1,6). Ao agradecer-vos o vosso empenho e a vossa dedicação e ao confiar-vos à protecção amorosa de Maria, Mãe da Igreja, e à intercessão dos vossos Padroeiros celestes, concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica.



VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CERIMÓNIA DE ACOLHIMENTO


NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE PRAGA


25 de Abril de 1997



Senhor Presidente da República
Senhor Cardeal Arcebispo de Praga
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Autoridades políticas, civis e militares
Irmãos e Irmãs caríssimos!

1. Há dois anos, ao chegar a este aeroporto para uma visita de intenso programa pastoral, que me levaria à Morávia e depois à Polónia, constrangido a reduzir a poucas horas a minha paragem em Praga, expressei-vos o desejo de vos encontrar «mais demoradamente em 1997, para as celebrações do Milénio do martírio de Santo Adalberto» (L’Osserv. Rom. Maio , pág. Rm 4).

Realizou-se hoje o desejo: eis-me, com a graça do Senhor, de novo aqui, para viver convosco o evento, para o qual vos preparastes nestes dez anos. Foi, de facto, o saudoso Cardeal František Tomášek que proclamou, com autêntico espírito profético, o «Decénio de renovação espiritual» para preparar o Milénio de Santo Adalberto. Ele, que era um homem de Deus, teve, como Abraão, «esperança contra toda a esperança » (cf. Rm Rm 4,18). E foi premiado: viu a canonização de Inês da Boémia, o processo de consolidação dos princípios democráticos antes ainda da queda do muro de Berlim, a restituição da liberdade à Igreja, após longos anos de perseguição. Depois de ter tido a alegria de acolher o Papa em Abril de 1990, ele certamente, do céu, gozou ao ver-me retornar outras duas vezes entre o seu povo. Deveras a história é dirigida pela mão omnipotente de Deus!

2. Agradeço-lhe de coração, Senhor Presidente, estar aqui para me dar as boas-vindas também em nome de toda a querida República Tcheca, que Vossa Excelência representa com tão grande prestígio, tendo estado entre os artífices do renascimento deste País.

A Vossa Eminência, querido Senhor Cardeal Arcebispo de Praga, e a todos os Coirmãos no Episcopado, apresento a minha saudação afectuosa e exprimo a minha alegria por estar de novo nesta amada terra, no ápice das celebrações em honra de Santo Adalberto, preparadas e organizadas com grande inteligência pastoral.

Saúdo com afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os fiéis desta terra de Santos, assim como todos os cidadãos da República.

3. Como sabeis, o motivo que me trouxe de novo entre vós é dúplice: queremos celebrar no domingo a Solenidade de Santo Adalberto e, nessa ocasião, meditar sobre a mensagem que emerge do decénio de renovação espiritual.

O Milénio e o Decénio: é precisamente grandes momentos da vida histórico-espiritual da vossa Pátria, que retornei. E vim com maior prazer porque este 1997 é também o primeiro dos três anos de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000.

Como não ver um fio de ouro que une entre si estes três grandes acontecimentos? Neste momento, que é para mim de grande comoção, não posso deixar de recordar as palavras que vos dirigi na homilia, que teve lugar aqui em Praga em 1990, ao falar do Decénio proclamado pelo Cardeal Tomášek, como de um «convite clarividente» a aprofundar a história religiosa e civil da vossa Pátria (cf. Insegnamenti, XIII, 1, 1990, pág. 963).

Era um convite a responder aos desafios do presente, haurindo luz e vigor do passado. E que facho de luz nos chega do martírio de Santo Adalberto, acontecido há mil anos! A figura mansa e atraente do santo Bispo fala com força imutada também à geração actual. Ele foi — como já tive ocasião de observar — «o primeiro Tcheco na cátedra episcopal de Praga, o primeiro Tcheco de importância deveras europeia [...]. Santo Adalberto, juntamente com os Padroeiros da Europa, Bento, Cirilo e Metódio, pertence aos fundadores da cultura cristã na Europa, especialmente na Europa central» (Ibid., pp. 962s.).

