Discursos João Paulo II 1997 - 3 de Março de 1997

Sobre Vossa Excelência, sobre a sua família, assim como sobre o povo da Costa do Marfim e os seus dirigentes, invoco de todo o coração a abundância das Bênçãos divinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO II GRUPO DE BISPOS DO ZAIRE


EM VISITA « AD LIMINA APOSTOLORUM »






Caros Irmãos no Episcopado

1. É-me grato acolher-vos no Vaticano no momento em que realizais a vossa visita «ad Limina». Como Pastores da Igreja no Zaire nas Províncias eclesiásticas de Bukavu, de Kisangani e de Lubumbashi, pela vossa peregrinação ao túmulo dos Apóstolos, viestes renovar o vosso empenho no serviço da missão de Cristo e da Sua Igreja e fortalecer os vossos vínculos de comunhão com o Sucessor de Pedro.

Provindes dum país que conhece uma crise generalizada e profunda, sobre a qual a vossa Conferência Episcopal se pronunciou em diversas ocasiões. Esta crise traduz-se pela corrupção e a insegurança, pelas injustiças sociais e os antagonismos étnicos, pelo estado de total abandono em que se encontram a educação e a saúde, pela fome e as epidemias... A tudo isto se acrescenta agora uma guerra, que atinge de modo particular as vossas dioceses, com todas as suas consequências trágicas. Que sofrimento para os zairenses! Nestes momentos dramáticos, faço votos por que encontreis aqui conforto e força, a fim de prosseguirdes com segurança a vossa missão episcopal no meio do povo que vos foi confiado. Agradeço vivamente a D. Faustin Ngabu, Presidente da Conferência Episcopal do Zaire, as suas palavras esclarecedoras sobre a vida da Igreja no vosso país; elas manifestam a esperança das vossas comunidades no meio das provas. Saúdo com particular afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os catequistas e todos os fiéis da vossa região, e encorajo-os a ser, na adversidade, verdadeiros discípulos de Cristo.

Desejaria recordar com emoção a lembrança daqueles que, na vossa terra, testemunharam de modo heróico o amor de Deus até ao fim: D. Christophe Munzihirwa, Arcebispo de Bukavu, vários dos vossos sacerdotes diocesanos, pessoas consagradas, assim como leigos, que fizeram a oferta da sua própria vida para salvar os seus irmãos. Como vós mesmos dissestes, parece que a Igreja se tornou «de modo particular alvo nos eventos da guerra e das violências actuais no Zaire» (Mensagem dos Bispos do Zaire, 31/1/1997). Que estes sacrifícios sejam um estímulo para a obra da Igreja na vossa região e obtenham de Deus para o povo inteiro os benefícios da paz e da reconciliação!

2. Tendes a peito permanecer muito próximos dos sacerdotes, vossos colaboradores imediatos. Conheço a situação difícil em que com frequência vivem. De todo o coração os encorajo no seu serviço generoso a Cristo e aos seus irmãos. A Igreja está-lhes profundamente reconhecida pelo seu ministério, que faz nascer e crescer o Povo de Deus no vosso país. Exorto-os a conservar «a fidelidade à sua vocação, no dom total de si mesmos à missão e em plena comunhão com o próprio Bispo» (Ecclesia in Africa ). Sede vós mesmos para cada um deles um pai e um guia no sacerdócio, atentos à vida e ao ministério deles.

No meio da comunidade cristã, os sacerdotes devem ser modelos de vida evangélica, manifestando uma coerência efectiva entre o que anunciam e o que vivem. No seu ministério pastoral, eles terão o cuidado de excluir «todo o etnocentrismo e excessivo particularismo, procurando, pelo contrário, promover a reconciliação e uma verdadeira comunhão entre as diversas etnias» (Ecclesia in Africa ). Eles encontrarão a fonte da sua coragem apostólica e da sua fidelidade aos compromissos da própria ordenação, de modo particular no celibato, num profundo amor a Cristo, que se traduzirá pela frequência regular aos sacramentos e pela oração que lhes unifica a vida. Exorto-os também a redescobrir de modo cada vez mais profundo a dignidade e as obrigações da vocação sacerdotal, que excluem na vida do sacerdote as actividades que não estão em consonância com elas.

