Discursos João Paulo II 1997 - 1 de Fevereiro de 1997

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLÉIA DO MOVIMENTO


DOS FOCOLARINOS DA UNIDADE


6 de Fevereiro de 1997



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado

1. Era meu desejo encontrar-vos por ocasião da assembleia, que todos os anos vos reúne como amigos do Movimento dos Focolarinos da Unidade. Não sendo possível, quereria pelo menos fazer chegar a vós, por escrito, a minha saudação e a certeza da minha proximidade na caridade de Cristo.

Estes dias foram para vós uma circunstância propícia para renovardes juntos os profundos vínculos de comunhão que, mediante o Espírito Santo, vos unem na concorde dedicação ao serviço da Esposa de Cristo, já na vigília do novo milénio.

Os olhos de todos estão voltados para aquele acontecimento histórico, no qual celebraremos o Grande Jubileu do Ano 2000. A vossa assembleia quis, nesta luz, aprofundar melhor o sentido da missão do Bispo, em relação ao mandato que por Cristo foi confiado aos seus Apóstolos. Detivestes-vos especialmente a reflectir sobre a presença de Cristo ressuscitado na Comunidade, através do mandamento novo da caridade.

2. O tema cristológico, como se sabe, caracteriza o ano de 1997, o primeiro do triénio de preparação imediata para o Ano Santo. Ao preparar-se para a celebração do Jubileu, a Igreja deseja centrar a sua atenção em «Cristo Verbo do Pai, que Se fez homem por obra do Espírito Santo» (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 40). O Pai envia o Filho e o Filho, acolhendo a missão, faz-Se homem por obra do Espírito Santo no seio da Virgem de Nazaré: «E o Verbo fez-Se homem» (Jn 1,14). A história da salvação está toda entrelaçada de amor. O Verbo é Filho eternamente amado e amante. Como não se maravilhar diante do mistério do Amor?

No mistério da Encarnação há uma singularíssima efusão do amor de Deus: a descida do Espírito Santo sobre a Virgem Maria. O evangelista Lucas escreve: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus» (Lc 1,35).

3. A Encarnação não pode, porém, ser separada da morte e ressurreição de Cristo. Os Apóstolos viram e encontraram o Ressuscitado: este evento extraordinário transformou-os em testemunhas repletas de alegria e de audácia apostólica. Como outrora, também hoje a tarefa principal do apóstolo é proclamar e testemunhar, com a vida, que Cristo verdadeiramente ressuscitou, que está presente no meio de nós, através do mandamento novo que nos deixou.

A caridade divina é testamento de vida que, se for vivida na existência quotidiana, nos permitirá realizar de modo cada vez mais profundo aquela unidade, que o próprio Jesus suplicou intensamente ao Pai durante a Última Ceia: «Para que todos sejam um só; como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jn 17,21). Só o mandamento do amor, um amor que chega até ao dom total da vida, é o segredo da ressurreição.

Estamos aqui no âmago da novidade cristã. No silêncio da oração e da contemplação podemos entrar em contacto com Cristo e escutar as suas palavras: «O Pai ama-Me, porque dou a Minha vida... Ninguém Me tira a vida; sou Eu que a dou por Mim mesmo. Tenho o poder para a dar e para tornar a tomála » (Jn 10,17-18). Uma espiritualidade de comunhão para Pastores da Igreja significa, portanto, o empenho ao dom total de si; quer dizer considerar a cruz de um a cruz do outro.

4. Venerados e caros Irmãos! No decurso dos trabalhos da vossa assembleia ocupou um lugar particular a reflexão sobre o ecumenismo e sobre o diálogo inter-religioso, na luz da lei sobrenatural do amor divino. Tratou-se, sem dúvida, de uma atenção louvável, precisamente em referência ao próximo e histórico encontro jubilar. Como declara o Concílio Vaticano II, «a cooperação de todos os cristãos exprime vivamente aquelas relações pelas quais já estão unidos entre si e apresenta o rosto de Cristo Servo numa luz mais radiante» (Unitatis redintegratio UR 12). A colaboração ecuménica nasce de uma graça, concedida pelo Pai em resposta à súplica de Cristo (cf. Jo Jn 17,21), e da acção do Espírito Santo em nós (cf. Rom Rm 8,26-27). Contudo, o verdadeiro ecumenismo só produz os seus frutos onde o amor cresce em autêntico espírito de serviço aos irmãos, seguindo o exemplo de Cristo que veio não para ser servido, mas para servir (cf. Mt Mt 20,28).

