AUDIÊNCIAS 1997

JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 13 de Agosto de 1997

Maria, modelo da maternidade da Igreja



Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. É precisamente na maternidade divina que o Concílio divisa o fundamento da particular relação que associa Maria à Igreja. Lemos na Constituição dogmática Lumen gentium que «pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está também a Virgem intimamente ligada à Igreja» (n. 63). A este mesmo pressuposto faz sempre referência a citada Constituição dogmática sobre a Igreja, para esclarecer as prerrogativas de «tipo» e «modelo», que a Virgem exerce em relação ao Corpo Místico de Cristo: «Com efeito, no mistério da Igreja, a qual é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e mãe» (ibid.).

A maternidade de Maria é definida «eminente e única», pois constitui um facto singular e irrepetível: Maria, com efeito, antes de exercer a sua função materna para com os homens, é a Mãe do Filho unigénito de Deus feito homem. A Igreja, ao contrário, é mãe enquanto gera espiritualmente Cristo nos fiéis, e portanto exerce a sua maternidade em relação aos membros do Corpo Místico.

Assim, a Virgem constitui para a Igreja um modelo superior, precisamente devido à unicidade da sua prerrogativa de Mãe de Deus.

2. A Lumen gentium, ao aprofundar a maternidade de Maria, recorda que esta se realizou também com disposições eminentes da alma: «Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou sem a mais leve sombra de dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste » (LG 63).

Destas palavras emerge com clareza que a fé e a obediência de Maria na Anunciação constituem para a Igreja virtudes a imitar e, num certo sentido, dão início ao seu itinerário materno no serviço aos homens chamados à salvação.

A maternidade divina não pode estar isolada da dimensão universal, que lhe foi atribuída pelo plano salvífico de Deus, o qual o Concílio não hesita em reconhecer: «Ela deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (cf. Rm Rm 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe» (LG 63).

3. A Igreja torna-se mãe, tomando como modelo Maria. A respeito disso, o Concílio afirma: «A Igreja que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também ela própria mãe, pela fiel recepção da palavra de Deus: efectivamente, pela pregação e pelo Baptismo gera, para vida nova e imortal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus» (LG 64).

Analisando esta descrição da obra materna da Igreja, podemos observar aqui como, dum certo modo, o nascimento do cristão está ligado ao nascimento de Jesus, e é como que um seu reflexo: os cristãos são «concebidos por obra do Espírito Santo» e a geração deles, fruto da pregação e do Baptismo, assemelha-se assim à do Salvador.

Além disso a Igreja, ao contemplar Maria, imita-lhe a caridade, o fiel acolhimento da Palavra de Deus e a docilidade no cumprimento da vontade do Pai. Realiza, seguindo o exemplo da Virgem, uma fecunda maternidade espiritual.

4. A maternidade da Igreja, porém, não torna supérflua a de Maria que, continuando a exercer a sua influência sobre a vida dos cristãos, contribui para atribuir à Igreja uma feição materna. À luz de Maria, a maternidade da Comunidade eclesial, que poderia parecer bastante geral, é chamada a manifestar-se de modo mais concreto e pessoal em relação a cada homem remido por Cristo.

Ao mostrar-se como Mãe de todos os crentes, Maria suscita neles relações de autêntica fraternidade espiritual e de diálogo incessante.

A experiência quotidiana de fé, em cada época e em todos os lugares, põe em evidência o facto de muitos precisarem de confiar a Maria as necessidades da vida quotidiana, abrindo confiantes o seu coração para pedirem a sua intercessão materna e obterem a sua alentadora protecção.

As orações dirigidas a Maria pelos homens de todos os tempos, as numerosas formas e manifestações do culto mariano, as peregrinações aos Santuários e aos lugares que recordam as maravilhas operadas por Deus Pai, mediante a Mãe de seu Filho, demonstram a extraordinária influência exercida por Maria na vida da Igreja. O amor do Povo de Deus pela Virgem sente a exigência de entretecer relações pessoais com a Mãe celeste. Ao mesmo tempo, a maternidade espiritual de Maria sustém e incrementa o exercício concreto da maternidade da Igreja.

5. Ambas as mães, a Igreja e Maria, são essenciais para a vida cristã. Poder-se-ia dizer que a primeira exerce uma maternidade mais objectiva, e a outra mais interior.

