Discursos João Paulo II 1997 - 8 de março de 1997

Este encontro oferece-me uma ocasião propícia para ressaltar o valor da hospitalidade, dimensão essencial e característica da caridade cristã, obra de misericórdia que os discípulos de Cristo — como indivíduos, como famílias e como comunidade — são chamados a realizar em jubilosa obediência ao mandato do Senhor.

2. Em virtude das modernas condições de vida, os valores do acolhimento e da hospitalidade, presentes em cada cultura, correm o perigo de se enfraquecer e de se perder: com efeito, eles são delegados a organismos e estruturas que lhes provêem de forma específica. Isto, se por um lado corresponde a oportunas exigências de organização, não deve, porém, reflectir-se numa diminuição da sensibilidade e da atenção para com o próximo que está em necessidade. A hospitalidade profissional é certamente preciosa, mas não deve prejudicar o daquela cultura da hospitalidade, que haure as suas motivações mais profundas da Palavra de Deus e permanece, como tal, património do inteiro povo de Deus.

É-me grato recordar como referência exemplar o texto do Livro do Génesis, no qual se narra acerca de Abraão e dos três hóspedes misteriosos junto dos carvalhos de Mambré (cf. Gn Gn 18,1-10). Sob a aparência dos três estrangeiros de passagem, o antigo patriarca acolheu o próprio Deus. A hospitalidade encontra plena realização em Cristo, o Qual acolheu na sua Pessoa divina a nossa humanidade tornando-Se, como se exprime a Liturgia, «hóspede e peregrino no meio de nós» (Missal Romano, Prefácio com. VI).

3. Caríssimos Irmãos e Irmãs, como atesta também a vossa actividade, a hospitalidade adquire uma importância muito particular em relação à experiência da peregrinação, sobretudo quando se trata de peregrinos doentes ou muito idosos, necessitados de atenções especiais. Quantos Santos alcançaram a perfeição da caridade precisamente assistindo os doentes, com aquele amor que só Cristo, recebido na Eucaristia e servido no irmão, é capaz de transmitir!

Um dos aspectos importantes na preparação do Grande Jubileu do Ano 2000 é o do aprofundamento do espírito de hospitalidade. Toda a Comunidade eclesial é chamada a desenvolver essa dimensão, abrindo o coração e dando espaço no seu interior a quantos batem às suas portas. O Ano Santo constitui assim, para cada Igreja particular, uma ocasião providencial de conversão ao Evangelho do acolhimento e do serviço aos doentes e aos que sofrem.

4. Acolher os irmãos com solicitude e disponibilidade não pode limitar-se às ocasiões extraordinárias, mas deve tornar- se para todos os crentes um habitus de serviço na vida quotidiana. Nesse sentido, caríssimos Irmãos e Irmãs, a vossa inserção activa na pastoral dos doentes, que se realiza na diocese a que pertenceis, é deveras elogiável. Ela exprime a vontade de prolongar a experiência da peregrinação a Lourdes no dia-a-dia da vida eclesial.

Encorajo-vos, por isso, a prosseguir com generosidade o vosso empenho, sempre em comunhão activa com os Pastores. Com os votos por que o vosso serviço seja fonte de santificação para vós e de conforto válido para as pessoas de quem vos aproximais, invoco a especial intercessão da vossa Padroeira, Nossa Senhora de Lourdes.

5. Tenho também a alegria de saudar o Boston College University Chorale e de vos desejar uma agradável permanência na Cidade dos Santos Pedro e Paulo. Espero que a vossa visita vos ajude a ser sensíveis à necessidade de aprofundar a vossa adesão aos autênticos valores cristãos e uma visão transcendente do significado da vida. O facto de pertencerdes ao Coral universitário dá-vos certamente muita satisfação, e oro para que ele também vos ajude a desenvolver uma vida espiritual mais profunda, através do cântico de louvor a Deus. O Senhor abençoe todos vós; e levai as minhas saudações às vossas famílias e amigos.

6. Neste dia 8 de Março, dedicado à reflexão sobre a dignidade e o papel da mulher, desejo dirigir um pensamento a todas as mulheres do mundo, de modo particular a quantas, infelizmente, se encontram em condições de marginalização e de discriminação. Possa cada mulher exprimir plenamente a riqueza da própria personalidade, ao serviço da vida, da paz e do autêntico desenvolvimento humano!

A todos vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, renovo o meu reconhecimento por esta grata visita, e concedo de coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA FRANÇA DA REGIÃO APOSTÓLICA


«PROVENCE-MÉDITERRANÉE» EM VISITA


AD LIMINA APOSTOLORUM


8 de Março de 1997



Caros Irmãos no Episcopado!