Eis o ecumenismo que deve encontrar um lugar significativo na vida de cada diocese. Ele deve ser aprofundado em todos os aspectos, mediante estudos e debates de ordem histórica, teológica e litúrgica, e também graças à compreensão recíproca na vida quotidiana (cf. Unitatis redintegratio UR 5). Essa acção ecuménica haure vigor da oração incessante, elevada com confiança ao comum Pai celeste, para que se apresse a plena unidade entre todos os cristãos.

São estes também os meus votos, que corroboro com a certeza de uma constante recordação ao Senhor. Ele vos acompanhe, caríssimos Irmãos no Episcopado, e vos sustente no quotidiano ministério pastoral.

Ao invocar sobre a vossa assembleia a protecção de Maria, Mãe da Unidade, envio-vos de coração uma especial bênção, que de bom grado faço extensiva às Igrejas locais a vós confiadas.

Vaticano, 6 de Fevereiro de 1997.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO 5° DIA MUNDIAL DO DOENTE


11 de Fevereiro de 1997





Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Tenho a alegria de dirigir a todos vós uma saudação cordial, no final da Santa Missa por ocasião do 5º Dia Mundial do Doente, na memória litúrgica da Bem-aventurada Virgem de Lourdes.

Este Dia conduz-nos idealmente diante da gruta de Massabielle, para nos determos em oração e confiarmos à protecção materna da Virgem, Salus infirmorum, todos os doentes, especialmente aqueles que são mais duramente provados no corpo e no espírito.

A celebração oficial tem lugar hoje no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, a mim particularmente caro e bastante significativo na actual fase de preparação para o Jubileu do Ano 2000. A mensagem da Virgem em Fátima — como de resto também em Lourdes — é um apelo à conversão e à penitência, sem as quais não pode haver um autêntico Jubileu.

Também a doença constitui para a pessoa humana um apelo à conversão, a confiar-se inteiramente a Cristo, única fonte de salvação para cada homem e para o homem todo. A isto convida a temática da Assembleia promovida pela Obra Romana de Peregrinações, que evoca a universal, do primeiro ano de preparação para o Jubileu.

2. O meu pensamento afectuoso dirige- se de modo especial aos numerosos doentes presentes; faço-o extensivo a todos os enfermos que estão unidos a nós mediante a rádio e a televisão. Nossa Senhora, caríssimos Irmãos e Irmãs, obtenha para cada um o conforto do espírito e do corpo. Abençoo de bom grado também os acompanhantes, os voluntários e os membros da UNITALSI, aqui reunidos, e agradeço-lhes a preciosa obra apostólica que realizam a favor dos doentes, acompanhando-os em vários santuários marianos.

Agradeço, além disso, ao Coral «Monteverdi » e à «Sociedade Filarmónica» de Crespano del Grappa a hodierna animação litúrgica e as suas execuções sugestivas. Grato estou também pelo dom da preciosa reprodução da estátua de Nossa Senhora do Monte Grappa, que vela sobre o cemitério monumental em que repousam milhares de soldados da primeira guerra mundial. Por eles se eleva também nesta ocasião a nossa oração.

3. Cada ano a Obra Romana de Peregrinações propõe um gesto profético de paz: este ano é prevista uma peregrinação a Hébron, ao túmulo dos Patriarcas, lugar sagrado para as três grandes religiões monoteístas, como auspício de paz na Terra Santa.

Oro para que esse gesto, no nome do comum pai Abraão, constitua o início de um novo florescimento de peregrinações de reconciliação, em vista do Grande Jubileu do Ano 2000. Possam Roma e Jerusalém tornar-se os pólos de uma universal peregrinação de paz, sustentada pela fé no único Deus bom e misericordioso. Por esta intenção convido-vos, queridos doentes, a elevar ao Senhor ardentes preces, corroboradas pela oferta do sofrimento.

4. E agora, unindo-nos espiritualmente aos peregrinos reunidos no Santuário de Lourdes e a quantos se encontram em Fátima, para celebrar o Dia Mundial do Doente, dirijamo-nos confiantes a Maria, invocando a sua protecção materna.

