Discursos João Paulo II 1997 - 10 de Janeiro de 1997

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO INTERNACIONAL


SOBRE INVESTIGAÇÕES ESPACIAIS


11 de Janeiro de 1997





1. Estou feliz por dar as boas-vindas aos ilustres participantes no Congresso internacional sobre as Investigações espaciais, os quais acabam de terminar o seu encontro na Universidade de Pádua, sobre o tema «Os três Galileus: o homem, a nave espacial e o telescópio». Concentrastes a vossa atenção sobre os recentes resultados científicos da vossa nave espacial «Galileu» e as vossas expectativas a propósito das descobertas futuras, tanto dessa mesma nave espacial como do Telescópio nacional italiano, também denominado «Galileu», inaugurado há apenas oito meses numa localidade das Ilhas Canárias. Congratulo- me com os cientistas do Laboratório de propulsão a jacto e da Administração nacional da Aeronáutica e do Espaço, cujas conquistas foram solenemente reconhecidas pela Universidade de Pádua, onde o grande Físico transcorreu muitos anos frutuosos.

2. Tanto a nave espacial «Galileu» como o Telescópio nacional italiano estão a oferecer contribuições significativas para a formação de uma visão mais global do universo. Ao construirdes sobre resultados experimentais bem fundados, em companhia de outras pessoas do mundo inteiro, aperfeiçoais um modelo que delineia toda a evolução do universo, a partir dum instante infinitesimal depois do início do tempo até ao presente e além, até ao futuro remoto. Nunca como hoje, a visão do homem abre-se para as belezas do universo. E a maravilha de tudo isto constitui um chamamento constante a reflectir cada vez mais seriamente sobre a grandeza do destino do próprio homem e sobre a sua dependência do Criador. Deste modo, enquanto ficamos estupefactos perante a vastidão do cosmo e do dinamismo que o imbui, nos nossos corações ecoam determinadas problemáticas fascinantes e fundamentais que continuam a desafiar a humanidade no limiar do novo milénio.

3. A participação do Observatório do Vaticano nos vossos empreendimentos constitui um sinal concreto do apreço da Igreja pelo especial génio, objectividade, autodisciplina e respeito da verdade que os cientistas consagram à exploração do universo. A vossa dedicação à investigação científica constitui uma verdadeira vocação ao serviço da família humana, uma vocação que a Igreja honra e estima enormemente. Esta vocação é ainda mais fecunda quando nos ajuda a reconhecer o vínculo existente entre a beleza e a ordem do universo e a dignidade da pessoa humana — reflexos da majestade criadora de Deus. Quanto mais os homens e as mulheres da ciência se empenharem na investigação rigorosa, em vista de penetrar as leis do universo, tanto mais insistente se tornará a questão do significado e da finalidade, e tanto mais premente será a reflexão contemplativa que decerto nos levará a apreciar profundamente o sentido da transcendência do homem sobre o mundo, e da de Deus sobre o homem (cf. Discurso à UNESCO, 2 de Junho de 1980, n. 22).

Através de vós, que tivestes a amabilidade de querer compartilhar comigo as deliberações do vosso Congresso, dirijo um apelo a cada um dos vossos colegas nos diversificados sectores da investigação científica: despendei todos os esforços a fim de que a primazia da ética seja respeitada no vosso trabalho; preocupai- vos sempre com as implicações dos vossos métodos e das vossas descobertas. A minha oração é para que os cientistas jamais esqueçam que a causa da humanidade só é servida autenticamente, se ao conhecimento estiver vinculada a consciência.

4. Senhoras e Senhores, ao concluir estas breves observações confio-vos a minha esperança por que a investigação, que vos aproxima de modo tão íntimo dos mistérios maravilhosos do universo, suscite em vós um apreço cada vez mais profundo pelo poder e pela sabedoria de Deus. Oxalá as vossas descobertas contribuam para a edificação de uma sociedade cada vez mais respeitadora de tudo o que é deveras humano. O Senhor do céu e da terra abençoe abudantemente todos vós.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DIPLOMATAS ACREDITADOS JUNTO DA SANTA SÉ


13 de Janeiro de 1997





Excelências
Senhoras e Senhores

1. O vosso Decano, Senhor Embaixador Joseph Amichia, apresentou-me há pouco os vossos votos cordiais, com a serenidade e a delicadeza a todos bem conhecidas. Pela última vez assim o fez, porque, após vinte e cinco anos, retornará à sua amada Costa do Marfim. À sua Esposa, à sua família, aos seus compatriotas e a ele mesmo desejo, em nome de todos vós, expressar os nossos mais ardentes votos para um futuro, que lhe permita realizar os seus projectos mais caros.