A Igreja torna-se mãe na pregação da Palavra de Deus, na administração dos sacramentos e em particular no Baptismo, na celebração da Eucaristia e no perdão dos pecados.

A maternidade de Maria exprime-se em todos os sectores da difusão da graça, de modo particular no quadro das relações pessoais.

Trata-se de duas maternidades inseparáveis: com efeito, ambas fazem reconhecer o mesmo amor divino que deseja comunicar-se aos homens.

Saudação em português

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa do Brasil e de Portugal que aqui se encontram, de modo especial os jovens que, porventura, viajarão a Paris para a Jornada Mundial da Juventude. Peço à Mãe do Céu que os proteja em sua caminhada na vida, e a todos indistintamente concedo minha Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 20 de Agosto de 1997

Modelo da virgindade da Igreja

Caríssimos Irmãos e Irmãs:


1. A Igreja é Mãe e Virgem. O Concílio, depois de ter afirmado que ela é mãe segundo o modelo de Maria, atribui- lhe o título de virgem, explicando o seu significado: «E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu Esposo e conserva virginalmente, à imitação da Mãe do seu Senhor e por virtude do Espírito Santo, uma fé íntegra, uma sólida esperança e uma verdadeira caridade» (LG 64).

Maria é, pois, modelo também da virgindade da Igreja. A propósito disso, é preciso esclarecer que a virgindade não pertence à Igreja em sentido estrito, pois não representa o estado de vida da grande maioria dos fiéis. Com efeito, em virtude do providencial desígnio divino, a via do matrimónio é a condição mais difundida, e poderíamos dizer, comum de quantos são chamados à fé. O dom da virgindade é reservado a um número limitado de fiéis, chamados a uma particular missão no seio da Comunidade eclesial.

Contudo, referindo a doutrina de Santo Agostinho, o Concílio afirma que a Igreja é virgem em sentido espiritual de integridade na fé, na esperança e na caridade. Portanto, a Igreja não é virgem no corpo de todos os seus membros, mas possui a virgindade do espírito («virginitas mentis») isto é, «a fé íntegra, a esperança sólida, a caridade sincera» (In Io. Tr. 13, 12, PL 35, 1499).

2. A Constituição Lumen gentium desvela-se, portanto, em recordar que a virgindade de Maria, modelo da virgindade da Igreja, comporta também a dimensão física, pois Ela concebeu virginalmente Jesus por obra do Espírito Santo, sem intervenção de homem.

Maria é Virgem no corpo e Virgem no coração, como aparece da intenção de viver em profunda intimidade com o Senhor, decisivamente manifestada no momento da Anunciação. Portanto, Aquela que é invocada como «Virgem entre as virgens» constitui para todos, sem dúvida, um altíssimo exemplo de pureza e de dom total ao Senhor. Mas de modo especial inspiram-se n’Ela as virgens cristãs e quantos se dedicam, de maneira radical e exclusiva, ao Senhor nas várias formas de vida consagrada.

Assim, depois de ter desempenhado um papel importante na obra da salvação, a virgindade de Maria continua a influir beneficamente sobre a vida da Igreja.

3. Não esqueçamos que o primeiro e excelso modelo de toda a vida casta é certamente Cristo. Maria, contudo, constitui o especial modelo da castidade vivida por amor do Senhor Jesus.

Ela encoraja todos os cristãos a viverem com particular empenho a castidade segundo o próprio estado, e a confiarem no Senhor nas diversificadas circunstâncias da existência. Aquela que é por excelência Santuário do Espírito Santo, ajuda os crentes a redescobrirem o próprio corpo como templo de Deus (cf. 1Co 6,19) e a respeitarem a sua nobreza e santidade.

Para a Virgem olham os jovens em busca de um amor autêntico, e invocam a sua ajuda materna para perseverar na pureza.

Maria recorda aos cônjuges os valores fundamentais do matrimónio, ajudando-os a superar a tentação do desânimo e a dominar as paixões que tentam subjugar- lhes o coração. A sua total dedicação a Deus constitui para eles um forte estímulo a viverem na fidelidade recíproca, a fim de jamais cederem às dificuldades que insidiam a comunhão conjugal.

