Discursos João Paulo II 1997 - A QUATRO ORGANIZAÇÕES HUMANITÁRIAS

13 de Abril de 1997



Ilustres Senhores e Senhoras

1. Sinto-me feliz por vos apresentar a minha cordial saudação. «Felizes os que promovem a paz» (Mt 5,9). Aceitei de bom grado a proposta de conferir o Prémio internacional da Paz «João XXIII» a quatro Organizações humanitárias que se destacaram particularmente pela sua activa obra de socorro e de assistência nos difíceis anos da guerra na Bósnia-Herzegovina e na República da Croácia. Num contexto frequentemente caracterizado por graves tensões e dificuldades, com a sua presença e a sua obra generosa e repleta de coragem, deram sinais concretos de esperança, contribuindo para o início da construção de um futuro de reconciliação e de autêntica solidariedade entre povos e culturas diferentes, nesta amada região.

2. O prémio que hoje tenho a alegria de vos entregar, ilustres Representantes de Associações humanitárias ligadas respectivamente às Comunidades católica, servo-ortodoxa, muçulmana e judaica, inspira-se no desejo de paz expresso com vigor ao mundo inteiro pelo meu venerado Predecessor o Papa João XXIII. Na encíclica Pacem in terris, ele recordava que «a todos os homens de boa vontade incumbe a imensa tarefa de restaurar as relações de convivência humana na base da verdade, justiça, amor e liberdade», especificando que se trata de uma tarefa «nobilíssima, qual a de realizar verdadeira paz, segundo a ordem estabelecida por Deus» (Cap. V).

A obra de assistência e de promoção humana que empreendeis, especialmente em benefício dos mais fracos e indefesos, inspira-se no princípio universal da dignidade de cada pessoa e da solidariedade entre os homens. Por este motivo alegro-me em entregar hoje o Prémio internacional da Paz «João XXIII» à Cáritas da Conferência Episcopal da Bósnia-Herzegovina; à «Dobrotvor », de Sarajevo; à «Merhamet», de Sarajevo; e à «Benevolencjia», de Sarajevo.

A hodierna atribuição do prémio pretende ser não só um reconhecimento da obra altamente humanitária, efectuada por vós e pelos vossos colaboradores no passado recente, mas também um encorajamento a prosseguirdes com generosidade e clarividência na actual fase de reconstrução, trabalhando por uma convivência pacífica em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina e em toda a região. Quer, além disso, expressar o desejo de que o exemplo dado pelas vossas organizações, pelas pessoas e Instituições que vos concederam os auxílios a distribuir, seja seguido também alhures por quantos pretendem servir a causa da paz e da reconciliação entre os povos.

3. Como evidenciava João XXIII na mencionada Encíclica, a construção da paz é «um intento tão nobre e elevado, que homem algum, embora louvavelmente animado de toda a boa vontade, o poderá levar a efeito só com as próprias forças. Para que a sociedade humana seja espelho mais fiel possível do Reino de Deus, é grandemente necessário o auxílio do Alto» (ibid.).

Nesta significativa circunstância, convido-vos a voltar comigo a mente e o coração para o Céu, a fim de que chegue do Alto o indispensável sustento a quantos se colocam cada dia, frequentemente em condições difíceis e perigosas para a sua incolumidade, ao lado do homem que sofre, com a intenção de contribuir eficazmente para a construção de uma sociedade onde reinem a justiça e a paz.

Deus conceda o dom de consolidar o clima de uma paz justa e estável em Sarajevo e na região inteira! Proteja os habitantes dos Balcãs! Que a paz triunfe logo sobre toda a terra. A paz de Deus acompanhe sempre as vossas pessoas e todas as actividades humanitárias das vossas Organizações!



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À SARAJEVO


DISCURSO DE DESPEDIDA


NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE SARAJEVO


13 de Abril de 1997



Senhor Presidente
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Antes de chegar a Sarajevo para realizar esta peregrinação, para mim tão significativa, segui, constantemente, com o pensamento e a oração, o desenrolar dos eventos nesta atormentada região. Os muitos sofrimentos e tragédias que se lhe abateram no decurso dos últimos anos suscitaram sempre no meu ânimo um eco profundo e sofrido. Muitas vezes chamei a atenção das pessoas de boa vontade e das instâncias internacionais para a vossa situação, a fim de que se pusesse fim ao conflito que destruía estas terras. Fiz tudo o que estava ao meu alcance para que os responsáveis se aplicassem na realização de uma paz justa e duradoura.

Agora, na conclusão da minha tão almejada visita, posso dizer que conheci, directamente e de perto, um povo corajoso e orgulhoso, e dou testemunho de uma sociedade que quer renascer, não obstante as contínuas dificuldades, e pretende construir o seu futuro caminhando por vias de paz, justiça e colaboração.

2. Estou grato a Deus por ter encontrado uma Igreja viva e, apesar das enormes adversidades e tormentos, plena de entusiasmo, que soube carregar a sua cruz para testemunhar a todos a força salvífica da mensagem evangélica. Ela continua a anunciar que chegou o tempo da esperança e, por isso, empenha- se concretamente na pacificação dos ânimos exacerbados pelo sofrimento, convidando ao exercício de uma caridade fraterna que saiba abrir-se ao acolhimento de todos, no respeito das ideias e dos sentimentos de cada um.

Prestes a voltar para Roma, permiti-me repetir as palavras: nunca mais a guerra! É um desejo, mas também uma oração que confio ao coração e ao espírito de todos. Para a Bósnia-Herzegovina, este é verdadeiramente o tempo de construir a paz. Para realizar uma empresa tão exigente, é necessário que recorrais às vossas melhores energias e à colaboração de todos os habitantes da Bósnia-Herzegovina, na consciência de que todos os homens são irmãos, porque todos são filhos do único Deus.