Para responder de maneira sempre mais apropriada às exigências do ministério sacerdotal, a formação permanente é uma necessidade imperiosa, que deve estar presente ao longo de toda a vida, a fim de «ajudar o padre a ser e a fazer o padre no espírito e segundo o estilo de Jesus Bom Pastor» (Pastores dabo vobis PDV 73).

3. É uma responsabilidade essencial para cada Bispo ter um cuidado absolutamente privilegiado em relação à formação dos futuros sacerdotes e à vida dos seminaristas. Com efeito, «o primeiro representante de Cristo na formação dos sacerdotes é o Bispo» (Pastores dabo vobis PDV 65). Para que os Seminários sejam verdadeiras comunidades de formação ao sacerdócio, é indispensável que os candidatos sejam bem conhecidos, a fim de permitir um discernimento sério das suas motivações, antes de os aceitar, sabendo também que «a chamada interior do Espírito precisa de ser reconhecida como autêntico chamamento pelo Bispo» (ibid.). Uma formação humana, intelectual e moral de bom nível permitirá ao futuro sacerdote adquirir uma maturidade suficiente, a fim de que seja capaz de viver o seu sacerdócio num equilíbrio pessoal provado e favorecer o encontro entre Cristo e os homens, aos quais ele será enviado. Convido-vos a ser vigilantes sobre a qualidade da formação espiritual dada nos Seminários. «Para cada sacerdote, a formação espiritual constitui o coração que unifica e vivifica o seu “ser padre” e o seu “agir de padre”» (Pastores dabo vobis PDV 45). Os futuros ministros do Evangelho devem empenhar-se resolutamente num caminho de santidade, para se tornarem pastores segundo o coração de Deus.

A constituição de equipas de professores e de directores espirituais é muitas vezes uma grande dificuldade. Faço votos vivamente por que, apesar dos sacrifícios que daí resultam para outros sectores pastorais, possais empenhar nelas os sacerdotes mais dignos e mais aptos a este ministério, tão importante para a vida e o futuro da Igreja. É preciso preparar para este trabalho sacerdotes capazes e conscientes das necessidades concretas da Igreja. A colaboração entre as dioceses duma mesma região poderá ajudar a tratar esta questão com mais eficácia.

4. Como fizestes notar nos vossos relatórios, a vida religiosa está bem implantada no vosso país, e cada vez mais jovens respondem ao apelo de Deus. Convosco, regozijo-me por esta graça que o Senhor dá à Igreja no Zaire. No período difícil por que atravessa a vossa nação, especialmente o testemunho das pessoas consagradas deve ser posto em evidência: «Missão peculiar da vida consagrada é manter viva nos baptizados a consciência dos valores fundamentais do Evangelho, graças ao seu “magnífico e privilegiado testemunho de que não se pode transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das bem-aventuranças” » (Vita consecrata VC 33).

Saúdo com particular afecto os religiosos e as religiosas que, com grande abnegação, se consagram ao serviço dos seus irmãos pobres, doentes, desalojados, exilados, ou que, de diversas maneiras e em situações difíceis, trabalham para o estabelecimento de mais justiça e fraternidade, por vezes com o perigo da própria vida. Encorajo-os, de todo o coração, a prosseguir nos seus empenhos, numa oblação total de si mesmos: «Olhai o futuro, para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas» (Vita consecrata VC 110). O mundo de hoje tem necessidade do seu testemunho profético do serviço a Deus e do amor pelos homens, nos quais se revela a presença do Senhor no meio do povo que está na prova. Este testemunho profético, que se exprime através da vida comunitária como sinal de comunhão eclesial, deve ser prolongado por uma verdadeira fraternidade, vivida no presbitério diocesano entre os religiosos e os membros do clero secular.