4. O Concílio exorta os fiéis a olharem para Maria, a fim de a imitarem na fé «virginalmente íntegra», na esperança e na caridade.

Conservar a integridade da fé representa uma tarefa empenhativa para a Igreja, chamada a uma vigilância constante, mesmo à custa de sacrifícios e de lutas. Com efeito, a fé da Igreja é ameaçada, não só por aqueles que rejeitam a mensagem do Evangelho, mas sobretudo por quantos, acolhendo somente uma parte da verdade revelada, recusam compartilhar de modo pleno o inteiro património de fé da Esposa de Cristo.

Essa tentação, que encontramos desde as origens da Igreja, continua infelizmente a estar presente na sua vida, impelindo-a a aceitar só em parte a Revelação ou a dar à Palavra de Deus uma interpretação restrita e pessoal, conforme à mentalidade dominante e aos desejos individuais. Tendo aderido plenamente à Palavra do Senhor, Maria constitui para a Igreja um insuperável modelo de fé «virginalmente íntegra», que acolhe com docilidade e perseverança a totalidade da Verdade revelada. E com a sua constante intercessão, obtém para a Igreja a luz da esperança e a chama da caridade, de cujas virtudes foi para todos exemplo incomparável na sua vida terrena.



Saudação em português

Minhas cordiais saudações aos peregrinos de língua portuguesa aqui presentes, nomeadamente aos portugueses de Oporto, e aos visitantes brasileiros de Jaboticabal do Estado de São Paulo. Ao recomendar vossas preces pelos frutos da Jornada Mundial da Juventude de Paris, abençoo a vós e a vossas famílias na paz de Cristo.





JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


De Paris a esperança dos jovens repercutiu-se no mundo

27 de Agosto de 1997




Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É com grande alegria que nos dias passados pude participar, em Paris, na XII Jornada Mundial da Juventude. Estou profundamente grato ao Senhor, que me concedeu viver esta extraordinária experiência de fé e de esperança.

Exprimo de bom grado o meu reconhecimento ao Senhor Presidente da República Francesa e a todas as Autoridades, pelo gentil acolhimento que me reservaram. Além disso, agradeço a quantos, a diversos níveis, contribuíram de maneira válida para o desenvolvimento ordenado e pacífico da inteira manifestação.

O meu reconhecimento dirige-se depois, com cordialidade fraterna, ao Cardeal Jean-Marie Lustiger, Arcebispo de Paris, a D. Michel Dubost, Presidente da Comissão organizadora, e à inteira Conferência Episcopal Francesa pelo grande cuidado com que foram preparadas e acompanhadas as várias fases do encontro mundial. Dirijo, por fim, um pensamento cordial a todos os voluntários, assim como às famílias que, com a sua generosa disponibilidade, tornaram possível a participação de inúmeras pessoas numa manifestação eclesial tão importante.

2. A XII Jornada Mundial da Juventude viu a afluência, em número superior a qualquer previsão, de rapazes e moças provenientes de cerca de 160 Países de todas as partes da terra. Eles encontraram- se na capital francesa para manifestar a alegria da sua fé em Cristo e experimentar a beleza do estar juntos, como membros da única Igreja de Cristo. Ao chegar à França, encontraram a disponibilidade generosa dos coetâneos franceses, que os acolheram com espírito de fraternidade e de cordialidade, primeiro no País inteiro e depois na Ilha de França.

Para eles constituiu uma ocasião particularmente feliz, para descobrirem o património cultural e espiritual da França, cujo lugar é bem conhecido na história da Igreja. Assim, puderam confrontar- se com uma Igreja viva e uma sociedade dinâmica e aberta.

Permanecerá, com certeza, impressa na memória de todos a recordação das estupendas liturgias que assinalaram os momentos mais significativos do «Triduum », que atingiu o seu ápice na solene celebração de domingo, 24 de Agosto. Tanto no contexto sugestivo de «Notre- Dame», onde se procedeu à beatificação de Frederico Ozanam, como na catedral de luzes criada em «Longchamp » para a vigília baptismal, os ritos desenvolveram-se num clima de intensa religiosidade, ao qual ofereceram a sua contribuição músicas e cânticos inspirados em diferentes culturas, executados no estilo apropriado.

