Discursos João Paulo II 1997 - 25 de Janeiro de 1997

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO TRIBUNAL DA ROTA ROMANA


NO INÍCIO DO ANO JUDICIÁRIO


27 de Janeiro de 1997





Monsenhor Decano
Ilustres Prelados
Auditores e Oficiais da Rota Romana

1. Sinto-me feliz por vos acolher neste encontro anual, que exprime e consolida o estreito ligame que une o vosso trabalho ao meu ministério apostólico. Saúdo cordialmente cada um de vós, Prelados Auditores, Oficiais e quantos prestais serviço no Tribunal da Rota Romana, componentes do Studium Rotarium e Advogados da Rota. De modo particular, agradeço ao Monsenhor Decano as amáveis palavras que me dirigiu e as considerações que, embora de maneira concisa, há pouco propôs.

2. Seguindo o costume de oferecer nesta circunstância reflexões sobre um argumento atinente ao direito da Igreja e, de modo particular, ao exercício da função judiciária, desejo deter-me sobre a temática, a vós bem conhecida, dos reflexos jurídicos dos aspectos personalistas do matrimónio. Sem entrar em problemas particulares, relativos aos diversos capítulos de nulidade matrimonial, limito-me a recordar alguns princípios básicos, que devem ser tidos presentes para um ulterior aprofundamento do tema.

Desde os tempos do Concílio Vaticano II, tem-se apresentado a pergunta sobre as consequências jurídicas que derivariam da visão do matrimónio, contida na Constituição pastoral Gaudium et spes (nn. 47-52). Com efeito, a nova codificação canónica neste campo valorizou amplamente a perspectiva conciliar, embora se mantenha distante de algumas interpretações extremas que, por exemplo, consideravam a «intima communitas vitae et amoris coniugalis» (ibid., 48) como uma realidade, que não implica um «vinculum sacrum» (ibid.) com uma dimensão jurídica específica.

No Código de 1983 fundam-se de modo harmónico formulações de origem conciliar, como a que se refere ao objecto do consentimento (cf. cân. 1057 §2), assim como à dúplice ordenação natural do matrimónio (cf. cân. 1055 §1), na qual são postas directamente em primeiro plano as pessoas dos nubentes, com princípios da tradição disciplinar como o do «favor matrimonii» (cf. cân. 1060). Não obstante isto, há sintomas que mostram a tendência a contrapor, sem possibilidade de uma síntese harmoniosa, os aspectos personalistas àqueles mais propriamente jurídicos: assim, por um lado, a concepção do matrimónio, como dom recíproco das pessoas, pareceria dever legitimar uma indefinida tendência doutrinal e jurisprudencial ao alargamento dos requisitos de capacidade ou maturidade psicológica e de liberdade e consciência necessários para o contrair de modo válido; por outro lado, precisamente certas aplicações desta tendência, fazendo emergir os equívocos nela presentes, são com razão percebidas como contrastantes com o princípio da indissolubilidade, não menos firmemente reafirmado pelo Magistério.

3. Para enfrentar o problema de modo transparente e equilibrado, é preciso ter bem claro o princípio de que o valor jurídico não se justapõe, como um corpo estranho, à realidade interpessoal do matrimónio, mas constitui-lhe uma dimensão deveras intrínseca. As relações entre os cônjuges, com efeito, bem como entre os pais e os filhos, são também constitutivamente relações de justiça, e por isso são realidades em si mesmas relevantes sob o ponto de vista jurídico. O amor conjugal e paterno-filial não é só inclinação imposta pelo instinto, nem escolha arbitrária e reversível, mas é amor devido. Por isso, colocar a pessoa no centro da civilização do amor não exclui o direito, mas antes exige-o, levando a uma sua redescoberta como realidade interpessoal e a uma visão das instituições jurídicas, que ponha em relevo o seu ligame constitutivo com as mesmas pessoas, tão essencial no caso do matrimónio e da família.

O Magistério sobre estes temas vai para além da simples dimensão jurídica, mas tem-na constantemente presente. Daí resulta que uma fonte prioritária para compreender e aplicar de maneira correcta o direito matrimonial canónico, é o próprio Magistério da Igreja, ao qual compete a interpretação autêntica da palavra de Deus sobre estas realidades (cf. Dei Verbum DV 10), incluindo os seus aspectos jurídicos. As normas canónicas não são senão a expressão jurídica de uma realidade antropológica e teológica subjacente, e a esta é preciso referir-se também para evitar o perigo de interpretações vantajosas. A garantia de certeza, na estrutura de comunhão do Povo de Deus, é oferecida pelo Magistério vivo dos Pastores.

4. Numa perspectiva de personalismo autêntico, o ensinamento da Igreja implica a afirmação da possibilidade da constituição do matrimónio como vínculo indissolúvel entre as pessoas dos cônjuges, essencialmente em ordem ao bem dos próprios esposos e dos filhos. Como consequência, contrastaria com uma verdadeira dimensão personalista a concepção da união conjugal que, pondo em dúvida essa possibilidade, levasse à negação da existência do matrimónio todas as vezes que surgissem problemas na convivência. Na base de uma semelhante atitude emerge uma cultura individualista, que está em antítese com o verdadeiro personalismo. «O individualismo supõe um uso da liberdade onde o sujeito faz o que quer, “estabelecendo” ele mesmo “a verdade” daquilo que lhe agrada ou se lhe torna útil. Não admite que outros “queiram” ou exijam algo dele, em nome de uma verdade objectiva. Não quer “dar” a outrem a base da verdade, não quer tornar-se um dom “sincero”» (Carta às Famílias LF 14).

O aspecto personalista do matrimónio cristão comporta uma visão integral do homem que, à luz da fé, assume e confirma quanto podemos conhecer com as nossas forças naturais. Ela é caracterizada por um sadio realismo na concepção da liberdade da pessoa, posta entre os limites e os condicionamentos da natureza humana, gravada pelo pecado, e a ajuda nunca insuficiente da graça divina. Nesta perspectiva, própria da antropologia cristã, entra também a consciência acerca da necessidade do sacrifício, da aceitação do sofrimento e da luta como realidades indispensáveis para a fidelidade aos próprios deveres. Por isso, seria incorrecta no desenvolvimento das causas matrimoniais uma concepção, por assim dizer, muito «idealizada» da relação entre os cônjuges, que impelisse a interpretar como autêntica incapacidade de assumir os ónus do matrimónio o normal afã que se pode registar no caminho do casal, rumo à plena e recíproca integração sentimental.