No vosso país, surgiram vários Institutos de direito diocesano nestes últimos anos, manifestando a vitalidade das vossas Igrejas locais. Desejo que sejam seguidos com muita atenção, sobretudo naquilo que concerne à formação adequada dos seus membros, a fim de que estas comunidades se desenvolvam segundo as normas da vida consagrada previstas pela Igreja. A Exortação Apostólica Vita consecrata será uma ajuda preciosa para reflectir sobre o significado e a missão da vida religiosa no mundo de hoje.

5. As dificuldades económicas e sociais da sociedade têm um impacto negativo sobre muitos jovens. Nos vossos relatórios, sublinhastes muitas vezes as feridas que os marcam e as consequências dolorosas que delas resultam para o seu futuro. A pastoral da juventude é uma das vossas maiores preocupações. As instituições escolares e universitárias da Igreja católica oferecem uma contribuição importante à formação humana e espiritual das jovens gerações, ante as grandes necessidades que o vosso país conhece. Quereis também estar atentos àqueles que não têm acesso à escola ou que dela são afastados, àqueles que estão sem trabalho, abandonados a si mesmos, sem esperança quanto ao futuro. Quantos obstáculos ao seu desenvolvimento ainda devem ser superados! Ao encorajar-vos a permanecer cada vez mais próximos deles e à escuta dos seus interrogativos, com os Padres do Sínodo africano, quereria de novo advogar com vigor em favor deles: «É necessário e urgente encontrar uma solução para a sua impaciência de participar na vida da nação e da Igreja» (Ecclesia in Africa ); e renovo aos jovens do Zaire o apelo que foi lançado por este Sínodo a todos os jovens de África: assumi o desenvolvimento da vossa nação, amai a cultura do vosso povo e trabalhai para a sua revitalização, através da fidelidade à vossa herança cultural, com o aperfeiçoamento do espírito científico e técnico e, sobretudo, pelo testemunho da fé cristã (cf. ibid.)! Convido-os a não perder a coragem mas a enfrentar os desafios da sua existência, com a força que lhes é dada por Cristo, procurando estabelecer uma verdadeira solidariedade humana, a fim de construir o futuro. Neste mundo, eles são chamados a viver a fraternidade, não como uma utopia mas como uma possibilidade real; nesta sociedade, eles devem construir, como verdadeiros missionários de Cristo, a civilização do amor (cf. Mensagem para o XII Dia Mundial da Juventude, 8).

6. Nas vossas dioceses, os fiéis são levados a viver e a cooperar com os seus irmãos de outras confissões cristãs. «Unidos a Cristo no seu testemunho em África, os católicos são convidados a desenvolver um diálogo ecuménico com todos os cristãos baptizados das outras Confissões cristãs, a fim de que se realize a unidade pela qual Cristo rezou, de maneira que o seu serviço às populações do Continente torne o Evangelho mais credível aos olhos daqueles e daquelas que procuram a Deus» (Ecclesia in Africa ). Todavia, para que possam conduzir de verdade os fiéis de Cristo pelos caminhos da unidade, convém que estas relações fraternas com os outros cristãos se construam num reconhecimento recíproco sincero e no respeito daquilo que constitui a comunidade à qual pertencem.

7. As seitas e os novos movimentos religiosos são hoje um desafio, ao qual a Igreja na vossa região é levada a fazer frente com perseverança. A fim de permitir aos católicos efectuar os discernimentos necessários e responder às questões apresentadas pelas actividades destes grupos, é primordial guiar os fiéis para uma tomada de consciência renovada da sua identidade cristã, mediante o aprofundamento da sua fé em Cristo, único Salvador dos homens. Ao apresentar- lhes, de maneira simples e clara, a mensagem evangélica centrada na pessoa do Senhor Jesus, vivo e actuante na Sua Igreja, eles serão ajudados a efectuar uma real conversão do coração. Um bom conhecimento da Palavra de Deus, enraizado na Tradição, levá-los-á a adquirir uma espiritualidade autêntica e a descobrir as riquezas da oração pessoal e comunitária, com a inculturação que permite a cada um sentir-se plenamente participante. O Catecismo da Igreja Católica oferece uma ajuda de primeira ordem à esta tarefa de formação. Por fim, trabalhar-se-á para fortalecer a unidade do Povo de Deus nas comunidades eclesiais, onde se dará relevo «à atenção pelo outro, à solidariedade, às calorosas relações de acolhimento, de diálogo e de mútua confiança» (Ecclesia in Africa ).