3. O tema central, que guiou a reflexão nas diversas etapas do encontro, foi a pergunta que certa vez dois discípulos dirigiram a Jesus: «Mestre, onde moras », recebendo d’Ele a resposta: «Vinde ver» (Jn 1,38 s.). Com esta resposta o Senhor convidava-os a entrar em directa relação com Ele, para compartilharem o Seu caminho («vinde») e conhecerem profundamente a sua Pessoa («ver»).

A mensagem era clara: para entender Cristo, não basta escutar o Seu ensinamento; é preciso compartilhar a sua Vida e, de algum modo, fazer a experiência da sua Presença viva. Assim, o tema do Dia Mundial da Juventude inseriu-se na preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, que deseja repropor ao homem de hoje Cristo Jesus, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre.

Esta Jornada mundial quis oferecer aos jovens, em busca do sentido último da vida, a resposta: a descoberta de Cristo, Verbo encarnado para a salvação do homem, ilumina o mistério humano para além da morte, tornando-os capazes de construir no tempo uma sociedade em que a dignidade humana seja respeitada e a fraternidade, real.

4. O fio condutor que inspirou a reflexão e a oração, ligando ao mesmo tempo as grandes reuniões, foi a referência à celebração que a Igreja realiza do mistério pascal no Tríduo sagrado.

No grandioso cenário do Campo de Marte, dominado pelas soberbas dimensões da Torre Eiffel, teve lugar o meu primeiro encontro com a juventude: voltou- se a escutar a grande lição do serviço ao próximo, que Jesus ofereceu com o lava-pés, e aos jovens foi dirigido o convite a meditar, nas diversas vigílias da noite, sobre o sacramento da Eucaristia, fonte inexaurível de todo o amor autêntico.

Neste contexto, resultou rica de significado a beatificação de Frederico Ozanam, apóstolo da caridade e fundador das Conferências de São Vicente de Paulo, além de insigne figura de profundo intelectual católico. O tema sobre o amor foi ulteriormente desenvolvido na «Via-Sacra» de sexta-feira, na qual a atenção se concentrou no dom supremo que Cristo Servo fez de Si mesmo, para a salvação do mundo.

A sugestiva Vigília baptismal do sábado, que se realizou no Hipódromo de «Longchamp», permitiu que nos detivéssemos a reflectir sobre o novo nascimento do cristão e sobre o seu chamamento a viver uma relação de comunhão pessoal com o Redentor.

No domingo 24, por fim, houve a grande Celebração eucarística, durante a qual se retomou o tema central: é necessário mover-se rumo a Cristo («vinde »), a fim de descobrir de modo cada vez mais profundo a Sua verdadeira identidade («ver»). N’Ele o crente, através da «loucura» da Cruz, chega à suprema sabedoria do amor e, em torno da mesa da Eucaristia, descobre a profunda unidade que faz das pessoas, provenientes de todos os recantos da terra, um único Corpo místico.

O espectáculo, oferecido pelos jovens na imensa esplanada de «Longchamp», foi a confirmação eloquente desta verdade: não obstante as diversidades de língua, cultura, nacionalidade, cor da pele, rapazes e moças dos cinco continentes deram-se as mãos, intercambiaram saudações e sorrisos, oraram e cantaram juntos. Via-se claramente que todos se sentiam como na própria casa, membros duma única e grande família. A um mundo assinalado por divisões de todo o género, arrefecido na indiferença recíproca, exposto à angústia da alienação global, de Paris os jovens lançaram uma mensagem: a fé em Cristo crucificado e ressuscitado pode fundar uma fraternidade nova, na qual as pessoas se aceitam mutuamente porque se amam.

5. No final da grande Concelebração, durante a oração do Angelus, tive a alegria de anunciar a próxima proclamação de Santa Teresa de Lisieux Doutora da Igreja. Jovem também ela, como os participantes na Jornada mundial, Teresa compreendeu de modo admirável o estupendo anúncio do amor de Deus, recebido como dom e vivido com a humilde confiança e a simplicidade dos pequeninos que, em Jesus Cristo, se entregam totalmente ao Pai. E tornou-se mestra autorizada para o presente e o futuro da Igreja.

