AUDIÊNCIAS 1998 - AUDIÊNCIA


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 25 de Fevereiro de 1998



1. Com a Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas, inicia hoje o itinerário quaresmal, que culminará no evento central do ano litúrgico, o Tríduo pascal celebrativo da paixão, morte e ressurreição de Cristo.

Jesus passou quarenta dias no deserto antes de empreender a Sua missão; do mesmo modo, nós somos convidados, neste dia, a entrar num tempo forte de reflexão e de oração para caminharmos rumo ao Calvário e experimentarmos depois a alegria da ressurreição. O exórdio deste singular período penitencial é constituído por um gesto simbólico e significativo: a imposição das cinzas. Ao recordar-nos a caducidade da vida terrena, ele evoca a necessidade de um generoso empenho ascético, do qual brote a decisão corajosa de cumprir não a própria vontade, mas a vontade do Pai celeste, segundo o exemplo de Jesus.

A imposição das cinzas evidencia, além disso, a nossa condição de criaturas, em total e reconhecida dependência do Criador. Com efeito, foi Deus que com um surpreendente acto de predilecção e misericórdia tirou o homem do pó, dotando-o de uma alma imortal e chamando-o a compartilhar a Sua vida divina. Será ainda Deus que, no último dia, o fará ressurgir do pó e lhe transfigurará o corpo mortal.

2. O acto humilde de receber as sagradas cinzas sobre a cabeça, corroborado pelo convite que hoje ressoa na Liturgia: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho», contrapõe-se ao gesto soberbo de Adão e Eva, que com a sua desobediência destruíram a relação de amizade que existia com Deus Criador. Em virtude desse drama inicial, não obstante o Baptismo, todos nós estamos expostos ao perigo de ceder à recorrente tentação, que impele o ser humano a viver em arrogante autonomia de Deus e em perene antagonismo com o próximo.

Eis então que se desvendam o significado e a necessidade do tempo quaresmal que, com o apelo à conversão nos conduz, através da oração, da penitência e de gestos de solidariedade fraterna, a reacender ou revigorar na fé a amizade com Jesus, a libertar-nos das ilusórias promessas de felicidade terrena, a sentir de novo a harmonia da vida interior na autêntica caridade de Cristo.

3. Faço meu quanto São Leão Magno afirmava num dos seus discursos sobre a Quaresma: «As obras de virtude não existem sem a prova das tentações; não há fé sem contrastes; não há luta sem inimigo; não há vitória sem combate. Esta nossa vida transcorre entre insídias e lutas. Se não quisermos ser enganados, devemos vigiar; se quisermos vencer, devemos combater» (Sermão XXXIX, 3).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, acolhamos este convite. Ele exige uma disciplina árdua, especialmente no actual contexto social, com frequência marcado pelo fácil desempenho e pelo ateísmo prático. O Espírito Santo conforta-nos e sustém-nos nesta luta. Ele «vem em ajuda da nossa fraqueza — como assegura o apóstolo Paulo — pois não sabemos o que devemos pedir em nossas orações, mas é o próprio Espírito que intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rm 8,26).

E precisamente ao Espírito Santo é dedicado este segundo ano de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Eu escrevia na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente: «Será, por isso, importante redescobrir o Espírito como Aquele que constrói o Reino de Deus no curso da história e prepara a sua plena manifestação em Jesus Cristo, animando os homens no mais íntimo deles mesmos e fazendo germinar dentro da existência humana os gérmens da salvação definitiva que acontecerá no fim dos tempos» (n. 45).

4. Deixemo-nos, pois, guiar pelo Espírito Santo durante este tempo privilegiado: é o próprio Espírito que, em vista de preparar Jesus para a Sua missão, O conduziu ao deserto da tentação e O confortou depois na hora da prova, acompanhando-O desde o jardim das oliveiras até ao Gólgota. O Espírito Santo está ao nosso lado mediante a graça dos sacramentos. Em particular, no sacramento da Reconciliação Ele conduz-nos, ao longo da via do arrependimento e da confissão das culpas, entre os braços misericordiosos do Pai.