8. Caros Irmãos no Episcopado, dado que o vosso país vive um tempo de grande prova e se encontra numa viragem decisiva para o seu futuro, exorto vivamente os católicos do Zaire a contribuírem com os seus compatriotas, para a edificação duma sociedade de convivência, na qual todos os cidadãos sejam igualmente reconhecidos e respeitados na sua dignidade. Faço votos por que as eleições, previstas para os próximos meses, possam realizar-se e permitam ao vosso país estabelecer um verdadeiro Estado de direito. As comunidades cristãs devem ser particularmente sensibilizadas para as suas responsabilidades naquilo que concerne à promoção da justiça e à defesa dos direitos humanos fundamentais. Desde há muitos anos, e ainda recentemente, dirigistes-vos a todos os zairenses, emprestando a vossa voz aos sem-voz, para recordar as exigências da justiça e da paz, assim como para encorajar e formar o povo que vos está confiado. Conheço o papel corajoso desempenhado pelos católicos no longo processo de democratização por que passa o vosso país, assim como na procura do diálogo para uma sociedade melhor. Através deste empenho, a Igreja não quer de maneira alguma servir uma política partidária. Ela deseja favorecer a procura do autêntico bem do homem e da sua vida na sociedade.

Convido-vos, então, a perseverar na proclamação da mensagem de esperança do Evangelho, estimulando os fiéis ao conhecimento da doutrina social da Igreja, a fim de trabalharem de modo eficaz para o advento da justiça e da solidariedade. As comunidades cristãs devem também empenhar-se, com determinação cada vez maior, em trabalhar para a reconciliação entre todos, rejeitando todas as formas de discriminação e de violência, que destroem o homem e a colectividade. «Cada baptizado deve sentir-se “ministro da reconciliação”, porque uma vez reconciliado com Deus e com os irmãos, é chamado a construir a paz com a força da verdade e da justiça » (Mensagem para o Dia Mundial da Paz – 1997, n. 7). O tempo de preparação para a Páscoa, no qual nos encontramos, recorda-nos a urgente necessidade do retorno a Deus e da conversão do coração como caminho rumo à paz.

9. Unindo-me, pelo pensamento e pela oração, às vítimas da guerra que se estende no Este do vosso país, renovo de maneira premente o meu apelo para que cessem os combates. Desejo vivamente que as partes envolvidas na crise da Região dos Grandes Lagos se empenhem, quanto antes, no caminho do diálogo e da negociação, a fim de encontrarem uma solução pacífica para os problemas dramáticos que se apresentam, no respeito dos princípios da intangibilidade das fronteiras internacionalmente reconhecidas, da soberania e da integridade territorial de cada Estado. Como recentemente escrevestes, «a unidade nacional deve ser preservada e consolidada» (Mensagem dos Bispos do Zaire, 31/1/1997). Para tanto, a Comunidade internacional — inclusive as Organizações regionais africanas — deve «aumentar a sua acção política» (cf. Discurso ao Corpo Diplomático, 13/1/1997), encontrando, ao mesmo tempo, soluções rápidas para o trágico problema humano e moral dos inúmeros refugiados ruandeses que estão no Zaire, nos campos ou dispersos na floresta, assim como da multidão dos desalojados zairenses. Nenhum homem de boa vontade pode ignorar a sorte destas pessoas que, nas regiões atingidas pelas violências, vivem em condições que são um insulto à dignidade humana, e cuja vida está constantemente em perigo. Ninguém pode desinteressar-se disto!