1. Na conclusão dos encontros pessoais que a vossa visita «ad Limina» me permitiu ter convosco, tenho a alegria de me dirigir a todos vós, Bispos da Região apostólica «Provence-Méditerranée », em primeiro lugar para vos agradecer ter-me feito participante das vossas preocupações pastorais. As vossas dioceses constituem uma região diversificada, que se tornou coerente por uma comum orientação para o Mediterrâneo; trata-se de uma das bonitas regiões da Europa que atraem não só turistas, mas também pessoas que ali vão para viver. Estais, então, num lugar de contactos múltiplos. A presença de numerosos estrangeiros leva-vos a desenvolver o diálogo ecuménico com os cristãos provenientes do Oriente e com as comunidades eclesiais saídas da Reforma. Por outro lado, o diálogo inter-religioso assume uma importância particular, por causa da presença entre vós de inúmeros crentes do Islão; convém que os intercâmbios com eles favoreçam estudos de bom nível, no quadro dum novo instituto especializado. Recordo também que a vossa região comporta muitos centros universitários importantes, prolongados por organismos de investigação científica activos.

As comunidades católicas das vossas dioceses são com frequência pequenas, e os sacerdotes relativamente pouco numerosos. Mas dais testemunho do dinamismo do clero e dos leigos, da sua fidelidade às suas prestigiosas origens antigas, ligadas às gerações apostólicas, da manutenção duma religião popular bastante respeitável, e de igual modo dos esforços de renovação realizados por todas as forças vivas das dioceses. Manifestai a todos os fiéis, aos sacerdotes, aos religiosos e às religiosas contemplativas ou apostólicas, os encorajamentos do Sucessor de Pedro.

Falastes-me da vossa solicitude pelos pobres, com frequência mais viva porque na vossa região a miséria contrasta, mais do que noutras partes, com a opulência: é para desejar que o conjunto dos fiéis tenha o desejo de promover na vida social o sentido do serviço público integrado e desinteressado, em benefício de todos os habitantes, qualquer que seja a sua origem, na solidariedade e na mútua ajuda, a fim de aplicar com generosidade o preceito do amor do próximo. Que todos se unam para ser quotidianamente testemunhas convictas de Cristo e das exigências do Evangelho! E, neste espírito, quero dirigir um encorajamento particular aos pastores e fiéis da diocese de Ajácio para os seus empenhamentos, numa sociedade conturbada, em favor da reconciliação e da paz fraterna.

2. O tema sobre o qual eu quereria reflectir em primeiro lugar convosco hoje, é a pastoral litúrgica e sacramental, tendo em consideração o papel essencial que desempenham neste sector cada Bispo e as Conferências Episcopais, como recordei na Carta Apostólica por ocasião do vigésimo quinto aniversário da Constituição conciliar Sacrosanctum concilium (4 de Dezembro de 1988, nn. 20-21).

Trata-se de melhorar, sem cessar, a aplicação das decisões do Concílio Vaticano II, que felizmente ressaltou o lugar da liturgia no coração da vida da Igreja: «A Liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, “se opera o fruto da nossa Redenção”, contribui em sumo e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja. [...] Ela mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido para pregar Cristo entre as nações, para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor» (Sacrosanctum concilium SC 2). Estas palavras do Concílio, que deveriam ser retomadas em todo o seu rico contexto, já mostram que a acção litúrgica e, de modo especial, o memorial do Sacrifício redentor de Cristo, é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (ibid., 10). Pois a liturgia é o lugar por excelência onde os membros do Corpo de Cristo estão unidos à oração do Salvador, ao dom total de Si mesmo para dar glória ao Pai, à Sua missão de salvação para o mundo. Trata-se, como disse ainda o Vaticano II, do «exercício da função sacerdotal de Cristo, [...] nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo — cabeça e membros — presta a Deus o culto público integral» (ibid., 7).

3. A pastoral litúrgica tem, então, por função guiar sacerdotes e fiéis na sua participação no acto central, confiado por Cristo à Sua Igreja, que é a actualização do mistério pascal da Paixão e da Ressurreição. «Foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu o “sacramento admirável de toda a Igreja”» (ibid., 5). É preciso repetir, sem cessar, que a Eucaristia faz a Igreja e torna-a o sinal de Cristo.