De todo o coração vos abençoo no nome do Pai e do Filho e do Espírito



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO 3° GRUPO DE BISPOS DAS FILIPINAS


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Terça-feira, 11 de Fevereiro de 1997





Prezados Irmãos Bispos

1. No amor de nosso Salvador Jesus Cristo, dou-vos as boas-vindas, componentes do terceiro grupo de Bispos filipinos nesta série de visitas «ad Limina », realizadas pela vossa Conferência. Aproveito a ocasião da presença do Cardeal Sin para evocar, mais uma vez, com profundo sentido de gratidão os extraordinários acontecimentos de Janeiro de 1995. A magnífica resposta de um número tão elevado de jovens no Dia Mundial da Juventude e a alegria da comemoração do IV Centenário da Arquidiocese de Manila e das ex-Dioceses sufragâneas de Cebu, Caceres e Nova Segóvia constituem um momento precioso do meu ministério peregrinante. Aqueles dias maravilhosos que transcorri em Manila confirmaram a minha esperança no que se refere à propagação da luz do Evangelho no próximo Milénio, no continente asiático.

Mediante a intercessão dos Apóstolos Pedro e Paulo, cujo testemunho santificou esta Sé de Roma, rezo para que a comunidade católica das Filipinas esteja sempre consciente da importante «vocação missionária» que o Senhor vos concedeu e para a qual o Espírito Santo vos está a preparar desde a primeira evangelização das vossas Ilhas. Esta vocação confere-vos uma grande responsabilidade e uma especial dignidade. Apresenta exigências práticas ao vosso próprio ministério episcopal, que inclui uma aplicação generosa das Normas que a Congregação para o Clero publicou sobre a colaboração entre as Igrejas particulares e a melhor distribuição do Clero (cf. Postquam Apostoli [25 de Março de 1980]: AAS 72 [1980], PP 343-364 Redemptoris missio, 64).

2. Como já mencionei durante os meus outros encontros com os membros da vossa Conferência, os desafios que se apresentam à Igreja nas Filipinas são verdadeiramente enormes. Exigem de vós uma confiança absoluta no Senhor e uma catequese sistemática a todos os níveis da vida da Igreja. Orientados pela vossa «sã doutrina» (2Tm 4,3), os católicos filipinos devem ser capazes de aplicar a «palavra da fé» (Rm 10,8) às situações concretas em que vivem o chamamento universal à santidade. Na Exortação Apostólica Catechesi tradendae, exortei os Bispos a alimentarem nas suas Dioceses «uma verdadeira paixão pela catequese; uma paixão, porém, que se encarne numa organização adaptada e eficaz, que empenhe na actividade as pessoas, os meios, os instrumentos e também os recursos finaneiros necessários» (n. 63). Renovo este apelo, de maneira especial com relação às duas áreas cruciais e intimamente interligadas da vida pastoral: a família e a promoção da justiça social.

3. Efectivamente, a salvaguarda e a promoção da família, núcleo de cada sociedade, constituem uma tarefa preeminente que incumbe sobre todas as pessoas empenhadas na busca do bem-estar social e da justiça. Durante o meu Pontificado, procurei explicar que «pela (família) passa a principal corrente da civilização do amor, que lá encontra as suas “bases sociais”» (Carta às Famílias LF 15). Compete em primeiro lugar a vós, Bispos, forjar a consciência dos fiéis, em conformidade com o ensinamento da Igreja, a fim de que os leigos em particular possam trabalhar de maneira eficaz em prol da introdução das políticas públicas que hão-de fortalecer a vida familiar. A vossa Conferência tem-se pronunciado com muita frequência sobre este tema, recordando que a política familiar deve constituir o fundamento e a força-motriz de todas as políticas sociais. Neste sentido, o Estado, que por sua própria natureza está ordenado para o bem comum, deve defender a família, respeitando a sua estrutura natural e os seus direitos inalienáveis. Os fiéis leigos, especialmente mediante as organizações e associações familiares, devem ser encorajados a continuar a promover as instituições sociais, as legislações civis e as políticas nacionais que tutelam os direitos e as responsabilidades familiares (cf. Familiaris consortio FC 44).