A todos vós, Excelências, Senhoras e Senhores, se dirigem os meus calorosos agradecimentos pelas vossas felicitações; estou-vos grato pelos sinais de apreço, que tantas vezes reservais à actividade internacional da Santa Sé. Terei ocasião, dentro de alguns momentos, de vos saudar pessoalmente e de vos exprimir os meus sentimentos de estima. Através de todos vós, quereria além disso fazer chegar os meus afectuosos e orantes votos aos dirigentes dos vossos Países e aos vossos compatriotas: oxalá o ano de 1997 assinale uma etapa decisiva na consolidação da paz, e para uma prosperidade mais compartilhada por todos os povos da terra!

Na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1997, eu convidava todas as pessoas de boa vontade a «empreender juntas, e de ânimo firme, uma verdadeira peregrinação de paz, cada qual a partir da situação concreta em que se encontra» (n. 1). Como melhor iniciá-la senão juntamente convosco, Senhoras e Senhores, observadores qualificados e atentos da vida das nações? Neste início do ano, a que ponto estão a esperança e a paz? Eis a pergunta, à qual desejaria responder convosco.

2. A esperança. Felizmente ela não está ausente do horizonte da humanidade. O desarmamento marcou metas importantes, com a assinatura do Tratado de interdição total das experiências nucleares, o qual aliás a Santa Sé também assinou, na esperança de uma adesão universal. Afinal a corrida aos armamentos nucleares e a sua proliferação são banidas da sociedade.

Contudo, isto não nos deve tornar menos vigilantes quanto à produção de armas convencionais ou químicas cada vez mais sofisticadas, nem indiferentes em relação aos problemas apresentados pelas minas anti-homem. A respeito destas últimas, faço votos por que se chegue a um acordo, juridicamente vinculante e com adequados mecanismos de controle, por ocasião da reunião prevista em Bruxelas, para o próximo mês de Junho. Tudo deve ser feito para construir um mundo mais seguro!

Quase todos os Governos, reunidos no contexto da Organização das Nações Unidas, em Istambul, para a segunda Conferência sobre os Povoamentos humanos, e em Roma, para a Reunião de Cúpula mundial da FAO, assumiram empenhos concretos para conciliar melhor o desenvolvimento, o crescimento económico e a solidariedade. O direito à casa e a equitativa distribuição dos recursos da terra manifestaram-se como prioridade para os anos futuros: trata-se de passos decisivos.

Devemos igualmente ter em consideração o acordo, concluído no final do ano em Abidjã, para a paz na Serra Leoa, esperando vivamente que o desarmamento e a desmobilização dos militares ocorram sem lentidão. Oxalá aconteça o mesmo na vizinha Libéria, também ela empenhada num difícil processo de normalização e de preparação de eleições livres!

Na Guatemala, a paz parece finalmente esboçar-se no horizonte, após longuíssimos anos de luta fratricida. O acordo assinado a 29 de Dezembro passado, criando um clima de confiança, deveria favorecer, na unidade e com coragem, a solução dos numerosos problemas sociais ainda insolúveis.

Dirigindo o olhar para a Ásia, esperamos a data de 1 de Julho de 1997, quando Hong-Kong será reintegrada na China continental. Em razão da consistência e da vitalidade da comunidade católica que reside naquele território, a Santa Sé seguirá com interesse muito particular essa nova etapa, esperando que o respeito pelas diferenças, pelos direitos fundamentais da pessoa humana e pela supremacia do direito, marque este novo itinerário, preparado por pacientes negociações.