4. O Decénio e o Milénio bem se harmonizam com a preparação para o Jubileu do Ano 2000, que está centrada, em 1997, em «Jesus Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre». Como indiquei na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, somos chamados a aprofundar o seu mistério, retornando «com renovado interesse» à Bíblia, e redescobrindo o Baptismo como «fundamento da existência cristã» (cf. nn. TMA 40-41). É um empenho importante também sob o aspecto ecuménico, uma vez que «o destaque da centralidade de Cristo, da Palavra de Deus e da fé não deveria deixar de suscitar interesse e acolhimento favorável nos cristãos de outras Confissões » (n. 41).

Estou por isso particularmente feliz de pronunciar estas palavras, com o pensamento voltado para os caros irmãos e irmãs das outras Igrejas e denominações cristãs, operantes nesta República. Ao saudá-los cordialmente, digolhes «até à vista» na reunião de oração ecuménica, que teremos no domingo à tarde na catedral dos Santos Vito, Venceslau e Adalberto.

Mas espero que as motivações espirituais desta minha visita encontrem um eco também entre aquelas pessoas que, por vários motivos, se sentem distantes da Igreja e da religião em geral. Nas minhas experiências de jovem sacerdote e de Bispo em Cracóvia, pude aproximar não poucas destas pessoas que buscam a verdade, e sempre considerei com grande respeito a dificuldade interior que, não raro, as acompanha.

Estou certo de que a herança dos valores cristãos, dos quais Santo Adalberto foi testemunha privilegiada em tempos marcados pela ignorância e pela barbárie, não deixa indiferentes quantos entre eles, embora distantes da fé, têm a peito as raízes civis, culturais e espirituais, que marcaram de modo tão profundo a história da vossa Pátria!

5. Estou para ir, durante a minha viagem apostólica, ao mosteiro beneditino de Brevnov, fundado há 1.004 anos por Santo Adalberto. A ele confio o bom êxito dos meus passos de peregrino, esperando que estas celebrações milenárias sejam uma nova etapa avante na sempre crescente maturação espiritual e ética de todos os caríssimos filhos desta terra bendita.

Senhor Presidente, venerados Irmãos, Senhoras e Senhores! Com estes votos, que me nascem do coração, renovo o meu agradecimento sincero pelo acolhimento que me foi tributado, e recomendo à bênção de Deus omnipotente as vossas pessoas, as vossas famílias, a vossa Pátria, decisivamente orientada, embora entre dificuldades compreensíveis, para horizontes de paz, de progresso, de colaboração nacional e internacional.

Louvado seja Jesus Cristo!



VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS BISPOS


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL NACIONAL


Praga, 25 de Abril de 1997



Senhor Cardeal
Caríssimos Coirmãos no Episcopado!

1. Desejei vivamente este encontro convosco, que tendes a responsabilidade da guia na fé e do governo na caridade do Povo de Deus nestas regiões. Dou graças a Deus por poder estar hoje aqui convosco, nesta casa que é para todos acolhedora, porque é um pouco a casa do Papa.

Estou-vos grato pelo cuidado com que preparastes esta visita. Possa ela produzir abundantes frutos de renovação na vida cristã das vossas respectivas dioceses e circunscrições eclesiásticas, em poucos anos aumentadas de número depois da recente erecção das dioceses de Plzen na Boémia e de Ostrava-Opava na Morávia e Silésia.