5. Uma correcta avaliação dos elementos personalistas exige, além disso, que se tenha em consideração o ser da pessoa e, de modo concreto, o ser da sua dimensão conjugal e da consequente inclinação natural para o matrimónio. Uma concepção personalista substanciada de puro subjectivismo e, como tal, esquecida da natureza da pessoa humana — assumindo obviamente o termo «natureza» em sentido metafísico —, prestar-se-ia a qualquer espécie de equívocos, também no âmbito canónico. Há certamente uma essência do matrimónio, descrita pelo cân. 1055, que impregna toda a disciplina matrimonial, como é demonstrado pelos conceitos de «propriedade essencial», «elemento essencial », «direitos e deveres matrimoniais essenciais», etc. Esta realidade essencial é uma possibilidade aberta, em linha de princípio, a cada homem e a cada mulher; antes, representa um verdadeiro caminho vocacional para a esmagadora maioria da humanidade. Daí resulta que, na avaliação da capacidade ou do acto do consentimento, necessários para a celebração de um matrimónio válido, não se pode exigir aquilo que não é possível requerer das pessoas em geral. Não se trata de minimalismo pragmático ou de conveniência, mas de uma visão realista da pessoa humana, como realidade sempre em crescimento, chamada a fazer opções responsáveis com as potencialidades iniciais, enriquecendo- as cada vez mais com o próprio empenho e a ajuda da graça. A partir deste ponto de vista, o favor matrimonii e a consequente suposição de validade do matrimónio (cf. cân. 1060) aparecem não só como a aplicação de um princípio geral do direito, mas como consequências perfeitamente de acordo com a realidade específica do matrimónio. Contudo, permanece a tarefa difícil, que bem conheceis, de determinar, também com a ajuda da ciência humana, aquele mínimo abaixo do qual não se poderia falar de capacidade nem de consentimento, suficiente para um verdadeiro matrimónio.

6. Por tudo isto, bem se vê quão exigente e empenhativa é a tarefa confiada à Rota Romana. Através da sua qualificada actividade jurisprudencial, não só se provê a assegurar a tutela dos direitos de cada um dos christifideles, mas dá-se, ao mesmo tempo, um contributo significativo ao acolhimento do desígnio de Deus sobre o matrimónio e sobre a família, tanto na comunidade eclesial como, indirectamente, na inteira comunidade humana.

Ao exprimir, portanto, a minha gratidão a vós que, directa ou indirectamente, colaborais nesse serviço, e ao exortar-vos a perseverar com renovado impulso na vossa função, que tão grande relevância reveste para a vida da Igreja, de coração vos concedo a minha Bênção, que de bom grado faço extensiva a quantos trabalham nos Tribunais eclesiásticos de todas as partes do mundo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ROMA


E AOS REPRESENTANTES DA ADMINISTRAÇÃO CAPITOLINA


30 de Janeiro de 1997





Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara Municipal
Senhores Representantes da Administração do Capitólio!

1. Acolho-vos com alegria e apresento a cada um de vós cordiais boas-vindas. Dirijo uma particular saudação ao Senhor Presidente da Câmara Municipal, exprimindo um agradecimento cordial pelas amáveis expressões que quis dirigir- me. Com ele desejo saudar os membros da Junta, os Conselheiros e quantos, nos diversos sectores da Administração Capitolina, prestam o seu quotidiano serviço à população. Trata-se dum trabalho muitas vezes oculto, que exige dedicação, disponibilidade e competência; um trabalho do qual depende em grande parte a qualidade da vida da nossa Cidade.

No início do novo ano, este encontro tradicional oferece ao Bispo de Roma e aos Administradores civis a possibilidade de exprimirem o comum empenho pela Urbe, reflectindo juntos sobre a vocação histórica e sobre quanto é necessário para a realizar.

2. Faltam apenas três anos para o Grande Jubileu do Ano 2000, data em que os cristãos comemorarão os vinte séculos do nascimento de Jesus Cristo. Relevante é o papel que a Igreja e a Comunidade civil de Roma são chamadas a desempenhar na preparação e no desenvolvimento deste evento. É comum convicção de que ele levará, talvez como nunca, a nossa Cidade ao centro da atenção do mundo, tornando também mais concreto o apelativo de «Caput mundi», que lhe é comummente atribuído. É preciso, portanto, reunir as melhores energias espirituais e materiais da Comunidade civil, para que ela chegue ao encontro jubilar capaz de mostrar, aos numerosos peregrinos que a visitarem, a sua feição mais autêntica: a Roma conhecida não só pela sua dimensão propriamente cristã, mas também pela sua tradicional capacidade de acolhimento e pela consciência do papel universal que lhe foi confiado pela história.

3. A fim de contribuir para a realização desses objectivos, estabeleci a grande missão da cidade, que teve início na Praça de São Pedro, na última Vigília de Pentecostes, e que prossegue entrando cada vez mais no tecido humano da Cidade.

A Igreja quer propor com vigor renovado, a cada cristão que vive em Roma, assim como à população no seu conjunto, a mensagem de salvação que se encarna na pessoa, nas palavras e nos gestos de Jesus Cristo. Como símbolo desse empenho, nos próximos meses será entregue a cada uma das famílias romanas o Evangelho de Marcos, escrito precisamente em Roma pelo discípulo e fiel intérprete de Pedro, o Apóstolo que aqui derramou o seu sangue. Apraz-me entregar hoje um exemplar do mesmo também a vós, na convicção de que o «alegre anúncio de Jesus Cristo» é sabedoria de vida, que é útil também para a convivência civil de quantos residem na Urbe.

Como apoio e complemento do anúncio missionário, a Igreja prossegue o seu empenho pela promoção humana e pelo serviço aos últimos. Através da Cáritas diocesana e das numerosas estruturas eclesiais presentes no território, continua a fazer-se próxima das inúmeras necessidades materiais e morais de não poucos habitantes, vítimas de antigas e novas pobrezas. Ela está também a empenhar- se em equipar numerosas Paróquias da periferia com lugares de culto idóneos e com espaços de vida comunitária, que para os novos bairros constituirão significativas referências de fé e de acolhimento, assim como elementos de identidade e avançados postos de cultura.