3. A paz, em segundo lugar. Parece ainda precária em vários pontos do planeta e, em todo o caso, ela está sempre à mercê de egoísmos ou de imprevidências de não poucos responsáveis pela vida internacional. Muito perto de nós, a Argélia continua a debater-se num abismo de violência inaudita, dando a triste imagem de um povo inteiro tomado como refém. A Igreja católica pagou ali um pesado tributo, no ano passado, com o bárbaro assassínio de sete Monges trapistas do Mosteiro de Notre-Dame de l’Atlas e a morte brutal de D. Pierre Claverie, Bispo de Oran. Chipre, ainda dividido em dois, espera uma solução política que deveria ser elaborada num contexto europeu, oferecendo-lhe horizontes mais diversificados. Na margem oriental do Mediterrâneo, o Médio Oriente continua a procurar às apalpadelas o caminho da paz. Tudo deve ser provado para que os sacrifícios e os esforços envidados nestes últimos anos, a partir da Conferência de Madrid, não se tornem vãos. Para os cristãos, em particular, a «Terra Santa» continua a ser o lugar onde ressoou pela primeira vez esta mensagem de amor e de reconciliação: «Paz na terra aos homens por Deus amados»!

Todos juntos, judeus, cristãos e muçulmanos, israelitas e árabes, crentes e não-crentes, devem criar e consolidar a paz: a paz dos tratados, a paz da confiança, a paz dos corações! Nesta parte do mundo, como alhures, a paz não poderá ser justa nem duradoura, se não estiver apoiada sobre o diálogo leal entre parceiros iguais, no respeito da identidade e da história de cada um, se não se apoiar sobre o direito dos povos à livre determinação do próprio destino, sobre a sua independência e segurança. Não pode haver excepções! E todos aqueles que têm acompanhado as partes mais directamente envolvidas no difícil processo de paz no Médio Oriente, devem duplicar os esforços, a fim de que o modesto capital de confiança acumulado não seja desperdiçado mas, ao contrário, aumente e produza frutos.

Nestes últimos meses, um foco de tensão estendeu-se de modo dramático em toda a região dos Grandes Lagos, na África. O Burundi, Ruanda e o Zaire, em particular, viram-se envolvidos na engrenagem fatal da violência desenfreada e do etnocentrismo, que fizeram mergulhar nações inteiras em dramas humanos, que não deveriam deixar ninguém indiferente. Nenhuma solução poderá ser elaborada, enquanto os responsáveis políticos e militares daqueles Países não se sentarem em torno duma mesa de negociação, com a ajuda da Comunidade internacional, para delinear juntos a configuração das suas necessárias e inevitáveis relações. A Comunidade internacional — e aqui quero incluir as Organizações regionais africanas — não só devem oferecer remédio à indiferença, manifestada nos últimos tempos ante dramas humanitários, dos quais o mundo inteiro foi testemunha, mas deve também aumentar a sua acção política, a fim de evitar que novos desenvolvimentos trágicos, desmembramentos de territórios ou o êxodo de populações venham a criar situações, que ninguém seria capaz de controlar. A segurança de um País ou de uma região não se funda sobre a acumulação dos riscos.

No Sri Lanka, as esperanças de paz desfizeram-se diante dos combates, que de novo têm devastado inteiras regiões da ilha. A permanência dessas lutas impede de modo evidente o progresso económico. Ali ainda seria necessário retomar as negociações, para se chegar pelo menos a um cessar-fogo que permita olhar para o futuro de modo mais sereno.

Se dirigirmos, por fim, o olhar para a Europa, podemos observar que a construção das Instituições europeias e o aprofundamento do conceito europeu de segurança e de defesa deveriam garantir, aos cidadãos dos Países do Continente, um futuro mais estável, porque fundado sobre um património de valores comuns: o respeito pelos direitos do homem, a primazia da liberdade e da democracia, o Estado de direito, o direito ao progresso económico e social. Tudo isto, certamente, em vista do desenvolvimento integral da pessoa humana. Mas os Europeus devem permanecer vigilantes, porque são sempre possíveis perigosas desorientações de roteiro, como demonstrou a crise dos Balcãs: a persistência de tensões étnicas, os nacionalismos exacerbados, as intolerâncias de qualquer espécie constituem ameaças permanentes. Os focos de tensão persistentes no Cáucaso advertem-nos de que o contágio de semelhantes energias negativas não pode ser detido, senão graças à instauração de uma cultura autêntica e de uma verdadeira pedagogia da paz. Actualmente, em muitas regiões da Europa, tem-se a impressão de que os povos, em vez de cooperarem entre si, coexistem. Jamais devemos esquecer que um dos «pais fundadores» da Europa do pós-guerra escrevia à margem das suas memórias — cito aqui Jean Monnet: «Nós não coalizamos Estados; nós unimos homens»!

