Discursos João Paulo II 1997 - Praga, 25 de Abril de 1997

Outro desafio para o anúncio do Evangelho é o hedonismo, que de Países vizinhos fez irrupção nestas terras, contribuindo para fazer penetrar a crise dos valores na vida quotidiana, na estrutura da família, no modo mesmo de interpretar o sentido da existência. Sintoma de uma situação de grave mal-estar social é também a difusão de fenómenos como a pornografia, a prostituição e a pedofilia.

Caros Irmãos, estais bem conscientes destes desafios, que estimulam a vossa consciência pastoral e o vosso sentido de responsabilidade. Eles não vos devem desanimar, mas antes constituir ocasião para renovar o empenho e a esperança. A mesma esperança que animou Santo Adalberto, apesar das provas, também espirituais. É esperança que nasce da consciência de que «a noite vai adiantada e o dia está próximo» (Rm 13,12), porque connosco está Cristo ressuscitado.

Na sociedade estão presentes não poucas forças boas, muitas das quais estão à frente nas paróquias e se distinguem pelo empenho de santificação pessoal e de apostolado. Faço votos por que, com a vossa ajuda, elas possam sempre superar as dificuldades e os obstáculos.

4. A família esteja no centro das vossas atenções de Pastores. «Igreja doméstica », ela é a mais sólida garantia para a almejada renovação em vista do Terceiro Milénio. Exprimo apreço pelas múltiplas iniciativas e pelos vários centros para a família, surgidos em toda a parte do País a fim de favorecer a ajuda concreta à infância, à juventude em dificuldade e às mães solteiras.

Na família, intimamente marcada por usos, tradições, costumes, ritos profundamente impregnados de fé, encontra-se o terreno mais adequado para o florescimento das vocações. Quando a voz dos Pastores era constrangida a calar, as famílias souberam manter a herança cristã dos antepassados e ser centros de formação cristã para os filhos, entre os quais surgiram numerosos sacerdotes, religiosos e religiosas. A hodierna mentalidade consumista pode ter repercussões negativas no nascimento e no cuidado das vocações; daqui a necessidade de dar prioridades pastorais à promoção das vocações sacerdotais e de particular consagração.

A família é também o fulcro formativo da juventude. A Europa do Ano 2000 tem necessidade de jovens generosos, ardorosos, puros, que saibam assumir de modo responsável o seu futuro. Caríssimos Irmãos Bispos, desejo exprimir um especial apreço pela solicitude, com a qual seguis o crescimento humano e espiritual da juventude. Já desde o tempo da opressão, existia uma densa rede de actividades, guiadas por sacerdotes corajosos, para a formação dos jovens e das jovens. Desenvolveu-se assim uma acção capilar em benefício da juventude com casas de acolhimento, retiros espirituais e encontros periódicos formativos. Essa fecunda operosidade produziu ricos frutos de maturidade espiritual. Sejam portanto encorajadas, nesta perspectiva, todas aquelas iniciativas de voluntariado, que podem ser de valor formativo para a juventude.

5. Exprimo viva satisfação pelas actividades caritativas, que as dioceses da Boémia e da Morávia realizam mediante organismos apropriados, especialmente a «Cáritas». Com a sua presença, essas organizações são capazes de sensibilizar a generosidade pública a favor de objectivos sabiamente escolhidos e apresentados. Refiro-me em particular à ajuda levada às pobrezas ocultas, existentes na Pátria; à louvável obra realizada em auxílio das populações da Bósnia-Herzegovina; à atenção para com as obras missionárias, os hansenianos e os marginalizados do mundo inteiro.

Na diversificada presença da Igreja na República Tcheca, encontram lugar também numerosos Movimentos, que em todos os campos pastorais, especialmente o da juventude, colaboram para a maturação das consciências. Recomendo- lhes que se mantenham sempre em sintonia com os Pastores da Igreja, cultivando um autêntico espírito de colaboração, testemunhado na pronta disponibilidade a acolher as indicações pastorais, por eles emanadas no exercício da sua responsabilidade ao serviço do rebanho que lhes é confiado.