Também a economia tem um papel vital a desempenhar para assegurar o fortalecimento da família. Uma das principais críticas que os Pastores da Igreja devem fazer ao actual sistema sócio-económico, compreendido como a subordinação de quase todos os outros valores às forças do mercado, é que geralmente se ignora a dimensão familiar do contrato de trabalho. Tal sistema tem em pouca conta, ou não considera de modo algum, o salário familiar. Como a maioria das sociedades está distante daquilo que a Igreja prega: «Uma justa remuneração do trabalho das pessoas adultas que têm responsabilidades de família é aquela que seja suficiente para fundar e manter dignamente uma família e para assegurar o seu futuro» (Laborem exercens LE 19)! Legisladores, líderes dos negócios, da indústria e do trabalho, educadores, operadores no campo dos mass media e famílias em geral, todos devem ser encorajados a instaurar de novo uma economia centrada na família, fundamentada sobre princípios de subsidiariedade e solidariedade. A verdadeira justiça social passa pelo caminho da família! É também com este conceito no pensamento que estarei presente na celebração do Dia Internacional da Família no Rio de Janeiro, no próximo mês de Outubro.

4. Nas Filipinas, assim como em muitas partes do mundo, a família é como uma janela aberta para uma sociedade que sofre as tensões da transição de um modelo de vida tradicional para um estilo caracterizado pelos crescentes individualismo e fragmentação. Nesta transição, as verdades morais e religiosas, que deveriam apoiar e orientar os indivíduos e a sociedade, são com muita frequência ignoradas ou rejeitadas, a ponto de determinados comportamentos, antes considerados totalmente injustos, serem aceites social e legalmente e até mesmo promovidos como «direitos». Neste caso, o antídoto mais eficaz serão os esforços dos agentes pastorais competentes, que trabalham com perseverança e iniciativa através da catequese, de grupos de apoio à família e dos meios de comunicação social. Quando a verdade e o significado da sexualidade humana são debilitados por uma mentalidade secularista, a Igreja deve ensinar e promover cada vez mais o desígnio sapiente e amoroso de Deus para o amor conjugal. Quando a «vida social se aventura pelas areias movediças de um relativismo total » (Evangelium vitae EV 20), o cuidado moral e espiritual da família torna-se um desafio que não pode ser ignorado: ele praticamente define a missão pastoral da Igreja. Neste ano em que se comemora o centenário do nascimento do meu venerado Predecessor, Papa Paulo VI, desejo reiterar o seu premente apelo dirigido a todos os Bispos: «Trabalhai com afinco e sem tréguas na salvaguarda e na santificação do matrimónio, para que ele seja sempre, cada vez mais, vivido em toda a sua plenitude humana e cristã. Considerai esta missão como uma das vossas responsabilidades mais urgentes na hora actual» (Humanae vitae HV 30).

5. Os esforços pastorais têm principalmente em vista a maioria dos fiéis que lutam todos os dias para viver segundo as exigências da sua dignidade cristã no matrimónio e na família. A actual tendência a considerar os casos difíceis e as categorias especiais, não deveria impedir os Pastores da Igreja de prestarem a devida atenção às necessidades das famílias normais. Eles têm em consideração a sua orientação espiritual para a promoção da sã doutrina, a graça dos sacramentos e a empatia humana que há-de sustentá-las na missão nada fácil de ser uma verdadeira «Igreja doméstica », a primeira comunidade a ser evangelizada de modo a poder ser, por sua vez, o evangelizador próximo e imediato dos seus membros. Os jovens casais que se preparam para o matrimónio têm necessidade de ser ajudados a compreender que o casamento e a família se fundamentam sobre responsabilidades livremente assumidas perante Deus, diante do próprio parceiro, dos filhos envolvidos, da sociedade e da Igreja. Os vínculos forjados entre aqueles que se tornam «uma só carne» (Gn 2,24) exigem comunhão e fidelidade permanentes. Felizmente, nas vossas Dioceses podeis contar com muitos grupos e associações que ajudam a família a viver a sua vocação como comunidade de amor, escola de humanidade e santuário de vida. A vossa Comissão Episcopal sobre a Vida Familiar também prodigaliza indefessamente os próprios esforços para coordenar as tarefas pastorais neste campo.