Uma justa concepção da liturgia tem em consideração o facto de que ela deve manifestar claramente as notas fundamentais da Igreja. Em primeiro lugar, a unidade da assembleia onde os baptizados se encontram para celebrar o mesmo Senhor. A respeito disso, importa que a unidade ritual seja perceptível pelas diferentes gerações de fiéis, pelos diferentes ambientes e culturas. Nela não deve haver oposição entre o universal e o particular. Sem dúvida, nas cidades e pequenas localidades, dum país para o outro, as assembleias têm características próprias, mas a celebração litúrgica deve permitir a cada um compreender que não realiza uma acção particular, simples reflexo do grupo presente, mas que a Igreja é «o sacramento da unidade» (ibid., 26). É o Senhor que congrega, e a Igreja vai ao Seu encontro até que Ele venha realizar, na sua plenitude, o desígnio benévolo do Pai: «Reunir sob a chefia de Cristo todas as coisas » (Ep 1,10). Assim pode ser percebida, na mais modesta assembleia, a catolicidade na qual todos são chamados a participar.

O sentido do sagrado deve ser salvaguardado com um discernimento atento, evitando tanto «sacralizar» exageradamente esse estilo litúrgico como privar os ritos ou as palavras santas do seu sentido próprio, que é o de significar o dom de Deus e a Sua presença santificante. Viver a acção litúrgica na santidade é acolher o Senhor, que vem perfazer em nós o que não podemos realizar só com as nossas forças.

É óbvio que a nota apostólica deriva da missão confiada aos Apóstolos, da sua participação no único sacerdócio de Cristo na função ministerial, da qual eles foram investidos junto de todo o Corpo eclesial que participa no sacerdócio universal. Apostólica, a Igreja é-o também porque jamais se separa da sua vocação missionária. Na acção litúrgica é apresentado a Deus, para O glorificar, tudo o que os fiéis realizam, a fim de cumprirem a sua missão no meio do mundo. E a acção litúrgica leva a retomar a missão, com o apoio da graça vivificante de Cristo, nos caminhos próprios da vocação de cada um.

A liturgia comunitária ajuda os membros da Igreja una, santa, católica e apostólica a viverem o mistério de Cristo no tempo. Não seria demasiado ressaltar a importância da assembleia para a Missa, no dia do Senhor. As primeiras gerações cristãs bem o compreenderam: «Nós vivemos sob a observância do Dia do Senhor, [dia] no qual a nossa vida se ergueu por Ele e pela Sua morte, [...] como poderíamos viver sem Ele?» (S. Inácio de Antioquia, Aos Magnésios, 9, 1-2). A frequência semanal da Eucaristia dominical e o ciclo do ano litúrgico permitem cadenciar a existência cristã e santificar o tempo, que o Senhor ressuscitado abre para a eternidade bem-aventurada do Reino. A pastoral vigiará por que a liturgia não esteja isolada do resto da vida cristã: pois os fiéis são quotidianamente convidados a prolongar a sua prática litúrgica comum, mediante a oração particular de cada dia; este caminho espiritual dá um impulso novo ao testemunho da fé dos cristãos, vivido todos os dias, e também ao serviço fraterno dos pobres e do próximo em geral. A pastoral litúrgica, que não se pode deter nas portas da Igreja, propõe a cada um realizar a unidade da sua vida e do seu agir.

4. A liturgia, que manifesta a natureza própria da Igreja e é uma fonte para a missão, é dada pela própria Igreja para glorificar a Deus: ela, então, tem as suas leis que convém respeitar, na distinção das diferentes funções exercidas pelos ministros ordenados e pelos fiéis. A prioridade cabe a quem conduz os fiéis a Deus, àquele que os congrega e os une entre si e com todas as outras assembleias. O Concílio foi claro a respeito disto: «Devem os pastores de almas vigiar por que não só se observem, na acção litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita, mas também que os fiéis participem nela consciente, activa e frutuosamente» (Sacrosanctum concilium SC 11).

Os celebrantes e os animadores devem ajudar a assembleia a entrar numa acção litúrgica que não é a sua mera produção, mas um acto de toda a Igreja. É preciso, então, reservar o primeiro lugar à palavra e à acção de Cristo, àquela que se pôde chamar a «surpresa de Deus». A animação não tem por função expressar tudo ou prescrever tudo; ela respeitará uma certa liberdade espiritual de cada um, na sua relação com a palavra de Deus e com os sinais sacramentais. O acto litúrgico é acontecimento de graça, cujo alcance ultrapassa a vontade ou a competência dos protagonistas, chamados a ser humildes instrumentos na mão do Senhor. É a eles que compete fazer perceber o que Deus é e faz para nós, de maneira que os fiéis de hoje compreendam que entram na história da criação, santificada pelo Redentor, e no mistério da salvação universal.