O que juntos vimos em Paris nos dias passados foi um extraordinário evento de esperança, uma esperança que do coração dos jovens se repercutiu no mundo. Oremos para que o estímulo de tantos rapazes e moças, provenientes dos quatro cantos da terra, continue e produza frutos abundantes na Igreja sempre jovem do novo milénio.

Saudações

Aos visitantes de língua portuguesa aqui presentes, nomeadamente os portugueses de Paços Ferreira e os jovens do Brasil do Movimento Pastoral Salesiano de São Paulo, recém-chegados de Paris, formulo a minha saudação mais cordial, com votos de paz e amor em Cristo, que estendo igualmente aos seus familiares, ao dar-lhes a minha Bênção.



                                                                              Setembro de 1997


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 3 de Setembro de 1997

Modelo da santidade da Igreja




Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Na Carta aos Efésios, São Paulo ilustra a relação esponsal entre Cristo e a Igreja, com as seguintes palavras: «Cristo amou a Igreja, e por ela Se entregou, para a santificar, purificando-a no baptismo da água pela palavra da vida, para a apresentar a Si mesmo como Igreja gloriosa sem mancha nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e imaculada» (Ep 5,25-27).

O Concílio Vaticano II retoma as afirmações do Apóstolo e recorda que, «na Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já a perfeição», enquanto «os fiéis ainda têm de trabalhar por vencer o pecado e crescer na santidade» (LG 65).

É assim ressaltada a diferença que existe entre os fiéis e Maria, pertencendo embora ambos à santa Igreja, que se tornou por Cristo «sem mancha nem ruga ». Com efeito, enquanto os fiéis recebem a santidade por meio do baptismo, Maria foi preservada de toda a mancha de pecado original e antecipadamente remida por Cristo. Os fiéis, além disso, embora libertados «da lei do pecado» (cf. Rm Rm 8,2), ainda podem ceder à tentação e a fragilidade humana continua a manifestar-se na vida deles. «Todos nós pecamos em muitas coisas», afirma a Carta de Tiago (3, 2). Por este motivo o Concílio de Trento ensina: «Ninguém pode evitar, na sua vida inteira, todo o pecado mesmo venial» (DS 1573). A esta regra, contudo, faz excepção por privilégio divino a Virgem Imaculada, como o mesmo Concílio de Trento recorda (ibid.).

2. Não obstante os pecados dos seus membros, a Igreja é antes de tudo a comunidade daqueles que são chamados à santidade e se empenham cada dia por alcançá-la.

Neste árduo caminho rumo à perfeição, eles sentem-se encorajados por Aquela que é «modelo de virtudes». O Concílio observa que «a Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando- a à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável mistério da Encarnação, e mais e mais se conforma com o seu Esposo» (LG 65).

A Igreja, portanto, olha para Maria. Não só contempla o dom maravilhoso da sua plenitude de graça, mas esforçase por imitar a perfeição que n’Ela é fruto da plena adesão ao preceito de Cristo: «Sede, pois, perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste» (Mt 5,48). Maria é a inteiramente santa. Ela representa para a comunidade dos crentes o paradigma da autêntica santidade que se realiza na união com Cristo. A vida terrena da Mãe de Deus é, com efeito, caracterizada pela perfeita sintonia com a pessoa do Filho e pela dedicação total à obra redentora por Ele realizada.

Dirigindo o olhar para a intimidade materna que se desenvolveu no silêncio da vida de Nazaré e se aperfeiçoou na hora do sacrifício, a Igreja empenha-se em imitá-la no seu caminho quotidiano. Desse modo, conforma-se cada vez mais com o seu Esposo. Unida como Maria à cruz do Redentor, a Igreja, através das dificuldades, contradições e perseguições que renovam na sua vida o mistério da Paixão do seu Senhor, põe-se na constante busca da plena configuração com Ele.

3. A Igreja vive de fé, reconhecendo «naquela que acreditou que teriam cumprimento as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor» (Lc 1,45), a primeira e perfeita expressão da sua fé. Neste itinerário de abandono confiante rumo ao Senhor, a Virgem precede os discípulos, aderindo à Palavra divina num contínuo crescendo, que investe todas as etapas da sua vida e se propaga na própria missão da Igreja.