Prezados Irmãos, a nossa missão profética como arautos da «verdade do Evangelho» (Ga 2,14) exige que proclamemos vigorosa e persuasivamente o ensinamento da Igreja acerca da transmissão responsável da vida humana. Isto requer um esforço concertado para ajudar os fiéis a compreenderem de maneira mais clarividente que a realização conjugal está vinculada ao respeito pelo significado e finalidade intrínsecos da sexualidade humana. Encorajo-vos com afecto a continuar as iniciativas já empreendidas, tendo em vista aperfeiçoar a preparação para o matrimónio e implementar o ensinamento dos métodos naturais de regulação da fertilidade. As tradições culturais e religiosas do vosso povo, que valoriza a vida e a liberdade, deveria ajudá-lo a opor-se às medidas tomadas contra a vida: aborto, esterilização e contracepção. A Igreja anuncia o Evangelho da vida, uma visão plenamente positiva da existência humana, contrária ao pessimismo e ao egoísmo daqueles que maquinam contra o esplendor da sexualidade humana e da vida do homem (cf. II Conselho Plenário das Filipinas, Documento conciliar, n. 585).

6. Uma evangelização mais profunda do Povo de Deus exige que lanceis a luz penetrante do Evangelho sobre todas as situações e circunstâncias que impedem o crescimento do Reino cristão da verdade e da vida, da santidade e da graça, da justiça, do amor e da paz (cf. Prefácio da festa de Cristo Rei). Todos nós estamos conscientes das dificuldades que se apresentam à proclamação da justiça social, de maneira muito especial quando se trata de abordar questões profundamente arraigadas nas estruturas sociais e nos costumes culturais tradicionais. A opção preferencial pelos pobres é com frequência interpretada de maneira errónea, dando por vezes origem a tensões entre a Igreja e alguns sectores da sociedade que requerem um diálogo construtivo, no interesse do bem comum. Provais que sois Pastores segundo o coração do próprio Senhor (cf. Jer. Jr 3,15) quando dedicais a vossa inteligência, capacidades pastorais e criatividade à promoção de uma visão do homem — de cada ser humano — que corresponda plenamente à dignidade humana, como foi revelada por Cristo. O vosso empenho no ensinamento social não é uma solicitude meramente humanitária: a fome e a sede de justiça devem ser saciadas de modo constante pela oração e pela adoração litúrgica. Mediante a união com Cristo, os baptizados são transformados pela graça para o serviço da caridade; no Altar, recebem a força para perseverarem no serviço da justiça (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 48). O II Conselho Plenário das Filipinas justamente chamou a atenção para a íntima ligação entre a vida da fé e o trabalho da justiça: «O apostolado social deve receber de modo incessante um sólido fundamento religioso, mediante a catequese e o vínculo orgânico ao culto» (Decretos, artigo 20 § 3). Por conseguinte, encorajo-vos a continuar, com sabedoria e coragem, a guiar e iluminar os fiéis e de facto toda a sociedade, tendo em consideração as bases morais e éticas de uma coexistência justa e humana.

7. Estimados Irmãos no Senhor, no Cenáculo o Senhor Jesus convidou os discípulos a serem seus amigos, a perseverarem na comunhão amorosa com Ele (cf. Jn 15,13-14) e a selarem esta intimidade com o dom da Eucaristia. Agora estais celebrando o Ano eucarístico, por vós inaugurado por ocasião do V Congresso Eucarístico Nacional, sobre o tema Eucaristia e Liberdade. É o próprio Senhor eucarístico que vos acompanha, Sucessores dos Apóstolos, no vosso ministério quotidiano. Pensando na vossa labuta diária ao serviço do Evangelho, exorto-vos com as palavras de Santo Inácio de Antioquia: «Suportai todos, assim como o Senhor vos suporta a vós. Sede pacientes, repletos de caridade, como de facto o sois. Consagrai- vos incessantemente à oração; implorai um acréscimo de compreensão; vigiai sem deixar que o vosso espírito desvaneça» (Carta a Policarpo, 1: 2). Neste espírito, uno-me a vós confiando o nosso Irmão, Bispo Benjamin de Jesus, Vigário Apostólico de Jolo, ao eterno amor do nosso Pai celestial. Juntamente convosco, invoco a paz de Deus sobre toda a região meridional do vosso País. Rezo a fim de que, enquanto a Igreja filipina se prepara para o Terceiro Milénio, a intercessão de Maria, Mãe do Redentor, obtenha para vós e para os sacerdotes, religiosos e fiéis leigos a participação na Sua fé inquebrantável, na Sua esperança constante e no Seu amor fervoroso. Com a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