A Comunidade eclesial procura, além disso, preparar-se para oferecer uma digna hospitalidade a quantos vierem por ocasião do próximo Jubileu, que é um evento espiritual de altíssimo perfil, cujo bom êxito exige dos indivíduos e das comunidades, antes de tudo, um empenho de conversão sincera.

A característica de evento público do Jubileu requer a realização de condições estruturais, ambientais e morais que chamam em causa, de modo particular, os Administradores da Cidade. Aproveito de bom grado esta ocasião para agradecer a cada um de vós tudo o que, desde há tempo, estais a fazer a fim de resolver os problemas da viabilidade, do trânsito, dos estacionamentos, das estruturas de acolhimento e do ambiente. Os meus cordiais bons votos são por que tudo isto ocorra sempre no respeito das finalidades religiosas, próprias do evento jubilar.

Continue-se, portanto, a dedicar todo o cuidado para que as expectativas em vista do Ano Santo, por parte da Igreja, dos romanos e da Comunidade internacional, sejam plenamente realizadas e a Cidade possa, material e espiritualmente, apresentar-se renovada a esse encontro histórico.

4. Trata-se de um objectivo ambicioso, que exige um ulterior incremento dos esforços para resolver os males antigos e novos de Roma. Antes de tudo, é preciso enfrentar aquela espécie de estagnação económica que, há alguns anos, pesa sobre a vida da cidade, tornando-se visível no atraso de alguns importantes sectores produtivos e na diminuição preocupante do número de postos de trabalho.

Esta situação penaliza pesantemente sobretudo as famílias. O problema do desemprego merece prioridade absoluta no empenho dos Administradores públicos, dos quais a população espera intervenções concretas para criar novas oportunidades de trabalho, sobretudo para quem tem a seu cargo uma família ou está prestes a formá-la. Obviamente, o bem-estar das famílias não depende só de melhores condições de vida material. Como ensina a vicissitude de muitos povos, só conjugando de modo harmónico bem-estar material e moral é possível atingir altas metas de civilização.

Graves e surpreendentes episódios de violência, que não pouparam representantes do Clero activamente empenhados no serviço dos irmãos, são sintomas não só da falta de segurança em que vivem numerosos cidadãos, mas também da carência de valores, que torna problemática a convivência civil.

5. A constatação dessas situações não pode deixar de impelir os Administradores municipais a fazerem todos os esforços para tornar mais dignos de vida e seguros os bairros da Cidade. Contudo, a defesa da ordem pública, isolada de uma adequada formação das pessoas e da tensão ética, corre o perigo de não conseguir sucessos duradouros. É preciso, portanto, uma vasta e coral cooperação para promover iniciativas concretas, em tutela e apoio dos valores e das instituições básicas da sociedade, a começar pela família fundada sobre o matrimónio. É necessário resistir às tendências que, dissimuladas por um falso conceito de liberdade, procuram introduzir nos ordenamentos legislativos e administrativos um indevido alargamento do conceito de família ou, em todo o caso, uma sua imprópria equiparação a outras situações de vida, não só moral mas também socialmente precárias.

No contexto, depois, da política familiar, como no do tempo livre, da formação e da solidariedade é necessário olhar com atenção para o mundo juvenil, indicando e testemunhando às novas gerações altos ideais humanos e espirituais, tais como o empenho altruísta, o respeito pela verdade e o culto do amor autêntico. É preciso denunciar, com coerência e coragem, atitudes ambíguas, como as de quem exprime preocupados juízos sobre a condição de muitos jovens, mas favorece de facto comportamentos inspirados em laxismo e isentos de genuíno sentido moral.

Intervir em tantas situações de marginalização e degradação, presentes no âmbito de Roma, não é fácil e, não raro, a vossa disponibilidade encontra obstáculos e resistências que não tornam praticáveis as soluções almejadas. Não se deve perder a coragem, mas intensificar o esforço para sanar as feridas ainda abertas na vida da cidade, através de intervenções orgânicas e uma vasta obra de sensibilização.

6. Senhor Presidente da Câmara Municipal, gentis Senhoras e ilustres Senhores!

No sulco da tradição bíblica, o Jubileu, «ano de graça do Senhor», exorta a considerar com ânimo novo a relação com os homens e a assumir o dever de restabelecer a justiça de Deus ante as situações de pecado e escravidão, presentes na sociedade (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 14-15).

No início de 1997, primeiro ano de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000, eu quis submeter à atenção de cada um de vós alguns problemas, que tive ocasião de conhecer melhor durante as visitas às Paróquias, nos encontros pastorais e através de numerosos apelos que me chegam de fiéis romanos. Essas sugestões são um convite a realizar, também na Cidade de Roma, o projecto de justiça que, através da graça do Jubileu, o Senhor confia aos homens e às mulheres do nosso tempo.

Confio à Mãe do Senhor e aos Apóstolos Pedro e Paulo os projectos que essa Administração está a elaborar ao serviço do bem comum, enquanto concedo de coração a cada um dos presentes, às respectivas famílias e à dilecta Cidade de Roma, uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS DA CROÁCIA


31 de Janeiro de 1997





Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É-me grato encontrar-vos por ocasião das Celebrações do IV centenário do antigo Estudo Geral dos Dominicanos de Zadar. Dirijo um particular pensamento a D. Ivan Prendja, Arcebispo de Zadar, agradecendo-lhe as expressões cordiais que quis dirigir-me. Saúdo depois o Seu predecessor, D. Marijan Oblak, os representantes da Ordem dos Pregadores, o Presidente do Condado de Zadar-Knin, o Presidente da Câmara Municipal e as Autoridades civis, bem como o Decano, os Professores e os estudantes da Faculdade de Letras de Zadar.

A vicissitude do Estudo Geral Dominicano na vossa Diocese, ainda que distante no tempo, constitui uma mensagem importante para os cristãos de hoje, chamados a confrontar-se com as mudadas situações culturais, por vezes tão distantes do Evangelho.