Quantas vezes, nos anos passados, insisti em vos assegurar que «não estais abandonados. Estamos convosco. Cada vez mais estaremos convosco». A Igreja inteira está ao vosso lado no difícil caminho de construir uma nova civilização, a civilização do amor. Agora, antes de partir, desejo dizer-vos: permaneço espiritualmente convosco. Permaneço espiritualmente com as vossas famílias e as vossas comunidades.

3. Mais uma vez, agradeço a todos quanto fizeram para garantir um desenvolvimento sereno da minha peregrinação. Agradeço, em especial, às Autoridades da Bósnia-Herzegovina e do Cantão de Sarajevo, como também às Autoridades internacionais que prestaram o seu serviço. O meu grato pensamento dirige- se a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, a todos os meus Irmãos Bispos, ao clero, às pessoas consagradas, a todos os fiéis leigos e ainda a todos aqueles que de muitos modos quiseram manifestar- me estima, respeito e afecto.

Deus Omnipotente, rico em misericórdia, proteja e abençoe todos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS DA DIOCESE


DE VANNES (FRANÇA)


15 de Abril de 1997



Estimados amigos

A vossa presença aqui enche-me de alegria porque evocais uma linda jornada da última peregrinação que fiz no meio do povo de Deus que está na França. Agradeço a D. François-Mathurin Gourvès, Bispo de Vannes, ter-vos acompanhado até aqui para me apresentar os fiéis devotos que se despenderam indefessamente e com discrição, em vista da perfeita organização da minha visita na terra da Bretanha.

Ao saudar-vos muito cordialmente, convosco dou graças ao Senhor pela fé e a coragem apostólica de todos aqueles que levaram o Evangelho à vossa pátria há tantos séculos, que a inculturaram e fortaleceram. Como eu disse a 20 de Setembro de 1996: «Dirigimo-nos a Santa Ana, que apareceu a Yves Nicolazic», dizendo- lhe: «Não tenhas medo! [...] Deus quer que eu seja honrada neste lugar» (Homilia em Sainte-Anne-d'Auray, ed. port. de L'Osservatore Romano de 28.IX.96, n. 3, pág. 4). Sim, Santa Ana vigiou por que os bretões e os fiéis do Oeste da França pudessem congregar-se na alegria, debaixo do sol, sob a luz de Deus!

Graças ao vosso trabalho paciente, as paróquias e os movimentos da diocese puderam manifestar a sua bonita vitalidade. Saúdo-vos hoje como as testemunhas dos «leigos cada vez mais numerosos que se empenham na animação da comunidade cristã e nas estruturas da vida pública e social» (Ibid., n. 4). Na linha dos vossos antepassados, «sede [...] construtores da Igreja nas novas gerações » (Ibidem).

Como deixar de evocar por um instante o magnífico encontro das famílias, que realizastes no impressionante quadro do Parque do Memorial, nas proximidades da Basílica de Santa Ana? O meu pensamento dirige-se aos pais, às crianças tão numerosas e alegres, bem como às pessoas que enfrentam as dificuldades com coragem. Tenho confiança em que as famílias cristãs saberão anunciar o Evangelho da vida às jovens gerações de hoje.

Um grupo de jovens uniu-se à vossa peregrinação a Roma: saúdo-os com gosto. Queridos amigos, espero encontrar- vos em Paris no mês de Agosto. E sei que precedentemente acolhestes numerosos companheiros vindos de outros países. Que estes encontros, estas reflexões e esta grande oração em comum vos confirmem na fé, ajudando-vos a preparar o vosso porvir! Também para vós, retomo o que eu disse em Sainte-Anne-d'Auray: «A Igreja é enviada a todos os homens [...] para anunciar a salvação que lhes é oferecida por Deus. Todos os cristãos são responsáveis por esta missão» (Ibid., n. 6).

Uma vez mais, obrigado por tudo o que realizastes com talento em vista da minha visita na Bretanha. Deus vos abençoe, bem como a todos os vossos entes queridos!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO CABIDO


DA CATEDRAL DE CANTUÁRIA


15 de Abril de 1997



Senhor Decano
Prezados Amigos

É com prazer que vos saúdo, membros do Cabido da Catedral de Cantuária, por ocasião da vossa visita a Roma, em conexão com o 1400º aniversário da missão conferida a Santo Agostinho e aos seus companheiros, pelo meu predecessor o Papa São Gregório Magno.

Durante a recente visita do Arcebispo Carey e a do seu predecessor, o Arcebispo Runcie — visitas que evoco com gratidão —, rezámos juntos na igreja de São Gregório, no Monte Célio, encontrando-nos no lugar do mosteiro em que tanto ele como Agostinho foram monges. Junto do altar de São Gregório, a nossa oração foi sobretudo de acção de graças pela fraternidade em Cristo, redescoberta através da peregrinação ecuménica dos últimos anos. Constituiu também uma oração pela conversão — «conversão a Cristo e, uns aos outros, em Cristo», e pelo «progresso rumo à plena unidade visível, que é dom de Deus e nossa vocação » (Declaração Comum, 5 de Dezembro de 1996, ed. port. de L'Osservatore Romano de 14.XII.96, pág. 10).

Rezo ardentemente para que as próximas celebrações na Inglaterra constituam um encorajamento, para os católicos e os anglicanos cooperarem ainda mais intimamente na preparação do Grande Jubileu do Ano 2000, ao qual deveríamos apresentar-nos «se não totalmente unidos, pelo menos muito mais perto de superar as divisões do segundo milénio» (Tertio millennio adveniente, TMA 34). O Senhor Jesus vos abençoe e vos conserve no seu Amor!



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE PEREGRINOS AUSTRALIANOS


17 de Abril de 1997



Caros Amigos em Cristo

É com grande prazer que me encontro com este grupo de peregrinos da Arquidiocese de Perth, por ocasião da vossa visita a Roma, ao túmulo dos Apóstolos Pedro e Paulo. Aqui, quisestes professar a vossa fé, a mesma fé de que os Apóstolos deram testemunho com a própria vida.