Faço votos de coração por que a Quaresma seja para cada cristão uma ocasião propícia para este caminho de conversão, que tem a sua fundamental e irrenunciável referência no sacramento da Penitência. É esta a condição para chegar a uma experiência mais íntima e profunda do amor do Pai.

Que ao longo do itinerário quaresmal nos acompanhe Maria, exemplo de dócil acolhimento do Espírito de Deus. A Ela nos dirigimos neste dia, no momento em que, juntamente com os crentes do mundo inteiro, entramos no clima austero e penitencial da Quaresma.



                                                                           Março de 1998

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 11 de Março de 1998



1. Depois de considerarmos a salvação integral operada por Cristo Redentor, queremos agora reflectir sobre a sua progressiva actuação na história da humanidade. Em certo sentido, precisamente sobre este problema os discípulos interrogam Jesus antes da Ascensão: «Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?» (Ac 1,6).

A pergunta, assim formulada, revela que eles ainda são condicionados pelas perspectivas de uma esperança que concebe o Reino de Deus como um evento estritamente ligado ao destino nacional de Israel. Nos quarenta dias entre a Ressurreição e a Ascensão, Jesus falara-lhes do «Reino de Deus» (Ac 1,3). Mas só depois da grande efusão do Espírito no Pentecostes eles serão capazes de captar as suas profundas dimensões. Entretanto, Jesus adverte contra a sua impaciência, impelida pelo desejo de um reino de contornos ainda muito políticos e terrenos, convidando-os a remeter-se aos desígnios misteriosos de Deus: «Não vos compete saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou com a Sua autoridade» (Ac 1,7).

2. Esta admoestação de Jesus sobre os «tempos de Deus» revela-se hoje mais do que nunca actual, após dois mil anos de cristianismo. Diante do crescimento bastante lento do Reino de Deus no mundo, é-nos pedido que confiemos no plano do Pai misericordioso, que tudo guia com sabedoria transcendente. Jesus convida-nos a admirar a «paciência» do Pai, que adapta a Sua acção transformadora às lentidões da natureza humana, ferida pelo pecado. Esta paciência já se manifestara no Antigo Testamento, na longa história que havia preparado o advento de Jesus (cf. Rm Rm 3,26). Ela continua a manifestar-se depois de Cristo, no crescimento da Igreja (cf. 2P 3,9).

Na Sua resposta aos discípulos, Jesus fala de «tempos» («xronoi») e de «momentos («kairoi»). Estas duas expressões da linguagem bíblica sobre o tempo apresentam dois matizes que convém recordar. O «xronoz» é o tempo no seu decurso ordinário, também este sob a influência da Providência divina que tudo sustém. Mas neste ordinário desenvolver-se da história, Deus realiza as Suas intervenções especiais, que conferem a determinados tempos um valor salvífico muito particular. São precisamente os «kairoi», os momentos de Deus, que o homem é chamado a discernir e pelos quais se deve deixar interpelar.

3. A história bíblica é rica desses momentos especiais. O tempo da vinda de Cristo reveste uma importância fundamental. À luz desta distinção entre «xronoi» e «kairoi», é possível reler também a história bimilenária da Igreja.

Enviada à humanidade inteira, a Igreja conhece diferentes momentos no seu desenvolvimento. Nalguns lugares e períodos, encontra particulares dificuldades e obstáculos, noutros o seu progresso é muito rápido. Registam-se longos períodos de espera, nos quais os seus intensos esforços missionários parecem ser ineficazes. São tempos que põem à prova a força da esperança, orientando-a para um futuro mais distante.

Contudo, existem também momentos favoráveis, nos quais a Boa Nova encontra um acolhimento benévolo e as conversões se multiplicam. O primeiro e fundamental momento de graça mais abundante é constituído pelo Pentecostes. Muitos outros vieram depois dele e ainda hão-de vir.