Deploro de modo vigoroso os ataques contra as pessoas, assim como os saques e as destruições, dos quais foram vítimas as instituições e os bens da Igreja em várias das vossas dioceses, dado que, em inúmeros casos, eram as únicas estruturas sociais que ainda funcionavam. Convido-os a empreender com coragem a recuperação das obras, que permitem à Igreja assegurar de maneira efectiva a sua missão e ser uma expressão da caridade de Cristo para com os mais pobres e os mais abandonados. Para um auxílio mútuo concreto, tal como foi realizado em várias ocasiões, espero que as Igrejas particulares do Zaire assim como a Igreja universal aceitem uma partilha generosa dos seus recursos, por solidariedade com as vossas comunidades.

10. No final do nosso encontro, caros Irmãos no Episcopado, exorto-vos a prosseguir com coragem o vosso combate pela paz e o vosso empenho em favor da fraternidade. Dado que nos preparamos para a celebração do grande Jubileu do Ano 2000 meditando, este ano, sobre a pessoa de Jesus Cristo, único Salvador do mundo, com toda a Igreja que está no Zaire sede as testemunhas ardorosas da esperança que Ele traz à nossa humanidade, pois «a esperança não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido» (Rm 5,5)! Ao voltar- me para a Virgem Imaculada, e para aqueles e aquelas que, como a Beata Anuarite e o Beato Isidoro Bakanja, são exemplos de coragem da fé e da caridade para a Igreja no vosso país, dou de todo o coração a Bênção Apostólica a cada um de vós, assim como ao conjunto dos vossos diocesanos, pedindo ao Senhor da Paz que cumule o povo zairense inteiro da abundância dos Seus dons.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS DEPUTADOS DO PARTIDO POPULAR EUROPEU


- GRUPO DEMOCRÁTICO CRISTÃO


NO PARLAMENTO EUROPEU


6 de Março de 1997



Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Parlamentares

1. Por ocasião do quadragésimo aniversário da assinatura dos Tratados de Roma, que viestes celebrar nesta cidade, quisestes encontrar-vos com o Sucessor de Pedro. É-me grato acolher-vos nesta feliz circunstância e agradeço a Sua Ex.cia o Senhor Wilfried Martens, vosso Presidente, as suas amáveis palavras. Regozijo-me pelos esforços que fazeis a fim de que estes Tratados, que constituem o acto de nascimento duma Europa nova, sejam também um apelo para superar os conflitos, as rivalidades e os ódios do passado. O significado do evento que se desenrolou há quarenta anos é evidente, sobretudo quando consideramos que, naquela época, todos os povos da Europa saíram martirizados da segunda guerra mundial, a qual tinha superado, pela sua extensão e pelas suas múltiplas consequências sobre a consciência humana, todos os conflitos que a precederam.

2. Hoje, talvez seja útil procurar de novo a fonte da coragem daqueles que são chamados os pais da Europa, alguns dos quais pertenciam à vossa família política. Parece evidente que a fé cristã que os animava, e que constituía a sua convicção primeira, deu um impulso particular ao seu empenho na res publica e nos projectos que por eles foram então elaborados: a sua acção política jamais se separou da sua fé cristã. Estavam também conscientes das exigências que esta fé comportava para a própria vida pessoal, a fim de tornar claros os fundamentos da sua acção e de fazer com que o seu projecto político fosse crível. Com efeito, o cristão que se põe ao serviço da sociedade civil sabe que isto exige dele grandes esforços, a fim de ser uma testemunha de Cristo tanto no seu comportamento pessoal como na sua acção política.

Eram necessárias, então, aos autores do projecto europeu uma visão profunda do homem e da sociedade, e uma coragem fora do comum, para propor aos seus povos — quer tivessem saído da guerra vencedores, quer vencidos — estabelecer relações novas, postas sob o sinal duma compreensão mútua, e adoptar um ideal europeu, ressaltando a importância para cada homem de pertencer a uma nação (cf. Centesimus annus CA 50); estas personalidades políticas suscitavam assim, nos homens do continente, o desejo de construírem juntos a Europa, tomando consciência do papel de cada pessoa e de cada povo na edificação da grande casa comum.

