Discursos João Paulo II 1997 - Quinta-feira 20 de Março de 1997

2. Caros rapazes e moças, digo-o para antecipar a entrega desta Palavra. Entrego-vos, isto é, «passo-vos» o Evangelho de Marcos.

Evangelho significa «notícia bonita» e a «notícia bonita» é Jesus, o Filho de Deus que Se fez homem para salvar o mundo. O centro do Evangelho é precisamente a pregação de Jesus, os Seus gestos, a Sua morte e ressurreição, é Jesus Cristo, é Ele mesmo, Jesus Cristo, Filho de Deus, morto e ressuscitado por todos.

Escutastes durante o encontro a leitura de um trecho altamente significativo do Evangelho de Marcos: a dúplice pergunta de Jesus aos Seus discípulos — «Quem dizem os homems que Eu sou?»; «É vós quem dizeis que Eu sou?» — e a resposta de Pedro em nome de todos — «Tu és o Cristo» (cf. Mc Mc 8,15-30). Esta resposta é a síntese do Evangelho de Marcos: tudo o que podeis ler antes é um caminho lento e progressivo rumo a esta proclamação de que Jesus é o Messias. Tudo o que segue é uma demonstração contínua de como Jesus é Messias. Ele é o Messias – e esta é uma novidade absoluta – quando, em obediência completa ao Pai, na cruz, morre por nosso amor. Diante da Sua morte o centurião romano exclama: «Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus» (Mc 15,39). Vemos aqui condensados o anseio missionário de Marcos e a sua convicção mais profunda. Diante do maior gesto de amor que uma pessoa pode fazer, «dar a vida pelos amigos» (cf. Jo Jn 15,13), é possível converter-se, mudar de vida. Também o centurião, que não pertence ao povo eleito, reconhece em Jesus o Filho de Deus, o Salvador não só de um povo ou de uma nação, mas de cada homem e de cada mulher que O acolhe e O conhece no momento da Sua extrema humilhação, no Seu extremo aniquilamento.

3. Caros jovens de Roma, no trecho do Evangelho de Marcos que se refere à ressurreição, o anjo diz às mulheres: «Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado. Ressuscitou, não está aqui... Ele vos precederá a caminho da Galileia» (Mc 16,6-7), como que a dizer-nos que não devemos permanecer parados diante do sepulcro. Se O quereis encontrar — repete o anjo a todos nós — segui a estrada que Jesus vos indica. «Ele vos precederá a caminho da Galileia», e para O verdes vivo e ressuscitado, é preciso alcançá- l’O lá onde Ele marca um encontro convosco. Dois momentos de Marcos que já fazem pensar.

Se este é o conteúdo do Evangelho, ele exige que seja «passado», transmitido aos outros. Eis a missão, missão apostólica, missão das mulheres, primeiras apóstolas como Madalena, missão de Pedro, dos Doze, e agora Missão da Cidade; missão dos cidadãos, de todos vós, romanos, porque a Missão da Cidade é uma ocasião singular também para vós, caros jovens das paróquias, das associações e dos movimentos romanos, para conhecer e «passar» a Palavra de Deus e para não faltar ao encontro com Ele. Conhecer Jesus na sua Palavra, conhecer Jesus crucificado e ressuscitado mediante a sua Palavra, através do Evangelho de Marcos.

Missão da Cidade é, antes de tudo, compreender que não existe cristianismo autêntico se não há missionariedade, que Jesus é um dom de Deus que deve chegar a todos.

Missão da Cidade é aprender de Cristo a sair de nós mesmos, dos nossos grupos, das nossas paróquias, das nossas bonitas assembleias, para levar o Seu Evangelho a tantos amigos que conhecemos, os quais esperam connosco a salvação que só Cristo sabe e pode dar.

4. Então, ide: jovens aos jovens. Mas quem são os jovens? Vós sois os jovens de Roma! Pelos inúmeros encontros que tive convosco ao longo destes anos, pude ter uma ideia bastante precisa de vós, jovens.

Tendes tantas aspirações e desejos positivos, quereis ser e sentis-vos protagonistas da vida. Quereis viver na liberdade e lançar-vos livremente a realizar as coisas que vos são mais gratas.

Esta liberdade, contudo, pode constituir um risco. Sim, a liberdade é um risco: é um grande desafio e um grande risco. Pode ser utilizada bem ou mal. Se ela não obedece à verdade pode esmagar- vos. Não faltam os que são esmagados pela própria liberdade. São-no, se a guiar a sua liberdade não for o que é verdadeiro. Ela não pode ser uma força cega abandonada aos instintos. A liberdade deve ser guiada pela verdade. É a verdade que torna verdadeiramente livre, e esta verdade é Cristo. Lemos no Evangelho de João: «Se permanecerdes na Minha palavra, sereis verdadeiramente Meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á» (Jn 8,31-32).