4. Quando chega um destes momentos, aqueles que têm uma especial responsabilidade na evangelização são chamados a reconhecê-lo, para aproveitar melhor as possibilidades oferecidas pela graça. Mas não é possível determinar com antecipação a sua data. A resposta de Jesus (cf. Act Ac 1,7) não se limita a deter a impaciência dos discípulos, mas ressalta a sua responsabilidade.Eles são tentados a esperar que Jesus pense em tudo. Recebem, ao contrário, uma missão que os chama a um empenho generoso: «Sereis Minhas testemunhas» (Ac 1,8). Se com a Ascensão Jesus Se afasta do olhar deles, quer precisamente mediante os discípulos continuar a estar presente no meio do mundo.

A eles confia a tarefa da difusão do Evangelho no universo inteiro, impelindo-os a sair da estreita perspectiva limitada a Israel. Alarga-lhes o horizonte, convidando-os a testemunhá-l'O «em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (Ac 1,8).

Consequentemente, tudo acontecerá no nome de Cristo, mas tudo se realizará também através da obra pessoal destas testemunhas.

5. Perante esta difícil missão, os discípulos poderiam recuar, julgando-se incapazes de assumir uma responsabilidade tão onerosa. Mas Jesus indica o segredo que lhes permitirá estar à altura da missão: «Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós» (ibid.). Com esta força os discípulos conseguirão ser, não obstante a debilidade humana, autênticas testemunhas de Cristo no mundo inteiro.

No Pentecostes, o Espírito Santo colma cada um dos discípulos e a inteira comunidade com a abundância e a diversidade dos Seus dons. Jesus revela a importância do dom da fortaleza («dinamiz»), que sustentará a sua acção apostólica. Na Anunciação, o Espírito Santo descera sobre Maria como «força do Altíssimo» (cf. Lc Lc 1,35), realizando no seu seio a maravilha da Encarnação. A mesma força do Espírito Santo produzirá novas maravilhas de graça na obra de evangelização dos povos.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 18 de Março de 1998



1. Tendo em vista o objectivo primário do Jubileu, que é «o revigoramento da fé e do testemunho dos cristãos» (Tertio millennio adveniente TMA 42), depois de ter delineado nas catequeses anteriores os traços fundamentais da salvação oferecida por Cristo, detemo-nos hoje para reflectir sobre a fé que Ele espera de nós.

A Deus que Se revela ensina a Dei Verbum é devida «a obediência da fé» (n. 5). Deus revelou-Se na Antiga Aliança, pedindo ao povo por Ele escolhido uma fundamental adesão de fé. Na plenitude dos tempos, esta fé é chamada a renovar-se e a desenvolver-se, para corresponder à revelação do Filho de Deus encarnado. Jesus pede-a expressamente, ao dirigir-Se aos discípulos na última Ceia: «Credes em Deus, crede também em Mim» (Jn 14,1).

2. Jesus já tinha pedido ao grupo dos doze Apóstolos uma profissão de fé na Sua pessoa. Junto de Cesareia de Filipe, depois de ter interrogado os discípulos sobre os pareceres expressos pelo povo acerca da Sua identidade, Ele pergunta: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (Mt 16,15). Simão respondeu: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (16, 16).

Imediatamente Jesus confirma o valor desta profissão de fé, sublinhando que não procede apenas de um pensamento humano, mas de uma inspiração celeste: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue quem to revelou, mas o Meu Pai que está nos céus» (Mt 16,17). Estas expressões de forte matiz semítico designam a revelação total, absoluta e suprema: a que se refere à pessoa de Cristo, Filho de Deus.

A profissão de fé pronunciada por Pedro permanecerá expressão definitiva da identidade de Cristo. Marcos retoma estes termos para introduzir o seu Evangelho (cf. Mc Mc 1,1). Na conclusão do seu Evangelho, João faz-lhe referência, afirmando que o escrevera para que se acredite «que Jesus é o Cristo, Filho de Deus», e para que acreditando se possa ter a vida no Seu nome (cf. Jo Jn 20,31).