4. Essa rápida panorâmica sobre a situação internacional é suficiente demonstrar que, entre os progressos realizados e os problemas a resolver, os responsáveis políticos têm um largo campo de acção. O que, talvez, mais falta hoje aos representantes da Comunidade internacional não são as Convenções escritas, nem as assembleias onde se possam exprimir: elas são até mesmo excessivas! O que falta é antes uma lei moral e a coragem de se referir a ela.

À Comunidade das Nações, como a qualquer sociedade humana, não passa despercebido este princípio de base; ela deve ser regida por uma regra de direito válida para todos, sem excepções. Todo o sistema jurídico, sabemo-lo, tem por fundamento e por fim o bem comum. E isto aplica-se também à Comunidade internacional: o bem de todos e o bem do todo! É isto que permite chegar a soluções justas, nas quais ninguém é prejudicado em vantagem dos outros, ainda que estes sejam a maioria: a justiça é para todos, sem que a injustiça seja infligida a alguém. A função do direito é dar a cada um aquilo que lhe compete, dar aquilo que lhe é devido com plena justiça. O direito comporta, então, uma forte conotação moral. E o próprio direito internacional está fundado sobre valores. A dignidade da pessoa, ou a garantia dos direitos das nações, por exemplo, são princípios morais antes de serem normas jurídicas. Isto explica que os primeiros teóricos da sociedade internacional e os precursores dum reconhecimento explícito do «ius gentium» (direito dos povos) foram filósofos e teólogos, entre os séculos XV e XVII. Além disso, não se pode deixar de constatar que o direito internacional já não é apenas um direito entre Estados, mas tende cada vez mais a atingir os indivíduos, através das definições internacionais dos direitos do homem, do direito sanitário internacional ou do direito humanitário, para citar apenas alguns exemplos.

É, pois, urgente organizar a paz do pós-guerra fria e a liberdade do pós-ano de 1989, baeando-se em valores morais que são como as antípodas da lei dos mais fortes, dos mais ricos ou dos maiores que impõem os seus modelos culturais, as suas orientações económicas ou as suas tendências ideológicas. As tentativas para organizar uma justiça penal internacional são, neste sentido, um real progresso da consciência moral das nações. O desenvolvimento das iniciativas humanitárias, intergovernamentais ou privadas é, também ele, um sinal positivo dum despertar da solidariedade, diante de situações de violência ou de injustiça intoleráveis. Mas, também neste ponto, é preciso que estejamos atentos a que estas generosidades não se tornem rapidamente a justiça dos vencedores, ou que não escondam segundos fins hegemónicos, que fariam raciocinar em termos de esferas de influência, de monopólios ou de reconquista dos mercados.

O direito internacional foi durante muito tempo um direito da guerra e da paz. Creio que ele deva ser cada vez mais chamado a tornar-se exclusivamente um direito da paz, concebido em função da justiça e da solidariedade. E, neste contexto, a moral deve fecundar o direito; pode, além disso, exercer uma função de antecipação ao direito, na medida em que lhe indica a direcção da justiça e do bem.

5. Excelências, Senhoras e Senhores, são estas as reflexões que eu desejava compartilhar convosco neste início de ano. Elas poderão inspirar a vossa reflexão e a vossa acção ao serviço da justiça, da solidariedade e da paz entre as Nações que representais.