Portanto, convém que conheçais e façais conhecer aos vossos amigos Jesus Cristo, o centro unificante da vossa existência. Eis por que, hoje, vos entrego o Seu Evangelho e vos peço que sejais os seus corajosos missionários.

Ide pelo mundo inteiro. Jesus fez conhecer o Evangelho aos Apóstolos e depois disse: ide pelo mundo inteiro. E eu digo-vos, jovens de Roma, ide por todo aquele mundo que é Roma.

Então, conhecei Jesus Cristo!

Sede vós os primeiros a conhecê-l'O. Através da leitura constante e da meditação, através da oração que é um contínuo confronto entre a vida e a Palavra de Jesus. Ver significa agir.

Então digo-vos: conhecei o Evangelho. Sede os primeiros a conhecê-lo. Conhecei- o, fazendo-vos ajudar por guias sábios, por testemunhas de Cristo. Fazei- vos ajudar a conhecer e viver o amor, que é o centro do Evangelho. Por quem? Pelos vossos pais, pelos avós, pelos professores, pelos sacerdotes, pelos catequistas e animadores dos vossos grupos e dos movimentos de que fazeis parte. Todos podem ajudar-vos a conhecer mais eficazmente o Evangelho. Conhecendo- o, confrontai-vos com Cristo e não tenhais medo de quanto Ele puder pedir-vos.

Porque Cristo é também exigente, graças a Deus! É exigente! Quando eu era jovem como vós, este Cristo era exigente e convenceu-me. Se não fosse exigente não haveria nada para escutar, para seguir. Mas se é exigente, é porque apresenta os valores; e são os valores que anuncia a serem exigentes.

5. Ao mesmo tempo, fazei com que o Evangelho de Jesus seja conhecido pelos vossos amigos, por outros jovens que hoje não estão aqui e que, habitualmente, não frequentam os vossos grupos. Todos aqueles que estão fora da paróquia, fora dos ambientes pastorais, também eles estão à espera desta Palavra. Cristo procura-os também através de vós. Assim, vê-se um pouco como se há-de construir a Missão da Cidade dos jovens.

Esta Missão pede a todos vós um impulso generoso neste sentido. É preciso tomar a sério o seguimento de Jesus e o testemunho daquilo em que credes. Não basta ir à paróquia ou ao grupo. Chegou o momento em que é preciso ir ao encontro daquele que não vem, daquele que procura o sentido da vida e não o encontra, porque ninguém lho anuncia. Deveis ser a pessoa que sabe anunciar esta boa notícia. Chegou o momento, para toda a Igreja de Roma, de abrir as portas e de ir ao encontro dos homens e das mulheres, dos rapazes e das moças que vivem nesta Cidade, como se Cristo não existisse.

O que é que vos pede Cristo? Jesus pede-vos que não vos envergonheis d’Ele e que vos comprometais em anunciá- l’O aos vossos coetâneos. Fazei vossa a frase de Paulo aos Romanos: «Pois eu não me envergonho do Evangelho, o qual é poder de Deus para salvação de todo o crente» (Rm 1,16). Não tenhais medo, porque Jesus está convosco!

Não tenhais medo de vos perder: quanto mais vos doardes, tanto mais haveis de encontrar-vos a vós mesmos! Eis a lógica de um sincero dom de si, como ensina o Vaticano II.

Muitos dos vossos amigos não têm referências, guias a quem se dirigir para aprender a conhecer Jesus e para superar aqueles momentos de dificuldade, de desilusão e de desconforto que têm de atravessar. Como não pensar depois naqueles vossos coetâneos menos afortunados, que devem enfrentar problemáticas ainda mais graves como o desemprego, a consequente dificuldade em poder constituir uma família, a toxicodependência ou outras formas de fuga da realidade? Muitos, bem o sabeis, não têm o apoio nem sequer duma família, porque não poucas famílias hoje vivem uma crise preocupante. Tornai-vos vós mesmos, caros jovens, referência para estes vossos coetâneos. Tornai-vos amigos de quem não tem amigos, família de quem não tem família, comunidade de quem não tem comunidade. Eis a Missão da Cidade dos jovens cidadãos de Roma. O Papa também é cidadão de Roma. Nos próximos meses pretendo, como bom cidadão de Roma, visitar o Capitólio. Faço votos por que os meus jovens concidadãos estejam comigo.