Caríssimos Irmãos Bispos, bem conheceis como a Igreja estima e promove toda a autêntica forma de cultura e se esforça por entrar em comunhão e diálogo com ela. O lugar de encontro entre Igreja e cultura é o mundo, e nele o homem, chamado a realizar-se progressivamente com o auxílio da graça divina, mediada pela Igreja, e de todo o subsídio espiritual posto à sua disposição pelo património de civilização da Nação. A verdadeira cultura é humanização, enquanto que as falsas culturas são desumanizantes. Por este motivo, na escolha da cultura o homem põe em jogo o seu destino. Praga tem sido um farol de vida intelectual de raro prestígio. Celebrar-se-á este ano o 650° aniversário de fundação da célebre Universidade «Carlos ». Ao longo dos séculos a vida cultural tcheca foi atravessada por inúmeras e às vezes contrastantes correntes espirituais, das quais permanecem ainda hoje vestígios indeléveis. A preocupação pela cultura deve ser constante na vossa acção pastoral. A colaboração do clero e dos religiosos

6. Nesta acção de empenho múltiplo, os sacerdotes são os vossos primeiros colaboradores; sem eles a vossa acção não poderia ser profícua. Recomendo-vos: amai o vosso clero, estai junto dos vossos presbíteros, que, bem sei, sentem o peso do seu enorme trabalho pastoral, com o cuidado de paróquias, às vezes muito numerosas, que requerem tempo, disponibilidade e fadiga. Muitos deles sofreram nas prisões do Estado, com consequências para a saúde que se fazem sentir ainda hoje, e que a idade não pode deixar de agravar. Os sacerdotes mais jovens, que saíram do Seminário com ardentes propósitos de apostolado, podem às vezes ser tentados a deixar- se levar pela rotina, se não pelo desânimo, por causa da solidão ou do insinuar- se de certas teorias já amplamente difundidas no Ocidente. Estai junto deles. Acolhei-os como irmãos. Fazei com que sintam que os amais, e que o seu trabalho vos é indispensável.

De igual modo importante é instaurar e cultivar uma plena e autêntica colaboração com as comunidades religiosas, masculinas e femininas, de vida tanto activa como contemplativa, em especial com os religiosos que receberam a sagrada Ordenação e administram com generosidade e empenho diversas comunidades paroquiais. Eles constituem parte integrante dos vossos presbitérios.

Merecem, por fim, ser sustentadas e valorizadas pelo vosso clarividente empenho pastoral as múltiplas actividades editoriais e de imprensa periódica, e todas as outras numerosas possibilidades de apostolado e de testemunho, que o Espírito Santo suscita nas famílias religiosas, masculinas e femininas. Relação entre Estado e Igreja

7. Estou a par de problemas ainda hoje abertos nas relações, aliás cordiais e sinceras, entre a Igreja e as competentes Autoridades do Estado. Permiti-me evocar alguns argumentos entre os mais urgentes, sobre os quais concentrar a vossa atenção, não só no contexto destas celebrações em honra de Santo Adalberto, mas também em perspectiva da próxima Visita ad limina Apostolorum.

Ainda hoje não existe uma normativa clara que regule as relações entre o Estado e a Igreja católica, e é certamente necessário, e útil às duas partes, chegar afinal, depois de quase oito anos desde a queda do regime, à almejada definição dos recíprocos direitos e deveres. A Santa Sé está empenhada em procurar essa solução, em entendimento com a vossa Conferência Episcopal.

Como se sabe, a Igreja católica, aqui como noutras partes, não pede privilégios, não pede para ser servida, mas para servir, segundo o exemplo do seu Fundador (cf. Mt Mt 20,28). Pede para poder exercer livremente e com dignidade a própria missão, que se exprime na evangelização e na promoção humana, e por isso na pregação do Evangelho, instrução religiosa, formação da adolescência e da juventude, pastoral universitária, actividade caritativa e assistencial.

Neste contexto se põe a questão da restituição dos bens, confiscados com acto de arbítrio nos anos obscuros da perseguição. Naquele período a Igreja foi defraudada das doações, provenientes de privados e de instituições várias, destinadas a precisas finalidades de educação e de caridade. A Igreja tem direito de viver na autonomia e, se pede estes bens, fá-lo porque com eles pode responder às exigências inalienáveis da sua missão.

A Igreja, como foi repetido desde o início da existência livre nesta Nação, está disposta a dialogar acerca da modalidade de restituição dos bens confiscados. Para alcançar este fim, é preciso estabelecer uma precisa e previdente linha de acção por parte tanto do Estado como da Igreja.

Será depois necessário que estes problemas sejam tratados, com objectividade e competência, por uma Comissão mista, na qual participem qualificados representantes do Estado e da Igreja. Com base na experiência adquirida em casos análogos noutros países, uma Comissão presidida pelo Núncio Apostólico e composta de um côngruo número de Bispos e de leigos especializados, poderia examinar esses problemas com uma correspondente Comissão da parte governamental, para chegar quanto antes a uma satisfatória solução das questões ainda pendentes.