Enquanto a Igreja se está a preparar para o Grande Jubileu do 2000º aniversário do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo, rezo para que sejais confirmados na fé una, santa, católica e apostólica. No limiar do Terceiro Milénio, a nossa tarefa comum consiste em sermos cada vez mais verdadeiros à herança católica e em a transmitirmos completa e integralmente à geração mais jovem. A luz do Senhor brilhe sobre vós e as vossas famílias. Ele abençoe a vossa Arquidiocese e a Austrália inteira



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO «COR UNUM»


Sexta-feira, 18 de Abril de 1997



Prezados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Queridos Irmãos e Irmãs

1. Estou feliz de vos receber por ocasião da XXII Assembleia plenária do Pontifício Conselho Cor Unum. Saúdo em particular o vosso Presidente, D. Paul Josef Cordes, a quem agradeço as palavras de apresentação. Desejo agradecer- vos a dedicação quotidiana no vosso serviço à Igreja, no seio do Conselho e nos diferentes Organismos católicos em todos os continentes. Sois factores e animadores atentos, para enfrentar as situações de urgência, reagir a todas as formas de pobreza e de escravidão, e promover o desenvolvimento integral das pessoas e dos povos. Juntamente convosco, dou graças ao Senhor por aquilo que Ele nos concede a fim de aliviar a miséria e os sofrimentos dos nossos irmãos.

O vosso Dicastério, cujo nome evoca a unanimidade da primeira comunidade cristã — possuía um só coração na oração, na fracção do pão e na partilha fraterna (cf. Act Ac 2,42-47) —, tem a missão de manifestar na Igreja a caridade, que possui o seu manancial em Cristo. E «a edificação do Corpo de Cristo faz-se na caridade» (Fulgêncio de Ruspe, Carta a Ferrandus, 14).

2. Em primeiro lugar, a vossa Assembleia constitui a ocasião para fazer o balanço dos vinte e cinco anos de existência do Conselho, criado por Paulo VI em 1971. Sois os administradores de Deus, encarregados de gerar com atenção os dons dos fiéis, sensibilizar os cristãos às necessidades dos seus irmãos, reavivar incessantemente os vínculos de generosidade na Igreja, harmonizar e coordenar as suas diferentes intervenções. Mediante os vossos programas de acção e os vossos trabalhos, constituís também fermentos de unidade na Igreja e portadores de esperança para todos os pobres, que tomam consciência do alcance do Evangelho na transformação do mundo. Ao promoverdes reflexões teológicas e exegéticas para aprofundar o sentido espiritual do serviço caritativo, restituís as suas características de nobreza à caridade, que não se pode reduzir a gestos mecânicos sem compromisso a longo prazo. Ao mesmo tempo, desenvolvestes oportunamente a formação na prática da caridade, a fim de que se propague a civilização do amor nos quatro recantos do mundo.

A nossa sociedade atravessa numerosas crises: incremento no número de pobres, de pessoas deslocadas, de marginalizados e de desabrigados; aumento das desigualdades sociais e de formas de trabalho desumanizantes. Para fazer face a tais realidades, o Pontifício Conselho «Cor Unum», ao qual o Papa Paulo VI atribuiu uma identidade específica a preservar, é essencial. Numa visão global das necessidades do nosso mundo, tem como finalidade harmonizar as forças e as iniciativas dos organismos católicos de entreajuda, mediante o intercâmbio de informações e uma maior cooperação (cf. Carta ao Cardeal Villot Amoris officio, 15 de Julho de 1971), em íntima colaboração com os Bispos diocesanos, que têm a responsabilidade de guiar o povo de Deus e animar a vida pastoral, com o conjunto das instituições das Igrejas locais e com os outros Organismos da Cúria romana, que se preocupam com as questões da caridade, compreendida no sentido mais vasto do termo. De igual modo, compete-lhe entretecer relações confiantes com os Organismos especializados da Organização das Nações Unidas, cuja determinação em favor da erradicação da pobreza — mediante um programa de grande respiro, no espírito dos compromissos do encontro mundial de Copenhaga — apraz-me elogiar.

Onde quer que se prodigalizem — e este é o sentido da caridade — as acções de ajuda, de socorro e de assistência devem desempenhar-se num espírito de serviço e de dom gratuito, em benefício do conjunto das pessoas, sem segundas intenções de eventual tutela ou de proselitismo, o que deixaria imaginar que a caridade se realiza com finalidades em parte políticas ou económicas.

3. A actual Assembleia do vosso Dicastério tem também por objectivo preparar o Ano da Caridade, que precederá o Grande Jubileu do Ano 2000. A contemplação da Trindade leva o homem a viver no amor e abre-o à caridade. São Mateus recorda-nos o profundo vínculo entre a oração e a esmola. A oração dilata o coração e torna-o atento aos homens; desenvolvendo a fraternidade, a partilha permite-nos tomar consciência de que somos filhos de um mesmo Deus (cf. Mt. Mt 6,1-15). Assim, é haurindo na fonte do amor que poderemos amar verdadeiramente (cf. Centesimus annus CA 25).

O último ano preparatório, durante o qual voltaremos o nosso olhar para o Pai de toda a misericórdia, é particularmente oportuno, pois «a caridade é a forma de todas as virtudes» (S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, II-II 23,8). A caridade introduz-nos no mistério de Deus, torna-nos disponíveis ao Espírito Santo, faz-nos redescobrir o valor da reconciliação com o Senhor e com os nossos irmãos (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 50) e impele-nos a realizar obras boas (cf. Jo. Jn 14,12-17).

4. É importante reavivar incessantemente nos fiéis o desejo de manifestar o amor do Senhor, que não faz diferença entre as pessoas, considerando em primeiro lugar o bem do próximo (cf. Veritatis splendor VS 82). «Mediante as obras da caridade, tornamo-nos o próximo daquele a quem fazemos o bem» (Orígenes, Comentário sobre o Cântico, I), e estendemos a mão aos nossos irmãos; a Igreja testifica também que cada pessoa vale mais que todo o ouro do mundo; estará inquieta enquanto homens e mulheres enfrentarem catástrofes ou conflitos, morrerem de fome, não disporem do necessário para se nutrir, se vestir, cuidar da própria saúde e manter as pessoas pelas quais são responsáveis.