6. A Palavra de Deus, como escrevi na Mensagem aos jovens para o XII Dia Mundial da Juventude, «não é imposição que arromba as portas das consciências; é uma voz persuasiva, dom gratuito que, para se tornar salvífico no concreto da vida de cada um, pede uma atitude disponível e responsável, um coração puro e uma mente livre» (n. 6). Semeai a Palavra. Caberá ao terreno acolhê-la ou não. Jesus respeita a liberdade de cada um. Quando chama a segui- l’O, diz sempre no início «Se queres... » (cf. Mt Mt 19,21).

Dialogai, para anunciar a Palavra de Deus. Seja o diálogo o método da missão. Diálogo que exige, antes de tudo, o encontro no plano das relações pessoais e que se propõe fazer os interlocutores saírem do isolamento, da desconfiança mútua, para criar estima e simpatia recíprocas. Diálogo que exige o encontro no plano da busca da verdade; e ainda, no plano da acção, tende a estabelecer as condições para uma colaboração em vista de objectivos concretos de serviço ao próximo. Diálogo que requer do cristão uma forte consciência da verdade, ter bem claro que somos testemunhas de Cristo, Caminho, Verdade e Vida.

Sei que para este empreendimento se está a fazer muito na Diocese, também a respeito da formação dos missionários e, no futuro próximo, dos formadores dos jovens. Encorajo todos vós a prosseguirdes neste caminho, dando espaço à vossa criatividade para que possais, juntos, «passar a Palavra» a todos.

7. Caros jovens de Roma, na conclusão deste encontro, permiti-me agradecer- vos a vossa presença e também o vosso acolhimento. Era tão caloroso que a uma certa altura me perguntei se podia sobreviver a este encontro! Agradeço ao Cardeal Vigário as suas palavras e à jovem, Carmela, que me saudou ao chegar e que também me beijou cordialmente; agradeço a todos os que prepararam e animaram este encontro, e são tantos; agradeço a quantos deram o seu testemunho pessoal e puseram à disposição do Evangelho e dos jovens também os seus talentos artísticos. E são tantos! Não pude ver muito, mas o que vi e escutei envolveu-me. A esta altura, quereria saudar uma delegação de jovens franceses que, em preparação para o Encontro de Paris, através da revista «Phosphore» escreveram ao Papa e desejam confiar-lhe as suas cartas. Agradeço a quantos quiseram, deste modo, pôr-se em contacto connosco.

Caros amigos franceses, levai aos vossos coetâneos a saudação cordial do Papa e dos jovens romanos, hoje reunidos convosco. Dizei-lhes que seremos felizes de encontrá-los, de 18 a 24 de Agosto, em Paris, e estamos a preparar-nos para este encontro com intensa oração. Seremos felizes de poder encontrar- nos convosco em Paris. Vós, jovens franceses, deveis ser as testemunhas da nossa vontade de preparação e também manifestar mais disponibilidade. Sei que há bastante disponibilidade da parte dos Bispos franceses e dos jovens da França. Desejo-vos uma boa continuação!

Desejo agora, antes de vos entregar o Evangelho, marcar com todos vós o encontro para o Dia Mundial dos Jovens, que terá por tema: «Mestre, onde moras? Vinde ver» (Jn 1,38-39). Sei que já estais a organizar-vos e que também de Roma partireis em grande número para Paris. Será uma grande ocasião para vivermos juntos a alegria do Evangelho. Serão dias em que a Palavra, se a deixarmos actuar, se encontrará com a vossa vida a fim de traçar projectos exaltantes para o vosso futuro pessoal e para o futuro da Igreja e da sociedade.

Peçamos à Virgem, «Salus Populi Romani », que nos acompanhe neste itinerário espiritual rumo ao encontro de Paris. E enquanto asseguro a cada um de vós e às vossas famílias uma particular lembrança na oração, abençoo-vos a todos de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE CIGANOS DA ALSÁCIA (FRANÇA)


21 de Março de 1997



Caros Irmãos e Irmãs,
«Gente em caminho» da Alsácia!

1. No decurso da peregrinação que fazeis junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, é-me grato acolher-vos. Saúdo-vos muito cordialmente, assim como D. Charles Amarin Brand, Arcebispo de Estrasburgo, e os representantes do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, que vos acompanham.

Estamos na vigília da grande semana da Paixão do Senhor. A Sua morte na Cruz traduz, da maneira mais clara, o amor de Deus por nós. O sacrifício de Jesus por todos os homens confere a cada um a dignidade de pessoa amada por Deus. Todo o ser humano deve ser considerado, amado e servido porque é irmão de Cristo. Quando se ignora esta relação com o Salvador, abre-se o caminho às humilhações ou ao desprezo, que se procura legitimar por discriminações injustas.