Por fim, é urgente que se consinta à Igreja estar presente em campos de preeminente carácter espiritual, como acontece já há tempo noutros Países europeus. Refiro-me ao ensino da religião nas escolas estatais, que hoje merece ser considerado uma contribuição primeira para a construção de uma Europa, fundada sobre aquele património de cultura cristã que é comum aos povos do Oeste e do Este europeu. Penso depois no cuidado pastoral nos hospitais e nos cárceres e, de modo particular, na assistência espiritual no exército, com a presença de Capelães militares, bem preparados. Tenho conhecimento de uma primeira tentativa neste sentido junto das tropas deslocadas na Bósnia- Herzegovina, que está a ter bom êxito.

Se recordei estes compromissos é também para evidenciar que a Santa Sé, no conhecimento directo dos vossos desejos e necessidades, está e estará sempre à vossa disposição para vos oferecer uma colaboração discreta e concreta para a solução desses problemas.

8. Senhor Cardeal, Venerados Irmãos! O Milénio de Santo Adalberto ofereceu-nos a ocasião para reflectir sobre os problemas da Igreja nesta querida Nação. Certamente, eles existem, e podem ainda ser graves. Mas, por outro lado, são também a prova de que a Igreja é viva, cresce e se põe como interlocutora autorizada nas várias instâncias de renovação espiritual, cultural, social e política da hora presente.

Depois de longos anos de perseguição, o Decénio de renovamento espiritual contribuiu para concretizar, na linha da milenária civilização cristã do País, a esperada resposta aos vários sectores da vida eclesial e civil. Sim, podemos repetir que «a noite vai adiantada e o dia está próximo».

Se permanecem zonas de sombra, são um motivo para se empenhar mais. Na Carta Encíclica Ut unum sint descrevi a missão do Sucessor de Pedro no âmbito do Colégio Episcopal, como a de uma «sentinela» que confirma os seus irmãos Bispos, de maneira que «se ouça em todas as Igrejas particulares a verdadeira voz de Cristo-Pastor» (n. 94). Agradeço, portanto, ao Pai de nosso Senhor Jesus Cristo ter-nos oferecido a oportunidade de experimentar a nossa «cooperação na difusão do Evangelho» (Ph 1,5), haurindo força e encorajamento um do outro, segundo «a extraordinária riqueza da Sua graça» (Ep 2,7). Permiti-me perguntar- vos, no ápice das celebrações em honra de Santo Adalberto: Custos, quid de nocte? Custos quid de nocte? «Sentinela, que tempo é da noite?» (Is 21,11). Deve despontar o dia. Deve despontar a aurora nova do Sol da justiça (cf. Ml Ml 3,20), Cristo, Deus de Deus, Luz da Luz, sem o Qual não se pode construir a civilização do amor. Sede portanto sentinelas, que indicam ao rebanho o aproximar-se de tempos melhores.

Com a obra concorde de todas as forças, sinceramente preocupadas pelo bem do homem, faço votos por que se possa consolidar aquela paz de Cristo, que é indispensável para a instauração de uma ordem de justiça, de paz, de progresso para a qual tendem as aspirações mais profundas deste povo, a vós e a mim caríssimo.

Deus vos abençoe e vos acompanhe na difícil e exaltante obra que estais a realizar!



VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS DOENTES E OS RELIGIOSOS


REUNIDOS NA BASÍLICA DE BREVNOV


Praga, 26 de Abril de 1997





Caríssimos doentes
Estimados religiosos e religiosas
Queridos irmãos e irmãs

1. «Do vencedor, farei uma coluna no templo do meu Deus!» (Ap 3,12). É para mim motivo de alegria este encontro na antiga Basílica de Santa Margarida, coração da Arquiabadia de Brevnov. Neste lugar rico de memórias brotou, por assim dizer, a nascente da história religiosa e nacional da vossa Pátria. Este mosteiro beneditino, bem o sabeis, está estreitamente vinculado ao nome e à vicissitude humana de Santo Adalberto, que aqui havia construído um refúgio e uma cela para haurir, no escondimento e na oração, o necessário vigor interior. O mosteiro, por ele querido e realizado com a ajuda do príncipe «premislide» Boleslau II, tornou-se o berço do monaquismo beneditino na Boémia-Morávia e o núcleo de irradiação do Cristianismo nesta região da Europa.