5. Mediante o testemunho da caridade fraterna, os discípulos de Cristo contribuem também para a justiça, a paz e o desenvolvimento dos povos. «A caridade representa o maior mandamento social. Ela respeita o outro e os seus direitos; exige a prática da justiça, de que só ela nos torna capazes e inspira-nos uma vida de entrega» (Catecismo da Igreja Católica CEC 1889). O desejo de fazer reinar a justiça e a paz no nosso mundo pressupõe que nos preocupemos pela partilha dos recursos. A caridade contribui para isto, porque cria laços de estima recíproca e de amizade entre as pessoas e os povos. Suscita a generosidade dos homens, que tomam consciência da necessidade de uma maior solidariedade internacional. É preciso recordar que isto não se pode realizar sem um verdadeiro serviço da caridade, que exige não só saber partilhar o que é supérfluo, mas também aceitar dar o necessário. Como o demonstrou muito bem Santo Ambrósio de Milão, fazer a distinção entre o necessário e o indispensável permite a cada um ser mais aberto aos próprios irmãos necessitados, mediante uma maior generosidade, purificar o seu relacionamento pessoal com o dinheiro e moderar o próprio apego aos bens deste mundo (cf. De Nabuthe).

6. O Jubileu deve favorecer a tomada de consciência, por parte de todos os membros da Igreja e de todos os homens de boa vontade, da cooperação necessária para enfrentar o desafio da partilha, da distribuição equitativa dos bens e da união das forças; desta maneira, todos hão-de contribuir para a edificação de uma sociedade mais justa e mais fraterna, premissas do Reino, porque o amor é um testemunho do Reino futuro, e somente ele pode transformar o mundo de forma radical. A caridade restitui a esperança aos pobres, que se descobrem verdadeiramente amados por Deus; cada um tem o seu lugar na construção da sociedade e o direito de dispor daquilo que é útil para a sua subsistência.

O amor pelos pobres põe em evidência a exigência da justiça social, como no-lo recorda o documento publicado pelo vosso Dicastério no ano passado – A fome no mundo. Todavia, ao mesmo tempo, é necessário afirmar que a caridade vai para além da justiça, porque constitui um convite a passar da ordem da simples equidade à ordem do amor e do dom de si, para que os vínculos estabelecidos entre os homens se baseiem sobre o respeito do próximo e sobre o reconhecimento da fraternidade, que constituem os fundamentos essenciais da vida na sociedade.

7. Quem pratica a caridade realiza uma profunda obra de evangelização. «O espírito de pobreza e de caridade é, com efeito, a glória e o sinal da Igreja de Cristo» (Concílio Ecuménico Vaticano II, Gaudium et spes GS 88). Por vezes, a acção na comunhão é mais eloquente que todos os ensinamentos; e os gestos unidos à palavra são testemunhos particularmente eficazes. Os discípulos do Senhor recordar-se-ão de que servir os pobres e as pessoas que sofrem significa servir a Cristo, que é a Luz do mundo. Mediante a sua vida quotidiana no amor que d’Ele provém, os fiéis contribuem para difundir a luz no mundo. A caridade é também o supremo desenvolvimento dos homens; conforma-os ao Senhor e torna-os livres diante dos bens terrestres. Assim, podem interrogar-se na verdade para saber se possuem os bens ou se estes os possuem, se são polarizados pelas riquezas ou se o seu coração está disponível aos irmãos.

8. No termo deste encontro, prezados Irmãos e Irmãs, confio a actividade do Pontifício Conselho Cor Unum à intercessão da Virgem Maria, pedindo-lhe que vos sustenha como susteve os Apóstolos no Cenáculo, à espera do Espírito do Pentecostes. A todos vós, àqueles que colaboram convosco nas vossas obras de caridade e àqueles que vos são queridos, concedo do íntimo do coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS «PATRONS OF ARTS» DOS MUSEUS DO VATICANO


18 de Abril de 1997



Senhoras e Senhores

Estou feliz por vos saudar, «Patrons of Arts» dos Museus do Vaticano, por ocasião do vosso encontro em Roma.

A antiga solicitude da Igreja pela promoção das artes e duma sólida cultura humanística está intimamente vinculada à sua missão espiritual universal. Ela está persuadida de que a beleza, de maneira particular a beleza que é o fruto da criatividade artística humana, constitui uma expressão evidente das mais elevadas aspirações da humanidade, bem como uma manifestação da glória de Deus, o Autor transcendente de toda a verdade e bondade. As colecções dos Museus do Vaticano representam a imensa contribuição da herança cultural da humanidade, mas também — o que é mais importante — manifestam a inspiração que o Evangelho continua a oferecer aos artistas contemporâneos e a todas as pessoas que vêem nos seus trabalhos um reflexo da beleza divina, que é «sempre antiga e sempre nova» (Santo Agostinho, Confissões, X, 27).

Estimados Amigos, o vosso patrocínio dá aos Museus do Vaticano a possibilidade de oferecer um singular testemunho de tais valores espirituais, visto que todos os dias abrem as suas portas a visitantes de tradições enormemente variegadas, provenientes de todas as partes do mundo. Com profundo apreço pelos vossos esforços em vista de patrocinar o trabalho dos Museus, invoco cordialmente sobre vós e as vossas famílias as bênçãos divinas da alegria e da paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA ESCANDINÁVIA EM VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


19 de Abril de 1997



Caros Irmãos no Episcopado!