O seu exemplo encoraja o Povo de Deus a praticar a sua fé e a aprofundar e desenvolver o seu conteúdo, conservando e meditando no coração os acontecimentos da salvação.

Maria torna-se para a Igreja também modelo de esperança. Ao escutar a mensagem do anjo, a Virgem é a primeira a orientar a sua esperança para o Reino sem fim, que Jesus tinha sido enviado para estabelecer.

Ela permanece firme junto da cruz do Filho, à espera da realização da promessa divina. Depois do Pentecostes a Mãe de Jesus sustém a esperança da Igreja, ameaçada pelas perseguições. Ela é, pois, para a Comunidade dos crentes e para cada um dos cristãos a Mãe da esperança, que encoraja e guia os seus filhos na expectativa do Reino, sustentando-os nas provas quotidianas e no meio das vicissitudes, mesmo trágicas, da história.

Em Maria, por fim, a Igreja reconhece o modelo da sua caridade. Observando a situação da primeira comunidade cristã, descobrimos que a unanimidade dos corações, manifestada à espera do Pentecostes, está associada à presença da Virgem Santa (cf. Act Ac 1,14). E graças precisamente à caridade irradiante de Maria é possível conservar em todos os tempos no interior da Igreja a concórdia e o amor fraterno.

4. O Concílio põe em evidência expressamente o papel de exemplaridade, desempenhado por Maria em relação à Igreja na sua missão apostólica, com as seguintes anotações: «Na sua acção apostólica, a Igreja olha com razão para aquela que gerou a Cristo, o qual foi concebido por acção do Espírito Santo e nasceu da Virgem precisamente para nascer e crescer também no coração dos fiéis, por meio da Igreja. E, na sua vida, deu a Virgem exemplo daquele afecto maternal de que devem estar animados todos quantos cooperam na missão apostólica que a Igreja tem de regenerar os homens» (LG 65).

Depois de ter cooperado na obra de salvação com a maternidade, com a associação ao sacrifício de Cristo e com a ajuda materna à Igreja nascente, Maria continua a sustentar a comunidade cristã e todos os crentes no generoso empenho pelo anúncio do Evangelho.
***


«Caríssimos, não me é possível deixar de recordar, hoje, o dia 1 de Setembro de 1939, quando iniciou a II Guerra Mundial e toda a experiência causada por ela na nossa pátria. Hoje é dia 3 de Setembro, e naquele ano era domingo. A guerra já estava em curso e as tropas alemãs aproximavam-se de Cracóvia. Dirijamo-nos nesta ocasião de modo particular a Maria, Rainha da Polónia, com as palavras do cântico: «Quanto sofreste Maria aos pés da cruz de Teu Filho». E, recordando aqueles seus sofrimentos junto da cruz, recomendamos- Lhe a nossa pátria e sobretudo aqueles que sofrem. Oremos para que Ela lhes abrevie os sofrimentos. E para aqueles que não sabem enfrentá-los, peçamos o dom da perseverança e da vitória. O cântico dedicado à Mãe de Deus, Rainha da Polónia, é uma espécie de exposição histórica das nossas experiências de 1939 e da inteira guerra mundial, que custou tanto desconforto, tantos sofrimentos e sacrifícios, necessários para conseguir a vitória final. Hoje e nestes dias recomendemos a Deus de modo particular a nossa pátria. Louvado seja Jesus Cristo!».

Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs

Saúdo a todos os peregrinos de língua portuguesa aqui presentes, nomeadamente a um grupo de visitantes de Portugal e outro do Brasil. Desejo a todos, às vossas famílias e à juventude das vossas terras graça, paz e alegria, com a minha Bênção Apostólica.

Tenho a alegria de acolher os responsáveis da União Internacional Esperantista Católica, empenhados no seu quinquagésimo Congresso. Caríssimos, o tema do vosso encontro retoma o mandato missionário que Cristo confiou à sua Igreja. Acolhei-o com generosidade, com aquele espírito de universalidade que está na base da língua por vós cultivada.

É-me grato agora dirigir a minha saudação aos Jovens, aos Doentes e aos jovens Casais aqui presentes. Jesus Cristo é o modelo do homem perfeito e a fonte da nossa alegria.