3. Em que consiste a fé? A Constituição Dei Verbum explica que, com ela, «o homem se entrega total e livremente a Deus oferecendo «a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade» e prestando voluntário assentimento à Sua revelação» (n. 5). A fé, portanto, não é só adesão da inteligência à verdade revelada, mas também obséquio da vontade e dom de si a Deus que Se revela. É uma atitude que empenha a existência inteira.

O Concílio recorda ainda que para a fé são necessários «a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade» (ibid.). Deste modo vê-se como a fé, por um lado, faz acolher a verdade contida na Revelação e proposta pelo magistério daqueles que, como Pastores do Povo de Deus, receberam um «carisma da verdade» (Dei Verbum DV 8). Por outro lado, a fé impele também a uma verdadeira e profunda coerência, que deve ser expressa em todos os aspectos de uma vida segundo o modelo da vida de Cristo.

4. Como fruto da graça, a fé influencia os acontecimentos. É o que se observa de maneira admirável no caso exemplar da Virgem Santa. Na Anunciação, a sua adesão de fé à mensagem do anjo é decisiva para a própria vinda de Jesus ao mundo. Maria é Mãe de Cristo porque foi a primeira a acreditar nEle.

Nas bodas de Caná, mediante a sua fé, Maria obtém o milagre. Diante de uma resposta de Jesus que parecia pouco favorável, Ela mantém uma atitude confiante, tornando-se assim modelo da fé audaz e constante que supera os obstáculos.

Audaz e insistente foi também a fé da cananeia. A esta mulher, que veio pedir a cura da filha, Jesus opusera o plano do Pai, que limitava a Sua missão às ovelhas perdidas da casa de Israel. A cananeia respondeu com todo o vigor da sua fé e obteve o milagre: «ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas» (Mt 15,28).

5. Em muitos outros casos o Evangelho testemunha o poder da fé. Jesus exprime a Sua admiração pela fé do centurião: «Em verdade vos digo: não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé» (Mt 8,10). E a Bartimeu diz: «Vai, a tua fé te salvou» (Mc 10,52). Repete a mesma coisa à hemorroíssa (cf. Mc Mc 5,34).

As palavras dirigidas ao pai do epiléptico, que desejava a cura do filho, não são menos impressionantes: «Tudo é possível a quem crê» (Mc 9,23).

O papel da fé é cooperar com esta omnipotência. Jesus pede essa cooperação a ponto de, retornando a Nazaré, não realizar quase nenhum milagre, motivo pelo qual os habitantes da Sua aldeia não acreditavam nEle (cf. Mc Mc 6,5-6). Para as finalidades da salvação, a fé tem uma importância decisiva para Jesus.

São Paulo desenvolverá o ensinamento de Cristo quando, em contraste com quantos queriam fundar a esperança de salvação sobre a observância da lei hebraica, afirmará com veemência que a fé em Cristo é a única fonte de salvação: «Porquanto julgamos que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei» (Rm 3,28). Não se deve, contudo, esquecer que São Paulo pensava naquela fé autêntica e plena «que actua pela caridade» (Ga 5,6). A verdadeira fé é animada pelo amor a Deus, que é inseparável do amor aos irmãos.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 25 de Março de 1998



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Rendo graças ao Senhor que nos dias passados, com a breve mas intensa permanência na Nigéria, me concedeu voltar a visitar o amado continente africano. A África torna-se cada vez mais protagonista da própria história na Igreja e co-responsável do caminho do inteiro Povo de Deus.

Na Nigéria encontrei uma Igreja viva, que há pouco festejou os cem anos da primeira evangelização e se encaminha com decisão para o Ano 2000, guiada e estimulada pelas orientações do recente Sínodo africano. Ali surgiram nos últimos tempos novas Comunidades diocesanas e paroquiais. Aumentam as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada: três novos Seminários foram abertos, além dos oito já existentes. Tudo isto é fruto do Espírito Santo, que animou a Igreja na Nigéria nestes cem anos, e continua também hoje a sustentá-la no seu caminho ao encontro do futuro.