3. O projecto europeu não se funda sobre a vontade de poder, mas sobre a ideia de que o diálogo e a estima recíproca são essenciais à construção da paz do continente e ao dinamismo de cada nação. Os pais fundadores da União europeia propuseram para os seus povos novas maneiras de viverem juntos, numa comunidade de destino, sem esquecerem o passado mas assumindo- o. Era preciso fazer com que nunca mais a Europa estivesse na origem das guerras e dos focos de ideologias, que destruíram tantas vidas humanas e corromperam tantas consciências, como o fizeram os totalitarismos, cuja lembrança ainda está presente na nossa memória. De igual modo, é importante que os povos europeus se empenhem em proporcionar as condições concretas para avançar na edificação da União.

4. Com atenção, a Santa Sé seguiu desde a sua origem o projecto europeu, consciente das dificuldades do empreendimento, que exige muitos esforços e sacrifícios da parte das diferentes nações da União. Aqueles que foram os iniciadores da construção europeia e forjaram uma ideia precisa da Europa, são um exemplo para os construtores actuais e futuros.

Com efeito, a edificação da União europeia supõe, antes de tudo, o respeito de toda a pessoa e das diferentes comunidades humanas, reconhecendo as suas dimensões espiritual, cultural e social. Hoje, é grande a tentação de afirmar que acreditar em Deus é um simples fenómeno contingente, de natureza sociológica. A fé em Cristo não é um facto puramente cultural, que seria próprio da Europa; a sua propagação em todos os continentes prova-o. Entretanto, os cristãos contribuíram em grande medida para formar a consciência e a cultura europeias. Isto é importante para o futuro do continente, pois, se a Europa se construir excluindo a dimensão transcendente da pessoa, em particular se recusar reconhecer à fé em Cristo e à mensagem evangélica a sua força de inspiração, ela perderá uma grande parte do seu fundamento. Quando o simbolismo cristão é escarnecido e quando Deus é excluído da construção humana, esta torna-se frágil, pois lhe faltam bases antropológicas e espirituais. Além disso, sem referência à dimensão transcendente, o caminho político reduz-se muitas vezes a uma ideologia. Ao contrário, aqueles que têm uma visão cristã da política estão atentos à experiência pessoal da fé em Deus dos seus contemporâneos; inscrevem o seu caminho num projecto que põe o homem no centro da sociedade e têm consciência de que o seu empenho é um serviço aos seus irmãos, pelos quais são responsáveis diante do Senhor da história.

5. Fala-se muitas vezes da necessidade de construir a Europa sobre os valores essenciais. Isto exige que os cristãos empenhados nos assuntos públicos sejam sempre fiéis à mensagem de Cristo e tenham a solicitude por uma vida moral recta, testemunhando assim que é o amor pelo Senhor e pelo próximo que os guia. Os cristãos, que participam na vida política, não se podem eximir de dedicar uma atenção particular aos mais pobres, aos mais desprovidos e a todos os indefesos. De igual modo, eles desejam que se criem as condições justas para que as famílias sejam ajudadas no seu papel indispensável no seio da sociedade. Reconhecem também o valor incomparável da vida e o direito de todo o nascituro a existir na dignidade, até à sua morte natural.

O amor pelo outro suscita atitudes fraternas e relações sólidas entre as pessoas e os povos, para que os princípios do bem comum, da solidariedade e da justiça conduzam a uma partilha equitativa do trabalho e das riquezas, tanto no interior da União como com os países que necessitam de ajuda; é preciso uma motivação espiritual generosa para que a Europa permaneça um continente aberto e acolhedor, e a dignidade dos nossos irmãos não seja ridicularizada, pois a razão de ser da sociedade é permitir a cada um levar «uma vida verdadeiramente humana» (Jacques Maritain, L’homme et l’Etat, pág. 11).