2. A dez séculos do seu martírio, Santo Adalberto aparece-nos ainda como o vencedor que Deus estabeleceu como sólida coluna para sustentar a vossa história cristã. A sua figura de monge, bispo, missionário e apóstolo da Europa centro-oriental continua a impor-se inclusivamente hoje, propondo a todos um estilo de fidelidade a Cristo e à Igreja, capaz de chegar até ao supremo testemunho do martírio. Na biografia de Santo Adalberto, realizada por Bruno de Querfurt, lê-se que quando o Santo decidiu deixar o mundo, impelia-o um compromisso específico: «Una cogitatio, unum studium erat: nihil concupiscere, nihil quaerere praeter Christum». «O seu único pensamento, a sua única intenção era de nada desejar, e nada procurar fora de Cristo» (Legenda Nascitur purpureus flos, XI). Hoje, ele deixa-nos este idêntico programa. Propõe-no em particular a vós, irmãos e irmãs que representais dois aspectos fundamentais da vida cristã: o da singular conformação a Cristo crucificado através do sofrimento, e o da especial consagração a Deus e à difusão do seu Reino. Saúdo todos vós com afecto, juntamente com o Senhor Cardeal Vlk, os Bispos e as outras Autoridades aqui presentes, e com um especial pensamento para o Arquiabade, a quem agradeço as palavras de boas-vindas, e para os monges beneditinos que nos hospedam.

3. Dirijo-me agora a vós, caríssimos irmãos e irmãs enfermos. Através do sofrimento, configurais-vos com aquele «Servo do Senhor» que, segundo a palavra de Isaías «tomou sobre si as nossas enfermidades, carregou as nossas dores» (Is 53,4 cf. Mt Mt 8,17 Col 1,24). Constituís uma força escondida que contribui poderosamente para a vida da Igreja: com os vossos sofrimentos, participais na redenção do mundo. Assim como de Santo Adalberto, também de vós Deus faz uma coluna no templo da Igreja, para que vos torneis um seu sustentáculo validíssimo. Caríssimos doentes, a Igreja é reconhecedora pela paciência e abnegação cristãs, antes, pela generosidade e dedicação com que carregais, por vezes até mesmo heroicamente, a cruz que Jesus colocou sobre os vossos ombros. Estais próximos do seu Coração! Ele está convosco, e vós ofereceis-Lhe um testemunho precioso, neste mundo isento de valores que, com frequência, confunde o amor com o prazer, considerando o sacrifício como algo sem sentido. Neste ano milenar do martírio de Santo Adalberto, que é também o primeiro ano de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, consagrado a Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre, confio-vos as minhas intenções pela Igreja universal e pela Igreja na vossa terra: oferecei os vossos sofrimentos pelas necessidades da nova evangelização; pela Igreja missionária, na qual o Senhor ainda hoje suscita os seus mártires, como o foi Adalberto; pelos que estão distantes, por quem perdeu a fé. Peço-vos ainda que rezeis pela obra que a Igreja leva a cabo neste País: pelos vossos Bispos e sacerdotes; pelo aumento das vocações sacerdotais e religiosas; pela causa do ecumenismo. Santo Adalberto, filho da nação tcheca e testemunha impávida de Cristo, infunda em vós uma sentida aspiração à plena unidade entre os cristãos. Caríssimos irmãos e irmãs sofredores, deposito todas estas esperanças nas vossas mãos e nos vossos corações. A Virgem das Dores, que conheceu o sofrimento e vos compreende, esteja próxima de vós como Mãe afectuosa. Enquanto penso em vós, provados arduamente no corpo e no espírito, quereria dirigir um premente apelo aos Responsáveis da Nação, a fim de que sejam sempre sensíveis e atentos às situações de sofrimento, presentes na sociedade hodierna. As Autoridades civis e cada cidadão tenham a peito as exigências dos enfermos e promovam no seio da sociedade uma solidariedade efectiva e constante. O respeito do homem e da vida, desde o princípio até ao seu ocaso natural, constitua o grande tesouro da civilização desta terra!

4. Agora, quereria dirigir-me a vós, queridos religiosos e religiosas de toda a Nação! Santo Adalberto indica a cada um de vós como é possível conjugar a vida contemplativa com a apostólica, e salienta como a vida consagrada é providencial para a Igreja e o mundo.

Constituís um vigor vivo e indispensável para a comunidade cristã. Recordo o encontro convosco há sete anos, realizado na catedral de São Vito. Naquela época, saía-se de um longo e difícil período de repressão que obrigara ao silêncio os fiéis e especialmente vós. Também nos anos obscuros, soubestes oferecer um grande testemunho de fidelidade à Igreja. Os mais idosos de entre vós experimentaram graves humilhações e sofrimentos, durante as duas terríveis ditaduras, a nazista e a comunista. Muitos consagrados foram aprisionados nos campos de concentração, encarcerados, enviados para as minas e os trabalhos forçados. Todavia, apesar de tais situações, souberam dar exemplo de grande dignidade no exercício das virtudes cristãs, como o jesuíta P.A. Kajpr, o dominicano P.S. Braito, a irmã borromeia Vojtecha Hasmandová. E além deles, muitíssimos outros. Esta riqueza de gestos de amor, sacrifício e imolação, conhecidos na sua totalidade somente a Deus, certamente prepararam o florescimento de vocações destes novos tempos de reencontrada liberdade religiosa.