1. É com grande alegria que dou as boas-vindas à «casa de Pedro» a vós que sois encarregados, na Escandinávia, da pastoral do povo de Deus. A visita «ad Limina» traz-vos para junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, a fim de revigorar a consciência da vossa responsabilidade de sucessores dos Apóstolos, e de confirmar a vossa comunhão com o Bispo de Roma de modo ainda mais intenso. Com efeito, as visitas «ad Limina » têm um significado particular na vida da Igreja: «constituem como que o ápice das relações dos Pastores de cada Igreja particular com o Romano Pontífice » (Pastor bonus ). Agradeço de coração ao Bispo de Helsínquia e Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Paul Verschuren, as comoventes palavras que me dirigiu em nome de todos vós. Elas expressaram não só informações, mas também a unidade e a fidelidade que unem o «extremo Norte» a Roma.

É viva em mim a recordação dos diversos encontros que, juntamente convosco, tive com os vossos fiéis. Penso na minha visita pastoral em 1989, assim como no sexcentésimo aniversário da beatificação de Brígida da Suécia, evento que, dois anos mais tarde, vos ofereceu a oportunidade de realizar uma peregrinação a Roma, «centrum unitatis» (Cipriano, De unitate, n. 7), o centro da unidade. Por ocasião da vossa última visita «ad Limina», que se realizou há cinco anos, reflectimos juntos sobre o mandato e as tarefas conexas com o vosso múnus episcopal. Hoje, convido-vos a retomar as reflexões de então e a continuá-las, a partir do ponto de vista da ideia e da realidade da Igreja, tal como a viveis na Dinamarca, na Finlândia, na Islândia, na Noruega e na Suécia, como contribuís para a edificar enquanto «servos de Cristo» (cf. Rom Rm 1,1) e como a guiais «como modelos para o rebanho» (1P 5,3). Os dias que transcorreis em Roma servirão não apenas para um debate, mas serão também ocasião de peregrinação e profissão de fé: profissão da Igreja, fundada por Jesus Cristo sobre Pedro, a pedra, «o perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da multidão dos fiéis» (Lumen gentium LG 23).

2. Eu creio numa Igreja. No «Credo» fazemos profissão de crer numa Igreja, mas não dizemos que cremos na Igreja, para não confundirmos Deus e a sua Igreja, mas fazemos claramente remontar à bondade de Deus todos os dons que Ele concedeu à sua Igreja (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 1,10 Catecismo da Igreja Católica, nn. 1, 10 e 22). Por isso, a nossa profissão em relação à Igreja depende do artigo de fé no Espírito Santo. Como diz um Padre, a Igreja é o lugar em que «floresce o espírito » (Hipólito, Traditio apostolica, n. 35). Do mesmo modo, o Concílio Vaticano II afirma: «Cristo é a luz dos povos » (Lumen gentium LG 1). A Igreja não se ilumina por si mesma. Não há outra se ilumina por si mesma. Não há outra luz senão a de Cristo. Por isso, pode ser comparada à lua, cuja luz é um reflexo do sol.

Caros Irmãos. Agradeço-vos porque, provistos dos dons do Espírito Santo, estais dispostos a levar a «luz de Cristo» àqueles Países em que a natureza com o seu jogo de luzes e de sombras, de sol e de lua, descreve a imagem usada pelo Concílio de modo expressivo e muitas vezes dramático.

Ainda que por vezes o vosso coração possa entristecer-se porque a luz de Cristo, não obstante todos os esforços, se acende pouco, encorajo-vos a não abandonar o vosso zelo, pois a luz de Cristo é mais forte do que a escuridão mais profunda. Da experiência pessoal obtida da minha visita pastoral, assim como da leitura dos vossos relatórios quinquenais, estou a par das muitas luzes que, juntamente com os vossos sacerdotes, diáconos, religiosos e inúmeras mulheres e homens empenhados, acendestes ao longo dos anos. Deste modo, as vossas Igrejas particulares, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou dispersas ( cf. Lumen gentium LG 26), reflectem as características expressas no «Credo».

3. Creio na Igreja una. Para vós o ecumenismo e a vida eclesial pertencem- se assim como os peixes pertencem à água. O diálogo interconfessional estende- se do âmbito privado ao nível dos guias eclesiais, e não só por palavras. É para mim uma alegria que na Suécia Santa Brígida seja honrada, ao mesmo tempo, quer pelos luteranos quer pelos católicos. Deveríeis considerar-vos verdadeiramente afortunados por esta «santa mulher ecuménica»! A sua vida e as suas obras constituem uma herança que vos irmana. «Senhor, mostrai-me a via e disponde-me a segui-la!». Esta invocação deriva duma sua oração, que ainda hoje é recitada na Suécia. Tudo aquilo a que esta «profetisa da época moderna» deu início, pode constituir o programa do movimento ecuménico. Permiti-me repetir aquilo que eu disse a 5 de Outubro de 1991, junto do túmulo de São Pedro, por ocasião do encontro de oração pela unidade dos cristãos: «O ecumenismo é uma viagem que se faz em conjunto e da qual, porém, não é possível fixar o percurso ou a duração. Não sabemos se o caminho é fácil ou difícil. Sabemos apenas que é nosso dever prosseguir juntos esta viagem» (L’Oss. 13/10/1991, pág. Rm 2,3).

Muito me alegram as múltiplas iniciativas que de maneira incansável promoveis nas vossas Igrejas particulares, a nível teológico, espiritual e litúrgico. Graças a elas, tornastes-vos interlocutores competentes e confiáveis para os representantes das outras Igrejas e Comunidades eclesiais. Prossegui com coragem e determinação este caminho de conhecimento e de aproximação recíprocos, com fidelidade «à verdade que recebemos dos Apóstolos e dos Padres» (Unitatis redintegratio UR 24). A visão comum de Cristo é mais forte do que todas as divisões da História que, com a ajuda de Deus, é preciso superar com paciência. Como expliquei no dia 9 de Junho de 1989, por ocasião da solenidade ecuménica em Upsália, «nem tudo pode ser feito imediatamente, mas devemos fazer hoje aquilo que podemos, na esperança daquilo que será possível amanhã». Neste sentido trabalha hoje a Comissão mista para o diálogo entre luteranos e católicos, e isto faz-me esperar que, no futuro, possa ser alcançada «aquela plenitude com a qual o Senhor quer que cresça o Seu corpo no decurso dos séculos» (Unitatis redintegratio UR 21). No limiar do Ano 2000 estão-me particularmente a peito dois aspectos: «É preciso continuar o diálogo sobre a doutrina, mas sobretudo dedicar-se à oração ecuménica » (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 34). A busca comum da verdade é tão importante quanto o testemunho comum; contudo, mais importante ainda é a adoração comum d’Aquele que «é a luz verdadeira, a que ilumina todo o homem » (Jn 1,9). Do espírito de adoração nasce o ecumenismo do testemunho, que hoje é mais urgente do que nunca (cf. Redemptoris missio RMi 50).