Na oração, confio a Deus a felicidade e a prosperidade dos vossos compatriotas, os projectos dos vossos Governos para o bem espiritual e temporal dos seus povos, bem como os esforços da Comunidade internacional para o triunfo da razão e do direito. Na nossa peregrinação de paz, a estrela do Natal nos guie e nos indique o verdadeiro caminho do homem, convidando-nos a empreender a vereda de Deus. Deus abençoe as vossas pessoas, as vossas famílias e as vossas pátrias e conceda a todos vós um ano feliz!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMUNIDADE DO ALMO COLÉGIO


CAPRÂNICA DE ROMA


18 de Janeiro de 1997





1. Acolho-vos com grande alegria, caríssimos Alunos do Almo Colégio Caprânica, juntamente com o ex-Reitor, há pouco consagrado Bispo, D. Luciano Pacomio, que desejou acompanhar-vos mais uma vez neste encontro anual, por ocasião da memória da vossa padroeira, Santa Inês.

Agradeço-lhe, Excelência Reverendíssima, as gentis palavras que me dirigiu e exprimo o meu profundo reconhecimento pelo serviço que prestou, durante estes anos, na Comunidade de Caprânica, de modo particular querida ao Papa devido ao empenho com o qual há mais de cinco séculos apoia a formação dos candidatos ao sacerdócio e dos jovens sacerdotes. Faço votos por que possa dedicar com êxito, ao serviço dos fiéis de Mondovì, aqueles dotes de engenho e coração, tão apreciados pelos seus queridos alunos do Colégio.

2. Tenho motivos para pensar que a Ordenação episcopal do Reitor transmitiu à inteira comunidade um suplemento de fervor espiritual, levando cada um a reflectir sobre a graça e as exigências do ministério pastoral na Igreja.

Esta é uma meditação que eu próprio fui convidado a retomar e a aprofundar nos meses passados, solicitado pelo meu jubileu sacerdotal. O fruto dessa reflexão, feita sob o olhar de Deus na oração, foi o livro «Dom e mistério». Hoje quereria confiar-vos idealmente este meu testemunho, com os votos de que estejais sempre repletos de reconhecimento pelo inestimável dom do sacerdócio, que o Senhor Se dignou oferecer- vos, chamando-vos à plena conformação a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor.

Nas proximidades da memória litúrgica de Santa Inês, invoco sobre cada um de vós e sobre a Comunidade de Caprânica a intercessão desta menina romana. Oxalá ela obtenha ao ex-Reitor, que agora se prepara para enfrentar a sua nova missão entre os fiéis de Mondovì, e a todos os Alunos do Almo Colégio, a incondicionada fidelidade a Cristo, que resplandece no seu testemunho de virgem e mártir.

Quanto a mim, acompanho-vos com a oração e a Bênção Apostólica que de bom grado faço extensiva a todos os vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SEGUNDO GRUPO DE BISPOS DA FRANÇA


POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


18 de Janeiro de 1997





Caros Irmãos no Episcopado

1. É com alegria que vos acolho no momento em que efectuais a vossa visita ad Limina. Mediante a vossa peregrinação aos túmulos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e os vossos encontros com o Sucessor de Pedro e os seus colaboradores, encontrareis encorajamento para a vossa missão episcopal; Cristo fará aumentar em vós a esperança, Ele que jamais abandona a sua Igreja e que, pelo seu Espírito, a guia, a fim de que ela seja sinal da salvação no mundo.

Agradeço a D. Michel Saudreau, Bispo de Havre, Presidente da vossa Região apostólica, as suas palavras evocando o acolhimento caloroso e atento do povo da França, por ocasião da minha recente visita ao vosso país, e agradeço também a sua apresentação de algumas das vossas orientações pastorais comuns, a fim de que os homens descubram o Deus-Trindade. O vosso empreendimento insere-se na perspectiva da preparação do grande Jubileu.

2. Nos vossos relatórios quinquenais, entre as vossas preocupações essenciais, recordais o futuro do clero. A pirâmide das idades é uma fonte de inquietude. Convosco, os sacerdotes estão preocupados, pois não vêem chegar o momento da substituição, e por vezes sentem dificuldade em enfrentar as numerosas tarefas do ministério. Compreendo os vossos temores quanto ao futuro das comunidades cristãs, que têm necessidade de ministros ordenados. Entretanto, convido- vos à esperança, em particular meditando acerca do decreto conciliar sobre o ministério e a vida dos sacerdotes, Presbyterorum ordinis, cujo trigésimo aniversário foi por nós festejado em 1995. Para todos aqueles que receberam o sacerdócio, trata-se de uma ocasião para dirigir um novo olhar para a missão que lhes foi confiada pelo Senhor e «reavivar o dom espiritual que Deus lhes fez» pela imposição das mãos (2Tm 1,6).