2. Conheço a vossa adesão à fé, à Igreja católica e ao Papa. Renovai, sem cessar, a vossa vida de crentes haurindo nas fontes da Palavra de Deus e permanecendo fiéis à oração comunitária e pessoal. Como eu disse, ao receber os participantes num encontro para a pastoral entre os Ciganos, a 8 de Junho de 1995, «é necessária uma nova evangelização orientada para cada um dos seus membros, como para uma querida porção peregrinante do Povo de Deus» (Ed. port. de «L'Osservatore Romano», de 1 de Julho de 1995, n. 4, pág. 9); este empreendimento ajudar-vos-á a superar as tentações que hoje são fortes: fechar-se em si mesmo, procurar refúgio nas seitas ou ainda dilapidar o seu património religioso a fim de se voltar para um materialismo que impede reconhecer a presença divina.

3. A vossa visita dá-me a ocasião de recordar que, no próximo dia 4 de Maio, em Roma, terei a alegria de proclamar Beato Zeferino Jiménez Malla, um Cigano admirável pela seriedade e sabedoria da sua vida de homem e de cristão. A sua vida foi realizada plenamente, pois ele a viveu santamente na fidelidade a Deus e no estilo de vida próprio dos Ciganos. Morreu mártir da fé, apertando contra o peito o rosário, que ele recitava todos os dias com uma devoção ternamente filial a Maria. Ele é um bonito exemplo de fidelidade à fé para todos os cristãos, e de modo especial para vós que estais próximos dele, por causa dos vínculos étnicos e culturais.

No seguimento de Zeferino Jiménez Malla não faltam, certamente, entre vós pessoas capazes de promover a actividade pastoral na vossa comunidade cristã de gente em caminho. Na Igreja local, as ordenações de homens do vosso povo ao diaconato e a outros ministérios são factos positivos, que deverão continuar.

4. Este encontro permite-me oferecer-vos os meus melhores votos por ocasião das santas festas pascais, quando vamos celebrar o evento central da história da salvação, fundamento da esperança cristã. Mediante o baptismo, sacramento da regeneração espiritual, participais na morte e na ressurreição de Jesus; uma vida nova é-vos dada. A Páscoa é o tempo da renovação das promessas baptismais: fazei-o com convicção e com confiança no amor do Senhor. É Ele que vos dará força e coragem nas dificuldades que encontrais no vosso caminho.

Ao invocar a Santíssima Virgem Maria e os Santos que vos são caros, dou-vos a Bênção Apostólica, a vós aqui presentes, às vossas famílias e comunidades.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES DA ECPAT


E DO CENTRO EUROPEU DE BIOÉTICA


E QUALIDADE DE VIDA


21 de Março de 1997



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Tenho o prazer de apresentar as minhas cordiais boas-vindas aos ilustres representantes da ECPAT «End Child Prostitution in Asian Tourism». Com eles saúdo os membros do Centro Europeu de Bioética e Qualidade da Vida. Dirijo um pensamento particular ao Mons. Piero Monni, Observador Permanente da Santa Sé junto da Organização Mundial do Turismo, agradecendo-lhe as amáveis expressões com que interpretou os sentimentos dos presentes.

2. A vossa Associação está empenhada, já há anos, em eliminar o flagelo mundial da prostituição infantil. Esse empenho, que vê irmanados cristãos e não-cristãos, tem em vista não só combater este crime horrendo, mas sobretudo defender aqueles que dele são vítimas.

Como não exprimir estima e respeito por uma obra tão meritória? Como não desejar que ela seja sustentada, de maneira convicta e concreta, pela Comunidade internacional e pelos Governos individualmente, pelos políticos e pelos agentes sociais, pelos organismos privados e pela inteira sociedade civil?

Perante o grito de dor de milhões de inocentes, espezinhados na sua dignidade e privados do seu futuro, ninguém pode permanecer indiferente e deixar de assumir as suas responsabilidades.

3. A este propósito o recente Congresso de Estocolmo, promovido por essa Associação em colaboração com o Governo sueco e com outras Organizações internacionais, colocou uma pedra miliar para a solução deste gravíssimo problema. Fazendo apelo à consciência de quantos são responsáveis pela sorte da humanidade, essa Reunião propôs oportunos meios políticos, legislativos e sociais, para enfrentar de maneira eficaz, a nível nacional e internacional, o gravíssimo problema.