Saúdo com afecto cada um de vós, a começar por Vossa Eminência, caríssimo Cardeal Arcebispo de Praga e sucessor de Santo Adalberto, e por Vossa Excelência, Senhor Arcebispo de Olomouc, na grata recordação do acolhimento seu e dos fiéis, durante a peregrinação de há dois anos. Dirijo uma saudação especial também a D. Karel Otcenášek, em cuja Diocese terei a alegria de celebrar, amanhã, a Santa Missa para a juventude. Vejo com satisfação o Exarca Apostólico do novo Exarcado para os fiéis de rito bizantino-eslavo residentes na República Tcheca. Além dos Bispos residenciais desejo saudar também os Auxiliares, entre os quais os dois de Praga, de recente ordenação episcopal.

Estou aqui para dar graças a Deus, juntamente convosco, pelos dons espirituais, com que abençoou a Igreja na Boémia, na Morávia e na Silésia no decurso do Decénio de renovação espiritual, querido pelo inesquecível Card. František Tomášek. Decénio, proclamado em tempos ainda densos de trevas, a fim de preparar os fiéis para o Milénio do martírio de Santo Adalberto.

2. Esta noite Santo Adalberto fala-nos da sua vida de Bispo, devorado pelo zelo para com o rebanho a ele confiado, e ao mesmo tempo arrebatado por Deus segundo o ideal beneditino de oração e de acção. A antiga biografia, traçada por Bruno de Querfurt, define de modo lapidário a sua fisionomia de Bispo: Bene vixit, bene docuit, ab eo quod ore dixit nusquam opere recessit: «Viveu de maneira egrégia, ensinou com sabedoria, jamais se apartou, com as obras, de quanto disse com os lábios» (Legenda Nascitur purpureus flos, XI). E de modo não menos eficaz delineia-lhe as virtudes de monge, o amor à oração, ao silêncio, à humildade, ao escondimento: Erat laetus ad omne iniunctum opus, non solum maioribus sed etiam minoribus oboedire paratus, quae est prima via virtutis: «Alegrava-se com qualquer trabalho que lhe fosse confiado, pronto a obedecer não só aos superiores mas também aos inferiores, é isto que constitui a primeira via da virtude» (ibid., XIV).

A sua rica personalidade, a sua forte e mansa figura de homem sensível aos valores da civilização cristã, de Bispo aberto às grandes dimensões europeias, que teve o carisma de unir num só anélito de apostolado as diversas nações da Europa, constitui para nós um modelo. Ele foi um Pastor integérrimo e tenaz que, diante da corrupção e das debilidades, permaneceu fiel à imutável Lei de Deus; foi missionário corajoso e responsável, chamado a ampliar cada vez mais os horizontes da evangelização e do anúncio.

3. Santo Adalberto enfrentou na sociedade do seu tempo, tanto civil como eclesiástica, desafios de gravidade enorme, empenhando-se numa obra significativa que, se não deu imediatamente frutos visíveis, produziu com o tempo efeitos que perduram ainda hoje. Os desafios que vós, caríssimos Bispos, tendes hoje à vossa frente não são menos empenhativos daqueles de outrora. Penso, em primeiro lugar, na indiferença religiosa que, como tive oportunidade de reafirmar na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, leva muitas pessoas a viverem como se Deus não existisse ou a contentarem-se com uma religiosidade vazia, incapaz de se medir com o problema da verdade e com o dever da coerência (cf. n. TMA 36). Quarenta anos de sufocamento sistemático da Igreja, de eliminação dos seus Pastores, bispos e sacerdotes, de intimidação das pessoas e das famílias, pesam gravemente sobre a geração actual. É o que se observa, em particular, no âmbito da moral familiar, como emergiu de alguns dados estatísticos fornecidos por ocasião do Ano Internacional da Família. Quase metade dos casais se divorcia ou se separa, sobretudo na Boémia. A prática do aborto, consentida pelas leis herdadas do regime passado, embora dê sinais de ligeira diminuição, está ainda hoje entre as mais altas no mundo. Como consequência, o fenómeno da diminuição da natalidade assume proporções cada vez maiores: desde há alguns anos o número dos decessos já superou o dos nascimentos.


Discursos João Paulo II 1997 - 25 de abril de 1997