Convosco, quereria então encorajar os sacerdotes, de modo particular os diocesanos, para que seja afirmada e renovada uma espiritualidade do sacerdócio diocesano. Pela sua vida espiritual, eles descobrirão, no exercício da verdadeira caritas pastoralis, um caminho de santidade pessoal, um dinamismo no ministério e uma força de proposta para jovens que hesitam em empenhar-se no sacerdócio.

3. A exortação do Apóstolo a Timóteo recorda-nos o vínculo íntimo que existe entre a consagração e a missão. Sem esta unidade, o ministério não será senão função social. Chamados e escolhidos pelo Senhor, os sacerdotes participam na Sua missão que constrói a Igreja, Corpo de Cristo e templo do Espírito (cf. Presbyterorum ordinis, PO 1). «Os presbíteros são, na Igreja e para a Igreja, uma representação sacramental de Jesus Cristo Cabeça e Pastor» (Pastores dabo vobis PDV 15). Tomados de entre os seus irmãos, são em primeiro lugar homens de Deus; é importante que não negligenciem a sua vida espiritual, pois toda a actividade pastoral e teológica «deve, com efeito, começar pela oração» (Santo Alberto Magno, Comentário da Teologia mística, 15), que é «algo de grande que dilata a alma e une a Jesus» (Santa Teresa de Lisieux, Manuscritos autobiográficos C, fol. 25).

4. Na íntima relação quotidiana com Cristo, que unifica a existência e o ministério, convém dar o primeiro lugar à Eucaristia, que contém todo o tesouro espiritual da Igreja. Ela, cada dia, conforma o sacerdote a Cristo, Supremo Sacerdote, de Quem ele é ministro. E, na celebração eucarística como na dos outros sacramentos, o sacerdote está unido ao seu Bispo e «assim o torna de algum modo presente em todas as assembleias dos fiéis» (Presbyterorum ordinis PO 5); dá coesão ao povo de Deus e fá-lo desenvolver, reunindo-o à volta das duas mesas da Palavra e da Eucaristia, e oferecendo aos homens o apoio da misericórdia e ternura divinas. Depois, a Liturgia das Horas estrutura as suas jornadas e modela a sua vida espiritual. A meditação da Palavra de Deus, a lectio divina e a oração conduzem a viver em intimidade com o Senhor, que revela os mistérios da salvação àquele que, a exemplo do discípulo predilecto, permanece perto d’Ele (cf. Jo Jn 13,25).

Na presença de Deus, o sacerdote encontra a força para viver as exigências essenciais do seu ministério. Adquire o suplemento necessário para fazer a vontade d’Aquele que o enviou, numa disponibilidade incessante à acção do Espírito, pois é Ele que dá o crescimento e nós somos os seus cooperadores (cf. 1Co 3,5-9). Segundo a promessa feita no dia da ordenação, esta disponibilidade concretiza-se mediante a obediência ao Bispo que, em nome da Igreja, o envia para o meio dos seus irmãos, a fim de ser, apesar da sua debilidade e fragilidade, o representante de Cristo. Por meio do sacerdote, o Senhor fala aos homens e manifesta-Se ao seus olhos.