Compartilhando as preocupações manifestadas, desejo encorajar a ECPAT a prosseguir na necessária denúncia dos abusos, assim como no estudo das causas e dos remédios oportunos.

4. Como se sabe, a prostituição infantil muitas vezes tem origem na crise que investe largamente a família. Esta, enquanto nos países em vias de desenvolvimento é vítima das condições de pobreza extrema e da carência de estruturas sociais adequadas, nos países ricos é condicionada pela visão hedonista da vida, que pode chegar a destruir a consciência moral, justificando qualquer meio capaz de causar prazer.

Nesse contexto, como não ver na pornografia um constante incitamento a abusar dos próprios semelhantes? Estas manifestações preocupantes, que lesam a dignidade da pessoa e o futuro da convivência familiar, recaem inexoravelmente sobre os seus membros mais débeis e sobre os menores.

5. Diante de tanto sofrimento, a vossa Associação empenha-se em pôr uma barreira à expansão de semelhantes fenómenos, contando com a colaboração eficaz dos homens e das mulheres de boa vontade.

Formulo ardentes votos por que os vossos apelos possam encontrar uma escuta atenta, a todos os níveis da vida social: junto de políticos e sociólogos, de juristas e economistas, assim como junto dos responsáveis da educação, da saúde, das organizações sindicais e das entidades locais.

Com efeito, só a acção conjunta das Instituições nacionais e internacionais, das Associações e dos indivíduos, poderá pôr a palavra fim a esta gravíssima chaga social.

Peço ao Senhor que vos dê força para perseverardes na obra empreendida e, enquanto vos confio à materna protecção da Virgem Maria, abençoo cada um de vós, os vossos colaboradores, as vossas famílias e quantos são objecto dos vossos cuidados.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS FRANCESES DA REGIÃO APOSTÓLICA


DO LESTE EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


22 de Março de 1997



Caros Irmãos no Episcopado!

1. Tenho a alegria de vos acolher durante a vossa visita ad Limina. É para vós a ocasião de confirmar a missão que recebestes, graças à oração junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e aos encontros que efectuastes nos diferentes serviços da Cúria Romana. A vossa presença em Roma manifesta a comunhão fraterna que existe entre o Sucessor de Pedro e os Bispos diocesanos em redor de Cristo, que é a Cabeça da Igreja. «Estamos nos diferentes lugares da Igreja, mas não estamos separados do Seu Corpo, “porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens” (1Tm 2,5)» (S. Paulino de Nola, Carta, 2, 3). Os nossos colóquios permitem- me estar próximo de todos aqueles que, convosco, se empenham na missão e contribuem para o dinamismo da comunidade diocesana.

O Presidente da vossa Região apostólica do Leste, D. Marcel Herriot, apresentou um panorama das vossas preocupações pastorais; estou-lhe grato por isto. Esta parte da França apresenta muitos contrastes e conhece, por vezes num grau mais elevado, as dificuldades da sociedade no conjunto do país. Isto não deve desencorajar os fiéis, mas, ao contrário, levá-los a uma generosa solidariedade com os mais desafortunados, qualquer que seja a sua origem. Por outro lado, a posição da vossa região, numa das grandes encruzilhadas da Europa, leva-vos a intercâmbios com os vossos vizinhos, que não podem deixar de ser proveitosos para todos; a vossa experiência será preciosa para preparar a nova Assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, pois a Igreja neste continente adquirirá mais conhecimento mútuo e mais colaboração fraterna. Observo também que, em várias das vossas dioceses, a presença de importantes comunidades eclesiais derivantes da Reforma convida a tomar uma parte activa no diálogo ecuménico, que constitui uma das grandes tarefas a perseguir no limiar do terceiro milénio. Para a vitalidade da Igreja, apesar das zonas de sombra, a forte tradição cristã das vossas regiões inspira confiança para o futuro e, vós o dizeis, os sinais de esperança não faltam.

2. Como demonstrais claramente nos vossos relatórios quinquenais, entre os aspectos da pastoral que vos preocupam, há a questão das vocações. Por vezes, depois de anos, nalgumas das vossas dioceses o número de jovens, que aceitam empenhar-se no caminho do sacerdócio ou da vida consagrada, permaneceu muito baixo. Os sacerdotes estão cada vez mais sobrecarregados e não vêem chegar a substituição. Mas longe de esmorecer no seu ardor missionário, eles continuam incansavelmente a cumprir as suas tarefas pastorais. Devo louvar- lhes a coragem e dizer-lhes de novo que não se devem desanimar, pois o Senhor nunca abandona a Sua Igreja. O período de crise, por que passam as vossas dioceses, não deve fazer esquecer o conjunto das vossas comunidades diocesanas, e por isso convém prosseguir e intensificar os esforços para transmitir aos jovens o apelo ao sacerdócio e à vida consagrada, sem contudo depreciar a vocação ao matrimónio.