2. Agradeço ao Chefe do Estado e às outras Autoridades civis o acolhimento que me foi reservado. Faço votos por que este singular evento espiritual contribua para intensificar o processo para a reconciliação na justiça e para o pleno respeito dos direitos humanos de cada componente do povo nigeriano.

Exprimo reconhecimento fraterno aos Bispos do País pelo testemunho de comunhão e afecto que ofereceram ao Sucessor de Pedro, e neste agradecimento incluo também os sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas e todos os fiéis leigos. Renovo a cada um o meu «obrigado» e o meu abraço de paz.

Saúdo com deferência os seguidores das outras religiões, especialmente os Muçulmanos, que têm uma conspícua presença no País. A todo o povo nigeriano dirige-se a minha mais sentida saudação.

3. Durante esta permanência na Nigéria, além de visitar as Autoridades do País, foi-me dado entreter-me com os Bispos, Pastores zelosos do povo cristão. Conservo, além disso, uma querida recordação do encontro com os mais altos representantes do Islão, com os quais quis reafirmar a importância dos vínculos espirituais que irmanam cristãos e muçulmanos: a fé no Deus único e misericordioso, o empenho em procurar e cumprir a Sua vontade, o valor de cada pessoa enquanto criada por Deus com um fim especial, a liberdade religiosa, a ética da solidariedade. Peço ao Senhor que cristãos e muçulmanos, ambos numerosos na Nigéria, colaborem na defesa da vida, assim como em promover o efectivo reconhecimento dos direitos humanos de cada um.

4. Outro grande momento da minha visita pastoral foi a Santa Missa em Abuja, nova capital federal do país. No coração do continente negro, elevei a Deus, juntamente com os Bispos, com o clero e os fiéis, uma grande oração pela África, para que conheça justiça, paz e desenvolvimento; para que conserve os seus valores mais genuínos, o seu amor à vida e à família, à solidariedade e à vida comunitária. Rezei para que a África, habitada por inumeráveis grupos étnicos, se torne uma família de povos, tal como o Senhor quer que seja o mundo inteiro: uma família de nações. O Evangelho é fermento de autêntica paz e unidade.

A Igreja anuncia até aos extremos confins da terra esta «Boa Nova» da salvação e anima o empenho em prol da justiça, da paz, do desenvolvimento integral da sociedade e do respeito dos direitos fundamentais da pessoa.

Por essa causa deram a vida os missionários, primeiros evangelizadores do continente africano; por esta mesma causa despenderam a existência muitos nigerianos, como o Padre Tansi, e tantos outros que depois dele responderam ao chamado do Senhor, e agora cooperam para a nova evangelização na pátria e noutras partes do globo. A Igreja não cessa de render graças a Deus por este misterioso intercâmbio de dons, fruto da acção eficaz e universal do Espírito Santo.

5. O momento culminante desta minha peregrinação apostólica foi a solene Celebração eucarística para a beatificação do Padre Cipriano Michael Iwene Tansi, que se realizou na sua cidade natal, Onitsha.

Este evento comunicou uma elevada mensagem de santidade, de pacificação e esperança, concentrada de modo admirável no testemunho do Padre Tansi. Todo o seu apostolado hauria vigor da Eucaristia: celebrava a Santa Missa com visível fervor de fé e de amor e adorava, durante longas horas, o Santíssimo Sacramento, no recolhimento da contemplação.

Nestas pausas prolongadas de oração, o Senhor atraiu-o cada vez mais a Si, fazendo com que ele percebesse com crescente clareza a chamada à vida contemplativa. Com a idade de 47 anos partiu para a Inglaterra, onde entrou na Abadia Cisterciense do Monte São Bernardo. Não pôde, como era seu desejo e projecto, retornar à pátria para ali implantar uma comunidade monástica. A morte antecipou-o, mas o seu testemunho, fecundado pela oração e pelo sacrifício, permaneceu como uma semente preciosa e eficaz, que não deixou de suscitar frutos abundantes.