DURANTE O ENCONTRO COM O CLERO


DA DIOCESE DE ROMA NO INÍCIO DA QUARESMA


13 de Fevereiro de 1997



Desejaria agradecer-vos este encontro, e sobretudo os vossos testemunhos. Vem-me sempre à memória uma expressão que desejo repetir mais uma vez: Parochus super Papam. Aprendi isto quando era um jovem Bispo e, tanto em Cracóvia, como aqui em Roma, vi como é verdadeiro o conteúdo desta frase. O Pároco tem sempre uma experiência directa, fundamental da Igreja local que lhe está confiada. É também graças aos Párocos que o Bispo pode cumprir a sua missão, o que faz crescer em mim o reconhecimento para convosco, caríssimos irmãos no sacerdócio, sobretudo depois de cinquenta anos de experiência, primeiro em Cracóvia e depois em Roma.

Eis por que também desejei escrever algo acerca da minha vocação, mas isto já o sabeis e portanto não o vou repetir. E agora, dado que nenhum de vós toma a palavra, concluirei e resumirei quanto foi dito hoje.

Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no episcopado e no sacerdócio

1. Saúdo-vos com profundo afecto e sinto-me feliz por este encontro que se renova cada ano. Dirijo um particular pensamento aos sacerdotes doentes, idosos, e àqueles que foram agredidos e feridos no exercício do seu ministério, assegurando a cada um especial lembrança na oração.

O Cardeal Vigário na sua saudação inicial, pela qual lhe estou grato, delineou um rápido quadro do caminho actual da Diocese de Roma e, em particular, do presbitério romano. Este quadro foi depois preenchido e colorido pelos testemunhos de não poucos de vós. É um quadro no qual, por dom do Senhor, as luzes prevalecem amplamente sobre as sombras: dêmos graças a Deus!

Não posso esquecer a grande Vigília do Pentecostes, na qual demos início à Missão da Cidade. Esta missão está já em pleno desenvolvimento, mobiliza as forças vivas da Diocese e está a chamar a atenção e a simpatia da cidade inteira — deveria dizer da Igreja inteira — segundo quanto me dizem os Bispos de todo o mundo. Contemporaneamente teve início aquela obra mais orgânica de formação permanente dos sacerdotes que, há tempos, era esperada e ajudará não pouco a própria missão da cidade.

Sobre este tema da formação sacerdotal quereria deter-me brevemente convosco, na perspectiva da preparação para o grande Jubileu e, portanto, da missão da cidade, recordando também que este é o ano dedicado a Jesus Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre (cf. Heb He 13,8), e fazendo referência ao dom que recebi de viver o quinquagésimo aniversário da minha ordenação sacerdotal.

2. A formação permanente do sacerdote é um modo para ter vivos em nós o dom e o mistério da nossa vocação. Dom que nos supera infinitamente e mistério da eleição divina: «Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes fruto, e o vosso fruto permanecer» (Jn 15,16). Devemos ser gratos a Deus pelo dom da nossa vocação e exprimir esta gratidão, com o nosso serviço ministerial que, concretamente, é a oferta quotidiana da nossa vida. Na base e no centro de tudo isto está a nossa Eucaristia, a Missa quotidiana que é o momento mais importante de cada um dos nossos dias e o centro da nossa vida, porque, celebrando-a, descemos ao âmago do mistério da salvação, lá onde se enraíza o nosso sacerdócio e se alimenta o nosso serviço ministerial.

A Missa põe-nos em contacto com a santidade de Deus e recorda-nos, do modo mais eficaz, que somos chamados à santidade e que Cristo tem necessidade de sacerdotes santos. Com efeito, só no terreno da santidade sacerdotal pode crescer, sabemo-lo por experiência, uma pastoral eficaz, uma verdadeira «cura animarum».

Finalidade primeira e fundamental da formação permanente é precisamente a ajuda recíproca no caminho da santificação sacerdotal: o presbitério diocesano, como verdadeira fraternidade sacramental, tem com efeito um papel importante na vida pessoal de cada sacerdote, e este papel desenvolve-se, de modo especial, através dos momentos da formação permanente. É belo que os sacerdotes mais jovens se encontrem, com periodicidade quinzenal ou mensal, antes de tudo para orarem juntos e para um intercâmbio fraterno das suas primeiras experiências sacerdotais. Mas é importante também que todos os sacerdotes, embora em tempos diferentes, tenham a possibilidade e a alegria de estar juntos e de revigorar-se reciprocamente na fidelidade à própria vocação.