3. Muitos de vós ressaltaram que, hoje, os jovens hesitam em empenhar-se, por medo do futuro e por falta de testemunhas capazes de ser exemplos convincentes e atraentes. É importante que os sacerdotes e todo o povo cristão acreditem que Deus continua, sem cessar, a chamar homens e mulheres ao Seu serviço, no segredo dos corações e através do testemunho da comunidade eclesial. Todos os fiéis de Cristo devem, então, oferecer a sua contribuição para ajudar os jovens a abordarem o futuro sem temor excessivo, para fazer com que descubram a alegria que existe em seguir Cristo, para os ajudar a ter confiança em si mesmos e a discernir com paciência a voz do Senhor, como o fez o profeta Elias com o jovem Samuel (cf. 1S 3,1-19).

4. Neste sector, a família tem um papel específico a desempenhar. Os jovens aprendem, antes de tudo, dos seus pais os rudimentos da fé, o caminho da oração e a prática das virtudes. De igual modo, a disponibilidade em responder a uma vocação particular vem da disposição filial dum coração que quer fazer a vontade do Senhor e sabe que Cristo tem palavras de vida eterna (cf. Jo. Jn 6,68). Algumas famílias podem estar inquietas ao verem os seus jovens empenhar- se no seguimento de Cristo, de modo particular em um mundo onde a vida cristã não representa um valor social atraente. Convido, portanto, os pais a dirigirem ao futuro dos seus filhos um olhar de fé, a ajudarem os jovens a realizar livremente a sua vocação; é a este preço que eles serão felizes na existência, pois o Senhor dá àqueles, que por Ele são escolhidos, a força e os recursos espirituais necessários para superarem as dificuldades. O dom total de si ao Senhor e à Igreja é fonte de alegria e «síntese da caridade pastoral» (Pastores dabo vobis PDV 23). Exorto os fiéis leigos a empenharem-se na pastoral das vocações e a sustentarem os jovens que manifestam disposições a consagrar-se ao serviço da Igreja; alguns leigos, felizmente, já participam nas actividades dos serviços diocesanos das vocações, mas isto não deve permanecer a preocupação somente de alguns.

Nesta perspectiva, é importante que, no seio das comunidades cristãs, sejam claramente reconhecidos o lugar do sacerdote e o das pessoas consagradas. Em particular, todos devem recordar que a vida eclesial não pode existir sem a presença do sacerdote, que age em nome de Cristo, Cabeça da Igreja, e que, no Seu nome, reúne o povo ao redor da mesa do Senhor e lhe transmite o perdão dos pecados. De igual modo, a ausência de pessoas consagradas, contemplativas ou de vida activa, pode fazer esquecer que o empenhamento pelo Reino dos céus é o aspecto primordial de toda a vida cristã. É evidente que, se os jovens não tiverem contactos pessoais com sacerdotes ou pessoas consagradas, e se não perceberem a missão específica de cada um, lhes será difícil, por si mesmos, assumir esse empenhamento.

5. Vós constatais que os jovens que pensam no sacerdócio ou os seminaristas já em formação viveram períodos difíceis na sua existência. Alguns permanecem frágeis, às vezes por causa dum contexto social ou familiar que pôde ocasionar feridas difíceis de se sanar, ou então, como foi constatado durante as recentes visitas canónicas, por causa da mobilidade permanente das famílias, que torna difícil um enraizamento humano, ou por causa dos costumes degradados que muitas vezes se registram na sociedade, ou ainda devido à conversão recente de alguns candidatos. Convém, então, ajudá-los a estruturar a própria personalidade, a fim de se tornarem a morada espiritual de que fala São Pedro (cf. 1P 2,5). Isto requer, da vossa parte e dos responsáveis pelos serviços das vocações, uma atenção especial para orientar, com cuidado e delicadeza, a etapa do discernimento e da preparação. Em particular, será preciso velar por que os formadores tenham as qualidades requeridas e mantenham firmes as linhas essenciais da formação sacerdotal. Para esta fase preparatória, alguns Bispos escolheram pedir aos candidatos, sob formas variadas, um ano propedêutico, iniciativa que parece dar bons frutos. Deste modo, no final da primeira etapa, os candidatos devem apresentar «qualidades determinadas: recta intenção, um grau suficiente de maturidade humana e um conhecimento bastante amplo da doutrina da fé, alguma introdução aos métodos de oração, costumes conformes à tradição cristã» (Pastores dabo vobis PDV 62).