5. Num plano mais concreto, acrescentarei que importa vigiar pela qualidade dos sinais, sem com isto dar prova de “elitismo”, pois os discípulos de Cristo de qualquer cultura devem poder reconhecer, nas palavras e nos gestos, a presença do Senhor na sua Igreja e os dons da sua graça. O primeiro sinal é o da própria assembleia. Reunida, a comunidade dá, de algum modo, hospitalidade a Cristo e aos homens, que Ele ama. A atitude de todos tem o seu valor, pois a assembleia litúrgica é a primeira imagem que a Igreja dá de si mesma, convocada à mesa do Senhor.

De facto, na Igreja é proclamada de maneira autêntica a Palavra de Deus, uma palavra venerada porque palavra viva e habitada pelo Espírito. Todos os cuidados devem ser dados à leitura feita pelos diversos ministros da palavra, que a terão antes interiorizado a fim de ela chegar aos fiéis como uma verdadeira luz e uma força para o presente. A homilia supõe, da parte dos sacerdotes, uma meditação e uma assimilação tais que possam fazer compreender o sentido da palavra e permitir uma adesão efectiva, que se prolonga mediante um empenho quotidiano.

Os cânticos e a música sacra desempenham um papel essencial para fortalecer a comunhão de todos, por uma forma muito sensível de acolhimento e de assimilação da palavra de Deus, pela unidade da imploração. Conhecemos a importância bíblica do cântico, portador da Sabedoria: «Psallite sapienter», diz o salmista (Sl. 47/46, 8). Vigiai por que se escolham e se criem cânticos bonitos, que tenham como fundamento textos válidos e estejam de acordo com um conteúdo significativo. De modo mais geral ainda do que o cântico propriamente dito, a música litúrgica tem a capacidade sugestiva de entrelaçar o sentido teológico, o sentido da beleza formal e a intuição poética. Convém acrescentar aqui de igual modo que ao lado da palavra e do cântico, o silêncio tem um lugar indispensável na liturgia, quando é bem preparado: ele permite a cada um desenvolver no seu coração o diálogo espiritual com o Senhor.

No vosso país, que dispõe dum precioso património religioso, não há necessidade de sublinhar que os lugares e os objectos de culto são naturalmente sinais expressivos, quer eles sejam a herança do passado ou criações contemporâneas, pois a fé oferece à cultura e à arte um real dinamismo criativo. A respeito disso, quero dizer que estimo vivamente o sentido dado, pelas autoridades do Estado e pelas colectividades locais, a numerosos edifícios do culto, catedrais ou igrejas paroquiais. Não poupeis esforço algum para fazer viver as igrejas das pequenas localidades, mesmo quando os habitantes são menos numerosos. Que a liturgia seja sempre a verdadeira razão de ser destes monumentos, pois, foi dito, assim como as pedras são ajustadas umas às outras, de igual modo os homens se unem para louvar a Deus.

Em síntese, a liturgia é um extraordinário meio de evangelizar o homem, com todas as suas qualidades de espírito e a acuidade dos seus sentidos, com as suas capacidades de intuição e a sua sensibilidade artística ou musical, que traduzem o seu desejo de absoluto, melhor do que os discursos.

Para que a liturgia seja bem realizada e fecunda, a formação dos celebrantes e dos animadores deve ser seguida com cuidado, como fazem as vossas comissões diocesanas de pastoral litúrgica. Não cesseis de chamar a atenção das equipas de animação litúrgica para as implicações das celebrações, preparadas numa colaboração positiva entre os sacerdotes e os leigos.

6. O que acabo de recordar a respeito da pastoral litúrgica no seu conjunto, deve ser prolongado por algumas reflexões sobre a pastoral dos sacramentos, que não está reservada a alguns especialistas. Toda a Igreja de Cristo tem a responsabilidade de acolher com amor os irmãos e irmãs, mesmo afastados da prática regular. Para cumprir plenamente a sua missão de administradores dos mistérios de Deus, os sacerdotes contam com a colaboração dos leigos, que aceitam constituir equipas de preparação para o Baptismo ou o Matrimónio, assim como assegurar, no quadro da catequese e do catecumenato, a preparação para a Eucaristia e a Confirmação.