3. A formação, naturalmente, sustenta- nos no caminho para a santidade, chamando-nos de novo à conversão. Somos ministros da reconciliação e, portanto, realizamos uma parte essencial da nossa missão através do ministério do confessionário; mas podemos fazê-lo com sinceridade e eficácia, se nós mesmos formos os primeiros recorrer de modo constante à misericórdia de Deus, confessando assiduamente as nossas culpas e implorando a graça da conversão.

Cada aspecto do nosso serviço ministerial, a fadiga quotidiana, as alegrias e as preocupações do pároco, do vice-pároco, do sacerdote professor, daquele que trabalha no Vicariato, daquele que se empenha com os jovens, com as famílias, com as pessoas idosas, tudo isto deve por sua vez encontrar espaço na formação permanente. O importante é a perspectiva na qual cada uma das nossas actividades ministeriais é colocada. Para isto pode servir de grande ajuda uma palavra do apóstolo Paulo: «Que os homens nos considerem como servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. Ora, o que se requer dos administradores é que sejam fiéis» (1Co 4,1-2). A palavra «administrador » não pode ser substituída por nenhuma outra. Está arraigada profundamente no Evangelho: pensemos na parábola do administrador fiel e daquele infiel (cf. Lc Lc 12,41-48). O administrador não é o proprietário, é aquele a quem o proprietário confia os seus bens, a fim de os administrar com dedicação e responsabilidade. Precisamente assim o sacerdote recebe de Cristo os bens da salvação, em favor de cada fiel e do inteiro povo de Deus.

Portanto, jamais podemos considerar- nos proprietários destes bens: não da palavra de Deus, que devemos testemunhar e propor com fidelidade, sem jamais confundi-la ou substituí-la com as nossas palavras e os nossos pontos de vista; não dos sacramentos, a serem administrados com solicitude e também com sacrifício pessoal, segundo a intenção de Cristo expressa pela Igreja; mas nem sequer dos locais, dos espaços, das dotações materiais das nossas paróquias e comunidades: cuidemos deles, como se fossem nossos e mais do que nossos, não porém para a nossa vantagem mas unicamente para o bem da porção do povo de Deus que nos está confiada.

Neste tempo da missão da cidade, e na perspectiva de tornar sempre mais missionária a Igreja de Roma, abramos então o mais possível as nossas igrejas, os ambientes paroquiais, todas as estruturas de que dispomos, indo ao encontro das necessidades, dos tempos e dos desejos da nossa gente, que muitas vezes é constrangida a horários muito difíceis e que tem necessidade de encontrar sacerdotes, abertos à escuta e capazes de transmitir uma palavra de fé, encorajamento e consolação.

4. Um dos aspectos mais promissores da missão da cidade é o grande número de leigos das nossas paróquias e comunidades, que se ofereceram como missionários. Comovedor é o espírito com que eles estão a preparar-se para a missão e o sentido eclesial de que dão prova. Desejam ir como testemunhas de Cristo às casas e às famílias, aos lugares de trabalho, às escolas, aos hospitais, aos centros de elaboração e de comunicação do pensamento, aos ambientes desportivos e recreativos.

Mas tudo isto tem um significado também para o nosso ministério e a nossa formação como sacerdotes. Os leigos são um dom para nós, e cada sacerdote leva no seu coração aqueles leigos que são actualmente, ou foram no passado, confiados ao seu cuidado pastoral. De algum modo, indicam-nos a estrada, ajudam-nos a entender melhor o nosso ministério e a vivê-lo em plenitude. Sim, da relação e do intercâmbio com eles podemos aprender muito: podemos aprender das crianças, dos meninos e dos jovens como também dos anciãos; das mães de família como dos trabalhadores; dos homens da cultura e da arte como dos pobres e dos simples. Através deles a nossa acção pastoral pode ser quase multiplicada, superando barreiras e penetrando em ambientes que, de outro modo, seriam difíceis de alcançar. A missão da cidade é, pois, uma grande escola de apostolado dos leigos nesta nossa Roma, e de igual modo é escola de apostolado para nós, sacerdotes.