Para poderem enfrentar ulteriormente as diferentes tarefas do ministério, os jovens devem aceitar progredir, a fim de adquirirem a necessária maturidade psicológica, humana e cristã de todo o servidor de Cristo e da Igreja. Durante o ano propedêutico, os candidatos aprofundam sobretudo o sentido da teologia da eleição e da aliança, que Deus faz com os homens. Deste modo eles dispõem-se a ouvir o apelo de Cristo e da Igreja, e a viver na obediência o caminho de formação proposto pelo Bispo e, em seguida, as missões pastorais que lhes forem confiadas.

6. Como responsáveis do apelo dos candidatos que amanhã serão os vossos colaboradores no sacerdócio, competevos determinar a oportunidade de acolher candidatos provenientes de outras dioceses, segundo as disposições canónicas (cf. cânn. 241-242) e pastorais recentemente recordadas na Instrução sobre a admissão no Seminário de candidatos provenientes de outras dioceses ou de outras famílias religiosas, que vos foi dirigida pela Congregação para a Educação Católica. A respeito disso, um acolhimento sem discernimento pode ser prejudicial para os próprios jovens que, em vez de entrarem num caminho de relação confiante e de obediência filial com o Bispo da sua diocese, são por vezes tentados a escolher a própria diocese de incardinação e os seus lugares de formação, segundo critérios puramente subjectivos; eles tornam-se, de algum modo, os mestres da sua própria formação, em função da sua sensibilidade e não de critérios objectivos. Esta atitude não deixará de lhes debilitar o sentido do serviço, o espírito de abertura à pastoral diocesana e a disponibilidade para a missão eclesial.

7. Com o conjunto da Conferência Episcopal, retomais os fundamentos da formação espiritual, filosófica, teológica e pastoral dos jovens chamados ao sacerdócio. Regozijo-me pelo trabalho que efectuais actualmente para completar a nova Ratio studiorum, que já deverá orientar a formação nos Seminários na França. Com efeito, é aos Bispos, em colaboração contínua e confiante com as equipas animadoras dos Seminários, que compete organizar os estudos dos candidatos ao ministério presbiteral, pois sois vós que os chamais e que, pela imposição das mãos, os fazeis entrar no presbitério diocesano.

O Seminário é uma instituição central na Diocese; ele participa na visibilidade do Corpo de Cristo e no seu dinamismo pastoral; contribui para a unidade de todos os componentes da comunidade cristã, pois a formação sacerdotal se situa para além das sensibilidades pastorais particulares. Ao efectuarem o seu inteiro percurso, ou parte dele, os seminaristas têm assim a ocasião de estar próximos do seu Bispo, dos sacerdotes e das múltiplas realidades humanas e eclesiais locais. Quando não há Seminário no território, convém que o Bispo e os seus colaboradores que seguem os seminaristas, entreteçam laços orgânicos com os Seminários para onde são enviados os seus candidatos. Convém também, apesar da distância geográfica, encontrar as maneiras de fazer conhecer aos diocesanos, sobretudo aos jovens, estas instituições com toda a sua vitalidade: se são ignoradas, há menos oportunidades de nelas entrarem os que ouvem o apelo do Senhor.

8. Composto de pessoas provenientes de horizontes diversos, o Seminário deve tornar-se uma família e, à imagem desta, permitir a cada jovem, com a sua sensibilidade, amadurecer a própria vocação, tomar consciência dos seus futuros compromissos e formar-se para a vida comunitária, espiritual e intelectual, sob a guia duma equipa de sacerdotes e de professores especialmente formados em vista desta missão. Os jovens preparam-se assim para ser membros activos do presbitério à volta do Bispo.

Ao longo dos ciclos sucessivos, dar-se-á relevo ao princípio unificante de toda a vida cristã: o amor por Cristo, pela Igreja e pelos homens, pois é vivendo no amor que se é configurado a Cristo, Pastor e sumo Sacerdote, e é mediante o amor que se guia o rebanho do Senhor. «Não se pode, com efeito, ser um bom pastor, senão tornando-se um com Cristo e com os membros do Seu Corpo, mediante a caridade. A caridade é o primeiro dever do bom pastor» (S. Tomás de Aquino, Do Evangelho de Jn 10,3). A formação para a relação com Cristo é então primordial, realizando-se mediante a oração e a prática pessoal dos sacramentos, em particular da Reconciliação e da Eucaristia que é a escola da vida sacerdotal; o sacerdote é chamado a ser o ícone de Cristo, na sua vida pessoal e nos diferentes actos do seu ministério (cf. Lumen gentium LG 21 Pastores dabo vobis PDV 16 Pastores dabo vobis, 16 e PDV 49). Assim, é a vida espiritual que torna a missão plenamente fecunda.