6. Nos anos vindouros, a vossa tarefa será importante, em particular para que todos os países que o desejarem possam reunir as condições necessárias para a sua participação nesta grande Europa, graças ao apoio de todos. Mediante os vossos debates e as vossas decisões, estais entre os artífices da sociedade europeia de amanhã. Ao dardes de novo esperança àqueles que a perderam, ao favorecerdes a integração social dos que vivem no continente e daqueles que aí se instalam, vós respondereis à vossa vocação de homens políticos cristãos.

No final do nosso encontro, ao confiar- vos à intercessão dos Santos Padroeiros da Europa, peço ao Senhor que vos ilumine e torne fecunda a vossa acção, e concedo-vos de todo o coração a Bênção Apostólica, a vós e também aos membros das vossas famílias e a todos os vossos colaboradores.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE JUDEUS E CRISTÃOS


PROVENIENTES DA CIDADE DE BOSTON (E.U.A.)






Estimados Amigos

É um prazer para mim dar-lhes as boas-vindas, judeus e cristãos da área de Boston, activamente empenhados no melhoramento das relações entre os sequazes de ambas as nossas tradições. Está-me deveras a peito o objectivo que vos pusestes, de promover o conhecimento e a compreensão mútuos, e de incrementar o respeito e a cooperação recíproca. Encorajo sinceramente todos estes esforços, de modo especial quando procuram fortalecer os íntimos vínculos espirituais que unem os filhos de Abraão e os seguidores de Jesus de Nazaré (cf. Nostra aetate, NAE 4).

Obrigado pelo vosso generoso apoio à Pontifícia Comissão para as Relações Religiosas com o Judaísmo. Desde a sua fundação, fruto do Concílio Vaticano II, a Comissão tem sido um ponto de encontro para qualquer pessoa que reconhece na vontade divina uma exortação a superar todas as formas de discriminação e de intolerância religiosa. O Senhor abençoe todos vós neste traballo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA UNIÃO CRISTÃ


DE DIRIGENTES DE EMPRESA


7 de Março de 1997





Senhor Cardeal
Senhor Presidente Nacional
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Tenho o prazer de vos acolher hoje, por ocasião da Assembleia Nacional que recorda o 50° aniversário de fundação da União Cristã de Dirigentes de Empresa, e a todos dirijo as minhas cordiais boas-vindas.

Saúdo, em particular, o caro Cardeal Michele Giordano, Arcebispo de Nápoles, vosso Consultor Eclesiástico Nacional, e agradeço-lhe as amáveis expressões que se dignou dirigir-me em vosso nome, ilustrando os traços fundamentais que caracterizam a vossa Associação. Além disso, faço extensiva a minha saudação ao Presidente Nacional, Professor Giuseppe De Rita, aos Conselheiros Nacionais e a todos os membros da vossa Associação. Saúdo também Sua Ex.cia D. Quadri, que está sempre próximo das problemáticas da Doutrina Social da Igreja.

2. O vosso Estatuto, recentemente aprovado pela Conferência Episcopal Italiana, põe entre as finalidades principais da União Cristã de Dirigentes de Empresa «o conhecimento, a actuação e a difusão da doutrina social da Igreja», «a formação cristã dos seus inscritos e o desenvolvimento de uma alta moralidade profissional», assim como a colaboração entre os funcionários empresariais, no respeito do valor central da pessoa e da solidariedade.

Esses objectivos empenham-vos em considerar a vossa Associação como que um lugar de vanguarda da missão eclesial no mundo da economia e da empresa, para promover os vários valores evangélicos, contrastando as lógicas que mortificam a dignidade do homem e, de igual modo, as várias expressões de estadismo, a excessiva busca do lucro e as diversas formas de discriminação.

Este empenho de testemunho, que guiou os primeiros cinquenta anos da UCID, torna-se sempre mais urgente diante dos inéditos cenários do tempo presente, que interpelam a empresa, em vista da promoção de um real bem-estar, que jamais pode estar separado dos valores humanos e éticos.