6. O Padre Tansi é a primeira testemunha da fé cristã na Nigéria a ser elevada às honras dos altares: por isto vem espontâneo pensar nele como no «protomártir» daquela Nação. Não porque tenha sido martirizado, mas no sentido que ofereceu um invencível testemunho de amor, consumindo-se no serviço de Deus e dos irmãos ao longo da sua inteira existência.

Na história da Igreja os protomártires revestem notável importância para o desenvolvimento da comunidade dos crentes e para a evangelização. Pensamos, por exemplo, nos protomártires romanos e naqueles de inúmeros outros Países, onde a fé é cadenciada pelo seu heróico testemunho. A beatificação do Padre Tansi não é apenas reconhecimento da sua santidade e do clima espiritual em que cresceu, até chegar à perfeição da união com Deus e com os irmãos. Ela é também um auspício e um sinal de esperança para o futuro desenvolvimento da Igreja na Nigéria e em África.

7. O novo Beato interceda para que se incremente na sociedade nigeriana e em todos os Países africanos um justo e sincero espírito de reconciliação e se difunda cada vez mais a mensagem evangélica. Cresça a compreensão recíproca, fonte de paz, alegria e unidade nas famílias. Consolide-se a solidariedade na justiça, porque é nesta estrada que se pode realizar o harmonioso desenvolvimento de cada nação.

Confiamos estes votos à Virgem Santa, que hoje a Liturgia nos faz contemplar no mistério da Anunciação. O Espírito Santo impeliu-a a dizer o seu «fiat» a Deus e formou no seu seio o Verbo encarnado. O mesmo Espírito tornou fecunda no decurso dos séculos a incansável obra missionária dos Apóstolos e das testemunhas de Cristo em todos os ângulos da terra.

Ao contemplarmos Maria, ícone da fidelidade e da obediência, todos nós somos convidados neste dia a acolher generosamente a chamada divina e a pronunciar o nosso «sim» fiel e definitivo à vontade do Senhor, para que se cumpra em toda a parte o Seu desígnio salvífico.

A Virgem da Anunciação, que hoje celebramos, nos torne dóceis e corajosos servidores da Palavra, que n'Ela Se fez carne para a salvação de todo o ser humano.



                                                                                 Abril de 1998



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 1 de Abril de 1998



1. Segundo o Evangelho de Marcos, os últimos ensinamentos de Jesus aos Seus discípulos apresentam juntos fé e Baptismo, como única via de salvação: «Quem crer e for baptizado será salvo, mas quem não acreditar será condenado» (16, 16). Também Mateus, ao referir o mandato missionário que Jesus dá aos Apóstolos, sublinha o nexo entre pregação do Evangelho e Baptismo: «Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (28, 19).

Em conformidade com estas palavras de Cristo, Pedro no dia de Pentecostes, ao dirigir-se ao povo para o exortar à conversão, convida os seus ouvintes a receber o Baptismo: «Convertei-vos e peça cada um o Baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (Ac 2,38). A conversão, portanto, não consiste só numa atitude interior, mas implica também o ingresso na comunidade cristã através do Baptismo, que opera a remissão dos pecados e insere no Corpo místico de Cristo.

2. Para captar o sentido profundo do Baptismo é preciso meditar de novo o mistério do Baptismo de Jesus, no início da Sua vida pública. Trata-se dum episódio à primeira vista surpreendente, porque o Baptismo de João, que Jesus recebeu, era um Baptismo de «penitência», que dispunha o homem a receber a remissão dos pecados. Jesus sabia bem que não tinha necessidade daquele Baptismo, sendo perfeitamente inocente. Certo dia, Ele dirá em tom de desafio aos Seus adversários: «Qual de vós Me acusará de pecado?» (Jn 8,46).