Vós, caros jovens, sede luz que brilha testemunhando- O, a Ele que é Caminho, Verdade e Vida; vós, queridos doentes, uni na Eucaristia a oferta de vós mesmos à de Jesus Redentor; e vós, prezados jovens esposos, vivei em família abertos aos dons do Espírito, para que o Senhor ilumine sempre o vosso caminho conjugal.



JOÃO PAULO II


AUDIÊNCIA


Quarta-feira 10 de Setembro de 1997

Modelo da Igreja no culto divino


Caríssimos Irmãos e Irmãs:

1. Na Exortação Apostólica Marialis cultus o Servo de Deus Paulo VI, de venerada memória, apresenta a Virgem como modelo da Igreja no exercício do culto. Essa afirmação constitui como que um corolário da verdade, que indica em Maria o paradigma do Povo de Deus na via da santidade: «A exemplaridade da bem-aventurada Virgem Maria, neste campo, é consequência do facto de Ela ser reconhecida como modelo excelentíssimo da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, isto é, daquelas disposições interiores com que a mesma Igreja, Esposa amadíssima, intimamente associada ao seu Senhor, O invoca e, por meio d’Ele presta o culto ao eterno Pai» (n. 16).

2. Aquela que na Anunciação manifestou total disponibilidade ao projecto divino, representa para todos os crentes um modelo sublime de escuta e de docilidade à Palavra de Deus.

Ao responder ao anjo: «Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38), e ao declarar-se pronta a cumprir de modo perfeito a vontade do Senhor, Maria entra a justo título na bem-aventurança proclamada por Jesus: «Felizes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11,28).

Com essa atitude, que abraça a sua existência inteira, a Virgem indica a via-mestra da escuta da Palavra do Senhor, momento essencial do culto, que se tornou típico da liturgia cristã. O seu exemplo faz compreender que o culto não consiste, antes de tudo, em exprimir os pensamentos e os sentimentos do homem, mas em pôr-se à escuta da Palavra divina para a conhecer, assimilar e tornar operativa na vida quotidiana.

3. Toda a celebração litúrgica é memorial do mistério de Cristo na Sua acção salvífica para a inteira humanidade, e quer promover a participação pessoal dos fiéis no Mistério pascal, expresso de novo e actualizado nos gestos e nas palavras do rito.

Maria foi testemunha dos eventos da salvação no seu desenvolvimento histórico, culminado na morte e ressurreição do Redentor, e conservou «todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2,19). Ela não se limitava a estar presente em cada um dos eventos, mas procurava captar o seu significado profundo, aderindo com toda a alma a quanto neles se cumpria de modo misterioso.

Maria mostra-se, portanto, como supremo modelo de participação pessoal nos mistérios divinos. Ela guia a Igreja na meditação do mistério celebrado e na participação no evento de salvação, promovendo nos fiéis o desejo de um íntimo envolvimento pessoal com Cristo, para cooperar na salvação universal com o dom da própria vida.

4. Maria constitui, além disso, o modelo da oração da Igreja. Com toda a probabilidade Maria estava recolhida em oração, quando o anjo Gabriel entrou na casa de Nazaré e a saudou. Esse contexto de oração certamente sustentou a virgem na sua resposta ao anjo e na generosa adesão ao mistério da Encarnação.

Na cena da Anunciação, os artistas quase sempre representaram Maria em atitude orante. Recordamos entre todos o Beato Angélico. Daí provém para a Igreja e para cada crente a indicação do clima que deve presidir ao desenvolvimento do culto.

Podemos depois acrescentar que Maria representa para o Povo de Deus o paradigma de toda a expressão da sua vida de oração. Em particular, Ela ensina aos cristãos como se dirigir a Deus, para d'Ele invocar a ajuda e o apoio nas várias situações da vida.

A sua intercessão materna nas bodas de Caná e a sua presença no Cenáculo ao lado dos Apóstolos em oração, à espera do Pentecostes, sugerem que a oração de súplica é uma forma essencial de cooperação no desenvolvimento da obra salvífica no mundo.

Seguindo o seu modelo, a Igreja aprende a ser audaz ao pedir, a perseverar nas suas intercessões e, sobretudo, a implorar o dom do Espírito Santo (cf. Lc Lc 11,13).