É vicissitude que testemunha, antes de mais, o empenho da Igreja Católica pela promoção da cultura: a fundação, em 1396, do prestigioso Centro Académico constitui apenas um aspecto do mais amplo diálogo entre Ciência e Fé, que produziu frutos esplêndidos, ainda hoje bem visíveis no património espiritual de muitos povos. Por mais de quatro séculos, o Estudo Geral dos Dominicanos foi um lugar florescente de investigação científica e de inculturação da fé, aberto ao clero e aos leigos de vários Países da Europa. Infelizmente, no início do século XIX, a Instituição Académica cessou a sua próvida função. Em nome de um falso conceito de liberdade, punha-se assim fim, de modo violento, a uma significativa expressão de empenho cultural inspirado pelo cristianismo.

2. A presença de um Estudo Geral em Zadar, no alvorecer da época moderna, inseria-se, além disso, na vasta e articulada acção das Dioceses e das Ordens religiosas para a evangelização e a educação moral e civil das populações croatas. Através das escolas e dos diversos centros pastorais, a Igreja ofereceu uma contribuição determinante ao progresso cultural do vosso Povo, promovendo, além disso, a sua inserção no mais amplo cenário da cultura europeia.

Esse benéfico empenho eclesial sofreu de modo particular uma dolorosa diminuição nas décadas que acabaram de transcorrer, por causa do predomínio da ideologia marxista e da sucessiva guerra que recentemente ensanguentou a Croácia com a Bósnia-Herzegovina. Depois destes eventos, que produziram graves devastações materiais e morais, hoje a situação sócio-política oferece à Igreja Católica novas possibilidades de se empenhar em prol da promoção do homem na vossa Pátria.

A Comunidade eclesial prepara-se para essa tarefa cumprindo, antes de tudo, a missão de evangelização que lhe foi confiada pelo Senhor. Embora não se identificando com alguma cultura, a Mensagem evangélica penetra nos particulares contextos históricos e antropológicos, e, no respeito dos seus valores e das suas riquezas peculiares, ajuda-os a «fazer surgir da sua própria tradição viva expressões originais de vida, de celebração e de pensamento cristãos» (Catechesi tradendae CTR 53). A evangelização, com efeito, consiste em «atingir e como que modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação» (Evangelii nuntiandi EN 19), a fim de promover condições de vida sempre mais dignas do homem e do seu destino sobrenatural.

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs! O VI centenário da fundação do Estudo Geral dos Dominicanos de Zadar, volte a chamar os católicos croatas a uma forte presença nos Centros Académicos, para sustentar o necessário diálogo entre Ciência e Fé. É o empenho que pressupõe nos crentes uma renovada responsabilidade pela própria cultura e pelo seu desenvolvimento. No confronto diuturno com o Evangelho, saibam eles purificar as diferentes expressões culturais de perspectivas de morte e de pseudovalores, a fim de redescobrirem a autêntica vocação humana, segundo o originário projecto do Criador.

Num tempo marcado por profundas e rápidas transformações, os católicos são chamados a oferecer ao próprio País novas energias intelectuais e morais para construírem um futuro inspirado na civilização do amor. A transparência em todos os âmbitos da convivência social, a disponibilidade ao perdão recíproco e à reconciliação, o acolhimento dos mais débeis e o apoio aos pobres, o respeito pelas pessoas e pela sua dignidade, a atenção às autênticas necessidades da família, célula primária de toda a sociedade, sejam referências irrenunciáveis no caminho rumo ao novo Milénio cristão!

4. Olhando para as grandes realizações do passado, os crentes não podem deixar de se sentir chamados a dar uma nova vitalidade à cultura croata e a promover os seus valores autênticos, transmitidos pelos Padres. Essa herança, assumida plenamente, constituirá a melhor garantia para a realização de um moderno sistema educativo e para a construção de ulteriores metas de civilização e de progresso.

Confio esse empenho à intercessão celestial de Maria, Mãe do Redentor, por vós invocada também como a «Advocata Croatiae fidelissima» e, enquanto desejo todo o bem para a vossa dilecta Nação, concedo a cada um de vós e às vossas Famílias uma especial Bênção Apostólica. Louvados sejam Jesus e Maria!



                                                                         Fevereiro de 1997

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES DO SIMPÓSIO INTERNACIONAL


SOBRE A «PROVIDA MATER ECCLESIA»


1 de Fevereiro de 1997



Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Recebo-vos com grande afecto nesta Audiência especial com que se deseja recordar e comemorar uma data importante para os Institutos Seculares. Agradeço ao Senhor Cardeal Martínez Somalo as palavras com que, interpretando os sentimentos de todos vós, colocou na justa luz o significado deste encontro, que nesta Sala reúne simbolicamente inumeráveis pessoas, espalhadas pelo mundo inteiro. Agradeço também ao vosso Representante, que falou depois do Cardeal.

A materna solicitude e o sapiente afecto da Igreja pelos seus filhos, que dedicam a vida a Cristo nas várias formas de especial consagração, exprimiram- se há cinquenta anos na Constituição Apostólica Provida Mater Ecclesia, que quis atribuir um novo delineamento canónico à experiência cristã dos Institutos Seculares (cf. AAS 39 [1947], PP 114-124).

Com feliz intuição, antecipando alguns temas que no Concílio Vaticano II teriam encontrado a sua formulação adequada, o meu predecessor de venerada memória, Pio XII, confirmou com a sua autoridade apostólica um caminho e uma forma de vida que, havia já um século, tinham atraído muitos cristãos, homens e mulheres: eles empenhavam-se na sequela de Cristo virgem, pobre e obediente, permanecendo na condição de vida do próprio estado secular. É bom reconhecer, nesta primeira fase da história dos Institutos Seculares, a dedicação e o sacrifício de tantos irmãos e irmãs na fé, que enfrentaram com intrepidez o desafio dos tempos novos. Eles ofereceram um testemunho coerente de verdadeira santidade cristã nas mais diversificadas condições de trabalho, habitação e inserção na vida social, económica e política das comunidades humanas às quais pertenciam.