5. Na sociedade actual que valoriza certas concepções erróneas da sexualidade, o celibato sacerdotal ou consagrado, como sob outra forma o compromisso no sacramento do matrimónio, recorda de maneira profética o sentido profundo da existência humana. A castidade dispõe aquele que se empenha em colocar a sua vida nas mãos de Deus, fazendo ao Senhor uma oferenda de todas as suas capacidades interiores, para o serviço da Igreja e para a salvação do mundo. Pela «prática da continência perfeita e perpétua por amor do Reino dos céus», o sacerdote revigora a sua união mística com Cristo, a Quem ele se consagra «de maneira nova e privilegiada », «sem que o seu coração esteja dividido » (Presbyterorum ordinis PO 16). Deste modo, no seu ser e na sua acção, ele faz livremente o dom e o sacrifício de si mesmo, em resposta ao dom e ao sacrifício do seu Senhor. A castidade perfeita leva o sacerdote a viver um amor universal e a tornar-se atento a cada um dos seus irmãos. Esta atitude é fonte duma incomparável fecundidade espiritual, «à qual nenhuma outra fecundidade carnal pode ser comparada» (Santo Agostinho, De sancta virginitate, 8), e dispõe para «receber de forma mais ampla a paternidade em Cristo» (Presbyterorum ordinis PO 16).

6. Hoje, a missão é com frequência difícil e as suas formas são muito diversificadas. O número exíguo de sacerdotes faz com que eles sejam muitas vezes solicitados até ao limite das suas forças. Conheço as condições pobres e penosas em que os sacerdotes do vosso país aceitam de bom grado viver a sua missão. Presto homenagem à sua perseverança e convido-os a não negligenciar a própria saúde. Compete naturalmente aos Bispos, que já o fazem, preocupar-se cada vez mais pela qualidade de vida deles. Que os sacerdotes não percam a coragem e vão ao encontro dos homens, para anunciar o Evangelho e fazer de todos os homens discípulos! Compete-lhes pedir aos leigos que desempenhem plenamente a sua missão específica, suscitando em cada um, segundo o seu carisma, uma participação apropriada na liturgia e na catequese, ou um empenho responsável nos movimentos e nas diferentes instâncias eclesiais, para o bem da Igreja. Deste modo, os sacerdotes viverão o seu ministério em união profunda com todos os outros membros do povo de Deus, chamados a participar na missão comum, à volta do Bispo. Desta complementaridade brotará um novo impulso apostólico.

7. Os homens do nosso tempo têm sede de verdade; as pesquisas humanas não bastam para satisfazer o seu desejo profundo. Os que foram consagrados devem ser os primeiros a apresentar Cristo ao mundo, pela preparação e a celebração dos sacramentos, pela explicação da Escritura, pela catequese dos jovens e dos adultos, pelo acompanhamento de grupos de cristãos. No seu ministério, o ensinamento do mistério cristão ocupa também um lugar essencial. Com efeito, como poderão os nossos contemporâneos, que enfrentam culturas e ciências que apresentam questões importantes à fé, seguir Cristo se não têm um conhecimento dogmático e uma estrutura espiritual forte? As homilias dominicais devem, então, ser preparadas com muito cuidado, pela oração e pelo estudo. Elas ajudarão os fiéis a viver a própria fé na sua existência quotidiana e a entrar em diálogo com os seus irmãos.

8. A missão sacerdotal reveste tal importância que necessita de uma formação permanente. Encorajo-vos nas vossas dioceses, na vossa região apostólica ou a nível nacional, a oferecer aos vossos mais estreitos colaboradores tempos de revigoramento espiritual e teológico. Os três anos preparatórios para o grande Jubileu fornecem um quadro particularmente oportuno, propondo dirigir o olhar sucessivamente para Cristo, para o Espírito Santo e para o Pai. A Igreja na França é rica de santos pastores, modelos para os sacerdotes de hoje. Penso em particular no Cura d’Ars, padroeiro dos sacerdotes do mundo, nos membros da Escola francesa e em São Francisco de Sales que apresenta um caminho seguro para a vida espiritual, para a prática das virtudes e para o governo pastoral (cf. Introdução à vida devota) e, neste século, penso nos inúmeros pastores que continuam a ser, para os sacerdotes de hoje, verdadeiros inspiradores. Por outro lado, tendes um património eclesial que deve ser conservado vivo. A França conta com edições maravilhosas de autores patrísticos e espirituais, que é preciso homenagear e sustentar. Trata-se dum tesouro da fé apto para nutrir a vida espiritual e confortar a missão. Este património permite encontrar meios novos, a fim de responder às exigências actuais.