5. A Virgem constitui, além disso, para a Igreja o modelo na participação generosa no sacrifício.

Na apresentação de Jesus no templo e, sobretudo, aos pés da cruz, Maria faz o dom de si que a associa, como Mãe, ao sofrimento e às provas do Filho. Assim, tanto na vida quotidiana como na Celebração eucarística a «Virgem oferente » (Marialis cultus, 20) encoraja os cristãos a «oferecerem sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus, por Jesus Cristo» (1P 2,5).



Saudações

Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente um grupo de visitantes do Brasil. Grato pela vossa presença, desejo-vos todo o bem, paz e prosperidade para as vossas famílias. Ao pedir-vos que rezeis pela minha próxima Viagem Pastoral ao Brasil, para o Encontro com as Famílias, imploro para todos, por Nossa Senhora, a protecção do Altíssimo com a minha Bênção.

Acolho com prazer os peregrinos de língua francesa, sobretudo o grupo proveniente dos Camarões. A cada um de vós desejo uma boa descoberta de Roma e, de bom grado, concedo-vos a minha Bênção Apostólica!

Tenho o prazer de saudar os participantes no Colóquio promovido pelo Conselho Internacional de Cristãos e Judeus: oxalá os vossos debates e reflexões levem a um maior entendimento, respeito e cooperação entre os seguidores das crenças judaica e cristã. Sobre todos os peregrinos de língua inglesa, especialmente aos da Inglaterra, da África do Sul, da Austrália, do Japão, do Canadá e dos Estados Unidos, invoco a alegria e a paz de nosso Senhor Jesus Cristo.

Saúdo com afecto os peregrinos de língua espanhola, em especial as Irmãs Mercedárias da Caridade, reunidas em Assembleia Geral, assim como os diversos grupos que vieram da Espanha, do México, do Uruguai, da Argentina e da Colômbia. Saúdo também a tripulação do Navio-Escola «Glória» da Marinha militar colombiana. Que o exemplo da Virgem Maria vos ajude a participar mais intensamente no culto que a Igreja oferece a Deus. A todos vós concedo com afecto a Bênção Apostólica.

Muito obrigado!

Quereria agora saudar os peregrinos belgas e holandeses. A vossa visita aos túmulos dos Apóstolos seja uma boa ocasião para uma renovação interior, a fim de que cresça a concórdia nas famílias e nas vossas comunidades eclesiais, para o bem de cada um de vós e para a promoção da justiça e da paz, no espírito do Evangelho de Jesus Cristo.

De coração concedo a Bênção Apostólica.

Dirijo-me agora aos membros da Consulta Nacional Italiana das Fundações Antiusura, aqui presentes juntamente com alguns Bispos e Responsáveis das Administrações Públicas. Sei como é preocupante o fenómeno da usura, que infelizmente está difundido em muitas cidades e apresenta consequências dramáticas para as famílias nele envolvidas. Sei também com que tenacidade, embora no meio de não poucas dificuldades, procurais unir os esforços a fim de reter um sistema tão injusto, que interpela fortemente as comunidades civis e eclesiais. Encorajo e abençoo a obra altamente meritória que a vossa Consulta Nacional está a realizar, para deter esta impiedosa exploração da necessidade de outrem e, assim, dar esperança a quem se encontra envisgado na rede de desabusados usurários.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, continuai a lutar contra este tremendo flagelo social, sustentados pela consciência de que convosco trabalha o Senhor, o qual «liberta o pobre que invoca e o miserável que não encontra ajuda» (Sl 71/72, 12).

Desejo, enfim, saudar os Jovens, os Doentes e os jovens Casais e convido cada um a dirigir o olhar para a Cruz de Cristo, que no próximo domingo contemplaremos na festa da sua Exaltação.

Caros jovens, o vosso empenho em seguir Jesus não se detenha diante dos inevitáveis sofrimentos que o mistério da Cruz evoca. Vós, queridos doentes, jamais cesseis de contemplar o Cristo crucificado, que salva o mundo oferecendo a Sua vida por nós; e vós, prezados jovens esposos, testemunhai com o dom total de vós mesmos o sentido profundo da Cruz de Cristo.




AUDIÊNCIAS 1997