É necessário ainda desenvolver nos candidatos a prática das virtudes teologais e morais, através de um exercício contínuo da disciplina de vida e do domínio de si. Um futuro sacerdote deve também aprender a depositar a sua vida nas mãos do Salvador, a sentir-se membro da Igreja diocesana e, para além dela, da Igreja universal, e a orientar a sua acção na perspectiva da caridade pastoral (cf. Concílio Vaticano II, Optatam totius OT 8-9).

A formação pastoral não pode ser apenas teórica; a justo título, os Seminários oferecem um lugar notável às actividades locais de ordem pastoral o que favorece o arraigamento dos jovens na comunidade local. Tende, entretanto, a solicitude por manter a prioridade dos estudos, pois se o sério aprofundamento intelectual dos ciclos do Seminário fosse insuficiente, isto não poderia ser compensado mais tarde.

9. Tudo isto caminha a par e passo com uma formação intelectual, filosófica e teológica sólida, essencial para que os jovens possam tornar-se missionários, anunciando aos seus irmãos a Boa Nova do Evangelho e os mistérios cristãos. O estudo ocupará, então, um lugar importante e há-de preparar os sacerdotes para a formação permanente, indispensável ao longo do seu ministério, pois uma vida espiritual que não é nutrida, sem cessar, por um caminho intelectual, corre o perigo de se empobrecer. Isto necessita de uma grande paixão pela verdade. O Decreto conciliar Optatam totius traçou de maneira notavelmente equilibrada as grandes orientações dos estudos eclesiásticos; é preciso sempre referir-se a elas (cf. sobretudo Os 14-17).

Os estudos filosóficos não devem ser subestimados: eles sensibilizam às diferentes buscas humanas de Deus; desenvolvem uma cultura que permite estar constantemente em diálogo com o mundo, para que se possa convidá-lo a voltar- se para Cristo; por fim, oferecem os elementos para desenvolver uma antropologia cristã, a fim de formar o agir moral e dar testemunho do mistério cristão.

Seria porventura necessário ressaltar também o lugar privilegiado que reveste o estudo da Palavra de Deus, para acolher nela a mensagem sempre viva e ser a sua testemunha esclarecida Naturalmente, uma boa base nos diferentes ramos da teologia é indispensável para permitir aos sacerdotes responder às expectativas dos seus contemporâneos, ajudá-los a superar as apresentações superficiais do ensinamento da Igreja que não podem confortá-los na fé. A teologia da liturgia, em particular, permite aos ministros da Eucaristia e dos outros sacramentos celebrar de modo digno os mistérios, dos quais eles são os administradores, e mostrar toda a sua riqueza e toda a sua importância aos fiéis.

Tudo o que se pode dizer a respeito da formação intelectual dos futuros sacerdotes, e também das necessidades crescentes da formação dos leigos, leva-me a convidar-vos, na perspectiva dos anos vindouros, a despender o esforço necessário para prever uma formação académica mais aprimorada dos jovens sacerdotes que para ela têm as aptidões, a fim de que possam empenhar-se na pesquisa e assegurar o ensinamento. Por outro lado, importa também que envideis os vossos esforços a fim de preparar sacerdotes para o discernimento das vocações, a direcção espiritual e a animação da vida comunitária.

10. Caros Irmãos no Episcopado, conheço a vossa solicitude pelos Seminários. A recente visita apostólica demonstrou- o. Conheço também as vossas dificuldades, a vossa inquietude diante do exíguo número de seminaristas no momento actual. Por isso, desejei retornar convosco a alguns aspectos, sem poder abordá-los todos aqui. Mas queria encorajar- vos e assegurar-vos, mais uma vez, que a provação actual, experimentada pelas vossas dioceses, não pode ser compreendida se não se olha na fé a Cruz do Senhor. E, na luz da Páscoa, ouvimos o Senhor dizer aos Seus discípulos que somos nós: «A paz seja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (Jn 20,21).

Na esperança, uno-me à vossa oração pelas vocações, pelos seminaristas, os sacerdotes e as pessoas consagradas. De todo o coração, dou-lhes, assim como a vós e ao conjunto dos vossos diocesanos, a Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1997 - Quinta-feira 20 de Março de 1997