5. Caríssimos irmãos e irmãs! O Milénio de Santo Adalberto interpela-vos directa e profundamente. Homem de cultura e de oração, missionário e bispo, jamais deixou esmorecer na sua alma a vocação originária de monge beneditino. Foi um sólido baluarte em defesa do Evangelho. O Senhor deseja fazer também de vós colunas no Seu templo espiritual, que é a Igreja, para a nova evangelização. No novo clima de liberdade que se respira e nas profundas transformações culturais e de mentalidade, dais-vos conta, talvez mais que no passado, que a vida consagrada encontra resistências e dificuldades, podendo parecer difícil e sem motivações. Não vos desencorajeis! Comunicai ideais elevados e exigentes aos jovens e às jovens que vêm bater à porta das vossas casas. Transmiti-lhes a experiência do mistério pascal na vida religiosa de cada dia. Vivei intensamente o es

beleza da consagração total a Deus. Como testemunhas e profetas da transcendência da vida humana, deixai-vos interpelar «pela Palavra revelada e pelos sinais dos tempos» (Exortação Apostólica Vita consecrata VC 81), vivendo com radicalidade a sequela de Cristo, tendendo com todas as forças para a perfeição da caridade: «Tender à santidade: eis em síntese o programa de cada vida consagrada, na perspectiva nomeadamente da sua renovação, às portas do terceiro milénio» (Ibid., 93). Não esqueçais que vós, homens e mulheres consagrados, tendes «uma grande história a construir» (Ibid., 110)!

6. Esta história de renovada fidelidade a Cristo e aos irmãos, deveis escrevê-la em um mundo com problemas urgentes e concretos, que solicitam o vosso generoso contributo. Sabei oferecê-lo em plena sintonia com o Evangelho e com a inspiração que é própria do vosso carisma peculiar. A vossa doação total a Deus irradie convicções e valores, capazes de interpelar os vossos contemporâneos e de orientá-los para perspectivas plenamente respeitadoras do desígnio de Deus sobre o homem. Na vossa acção, permanecei sempre em comunhão com as indicações das autoridades eclesiásticas. Sem a Igreja, a vida consagrada torna-se incompreensível. Mas o que seria da Igreja sem vós, monges e monjas, almas contemplativas, sem os religiosos, as religiosas e os membros de Institutos Seculares e de Sociedades de Vida Apostólica, consagrados ao anúncio do Evangelho, à assitência dos enfermos, dos idosos e dos marginalizados, à educação da juventude nas escolas? A Igreja tem necessidade de vós! Manifesta em vós a sua fecundidade de mãe e a sua pureza de virgem. Sabei difundir ao vosso redor o sentido do absoluto de Deus, o júbilo, o optimismo e a esperança. Estas realidades derivam de uma vida imersa no amor e na beleza de Deus e do «não ter procurado nada fora de Cristo», como se verificou com Santo Adalberto.

7. Caríssimos consagrados, queridos enfermos, enquanto faço votos por que cada um de vós saiba compreender na existência quotidiana o imperscrutável amor de Deus e a abundância das suas graças, confio todos à materna protecção de Maria que, ao pé da Cruz, soube selar o seu abandono total à vontade divina, com adesão convicta e confiante. A Virgem Santa guie os vossos passos na busca de Cristo. Seja Ele o único e profundo anélito do vosso coração! A todos a minha Bênção.



VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS REPRESENTANTES


DE OUTRAS CONFISSÕES


Praga, 27 de Abril de 1997



Caríssimos Irmãos em Cristo!

1. «Devemos... ser cooperadores da Verdade» (3Jn 8). Assim nos admoesta a terceira Carta de João. Nesta oração ecuménica, na qual percebemos de modo mais intenso a nostalgia da unidade, saúdo-vos com estas palavras, que nos tocam no profundo do coração. Sim, devemos ser os cooperadores da verdade.

Não obstante as recomendações que Cristo deixou na última Ceia, nós cristãos infelizmente nos dividimos. As lacerações profundas, que aconteceram na história religiosa da Europa, interpelam as nossas consciências. De modo particular interpelam-nas, neste momento, as divisões ocorridas na história da nação tcheca.