Depois o Credo diz:

4. Creio na Igreja santa. A Igreja é santificada através de Cristo, pois está unida a Ele. Apesar disto, existe uma diferença essencial entre Cristo e a sua Igreja. Enquanto Cristo é santo, pois não conheceu o pecado, no seio da Igreja vivem também pecadores. Por isso, tendes necessidade de uma constante purificação: «A Igreja é, pois, santa, embora compreendendo no seu seio pecadores, uma vez ela não possui outra via senão a da graça» (Paulo VI, Credo do Povo de Deus, n. 19). Nos vossos relatórios descrevestes de modo eficaz os obstáculos que a Igreja e os seus membros encontram na tentativa de satisfazer as exigências da santidade, numa época de agitações sociais.

Deveis testemunhar a Igreja santa nas sociedades pluralistas em que viveis. Ainda que se tornem cada vez mais teatro de embates dos vários estilos de vida, elas são ao mesmo tempo «areópagos » do diálogo entre Estado e Igreja (cf. Redemptoris missio RMi 37). Não só nas culturas plasmadas religiosamente, mas também nas sociedades seculares, muitas pessoas estão em busca da dimensão espiritual da vida, como meio de salvação contra a desumanização que experimentam quotidianamente. Este chamado fenómeno do «retorno à religião » não está isento de ambiguidades, mas contém também um apelo. A Igreja possui inestimáveis bens espirituais que deseja oferecer aos homens. Para poder exercer o seu mandato e promover um constante melhoramento das relações entre Estado e Igreja, esta última tem necessidade do pleno reconhecimento e da tutela dos direitos civis, que lhe competem enquanto comunidade. Somente assim a Igreja santa pode defender «o povo da vida e pela vida» e contribuir «para a renovação da sociedade, através da edificação do bem comum» (Evangelium vitae EV 101).

A santidade dos membros da Igreja, por exemplo, é posta à dura prova no âmbito do respeito pela vida. O que já agora indicais nos vossos relatórios quinquenais, no futuro tornar-se-á para vós um grande desafio: a tutela da santidade da vida. Lá onde o fundamento cristão é progressivamente removido, a sociedade lesa-se a si mesma de maneira grave. Observamo-lo na gradual dissolução do casal como forma fundamental de convivência humana, à qual segue um mercantilismo da esfera sexual que já não é vista na sua dignidade pessoal, mas como meio de satisfação do desejo ou como própria «necessidade». Daí resulta, inevitavelmente, a luta entre os sexos e entre as gerações. Observamos o mesmo processo de dissolução na atitude para com os nascituros. Afirmar que se pode interromper uma gravidez porque a criança é deficiente, para poupar a ela mesma e aos outros o peso da existência, significa escarnecer de todos os deficientes! O que vale para o início, vale também e sobretudo para o final da vida humana. Ninguém é tão doente, idoso ou deficiente a ponto de consentir que outro homem se arrogue o direito de dispor da sua vida.

Por isso vos exorto, caros Irmãos, ao testemunho ecuménico da santidade da vida: isto significa não só respeitar o outro na diversidade, mas amar na convicção de que precisamos uns dos outros, que nos doamos reciprocamente, que vivemos uns para os outros e somos cristãos uns para os outros, para realizarmos juntos a «viragem cultural» numa sociedade marcada «pela dramática luta entre “a cultura da vida” e a “cultura da morte”» (Evangelium vitae EV 95). Repito o meu «ardente apelo dirigido a cada um e a todos, em nome de Deus: respeita, defende, ama e serve a vida, cada vida humana!» (ibid., 5).

Para poder actuar de modo amplo é ao mesmo tempo urgentemente necessário «renovar a cultura da vida no seio das próprias comunidades cristãs» (cf. ibid., 95). Um relevo particular reveste a formação da consciência. Com efeito, a fé cristã desperta a consciência e funda a ética. É louvável que a vossa pastoral preste particular atenção à obra de formação. Nos anos passados pudestes publicar a tradução do Catecismo da Igreja Católica nas línguas norueguesa e sueca. Virão depois as traduções em dinamarquês e em finlandês. Apesar dos escassos meios financeiros não quereis renunciar também no futuro à administração de algumas escolas católicas. Considero particularmente digna de mérito a disponibilidade, por vós demonstrada, a unir-vos aos vossos sacerdotes e catequistas quando ministrais a vossa lição de fé e aceitais convites para ir às escolas. A respeito disso, desejo mencionar a obra generosa de muitas mulheres e de muitos homens que nas paróquias e, quando estas não são disponíveis, nas próprias casas oferecem uma «catequese domiciliar», para plantar no coração dos jovens a semente da fé e recuperar aquilo de que as escolas estatais privam as novas gerações. Uma família que transmite a Palavra de Deus torna-se uma «comunidade crente e evangelizadora» com uma «tarefa profética» (Familiaris consortio FC 51). A sua casa é uma «pequenina igreja», uma «igreja doméstica» (Lumen gentium LG 11).