Para os pastores e as comunidades, trata-se, ao receber os pedidos das famílias, dos adolescentes ou dos adultos, de discernir bem o sentido da caminhada, nas situações reais em que as pessoas se encontram. Se a abordagem parece às vezes hesitante ou formal, convém mostrar- se aberto, ter confiança na presença do Espírito nos próprios postulantes; proponham-se os sacramentos como dons gratuitos para todo o ser, como apelos à conversão, e não como o resultado ou a confirmação duma maturidade na fé que teria sido adquirida «a priori».

A pastoral dos sacramentos não é separável do conjunto da missão de evangelização: ela leva a não poupar ocasiões de propostas da fé e de iniciação à vida cristã; quer favorecer o progresso espiritual daqueles que vêm bater à porta da Igreja, transmitindo o apelo do Senhor e manifestando com absoluta clareza as exigências evangélicas. É para desejar também que as paróquias e os movimentos se preocupem por manter contactos com as pessoas, para as quais a recepção dos sacramentos corre o perigo de se tornar actos isolados e alheios à vida quotidiana.

Não podendo deter-me aqui sobre a maneira de abordar os diferentes sacramentos, quereria convidar-vos a aprofundar especialmente a reflexão sobre o sacramento do matrimónio, na sua dimensão de sinal da Aliança e do amor fiel de Deus. A crise do matrimónio e da família exige um renovamento do sentido cristão deste sacramento, que deveria levar os casais a testemunhar uma concepção autêntica do matrimónio, que se apresenta como imagem da relação de Deus com a humanidade.

Vós observais também que o sacramento da penitência experimenta uma grande desafeição. Isto é devido a muitos motivos, sobretudo de ordem cultural, como o individualismo difundido actualmente, ou ainda a mal-entendidos sobre as exigências morais, sobre o sentido do pecado e da relação com Deus. Não se pode renunciar ao serviço de fazer com que os nossos irmãos e irmãs reflictam sobre isto com seriedade, à luz do Evangelho que revela «Deus rico em misericórdia » (Ep 2,4). Este desafio decisivo é essencial para homens e mulheres que, por vezes, sucumbem ao pecado, mesmo que não saibam defini-lo, e que recuam diante da confissão, menosprezando aquele dom admirável que o Pai nos oferece, mediante Cristo Salvador, e negligenciando a necessidade, para uma consciência carregada duma falta grave, de recorrer ao sacramento do perdão, antes de receber a Eucaristia. Que os sacerdotes não subestimem o alcance do ministério da reconciliação, certamente exigente, mas fonte de paz e de alegria para aqueles aos quais se revela o amor misericordioso de Deus.

7. A pastoral litúrgica prudente constitui uma tarefa absolutamente de primeiro plano na missão da Igreja, a fim de abrir, ao maior número possível de pessoas, as vias da comunhão na graça da salvação. Abordei estas questões para encorajar os esforços consideráveis realizados nas vossas dioceses após o Concílio Vaticano II. Como eu disse a um Congresso litúrgico em 1984, é preciso ter presentes, «da maneira mais equilibrada, a parte de Deus e a parte do homem, a hierarquia e os fiéis, a tradição e o progresso, a lei e a adaptação, o particular e a comunidade, o silêncio e o impulso coral. Deste modo, a liturgia da terra se unirá àquela do céu, onde [...] se formará um só coro [...] para elevar em uníssono um cântico de louvor ao Pai, mediante Jesus Cristo» (Alocução de 27 de Outubro de 1984, n. 6).

Peçamos ao Senhor que ajude os baptizados a crerem firmemente na acção de Cristo no mundo de hoje, graças aos sacramentos que deu à Sua Igreja. Demos graças ao devotamento daqueles que contribuem na acção litúrgica nas vossas comunidades, sem esquecer os jovens, actualmente mais numerosos, que servem no altar e estão assim mais dispostos a ouvir, em certos casos, o apelo do Senhor a seguirem-n’O no sacerdócio ou na vida consagrada.

No nome do Senhor, dou-vos do íntimo do coração, assim como a todos os vossos diocesanos, a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS SACERDOTES E SEMINARISTAS


DO PONTIFÍCIO COLÉGIO NORTE-AMERICANO


13 de Março de 1997



Eminências Excelências
Prezados Sacerdotes e Seminaristas

Sinto-me feliz por dar as boas-vindas ao Comité episcopal de Administradores, ao Reitor, aos funcionários, aos seminaristas e aos sacerdotes estudantes do Pontifício Colégio Norte-Americano. Desde que Pio IX o fundou, o vosso Colégio tem sempre mantido íntimos vínculos espirituais com os Sucessores de Pedro, e este é um importante factor de fortalecimento do carácter católico e universal da Igreja no vosso país. Agora, na véspera do Terceiro Milénio cristão, o Colégio é chamado a formar novas gerações de sacerdotes imbuídos de profundo amor a nosso Senhor Jesus Cristo, de zelo pela propagação do Evangelho e de um profundo sentido da tradição viva da Igreja.