Graças a Deus, este é também um momento de diálogo na oração. Ele permite- nos reflectir juntos sobre a verdade que, como escrevi na Encíclica Ut unum sint, «forma as consciências e orienta o seu agir em favor da unidade» (n. 33).

2. A busca da verdade faz-nos sentir pecadores. Dividimo-nos por causa de incompreensões recíprocas, devidas muitas vezes à desconfiança, quando não à inimizade. Pecámos. Afastámo-nos do Espírito de Cristo.

Precisamente por isso, na Carta Apostólica Orientale lumen eu escrevia: «O pecado da nossa divisão é gravíssimo: sinto a necessidade de que aumente a nossa disponibilidade comum ao Espírito, que nos chama à conversão, ... Cada dia se torna em mim mais vivo o desejo de repassar a história das Igrejas, para escrever finalmente uma história da nossa unidade» (nn. 17-18). A iminência do Terceiro Milénio exige de todos os cristãos a disponibilidade a fazer, sob a luz do Espírito, um severo exame de consciência, voltando a escutar o discurso de despedida de Cristo no Cenáculo. Não podemos deixar de sentir a urgência de chegarmos, todos juntos, ao humilde reconhecimento da única Verdade.

Sentimos que estamos a viver hoje a hora da verdade. Este ano de preparação imediata para o Grande Jubileu, que eu quis dedicar à reflexão sobre Jesus Cristo, pode constituir sob o aspecto ecuménico uma ocasião providencial para um encontro mais verdadeiro, e por isso mais impregnado de força unificante, com Ele, nosso único Senhor e Mestre.

3. Não é porventura símbolo de unidade também a esplêndida catedral, na qual nos encontramos? Verdadeira jóia de arte e de fé, foi construída há mais de 650 anos pelo imperador Carlos IV e pelo bispo Arnost de Pardubice. Eles fundaram-na para a comunidade eclesial e civil. Aqui repousam santos e reis. Aqui estão conservados os tesouros da Nação — os troféus da coroa tcheca e os tesouros da Igreja — as relíquias de muitos dos seus santos.

Daqui a pouco irei orar junto da insigne relíquia de Adalberto, e junto do túmulo de São Venceslau, na capela a ele dedicada: são os santos da Comunidade cristã ainda indivisa. Recolhi-me em oração sobre a pedra tumular do Card. Tomáek que, com a sua sólida fé, contribuiu para manter viva em cada um a esperança também nos momentos mais sombrios da opressão, até à libertação da Pátria.

Esta hora que vivemos é, portanto, a hora da esperança.

Esta Catedral na sua extraordinária linha arquitectónica, fundida com o perfil do Castelo de Praga, é o lugar da tradição eclesial e patriótica e sinal da unidade da Nação.

4. Daqui, desta espécie de «cidade situada sobre o monte» (cf. Mt Mt 5,14), tenho a alegria de constatar os esforço de reaproximação e de diálogo, que nesta terra estão a realizar as várias Igrejas e Comunidades eclesiais, a fim de curar as feridas do passado.

Na minha primeira visita, há sete anos, eu citava «as palavras angustiadas », que ouvi pronunciar o Card. Beran no Concílio Vaticano II sobre a «vicissitude de Jan Hus, sacerdote da Boémia », e eu exprimia os ardentes votos por que fosse definido «de modo mais exacto o lugar que Jan Hus ocupa entre os reformadores da Igreja, ao lado de outras famosas figuras reformadoras» (Insegnamenti, XIII, 1, 1990, pág. 969).

Em resposta àquele convite, a Comissão ecuménica «Husovská» está a trabalhar seriamente na direcção indicada. Neste contexto adquirem particular importância iniciativas, como a Conferência dedicada a Jan Hus, em Bayreuth, em 1993, à qual foi enviado, como representante da Santa Sé, o Card. Edward Idris Cassidy, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Sei, além disso, que o Cardeal Miloslav Vlk, Arcebispo de Praga, participa nas reuniões ecuménicas celebradas anualmente no dia 6 de Julho, aniversário da infeliz morte de Jan Hus.

Considero também digna de menção a actividade da Comissão ecuménica para o estudo da história religiosa tcheca nos séculos XVI e XVII. Movida por espírito deveras ecuménico, ela quer fornecer instrumentos cientificamente válidos para compreender melhor, com ânimo isento de preconceitos, vicissitudes ainda não suficientemente esclarecidas, que levaram no passado a desordens e excessos nas relações entre membros das Comunidades da Reforma e católicos.