3. A respeito disso, a doutrina social da Igreja considera a capacidade de iniciativa e de carácter empresarial como parte essencial do «trabalho humano disciplinado e criativo» (Centesimus annus CA 32), reconhecendo ao empresário o papel de protagonista do desenvolvimento. O dinamismo, o espírito de iniciativa e a criatividade, indispensáveis para um empresário, tornam-no uma figura-chave do bem-estar social.

O direito ao carácter empresarial e à livre iniciativa económica deve, portanto, ser tutelado e valorizado, pois «é importante não só para os indivíduos singularmente, mas de igual modo para o bem comum» (Sollicitudo rei socialis SRS 15). A esse direito corresponde a responsabilidade do empresário, chamado a tornar a empresa uma comunidade de homens que trabalham com os outros e para os outros (cf. Centesimus annus CA 30) e juntos se ajudam a maturar como seres humanos, sem marginalizar ninguém.

Será tarefa da vossa benemérita União cultivar, junto do vasto e dinâmico mundo empresarial italiano, esta função essencial, chamando em particular a atenção para a urgência de oferecer novas oportunidades de trabalho a muitos que dele, hoje, são dramaticamente privados.

4. A relação correcta entre lucro e solidariedade representa outro ponto fundamental da doutrina social da Igreja. Com efeito, uma situação conflituosa entre estas instâncias, além de prejudicar a eficiência da empresa, trairia o seu objectivo autêntico que «não é simplesmente o lucro, mas sim a própria existência da empresa como comunidade de homens» (Centesimus annus CA 35). Será, portanto, tarefa do empresário criar as condições oportunas, para que na empresa o desenvolvimento da capacidade de quem trabalha se harmonize com a produção racional dos bens e dos serviços.

O actual fenómeno da globalização económica, introduzindo profundas transformações no mundo da economia, evidencia a sua crescente interdependência dos indivíduos. A constatação que emerge da experiência que fazemos todos os dias é que, no mundo actual, todos dependemos de todos. A solidariedade, antes que um dever, é uma existência que deriva da própria rede objectiva das interconexões. Portanto, a atenção ao valor da solidariedade nos processos produtivos, não só promove o bem da pessoa, mas contribui para superar as causas profundas que impedem o pleno desenvolvimento.

Exorto a vossa benemérita União a empenhar-se incansavelmente, a fim de que as leis económicas estejam cada vez mais ao serviço do homem. É de facto necessário que, nas transformações em acto na empresa e nos processos de produção, o homem tenha sempre a primazia que lhe compete.

5. A história da União Cristã de Dirigentes de Empresa entrelaça-se com as vicissitudes políticas e sociais italianas dos últimos cinquenta anos.

A vossa Associação procurou estar presente nas profundas transformações que se verificaram no decurso destes anos, oferecendo ao mundo produtivo estímulos preciosos para humanizar o trabalho e a empresa, e afirmando os valores da liberdade, da justiça e da solidariedade. O novo papel dos sujeitos sociais perante o Estado e as concretas perspectivas de integração europeia chamam hoje os empresários cristãos a um renovado protagonismo no movimento católico italiano e na sociedade, para oferecer respostas concretas aos desafios do momento e contribuir, de modo efectivo, para o crescimento cultural e económico do País.

Enquanto faço votos, de coração, por que a vossa União possa desempenhar as novas tarefas com a competência e a generosidade até agora manifestadas, confio-os todos à protecção materna de Maria, e concedo a cada um de vós, às vossas empresas e às vossas famílias uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS VOLUNTÁRIOS ITALIANOS


DA «HOSPITALITÉ NOTRE DAME DE LOURDES»


E AOS MEMBROS DO CORO DA


«BOSTON COLLEGE UNIVERSITY»


8 de março de 1997



1. Apraz-me acolher-vos, caríssimos Voluntários italianos que aderis à «Hospitalité Notre Dame de Lourdes». Saúdo- vos com afecto, juntamente com os componentes do Comité da Arquiconfraria que quiseram acompanhar-vos. Faço esta minha saudação extensiva também aos membros do Coro do «Boston College », provenientes dos Estados Unidos da América.


Discursos João Paulo II 1997 - 3 de Março de 1997