Este ano comemora-se o tricinquentenário da consagração dos Estados Unidos à protecção da Imaculada Conceição, à qual também o Colégio é dedicado. Rezo para que o Comité de Administradores, que está presente aqui para avaliar o trabalho do Colégio à luz da Exortação Apostólica Pastores dabo vobis e do Programa de Formação Sacerdotal, recentemente aprovado pela Conferência Episcopal, apoie e promova ulteriormente a grande herança formativa do Colégio.

Mas sobretudo, a actuação do programa de formação sacerdotal depende da Faculdade e dos estudantes. Há 17 anos, tive a alegria de visitar o vosso Colégio e celebrar a Eucaristia na sua Capela, dedicada a Maria sob o título da Imaculada Conceição. Renovo-vos o apelo que então vos dirigi: como Maria, ponderai cada dia a palavra de Deus no vosso coração, de maneira que toda a vossa vida se torne proclamação de Cristo, a Palavra que Se fez carne (cf. Homilia, 22/2/1980; ed. port. de L'Osservatore Romano de 2.III.80, n. 3, pág. 8). Desta forma, sereis os sacerdotes e os apóstolos de que a Igreja nos Estados Unidos tem necessidade no limiar do novo Milénio.

A toda a comunidade do Colégio concedo de coração a minha Bênção Apostólica como penhor de alegria e paz no Senhor.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A CULTURA


14 de Março de 1997





Senhores Cardeais
Caros Irmãos no Episcopado
Prezados Amigos!

1. É com alegria que vos acolho esta manhã, no termo da vossa Sessão plenária. Agradeço ao vosso Presidente, Senhor Cardeal Paul Poupard, ter evocado o espírito com que se desenrolaram os vossos trabalhos. Reflectistes sobre a questão de saber como ajudar a Igreja a assegurar uma presença mais forte do Evangelho no centro da cultura, no limiar do novo milénio.

Este encontro oferece-me a ocasião para vos repetir: «A síntese da cultura e da fé é uma exigência não só da cultura, mas também da fé» (Carta de fundação do Pontifício Conselho para a Cultura, 20 de Maio de 1982). É o que os cristãos fiéis ao Evangelho realizaram ao longo de dois milénios nas mais diversas situações culturais. A Igreja, com muita frequência, inseriu-se na cultura dos povos no meio dos quais se tinha implantado, para a modelar segundo os princípios do Evangelho.

A fé em Cristo encarnado na história não só transforma interiormente as pessoas, mas regenera também os povos e as suas culturas. Assim, no final da Antiguidade, os cristãos que viviam numa cultura à qual deviam muito, transformaram- na a partir de dentro e insuflaram- lhe um espírito novo. Quando esta cultura foi ameaçada, a Igreja, com Atanásio, João Crisóstomo, Ambrósio, Agostinho, Gregório Magno e muitos outros transmitiu a heança de Jerusalém, de Atenas e de Roma, para fazer surgir uma autêntica civilização cristã. Esta foi, com as imperfeições inerentes a toda a obra humana, a ocasião duma síntese bem sucedida entre a fé e a cultura.

2. Nos nossos dias, muitas vezes falta esta síntese e a ruptura entre o Evangelho e a cultura é «sem dúvida o drama da nossa época» (Paulo VI, Evangelii nuntiandi, EN 20). Há nisto um drama para a fé, pois, numa sociedade em que o cristianismo parece ausente da vida social e a fé relegada à esfera do privado, o acesso aos valores religiosos torna-se mais difícil, sobretudo para os pobres e os pequeninos, isto é, para a grande maioria do povo que se seculariza de modo insensível, sob a pressão dos modelos de pensamento e de agir propagados pela cultura dominante. A ausência duma cultura que os sustente impede estes pequeninos de acederem à fé e de a viverem plenamente.

Esta situação é também um drama para a cultura que, devido à ruptura com a fé, passa por uma crise profunda. O sintoma desta crise é, em primeiro lugar, o sentimento de angústia que provém da consciência da finitude em um mundo sem Deus, onde o eu se torna um absoluto e as realidades terrestres os únicos valores da vida. Numa cultura sem transcendência, o homem sucumbe à atracção do dinheiro e do poder, do prazer e do sucesso. Encontra também a insatisfação provocada pelo materialismo, a perda do sentido dos valores morais e a inquietude diante do futuro.