Olho por fim, com grande conforto, para o consolador êxito das anuais celebrações ecuménicas da Palavra. Nelas participam os representantes de todas as Igrejas e Comunidades eclesiais da República, quer no início do ano, segundo a iniciativa internacional da Aliança Evangélica, quer na Semana de oração pela Unidade dos cristãos. A atmosfera de intenso recolhimento e de caridade fraterna, que se cria nessas ocasiões, faz sentir mais pungente a nostalgia da única Eucaristia.

5. Este sugestivo encontro ecuménico é para todos nós a hora da caridade. Faço sinceros votos por que valham para cada um as palavras, que o apóstolo João escreve ao desconhecido destinatário da sua terceira Carta: «Caríssimo, tu procedes fielmente em tudo o que fazes para com os irmãos, apesar de serem estrangeiros. Eles deram testemunho da tua caridade diante da Igreja» (3Jn 5-6).

Este texto pode constituir para nós um luminoso ponto de referência e um motivo de estímulo para a nossa operosidade ecuménica. É na caridade, de facto, que é possível pedirmos juntos perdão a Deus e encontrarmos a coragem de perdoarmos mutuamente as injustiças e as ofensas do passado, por mais grandes e execráveis que possam ter sido. É preciso fazer cair as barreiras da suspeita e da desconfiança recíprocas, a fim de edificar a nova civilização do amor. Ela nascerá do nosso empenho sincero em sermos cooperadores na difusão da verdade, da esperança e do amor.

O Santo Bispo Adalberto fez da unidade do seu rebanho a finalidade, o esforço, o tormento da sua vida, e seu é o mérito de ter forjado para a aspiração da unidade os diferentes povos da Europa. Hoje, seguindo o seu ideal, repito também desta catedral as palavras que dirigi ao País, há dois anos, de Olomouc, quando em nome da Igreja de Roma pedi perdão pelas injustiças infligidas aos não-católicos e, ao mesmo tempo, quis assegurar o perdão da Igreja católica pelos sofrimentos que os seus filhos padeceram: «Possa este dia assinalar um novo início no esforço comum de seguir Cristo, o seu Evangelho, a sua lei de amor, o seu anélito supremo à unidade dos que n’Ele acreditam» (21/5/1995, n. 5; cf. L’Osserv. Rom 27/5/1995, pág. Rm 3).

6. Caríssimos Irmãos! Muito trabalho resta a fazer, existem oportunidades que não podem ser perdidas, dons celestes que não devem ser transcurados para responder àquilo que o Senhor espera de todos e de cada um dos baptizados. É importante que todas as Igrejas se interessem pela dimensão teológica do diálogo ecuménico e perseverem num exame leal e sério das convergências crescentes. É preciso procurar a unidade como a quer o Senhor e, por isso, é necessário converter-se cada vez mais às exigências do seu Reino. Somos chamados a ser, segundo o exemplo do Bispo Adalberto, cooperadores da verdade, da esperança e do amor!

Agradeço-vos, caros Irmãos, ter compartilhado esta providencial experiência de oração. Agradeço também ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, juntamente com as personalidades da vida política e social do País, que quiseram estar presentes.

Cristo está diante de nós. Ele, que «nos amou até ao extremo», é para todos nós fonte inexaurível de força, de criativa inspiração ecuménica, de paciência e de perseverança. Ele é a Verdade!

Caros Irmãos, obrigado! No nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da história e guia dos nossos corações, obrigado! Ele vos abençoe!



VIAGEM APOSTÓLICA À REPÚBLICA TCHECA


DISCURSO DE DESPEDIDA DO PAPA JOÃO PAULO II


NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE PRAGA


27 de Abril de 1997



Senhor Presidente da República
Senhor Cardeal e Venerados Irmãos no Episcopado
Autoridades parlamentares, governamentais e militares
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Ao deixar a vossa Terra, desejo dar graças a Deus pelo renovado testemunho de fé e de afecto, que quisestes exprimir- me por ocasião das celebrações milenárias do martírio de Santo Adalberto.

Ainda conservo nos olhos e no coração as multidões que acompanharam a minha peregrinação: os jovens que encheram com os seus cânticos e as suas orações a Praça Grande de Hradec Králové, e os doentes, os religiosos e as religiosas, que enchiam a basílica da Arquiabadia de Brevnov. Como não recordar, depois, a intensa concentração espiritual que animava esta manhã a Celebração eucarística na grande esplanada de Letná, e a oração ecuménica, há pouco concluída, com os irmãos das outras Igrejas e denominações cristãs, na catedral dos Santos Vito, Venceslau e Adalberto?

A todos dirige-se o meu agradecimento comovido e cordial!