Não podemos esquecer a inteligente paixão com que alguns grandes homens de Igreja acompanharam tal caminho, nos anos que precederam imediatamente a promulgação da Provida Mater Ecclesia. Entre eles, além do mencionado Pontífice, apraz-me recordar com afecto e gratidão o então Substituto da Secretaria de Estado, o futuro Papa Paulo VI, Mons. Giovanni Battista Montini, e aquele que na época da Constituição Apostólica era Subsecretário da Congregação para os Religiosos, o venerado Cardeal Arcadio Larraona, que desempenharam um importante papel tanto na elaboração como na definição da doutrina e das opções canónicas contidas no documento.

2. À distância de meio século, a Provida Mater Ecclesia parece-nos ainda de grande actualidade. Foi o que salientastes durante os trabalhos do vosso Simpósio internacional. Antes, ela caracteriza- se pelo seu respiro profético, que merece ser evidenciado. Com efeito, a forma de vida dos Institutos Seculares, hoje mais do que nunca, demonstra-se como uma providencial e eficaz modalidade de testemunho evangélico nas circunstâncias determinadas pela hodierna condição cultural e social, em que a Igreja é chamada a viver e exercer a própria missão. Com a aprovação de tais Institutos, a Constituição, coroando uma tendência espiritual que animava a vida da Igreja pelo menos desde os tempos de São Francisco de Sales, reconhecia que a perfeição da vida cristã podia e devia ser vivida em qualquer circunstância e situação existencial, dado que a vocação à santidade é universal (cf. PME, 118). Consequentemente, afirmava que a vida religiosa — entendida na forma canónica que lhe é própria — não esgotava em si mesma todas as possibilidades de seguimento do Senhor, e formulava votos por que, através da presença e do testemunho da consagração secular, se determinasse uma renovação cristã da vida familiar, profissional e social, graças à qual surgissem novas e eficazes formas de apostolado, destinadas a pessoas e ambientes geralmente distantes do Evangelho e quase impermeáveis ao seu anúncio.

3. Há já alguns anos, dirigindo-me aos participantes no segundo Congresso internacional dos Institutos Seculares, eu afirmava que eles se encontram «por assim dizer, no centro do conflito que agita e divide a alma moderna» (Insegnamenti, vol. III/2, 1980, pág. 469). Com esta expressão, eu quis retomar algumas considerações do meu venerado predecessor, Paulo VI, que falara dos Institutos Seculares como da resposta a uma profunda ansiedade: encontrar o caminho da síntese entre a plena consagração da vida, segundo os conselhos evangélicos, e a plena responsabilidade da presença e da acção transformadora dentro do mundo, para o plasmar, aperfeiçoar e santificar (cf. Insegnamenti di Paolo VI, vol. X, 1972, pág. 102).

Efectivamente, por um lado, assistimos à rápida propagação de formas de religiosidade que propõem experiências fascinantes, nalguns casos inclusive empenhativas e exigentes. Porém, põe-se em evidência mais o nível emotivo e sensível da experiência do que o ascético e espiritual. Pode-se reconhecer que tais formas de religiosidade procuram corresponder a um sempre renovado anélito de comunhão com Deus, de busca da verdade última sobre Ele e sobre o destino da humanidade. E apresentam- se com o fascínio da novidade e do universalismo fácil. Contudo, estas experiências supõem uma concepção ambígua de Deus, que se afasta daquela que é oferecida pela Revelação. Além disso, resultam separadas da realidade e da história concreta da humanidade.

A esta religiosidade contrapõe-se uma falsa concepção da secularidade, segundo a qual Deus permanece alheio à construção do futuro da humanidade. O relacionamento com Ele é considerado como uma opção particular e uma questão subjectiva que, em última instância, pode ser tolerado contanto que não pretenda incidir de alguma maneira sobre a cultura ou sobre a sociedade.

4. Portanto, como se há-de enfrentar este ingente desafio que trespassa a alma e o coração da humanidade contemporânea? Ele torna-se um desafio para o cristão: o desafio a ser factor de uma nova síntese entre o máximo grau possível de adesão a Deus e à Sua vontade e o máximo nível possível de participação nas alegrias e esperanças, nas angústias e sofrimentos do mundo, a fim de os orientar para o projecto de salvação integral, que Deus Pai nos manifestou em Cristo e continuamente põe à nossa disposição através da dádiva do Espírito Santo.

Os membros dos Institutos Seculares empenham-se precisamente nisto, manifestando a sua plena fidelidade à profissão dos conselhos evangélicos numa forma de vida secular, repleta de riscos e exigências com frequência imprevisíveis, mas rica de uma potencialidade específica e original.

5. Portadores humildes e orgulhosos da força transformadora do Reino de Deus e testemunhas corajosas e coerentes da tarefa e da missão de evangelização das culturas e dos povos, os membros dos Institutos Seculares constituem, na história, o sinal de uma Igreja amiga dos homens, capaz de oferecer consolação a todos os géneros de aflição, pronta a sustentar todo o verdadeiro progresso da convivência humana, mas ao mesmo tempo intransigente contra qualquer opção de morte, violência, falsidade e injustiça. Para os cristãos, eles são também um sinal e apelo à tarefa de se ocuparem, em nome de Deus, de uma criação que permanece objecto do amor e da complacência do seu Criador, embora se caracterize pela contradição e pela rebelião do pecado, e tenha necessidade de ser libertada da corrupção e da morte.

Pode causar admiração se o ambiente com que eles deverão medir-se se demonstrar frequentemente pouco disponível para compreender e aceitar o seu testemunho?

A Igreja espera hoje por homens e mulheres que sejam capazes de um renovado testemunho do Evangelho e das suas exigências radicais, visto que se encontra na condição existencial da maioria das criaturas humanas. E também o mundo deseja, com frequência sem o saber, o encontro com a verdade do Evangelho para um verdadeiro e integral progresso da humanidade, segundo o desígnio de Deus.

Em tais condições, exige-se dos membros dos Institutos Seculares uma grande determinação e uma límpida adesão ao carisma típico da sua consagração: realizar a síntese de fé e vida, de Evangelho e história humana, de consagração integral à glória de Deus e de disponibilidade incondicional a servir a plenitude da vida dos irmãos e das irmãs neste mundo.