3. Mas, no centro desse desencanto, subsiste sempre uma sede de absoluto, um desejo de bem, uma fome de verdade, uma necessidade de realização da pessoa. Eis a amplitude da tarefa do Pontifício Conselho para a Cultura: ajudar a Igreja a efectuar uma nova síntese entre a fé e a cultura, para o maior bem de todos. Neste final de século, é essencial reafirmar a fecundidade da fé na evolução duma cultura. Só uma fé, fonte de decisões espirituais radicais, é capaz de agir sobre a cultura duma época. Assim, a atitude de São Bento, este nobre romano que abandonou uma sociedade envelhecida e se retirou na solidão, ascese e oração, foi determinante para o crescimento da civilização cristã.

4. Na sua abordagem das culturas, o cristianismo apresenta- se com a mensagem da salvação, recebida pelos Apóstolos e pelos primeiros discípulos, pensada e aprofundada pelos Padres da Igreja e pelos teólogos, vivida pelo povo cristão, em particular pelos santos, e expressa pelos seus grandes génios teológicos, filosóficos, literários e artísticos. Devemos anunciar esta mensagem aos homens de hoje em toda a sua riqueza e beleza.

Para o fazer, cada Igreja particular deverá ter um projecto cultural, como já ocorre num ou noutro país. Durante esta Assembleia plenária, consagrastes uma parte notável dos vossos trabalhos a considerar não só os desafios, mas também as exigências duma autêntica pastoral da cultura, decisiva para a nova evangelização. Provenientes de horizontes culturais variados, comunicai à Santa Sé as expectativas das Igrejas locais e os ecos das vossas comunidades cristãs.

Entre as tarefas que vos competem, ressalto alguns pontos que requerem do vosso Conselho a maior atenção, tais como pôr em prática Centros culturais católicos ou a presença no mundo da mídia e no mundo científico, para transmitir ali a herança cultural do cristianismo. Em todos estes esforços, estai particularmente próximos dos jovens e dos artistas.

5. Às culturas, a fé em Cristo dá uma dimensão nova, a da esperança do Reino de Deus. Os cristãos têm a vocação de inscrever no centro das culturas esta esperança duma terra nova e de céus novos. Pois, quando a esperança se desvanece, as culturas morrem. Muito longe de as ameaçar ou de as empobrecer, o Evangelho oferece-lhes um acréscimo de alegria e de beleza, de liberdade e de sentido, de verdade e de bondade.

Todos nós somos chamados a transmitir esta mensagem através de um discurso que a anuncie, uma existência que a ateste, uma cultura que a faça resplandecer. Pois o Evangelho leva a cultura à sua perfeição e a cultura autêntica está aberta ao Evangelho. O trabalho que consiste em dar-lhes, um à outra, deverá ser retomado sem cessar. Instituí o Pontifício Conselho para a Cultura a fim de ajudar a Igreja a viver o intercâmbio salvífico, no qual a inculturação do Evangelho caminha a par e passo com a evangelização das culturas. Deus vos assista no desempenho da vossa missão exaltante!

Ao confiar a Maria, Mãe da Igreja e primeira educadora de Cristo, o futuro do Pontifício Conselho para a Cultura e o de todos os seus membros, dou-vos do íntimo do coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS ITALIANOS


Sábado, 15 de Março de 1997



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Apresento as minhas boas-vindas a todos vós, vindos aqui para retribuir a visita que tive a alegria de realizar a Colle di Val d’Elsa e Sena, a 30 de Março do ano passado. Saúdo-vos com afecto, e em primeiro lugar dirijo o meu deferente pensamento aos caros Irmãos no episcopado, D. Gaetano Bonicelli e D. Alberto Giglioli, respectivamente Pastores das dioceses de Sena-Colle di Val d’Elsa-Montalcino e de Montepulciano.

Saúdo, depois, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, que realizam a sua obra entre vós e hoje vos acompanharam aqui. A minha saudação dirige-se, por fim, a todos vós, que com a vossa visita renovais na minha alma as emoções vividas há um ano na vossa terra.

2. Encontramo-nos hoje na iminência da festa de São José, e isto leva-me com o pensamento ao encontro que tive com os trabalhadores de Colle di Val d’Elsa, e aos problemas então abordados. Quereria confirmar, também nesta ocasião, a proximidade da Igreja ao mundo do trabalho. Seguindo o exemplo do seu Fundador e Mestre, a Igreja quer estar presente entre os trabalhadores, para lhes oferecer a mensagem evangélica sobre o trabalho e sobre o lugar central que o homem deve sempre ocupar nas relações económicas.