2. Em particular, desejo manifestar vivo reconhecimento a Vossa Excelência, Senhor Presidente da República, pelo acolhimento amável e delicado com que quis circundar a minha permanência na República Tcheca.

Sinto o dever, além disso, de exprimir especial gratidão ao Senhor Cardeal Miloslav Vlk, a D. Karel Otcenášek, Bispo de Hradec Králové, e a todos os outros Irmãos Bispos, por me terem convidado a visitar pela terceira vez este País, manifestando- me, durante esta viagem apostólica, comunhão fraterna e afectuosa.

Além deles agradeço aos sacerdotes e aos agentes pastorais, fazendo votos por que o empenho prodigalizado na preparação e no desenvolvimento do Milénio de Santo Adalberto deixe uma marca profunda na história religiosa de cada uma das Igrejas locais e da inteira Nação.

3. O meu afectuoso pensamento dirige- se depois a vós, cidadãos da República Tcheca. As singulares qualidades do vosso Povo — a fortaleza de espírito, a tenacidade, a abertura aos outros, o amor pela paz —, depois de terem ajudado a resistir a uma pressão ideológica entre as mais impiedosas do Leste Europeu, fizeram-vos alcançar, nos anos recentes, lisonjeiros objectivos de civilização e de progresso.

Enquanto me congratulo convosco por estas conquistas, exorto-vos a dedicar particular cuidado em promover contextualmente o progresso espiritual. Só o pleno desenvolvimento das virtudes morais de um povo pode assegurar a serena e concorde convivência de quantos o compõem.

É precisamente esta a mensagem de Santo Adalberto que, em tempos não fáceis soube fundar, sobre o primado de Deus e dos valores do espírito, o futuro da vossa Terra e de outros Povos europeus.

O seu testemunho vos ajude a dar o justo relevo às conquistas económicas, sem contudo ceder ao fascínio ilusório dos mitos consumistas. Encoraje-vos, além disso, a reafirmar os valores que fazem a verdadeira grandeza de uma Nação: a rectidão intelectual e moral, a defesa da família, o acolhimento do necessitado, o respeito pela vida humana, desde a concepção até ao seu ocaso. O Santo Bispo e Mártir recorda-vos as sólidas raízes espirituais da vossa Nação e impele-vos a conservar com cuidado o património de fé e de civilização que, a partir da pregação dos Santos Cirilo e Metódio, de geração em geração, chegou até vós. Presente nas tradições populares, nas obras dos filósofos, dos literatos e dos artistas da vossa Terra, bem como nas multiformes expressões da vossa cultura, ele constitui a garantia da vossa identidade e do vosso futuro.

4. A vós, Irmãos e Irmãs da Igreja católica, peregrina na Terra tcheca, desejo dirigir uma saudação especial, convidando- vos a colaborar com todos, de maneira leal e desinteressada, na perspectiva do maior bem da Pátria.

O exemplo de Santo Adalberto, corajoso diante das dificuldades e dos desafios do seu tempo e fiel a Cristo até ao supremo testemunho do sangue, estimula- vos a empenhar-vos com generosidade numa renovada obra de evangelização, cujas premissas necessárias são: o conhecimento aprofundado da fé mediante uma séria formação bíblica e teológica, a convicta participação na liturgia e na vida paroquial, o serviço generoso aos irmãos necessitados, o diálogo franco e sincero com os vizinhos e os distantes, a escuta atenta das expectativas de quantos vos circundam.

5. Desejo, por fim, manifestar o meu particular apreço a quantos, com competência e dedicação, se prodigalizaram para a preparação e o desenvolvimento desta Visita pastoral: as Comissões episcopais de Praga e de Hradec Králové; a Polícia de Estado e civil e quantos contribuíram para o nem sempre fácil serviço da ordem; os oficiais e os pilotos dos helicópteros, os jornalistas e os funcionários da rádio e da televisão, que seguiram com crónicas pontuais as várias fases da viagem.

A todos exprimo o meu agradecimento mais vivo.

6. Confio a Santo Adalberto, grande filho e celeste Padroeiro desta Terra, as esperanças e o futuro do inteiro Povo tcheco, fazendo votos por que as novas gerações saibam ser dignas da herança histórica de que são portadoras.

Renovo a cada um de vós os sinceros votos de prosperidade e de paz, enquanto, invocando a protecção materna da Virgem Maria, abençoo a todos com afecto, no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

S Pánem Bohem.
Mám vás velmi rád!
Stále vás všchny nosim ve svém srdci!




Discursos João Paulo II 1997 - Praga, 25 de Abril de 1997