Os membros dos Institutos Seculares encontram-se, por vocação e missão, no ponto de encruzilhada entre a iniciativa de Deus e a expectativa das criaturas: a iniciativa de Deus, que eles levam ao mundo através do amor e da íntima união a Cristo; a expectativa das criaturas, que compartilham a condição quotidiana e secular dos seus semelhantes, assumindo as contradições e as esperanças de cada ser humano, sobretudo dos mais frágeis e sofredores.

De qualquer forma, aos Institutos Seculares é confiada a responsabilidade de exortar todos a esta missão, atestando-a com uma especial consagração, na radicalidade dos conselhos evangélicos, a fim de que toda a comunidade cristã desempenhe, com dedicação cada vez maior, a tarefa que Deus lhe confiou em Cristo, com o dom do seu Espírito (Vita consecrata VC 17-22).

6. O mundo contemporâneo parece particularmente sensível ao testemunho de quem sabe assumir com coragem o risco e a responsabilidade do discernimento epocal e do projecto de edificação de uma humanidade nova e mais justa. O nosso é um tempo de grandes transformações culturais e sociais.

Por este motivo, parece cada vez mais clarividente que a missão do cristão no mundo não pode ser reduzida a um puro e simples exemplo de honestidade, competência e fidelidade ao dever. Tudo isto deve ser pressuposto. Trata-se de revestir-se com os mesmos sentimentos de Cristo Jesus, para ser no mundo sinal do seu amor. Este é o sentido e a finalidade da autêntica secularidade cristã e, por conseguinte, o objectivo e o valor da consagração cristã vivida pelos Institutos Seculares.

Nesta linha, é mais do que nunca importante que os membros dos Institutos Seculares vivam intensamente a comunhão fraterna, tanto no interior do próprio Instituto quanto com os membros dos vários Institutos. Precisamente porque se encontram dispersos como o fermento e o sal no meio do mundo, deveriam considerar-se testemunhas privilegiadas do valor da fraternidade e amizade cristãs, hoje tão necessárias, sobretudo nas grandes áreas urbanizadas que já congregam a maioria da população mundial.

Faço votos por que cada Instituto Secular se torne esta palestra de amor fraterno, este fogo aceso em que muitos homens e mulheres possam haurir luz e calor para a vida do mundo.

7. Enfim, peço a Maria que dê a todos os membros dos Institutos Seculares a lucidez do seu olhar sobre a situação do mundo, a profundidade da sua fé na palavra de Deus e a prontidão da sua disponibilidade para levar a cabo os seus misteriosos desígnios para uma colaboração cada vez mais incisiva na obra da salvação.

Enquanto confio às suas mãos maternas o futuro dos Institutos Seculares, porção eleita do povo de Deus, concedo a cada um de vós aqui presentes a Bênção Apostólica que, de bom grado, torno extensiva a todos os membros dos Institutos Seculares espalhados pelos cinco continentes.



Ai Vescovi della Regione apostolica dell'Ovest della Conferenza Episcopale francese in visita «ad limina Apostolorum» (1° febbraio 1997)