A recordação de Sena não pode deixar de evocar a figura da grande Santa, e agora também Doutora da Igreja, nascida na vossa terra. A mensagem de Santa Catarina é ainda hoje válida e estimuladora. Os múltiplos problemas com que ela teve de se medir no seu tempo não são diferentes daqueles de hoje. Com a força e a liberdade que lhe vinham da íntima união com Deus, em tempos tumultuosos ela soube chamar pequeninos e grandes a construírem relações de justiça e de paz em cada âmbito da vida. Como não desejar que o magistério de Catarina — mulher exemplar em conjugar contemplação e acção — continue a incidir na cultura e na vida da nação italiana, da qual é Padroeira, e em particular, da cidade e província de Sena? A comemoração dos 650 anos do seu nascimento (25 de Março de 1347), que ocorre precisamente nestes dias, reavive nos seneses e nos italianos a atenção para o rico património do seu ensinamento.

3. Indo a Sena no ano passado, eu quis idealmente concluir o Congresso Eucarístico Nacional, que se realizara dois anos antes. É-me grato saber que aquela solene celebração permanece como ponto de referência para as vossas comunidades. Com efeito, o que pode existir de mais unificante e atraente do que o Mistério eucarístico acreditado, amado e celebrado? Eucaristia significa amor que se doa: é a expressão máxima do amor de Cristo por nós, e ao mesmo tempo do nosso amor por Cristo. N’Ele fixamos o olhar neste primeiro ano de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000. É necessário dar espaço a Jesus na nossa vida pessoal e comunitária. Os vossos antepassados multiplicaram tradições populares, festas, companhias e confrarias ligadas ao culto eucarístico. Muitas delas estão longe de ter perdido o vigor e devem ser encorajadas, também mediante uma sábia e oportuna actualização. Não basta, com efeito, conservar o passado, por grandioso que seja; é preciso reavivá-lo continuamente para transmitir íntegros às novas gerações os seus valores.

No Palácio cívico de Sena e em quase todas as casas da vossa terra sobressai o monograma de Cristo, trazido como sinal de paz pelo grande São Bernardino: Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Salvador. Que não seja um achado arqueológico! Cristo é sempre o mesmo ontem, hoje e sempre. Dai lugar a Cristo na vossa vida pessoal e familiar, social e profissional. A Sua presença é garantia de relações humanas mais ricas e autênticas.

4. O aspecto, sem dúvida, mais importante da vossa hodierna peregrinação é aquele que se volta para o futuro, para o Jubileu do Ano 2000. Há mais de mil anos a terra de Sena é atravessada pelas mais clássicas vias de acesso a Roma: a Francigena, que com variantes diversas ligava a Europa do Norte a Roma, e a Romea, que do Leste europeu se fundia em Poggibonsi com a primeira. Nas suas margens multiplicaram-se lugares de oração, de paragem e de assistência aos peregrinos: gloriosas abadias, habitações, refúgios, castelos e obras colossais como o Hospital de Santa Maria da Escada, que surge na vossa cidade.

Nele, verdadeiro testemunho de espírito cristão, de arte e de humanidade, se encontra o «Pellegrinaio», grande salão afrescado pelos mais famosos artistas da época, onde os peregrinos eram acolhidos, restaurados e cuidados como irmãos. Naquele ambiente de solene dignidade, Santa Catarina e São Bernardino realizaram formas de voluntariado cristão que, graças a Deus, subsistem vigorosas também hoje. Bastará recordar com reconhecimento as «Misericórdias », que na Toscana encontraram e continuam a ter um papel bastante precioso, juntamente com instituições similares, no campo da assistência social e sanitária.

5. Caríssimos, desejo-vos que a visita ao túmulo de São Pedro e o encontro com o seu Sucessor confirmem a vossa fé, a vossa identidade de baptizados em Cristo. Nascidos para a vida nova com o Baptismo, sabei ser, numa sociedade sob muitos aspectos desorientada, sinais de esperança.

Faço votos por que, na luz da Páscoa já próxima, possais realizar uma peregrinação repleta de frutos, enquanto vos peço que leveis a minha saudação também a quantos não puderam nela participar, de modo especial aos doentes.

Com estes sentimentos, invoco sobre vós a protecção de Maria Santíssima e a todos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1997 - 8 de março de 1997