A atenção especial que a Diocese de Roma dedica este ano aos jovens e à pastoral juvenil leva-me, com a recordação, ao meu ministério de sacerdote e de professor, quando me dedicava em particular aos jovens. Aquela experiência permaneceu no meu coração e procurei ampliá-la, por assim dizer, através da iniciativa dos Dias Mundiais da Juventude. Sei que trabalhais muito em favor dos jovens e com os jovens, e peço- vos que trabalheis com eles cada vez mais. O Dia Mundial que celebraremos em Agosto em Paris, represente um ulterior estímulo a investir as energias espirituais e humanas da Diocese na pastoral juvenil, para formar, de maneira profunda e verdadeiramente missionária, os jovens que já estão junto de nós, mas também para ir em busca de todos os jovens de Roma, para lhes abrir as portas e para abater, na medida do possível, as barreiras e os preconceitos que os separam de Cristo e da Igreja.

5. Para servir de verdadeira ajuda aos jovens, como a todos os leigos que se empenham na missão, e para viver em plenitude o nosso próprio sacerdócio, é essencial pôr sempre no centro de todo o nosso empenho Jesus Cristo. São Cipriano disse justamente que o cristão, cada cristão é «outro Cristo» — Christianus alter Christus. Mas com maior razão podemos dizer, com toda a nossa grande tradição, Sacerdos alter Christus. É este também o significado mais profundo da vocação ao sacerdócio e da alegria para todo o novo sacerdote que é ordenado.

Neste «ano cristológico», mas também em toda a preparação para o Ano Santo e a missão da cidade, Cristo deve estar no centro. A perda de sentido moral, o materialismo prático, a incerteza de poder alcançar a verdade, mas também uma busca de espiritualidade muito vaga e indeterminada, concorrem para formar aquelas correntes de descristianização, que tendem a fazer com que o nosso povo perca a genuína fé em Cristo como Filho de Deus e nosso único Salvador. Nós mesmos devemos estar vigilantes diante da insídia subtil que provém de semelhante ambiente de vida e que corre o perigo de debilitar a certeza da nossa fé e o impulso da nossa esperança cristã e sacerdotal.

É mais do que nunca oportuno, por isso, que a formação permanente dos sacerdotes tenha como seu tema e referência central Jesus Cristo, a sua pessoa e a sua missão. Quanto mais crescermos na relação com Ele, ou melhor, na identificação com Ele, tanto mais nos tornaremos sacerdotes autênticos e missionários eficazes, abertos à comunhão e capazes de comunhão, porque nos tornamos mais concretamente conscientes de ser membros daquele único corpo, do qual Cristo é a cabeça.

6. No livro «Dom e Mistério» recordei o «itinerário mariano» da minha vocação sacerdotal: aquele itinerário que me une à minha família de origem, à paróquia onde me formei, à minha Igreja e à minha pátria da Polónia, mas também à Itália e a esta Igreja de Roma que, há mais de dezoito anos, é a minha Igreja. «Salus populi romani», Maria conduz-nos a Cristo, como conduzia e conduz os romanos a Cristo, Maria «Salus populi romani», mas é também verdade que Cristo nos conduz à sua Mãe. Maria avizinha-nos de Cristo, convidando-nos a viver o seu mistério de Virgem fiel e Mãe. N’Ela, no seu seio e na sua humilde e livre dedicação se realizou o grande mistério, que é o coração do ano 2000 e de toda a história humana: a Encarnação do Verbo de Deus (Jn 1,14).

Ao terminar este nosso encontro, quereria renovar convosco a consagração à Mãe de Deus, que nos foi proposta por São Luís Maria Grignion de Montfort. Ela diz assim: Totus Tuus ego sum et omnia mea Tua sunt. Accipio Te in mea omnia. Praebe mihi cor Tuum, Maria.

Com estes sentimentos, a todos concedo de coração a minha Bênção.

Graças a Deus, tudo procedeu ordenadamente, secundum praevisa merita, mas também de acordo com a graça deste segundo dia da Quaresma. Depois das Cinzas de ontem, podemos entrar no período quaresmal com confiança e coragem.

Portanto, coragem!




Discursos João Paulo II 1997 - 1 de Fevereiro de 1997