5. Então, a força da nossa fé não se manifesta só com clamor, mas também no silêncio. Nas vossas Igrejas particulares inúmeras comunidades e institutos religiosos trabalham de modo incansável para a edificação do Reino de Deus. Enquanto por regra os ramos femininos seguem a tendência geral e apresentam problemas no que se refere aos novos rebentos, existem também plantas tenras que, ao contrário, dão muita esperança. Além da reconstrução de dois conventos beneditinos na Suécia, penso no «Carmelo mais setentrional do mundo », que foi fundado no dia 8 de Setembro de 1990 em Tromsø. Naquela época doze religiosas transferiram-se da Islândia para a Noruega setentrional. Nesse ínterim, o número das religiosas aumentou para vinte. Com o Carmelo manifestou- se um aspecto essencial da existência cristã: a vida contemplativa que confere prioridade à oração. Ancorado no seu centro, que é Jesus Cristo, o convento irradia a sua luz às comunidades paroquiais que o circundam. A agir sobre as pessoas de modo eficaz não são só os grandes títulos dos jornais, mas também esta discreta e ao mesmo tempo segura presença das religiosas, que constitui outro aspecto completamente diverso, mas não por isto menos missionário da «Igreja santa». Pois «é a santidade da Igreja a fonte secreta e a medida infalível da sua operosidade apostólica e do seu dinamismo missionário» (Christifideles laici CL 17). Algo pequeno, como um grão de mostarda, pode conter em si as potencialidades de crescimento duma grande árvore. Nisto deveríamos repor a nossa esperança quando recitamos o «Credo»:

6. Creio na Igreja católica. A propósito do número de membros das vossas Igrejas particulares, exíguo em relação à população total, podereis às vezes ser tentados a pôr-vos o preocupante interrogativo: «somos talvez um pobre vermezinho » (Is 41,14). Sobretudo, somos nós todos católicos no pleno sentido da palavra Posso compartilhar estes sentimentos e estes pensamentos e dirijo-vos, caros Irmãos, uma exortação que Jesus dirigiu aos seus discípulos desencorajados: «Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino» (Lc 12,32). Com isto Ele queria fazer com que tivessem esperança não só no além, mas também no presente: «Pois o Reino de Deus está dentro de vós» (Lc 17,21). O Reino de Deus já está no meio de vós na Dinamarca, na Finlândia, na Islândia, na Noruega e na Suécia. Embora sob o ponto de vista exterior as vossas Igrejas particulares sejam muito dispersas e numericamente exíguas, nelas, através do vosso serviço episcopal, está presente Jesus Cristo. «A Igreja católica encontra-se lá onde está Cristo» (Inácio de Antioquia, Ad Smyrn. 8, 2). Ela possui «de forma plena e total os meios de salvação» (Ad gentes, AGD 6): a justa e completa profissão de fé, que plasmou inteiramente a vida sacramental e o serviço santificado na sucessão apostólica. Neste sentido fundamental, a Igreja era católica já no dia de Pentecostes e permanecê-lo-á até ao dia em que Cristo, enquanto Cabeça do Corpo da Igreja, Se realizar inteiramente (cf. Ef Ep 1,22-23). Reconheço com gratidão o vosso empenho pela Igreja católica na Escandinávia e, em particular, os vossos esforços ao serviço do anúncio e para administrar os sacramentos. Além disso, é íntegro o vosso zelo em ordem a visitar, juntamente com os vossos Pastores, comunidades paroquiais por vezes muito distantes e dispersas. Encorajo-vos a difundir entre os vossos fiéis a catolicidade através de encontros e manifestações, que ultrapassem os confins de cada paróquia. Com grande alegria tomei conhecimento de que tendes intenção de organizar um «Katholikentag» para a Escandinávia inteira, por ocasião do Ano 2000. Com esta iniciativa desejais preparar para o Norte da Europa «uma grande primavera cristã, cuja aurora já se entrevê» (Redemptoris missio RMi 86).

Por fim, mostrais, juntamente com mulheres e homens generosos, que o vosso coração pulsa por um autêntico tempo católico, quando, daquele pouco que tendes à disposição para fins caritativos e pastorais, contribuís de modo solidário para promover projectos de missão. Não poderia passar em silêncio o vosso empenho em amar o próximo, seja em pequena ou em grande medida, o que não por último se repercute no facto de o nosso Irmão D. Kennecy já há anos ocupar o cargo de Presidentre da Cáritas europeia.

7. Permiti-me enfrentar um problema que muito me preocupa: referis-me que no domingo, nalgumas Catedrais, a Eucaristia é celebrada também em sete línguas diversas. Desse modo, por causa do movimento migratório e da sociedade multicultural, encontrais-vos diante de uma catolicidade que recorda o primeiro Pentecostes. Esta internacionalidade comporta, por um lado, um enriquecimento mas, por outro, representa também um perigo para a unidade e a identidade. As críticas e as rejeições experimentadas por pessoas de outros Países fomentam o ódio racial e levantam barreiras. Isto é negativo, em particular para os refugiados provenientes da Ásia e da América do Sul. «Não seja assim entre vós» (Mt 20,26). Mostrai aos sacerdotes e aos fiéis que vos estão confiados, com a vossa empatia e o vosso exemplo, como a multiplicidade de dons da graça pode ser uma fonte de enriquecimento «para utilidade comum» (1Co 12,7). «Pois, como em um só corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma função, assim nós, que somos muitos, constituímos um só corpo em Cristo, sendo individualmente membros uns dos outros » (Rm 12,4-5). Não é o número de fiéis que faz a catolicidade da Igreja, mas a força, que vem do Alto e se difunde. O pequeno grão de mostarda possui precisamente isto. Não tenhas medo, portanto, pequeno rebanho! Cuida sempre para que nenhum ladrão nem nenhum salteador entre no teu redil (cf. Jo Jn 10,7-10). Por isso vos recomendo que estejais atentos «neste tempo em que seitas cristãs e paracristãs semeiam a confusão» (Redemptoris missio RMi 50) e constituem uma ameaça para a Igreja católica e para todas as comunidades eclesiais, com as quais ela mantém diálogo. «Onde for possível e segundo as circunstâncias locais, a resposta dos cristãos poderá ser também ecuménica » (ibidem). Isto compete em particular a vós, que recebestes o múnus apostólico.