Caros Irmãos no Episcopado 1. Depois de ter já recebido alguns Bispos do vosso País, eis que agora vós, Pastores das Dioceses do Oeste da França, vindes em visita ad limina Apostolorum. Evoco naturalmente a minha recente visita a Saint-Laurent-sur-Sèvre, na diocese de Luçon, e a Sainte-Anned’Auray, na diocese de Vannes, no passado mês de Setembro. O acolhimento caloroso que recebi na vossa terra, por parte dos fiéis de toda a vossa região, fez do início desse Outono um verdadeiro sinal da eterna Primavera da Igreja. Agradeço vivamente a D. Jacques Fihey, Bispo de Coutances e vosso Presidente, o balanço sintético que, em vosso nome, apresentou da situação pastoral na vossa Região apostólica do Oeste. Sede bem-vindos à casa do Sucessor de Pedro, à Cidade onde é exercido na continuidade o mandato confiado por Cristo ao Príncipe dos Apóstolos, que ofereceu ao Senhor o testemunho do sangue. O aprofundamento da fé 2. A formação dos fiéis leigos representa uma das actividades frequentemente abordadas nos vossos relatórios, com um sentido pastoral que desejo encorajar. A caminhada da vossa Conferência Episcopal, que conduziu à Carta intitulada «Propor a fé na sociedade actual », permitirá guiar de modo útil os vossos diocesanos, estimulando-os para que o seu testemunho seja cada vez mais reflectido. Quereria dedicar este encontro para ressaltar alguns pontos significativos para os diversos tipos de formação, que sois levados a dar. Todo o cristão é constantemente convidado a aprofundar a própria fé; isto ajudá-lo-á a aproximar-se mais de Cristo ressuscitado e a ser uma Sua testemunha na sociedade. Com efeito, em um mundo em que as pessoas não cessam de aperfeiçoar os seus conhecimentos científicos e técnicos, os conhecimentos da fé não se podem restringir ao catecismo aprendido na infância. Para crescer de maneira humana e espiritual, o cristão tem necessidade evidente de uma formação permanente. Sem ela, corre o perigo de já não ser esclarecido nas escolhas, por vezes escabrosas, que tem de fazer no decurso da sua vida e no cumprimento da sua missão cristã específica, no meio dos seus irmãos. Pois, como diz um dos mais antigos textos da literatura patrística, «aquilo que a alma é no corpo, os cristãos são-no no mundo [...]. O lugar que Deus lhes confiou é tão belo, que não lhes é permitido desertar dele» (Carta a Diogneto, n. 6). Encorajo, então, todos os discípulos de Cristo a responderem aos vossos apelos, e a dedicarem tempo para desenvolver a sua vida cristã e a sua inteligência da fé. O cristão deve ser consciente desta primeira verdade: Deus criou o homem à Sua imagem e confiou-lhe o poder de dominar a criação, para a colocar ao seu serviço e glorificar o Criador. Ao criá-lo como ser racional, deu-lhe também a possibilidade de aceder a uma forma de conhecimento racional de Deus que, além disso, o convida depois a entrar numa caminhada de fé. A formação pessoal tem por finalidade primordial oferecer aos fiéis a possibilidade de interiorizarem todos os conhecimentos adquiridos, para lhes permitir unificar o seu ser e a sua vida ao redor deste ponto central da pessoa, ao qual os Padres da Igreja chamavam o «coração do coração»; deste modo, do íntimo da sua alma, eles hão-de aderir a Cristo e desenvolverão todas as dimensões da sua existência, em particular no seu empenhamento profissional e na vida social. Pois todo o fiel tem o dever de participar na edificação da sociedade, pondo-se ao serviço dos seus irmãos para a busca do bem comum. Mediante o seu trabalho, que lhe permite prover às suas necessidades e às da família, ele participa também no desenvolvimento e aperfeiçoamento da criação. Em virtude do seu baptismo, o cristão é chamado a ser membro plenamente consciente e activo do Corpo inteiro da Igreja: «Em união com Cristo — diz São Paulo — vós sois integrados na construção para vos tornardes, no Espírito, habitação de Deus» (Ep 2,22). E, dado que traz Cristo em si mesmo, é chamado a torná-l'O conhecido aos seus irmãos e a ser um apóstolo, isto é, um enviado. O serviço responsável dos leigos 3. Nas cidades e pequenas localidades das vossas dioceses, muitos leigos assumem cada vez mais responsabilidades na vida eclesial. Eles estão dispostos a assumir a sua parte na evangelização; asseguram serviços de catequese, de animação litúrgica e de preparação para os sacramentos, de assistência espiritual aos doentes ou aos prisioneiros, de reflexão e de acção em muitos sectores da vida social. Para agirem no espírito do Evangelho, eles pedem frequentemente que os ajudeis a adquirir a formação necessária. Nas vossas dioceses, tal como foi ressaltado por D. Fihey no seu relatório regional, são tomadas múltiplas iniciativas: a nível diocesano ou até de muitas dioceses associadas, organizais ciclos de formação que às vezes duram muitos anos, em proveito das pessoas chamadas a assumir responsabilidades; é importante que os fiéis leigos utilizem assim os meios para desempenhar, do melhor modo possível, as funções que podeis confiar-lhes. Mais na base, grupos bíblicos ou formações teológicas elementares são propostos ?aos ?paroquianos, ?desejosos ?de ser testemunhas do Evangelho. Não posso deixar de vos convidar a prosseguir neste sentido os vossos esforços já bastante positivos, com a dedicação de todo ?o ?apóstolo, ?pois ?«um ?semeia ?e outro recolhe». Sabendo muito bem como isto pode apresentar dificuldades em cada diocese, peço-vos que reserveis uma real prioridade à formação de alguns sacerdotes ou leigos, e também de religiosos e religiosas, aos quais é preciso permitir que adquiram uma competência comprovada e uma experiência duradoura, a fim de serem bons formadores. Tratase de investimentos indispensáveis, cujos frutos amadurecerão ao longo dos anos. A vossa região beneficia de uma Universidade católica, cujo papel é essencial na formação. A longo prazo, convém preparar professores e pesquisadores, que assegurem a substituição e dêem um novo impulso à teologia, e de igual modo à pastoral. Formação dos agentes de pastoral 4. Não tenho intenção de apresentar aqui programas para as diversas instâncias de formação; quereria antes evocar algumas das suas características essenciais. De modo especial quando se trata de pessoas chamadas a assegurar serviços de ordem pastoral, convém vigiar pelo equilíbrio entre o ensinamento e o empenho efectivo numa missão. Numa palavra, a formação atingirá tanto melhor o seu objectivo, se tiver em conta as pessoas que vivem uma experiência cristã activa: não isolar o trabalho intelectual exigido das pessoas do seu empenhamento na comunidade, para que elas progridam no sentido da Igreja. E, ao mesmo tempo que se fornece os meios de formação teórica e prática, não se pode deixar de oferecer os meios de um revigoramento propriamente espiritual, isto é, uma iniciação acompanhada da oração e de períodos consagrados às meditações ou retiros. Viver o mistério de Cristo 5. Como em toda a formação ou actividade catequética, a Sagrada Escritura ocupará um lugar privilegiado. Como o recordou o Concílio Vaticano II na Constituição dogmática Dei Verbum, a Sagrada Escritura é a alma da teologia (cf. n. 24). São Jerónimo dizia que «ignorar a Escritura é ignorar Cristo» (Coment. sobre Isaías, pról.). Sabemos que, lida na Igreja, a Escritura é a terra na qual pode crescer a árvore da ciência de Deus. O Povo de Deus não pode esperar viver da Vida do seu Mestre, se não assimila as palavras mesmas que lhe foram transmitidas, para que, crendo em Cristo, tenha «a vida no Seu nome » (Jn 20,31). Uma boa familiaridade com a Escritura nutre a vida espiritual e permite participar em profundidade na Liturgia. Dois milénios de meditação e de reflexão sobre o Mistério de Cristo levaram a Igreja a uma inteligência da fé, da qual cada um deve apropriar-se. Os cristãos, para não se deixarem «levar por qualquer sopro de doutrina» (Ep 4,14), haverão de tirar proveito duma sólida reflexão sobre o Credo, o que não significa necessariamente um estudo erudito. Na cultura difundida deste tempo, a imagem de Cristo pode ser deformada se se negligencia a descoberta da sua riqueza, graças à elaboração feita ao longo dos anos pelos Concílios, pelos Padres, pelos teólogos, sem esquecer os espirituais. O estudo do Credo, feito de modo correcto, nada tem de um empreendimento intelectual gratuito; ele dá solidez à fé e ajuda a transmiti-la. Foi neste espírito que o Concílio Vaticano II demonstrou com clareza que a Igreja encontra a sua razão de ser em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, revelado pela obra de Cristo Redentor. O Catecismo da Igreja Católica foi realizado para fornecer indispensáveis pontos de referência, o que a vossa Conferência Episcopal, tal como outras no mundo, retomou seguindo uma pedagogia própria da vossa cultura. O ensinamento moral da Igreja 6. Postos em evidência mediante uma apresentação clara e sólida, os dados da fé contribuirão com eficácia para fazer compreender que a adesão a Cristo supõe uma regra de vida, uma lei que liberta em vez de constranger. O laço profundo que existe entre a fé e a moral passa despercebido a muitos dos nossos contemporâneos, que as consideram somente como proibições, tal como é observado por inúmeros dos vossos relatórios. Importa permitir que os fiéis conscientes compreendam bem o sentido positivo e vital do ensinamento moral da Igreja. Foi o que me pareceu necessário expor sobretudo nas Encíclicas Veritatis splendor e Evangelium vitae. Quotidianamente, os católicos têm necessidade de praticar um discernimento esclarecido diante das correntes de opinião, cuja influência se difunde, e perante as quais é preciso que permaneçam livres. Quer se trate da moral pessoal ou da moral social, um discípulo de Cristo deve saber reconhecer onde se encontram verdadeiramente a vida recta, a verdade sobre o homem e o respeito da vida. Aquilo a que se chama a evolução dos costumes não pode, por si mesmo, reformar regras da vida fundadas sobre a lei natural, que todo o homem de boa vontade é capaz de apreender pela razão recta, e sobre o Evangelho. Aquilo que normas jurídicas civis autorizam ?não ?corresponde ?necessariamente à verdade da vocação humana, nem ao bem que todo o homem deve procurar ?cumprir ?nas ?suas ?opções pessoais ?e ?na ?sua ?conduta ?para ?com o outro. Em resumo, num contexto cultural N. 6 - 8 de Fevereiro de 1997 (59) 7