9. A fraternidade sacerdotal é essencial no seio do presbitério diocesano; ela oferece a cada um apoio e conforto; permite orar juntos, compartilhar as alegrias e as esperanças do ministério, e acolher os seus irmãos no sacerdócio com delicadeza, na legítima diversidade dos carismas e das opções pastorais. Exorto-vos, assim como todos os membros do clero, a permanecer próximos dos sacerdotes e dos diáconos que vivem situações pessoais ou pastorais difíceis. Eles têm necessidade duma assistência muito especial. O meu pensamento dirige-se ainda àqueles que são idosos e já não têm força para exercer o ministério a tempo inteiro: a maior parte deles pode prestar numerosos serviços e ser bons conselheiros para os próprios coirmãos.

10. Pouco a pouco restabelecestes o diaconado permanente, no espírito do Concílio Ecuménico Vaticano II, e pusestes em relevo o lugar que ocupam os diáconos nas vossas dioceses. Eles são ordenados «em vista do serviço» (Lumen gentium LG 29) da comunidade eclesial e de todos os homens, numa colaboração confiante com o seu Bispo e com o conjunto dos pastores. Na pregação, na celebração do baptismo e do matrimónio, no exercício do seu ministério em numerosos serviços eclesiais, eles acompanham o crescimento espiritual dos seus irmãos. Pela sua vida profissional, pelas suas responsabilidades no âmbito da sociedade e da sua família, fazem- se servidores na Igreja servidora e manifestam, de maneira concreta, a sua atenção caritativa para com todos. Para realizar a sua missão, aqueles que são casados encontram um apoio importante junto da própria esposa e dos seus filhos.

11. De igual modo ressaltastes a irradiação dos mosteiros e dos centros espirituais. Em um mundo marcado pela indiferença e pela perda do sentido religioso, os nossos contemporâneos devem redescobrir o valor do silêncio, que permite voltar-se para o Senhor, unificar a própria existência e dar-lhe todo o seu sentido. Nesta redescoberta, os monges e as monjas, assim como o conjunto dos religiosos e das religiosas, têm um papel de primeiro plano. Mediante uma vida totalmente dedicada a Deus e aos seus irmãos, eles exprimem aos olhos do mundo, de maneira profética, que só Cristo faz viver e que só uma existência fundada sobre os valores espirituais e morais é fonte de felicidade verdadeira (cf. Vita consecrata VC 15). Cada vez mais, as pessoas consagradas procuram reproduzir em si mesmas «a forma de vida que o Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo» (Lumen gentium LG 44). Esta configuração ao mistério de Cristo realiza a Confessio Trinitatis própria da vida religiosa.

Os vossos relatórios fazem referência ao lugar essencial assumido pelos religiosos e religiosas na vida pastoral e caritativa das vossas dioceses. Louvo o seu devotamento e a sua generosidade, de modo particular junto dos jovens, dos doentes, dos mais afastados da Igreja e dos mais desfavorecidos.

12. No termo do nosso encontro, quereria evocar a dimensão mariana de toda a vida cristã, e de modo mais particular da vida sacerdotal. Aos pés da Cruz onde nasceu a Igreja, o discípulo acolhe a Mãe do Salvador. Eles recebem juntos o dom do sacrifício de Cristo, para que o mistério da Redenção seja anunciado ao mundo (cf. Redemptoris Mater RMA 45).

Enfim, o meu pensamento dirige-se para os fiéis das vossas comunidades. Levai àqueles que estão empenhados na missão da Igreja, pela oração e a acção, de modo particular aos sacerdotes, aos diáconos, aos religiosos e às religiosas, assim como a todos os católicos das vossas dioceses, as saudações cordiais e os encorajamentos do Papa, assegurando- lhes a minha oração para que, nas dificuldades presentes, conservem a esperança! Peço-vos que também transmitais a minha saudação afectuosa aos Bispos Eméritos da vossa Região.

Pela intercessão de Nossa Senhora e dos Santos da vossa terra, concedo-vos de todo o coração a minha Bênção Apostólica, que faço extensiva a todos os membros do povo de Deus, confiado à vossa solicitude pastoral.




Discursos João Paulo II 1997 - 10 de Janeiro de 1997