8. Creio na Igreja apostólica. Através de vós, caros Irmãos, Cristo prossegue o seu mandato: «Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (Jn 20,21). Contudo, o múnus apostólico não tem autoridade «a não ser em união com o Romano Pontífice, sua cabeça » (Lumen gentium LG 22). Muito me alegra o facto de os vínculos da nossa comunhão apostólica serem tão estreitos, e asseguro-vos a participação interior do Sucessor de Pedro. Ponho em relevo esta certeza, precisamente porque deduzo dos vossos relatórios que o múnus apostólico é necessário nas vossas Igrejas, como uma espécie de escolho à prova da maré.

Também nos vossos Países aumentam os casos de divórcio civil. O problema pastoral dos divorciados novamente casados torna-se cada vez mais premente. Repito o que disse a 24 de Janeiro deste ano, por ocasião da Assembleia plenária do Pontifício Conselho para a Família: a eles não pode ser concedida nem a comunhão eucarística nem a reconciliação no sacramento da penitência, contudo, estas mulheres e estes homens devem saber que a Igreja os ama, que está junto deles e que sofre por causa da sua situação. Os divorciados novamente casados são e continuam a ser seus membros, uma vez que receberam o baptismo e conservaram a fé cristã (cf. Familiaris consortio FC 84). Os Pastores são convidados a estar junto deles com amor solícito, de maneira que perseverem na oração e mantenham a confiança no amor paterno de Deus (cf. ibid.).

As Igrejas luteranas recentemente permitiram às mulheres assumir papéis de guias, entre os quais também o do Episcopado. Reafirmo com vigor que «a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja» (Ordinatio sacerdotalis, 4).

9. No que se refere a todas estas questões, seríeis como «alguém que brada no deserto» (cf. Mc Mc 1,3), se não houvessem mulheres e homens generosos que vos sustentam no esforço por introduzir os valores cristãos numa sociedade secularizada. Já o Concílio tinha reconhecido que a obra dos leigos é de tal modo necessária, «que sem ela o próprio apostolado dos Pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu efeito» (Apostolicam actuositatem AA 10). Isto, porém, não deve permanecer apenas um apelo feito com palavras bonitas. Uma passagem particularmente significativa da Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, do meu predecessor Paulo VI, merece ser recordada nesta ocasião: «Importa evangelizar — não de maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital, em profundidade e isto até às suas raízes — a cultura e as culturas do homem, no sentido pleno e amplo que estes termos têm... A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como o foi também de outras épocas. Assim, importa envidar todos os esforços no sentido de uma generosa evangelização da cultura, ou mais exactamente das culturas» (Evangelii nuntiandi, EN 20). Exorto-vos, homens e mulheres capazes de promover e de encorajar, a anunciar o Evangelho «por todas as estradas do mundo» (cf. Christifideles laici CL 44). Uma importante estrada do mundo de hoje é a dos meios de comunicação social, no âmbito dos quais não deve faltar a voz da Igreja. Ainda que em todos os Países confiados à vossa solicitude pastoral existam publicações eclesiais, que informam os católicos acerca dos eventos na Diocese e no mundo, encorajo-vos a incorporar-vos ainda mais como sal, fermento e luz no âmbito dos meios de comunicação social. O mundo não tem necessidade de um vago sentimento religioso, mas da clareza daquela mensagem de «vida em abundância» (cf. Jo Jn 10,10), que exige muito dos indivíduos, mas confere também sentido à sua existência e os torna dignos de ser homens. Não deis aos homens somente aquilo que desejam! Dai-lhes aquilo de que têm necessidade! Dedicar-se a esta tarefa significa exercer o serviço apostólico.

Caros Irmãos!

10. Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Reflectimos sobre o significado que esta profissão reveste para vós e para as vossas Igrejas particulares. O que seria desta Igreja sem os sacerdotes? Entre vós não existe uma grave carência de sacerdotes, mas faltam forças autóctones. Por isso vos peço que tenhais particularmente a peito as novas gerações de sacerdotes, embora eu conheça os esforços que fizestes nos anos passados para conferir uma forma concreta às estruturas e aos processos de formação. O Colégio sueco em Roma, que acolhe estudantes provenientes de toda a Escandinávia, assim como a efectiva cooperação e o apoio financeiro que vos unem à Igreja na Alemanha, são uma base sobre a qual edificar. Mais do que as condições exteriores, devem funcionar os pressupostos interiores. Não somos capazes de criar vocações, mas podemos desejá-las.

Mais de três séculos separam-nos do naturalista, médico e Bispo Niels Stensen, que nasceu em Copenhaga e, na sua época, prestou o próprio trabalho como Vigário Apostólico nas missões do Norte. A partir de então a filosofia, a medicina e a teologia desenvolveram-se ulteriormente. A nós foi legada toda a responsabilidade de imprimir na vida a fé e a ética cristãs. Aquilo que o Bispo Niels Stensen escreveu outrora à Congregação da Propagação da Fé acerca do sucesso dos seus esforços, vale também hoje para nós: «Quanto menos a previsão humana esperar das coisas de Deus, tanto mais claramente se há-de manifestar, pouco a pouco, a Providência divina. Nos assuntos apostólicos é preciso comportar-se de modo apostólico e aproveitar as ocasiões como se apresentam, abandonando-se ao sucesso da misericórdia divina» (Epistolae II, 809).

Deposito nas mãos de Deus as vossas múltiplas obras pastorais e as alegrias e os sofrimentos que os vossos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas e leigos provam na sua vida de fé. Confio-vos, a vós e a todos aqueles de que vos ocupais, à intercessão de Maria, Mãe de Deus, que honramos também como Mãe da Igreja, e concedo a todos vós a minha Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1997 - A QUATRO ORGANIZAÇÕES HUMANITÁRIAS