que tende a relativizar a maior parte das convicções, o fiel deve dedicar-se à busca e ao amor da Verdade. Este é um princípio central. O próprio Senhor Jesus disse: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6), e prometeu aos seus discípulos o Espírito da verdade, que «guiará para a verdade total» (Jn 16,13). Isto equivale a repetir mais uma vez que uma formação, que ajuda realmente a viver a condição cristã, implica uma adesão inteligente e responsável à verdade recebida de Deus mediante o Evangelho. Os movimentos de apostolado leigo 7. É oportuno recordar aqui que a formação faz parte dos objectivos dos movimentos que agrupam os cristãos segundo diferentes finalidades e sustentam o dinamismo dos indivíduos. Os movimentos de espiritualidade, de apostolado ou de ajuda mútua, as equipas de acolhimento ou de preparação para os sacramentos, preparam os seus membros para se porem ao serviço dos irmãos e irmãs praticantes ocasionais ou das pessoas afastadas da Igreja. Eles podem ser os melhores divulgadores da mensagem cristã, em ambientes onde o Evangelho ainda é desconhecido ou deformado, através do seu testemunho de fé e de amor concreto ao próximo. Vós informastes-me acerca do desenvolvimento actual do catecumenato de jovens ou de adultos nas vossas dioceses. Naturalmente, ele constitui um lugar privilegiado de formação para homens e mulheres que aspiram a descobrir a fé na Igreja. Congratulo-me convosco pelo espírito fraterno e pela com-



Pensapetência dos numerosos cristãos que acompanham catecúmenos e neófitos no seu caminho. Prolongando ainda o meu discurso, quereria também encorajar os fiéis que trabalham nos mass media, cristãos ou não, em nível nacional ou local, a fim de esclarecer muitos leitores ou ouvintes sobre o sentido da sua vida e dos acontecimentos. A comunicação social das comunidades requer porta-vozes bem formados, que saibam, por sua vez, oferecer elementos de formação positivos àqueles que os escutam. O testemunho da vida conjugal 8. Sob outro ponto de vista, desejo ainda recordar que a acção pastoral deve estar atenta aos diferentes estados de vida, que os fiéis podem escolher e que têm todos um grande valor. Vividos na fidelidade à opção inicial, eles são uma forma eminente de confissão de fé, pois mostram que, tanto nos momentos de alegria como nas dificuldades, a vida com Cristo é o caminho da felicidade. É o caso daqueles que estão empenhados no sacerdócio, no diaconato ou na vida consagrada, sobre os quais já falei com os Bispos doutra Região apostólica. Aqueles que vivem no matrimónio são as testemunhas privilegiadas da aliança de Deus com o seu povo. Mediante o sacramento, o seu amor humano assume um valor infinito, pois os cônjuges tornam presente, de maneira particular, o amor do Pai e recebem uma responsabilidade importante no mundo: gerar para a vida filhos chamados a tornar-se filhos de Deus, e ajudálos no seu crescimento humano e sobrenatural. No mundo actual, o amor humano é muitas vezes ridicularizado. Os pastores e os casais empenhados na Igreja terão particularmente a peito aprofundar a teologia do sacramento do matrimónio, a fim de ajudar os jovens esposos e as famílias em dificuldade a reconhecerem melhor o valor do seu compromisso e a acolherem a graça da aliança. Convido as pessoas casadas a testemunharem a grandeza da vida conjugal e familiar, fundada sobre o compromisso e a fidelidade. Só o dom total torna plenamente livre para amar de verdade, não só segundo a dimensão afectiva do seu ser, mas com aquilo que há de mais profundo em si, a fim de realizar a união dos corações e dos corpos, fonte de alegria profunda e imagem da união do homem a Deus, à qual todos nós somos chamados. Não esqueço aqueles que não puderam realizar esse projecto de vida. Se o seu celibato não foi escolhido, eles podem, por isso, ter o sentimento de que a sua vida em parte fracassou. Que não desanimem, pois Cristo jamais abandona aqueles que a Ele se confiam! Saibam consagrar-se aos outros e desenvolver relações fraternas regozijantes. Eles são exemplos para muitos. Ocupam plenamente o seu lugar na comunidade eclesial. Em qualquer condição, uma vida doada é fonte de alegria. Saudação final 9. Por ocasião da minha recente visita à França,



Saudação final 9. Por ocasião da minha recente visita à França, eu disse que apreciava a vitalidade da Igreja no vosso país, apesar das dificuldades encontradas. Estou convicto de que as vossas iniciativas nos sectores da formação dos fiéis, assim como ?a ?vossa ?solicitude ?em ?ajudar cada um a realizar-se na comunidade e a testemunhar na sociedade, produzirão os seus frutos neste tempo de renovação, ?que ?é ?o ?aproximar-se ?do ?grande Jubileu. Caros Irmãos no Episcopado, através de vós, os vossos diocesanos estão presentes aqui. No ano do centenário da morte de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, confiamos à sua intercessão as vossas pessoas, o vosso ministério, assim como todos os fiéis da vossa Região apostólica. É pensando em todos eles que, do íntimo do coração, vos?concedo?a?minha Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1997 - 25 de Janeiro de 1997