Na realidade, ao submeter-Se ao Baptismo de João, Jesus recebe-o não para a própria purificação, mas em sinal de solidariedade redentora com os pecadores. No Seu gesto baptismal está ínsita uma intenção redentora, pois Ele é «o cordeiro [...] que tira o pecado do mundo» (Jn 1,29). Mais tarde chamará «Baptismo» à Sua paixão, experimentando-a como uma espécie de dimensão no sofrimento, aceite com a finalidade redentora para a salvação de todos: «Tenho de receber um Baptismo, e que angústias as Minhas até que se realize!» (Lc 12,50).

3. No Baptismo no Jordão, Jesus não só anuncia o empenho do sofrimento redentor, mas obtém também uma especial efusão do Espírito, que desce em forma de pomba, isto é, como Espírito da reconciliação e da benevolência divina. Esta descida prelude o dom do Espírito Santo, que será comunicado no Baptismo dos cristãos.

Além disso, uma voz celeste proclama: «Tu és o Meu filho muito amado, em Ti pus toda a Minha complacência» (Mc 1,11). É o Pai que reconhece o próprio Filho e exprime o vínculo de amor que O une a Ele. Na realidade, Cristo está unido ao Pai por uma relação singular, porque Ele é o Verbo eterno, «consubstancial ao Pai». Contudo, em virtude da filiação divina conferida pelo Baptismo, pode-se dizer que para cada pessoa baptizada e inserida em Cristo, ainda ressoa a voz do Pai: «Tu és o Meu filho muito amado».

No Baptismo de Cristo encontra-se assim a fonte do Baptismo dos cristãos e da sua riqueza espiritual.

4. São Paulo ilustra o Baptismo sobretudo como participação nos frutos da obra redentora de Cristo, ressaltando a necessidade de renunciar ao pecado e iniciar uma vida nova. Escreve aos Romanos: «Ignorais, porventura, que todos nós, que fomos baptizados em Jesus Cristo, fomos baptizados na Sua morte? Pelo Baptismo sepultámo-nos juntamente com Ele, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, mediante a glória do Pai, assim caminhemos nós também numa vida nova» (6, 3-4).

Precisamente porque imerge no mistério pascal de Cristo, o Baptismo cristão tem um valor muito superior aos ritos baptismais hebraicos e pagãos, que eram abluções destinadas a significar a purificação, mas incapazes de cancelar os pecados. O Baptismo cristão, ao contrário, é um sinal eficaz, que opera realmente a purificação das consciências, comunicando o perdão dos pecados. Ele, além disso, confere um dom muito maior: a nova vida de Cristo ressuscitado, que transforma de maneira radical o pecador.

5. Paulo revela o efeito essencial do Baptismo, quando escreve aos Gálatas: «Todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo» (3, 27). Existe uma semelhança fundamental do cristão com Cristo, que implica o dom da filiação divina adoptiva. Precisamente porque «baptizados em Cristo», os cristãos são a título especial «filhos de Deus». O Baptismo produz um verdadeiro «renascimento».

A reflexão de Paulo une-se à doutrina transmitida pelo Evangelho de João, de modo especial ao diálogo de Jesus com Nicodemos: «Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne, é carne, e o que nasceu do Espírito, é espírito» (3, 5-6).

«Nascer da água» é uma clara referência ao Baptismo, que desse modo resulta um verdadeiro nascimento do Espírito. Nele, de facto, é dado ao homem o Espírito da vida que «consagrou» a humanidade de Cristo desde o momento da Encarnação e que Cristo mesmo efundiu, em virtude da Sua obra redentora.

O Espírito Santo faz nascer e crescer no cristão uma vida «espiritual», divina, que anima e eleva todo o seu ser. Através do Espírito, a própria vida de Cristo produz os seus frutos na existência cristã.

Dom e mistério grande é o do Baptismo! É para desejar que todos os filhos da Igreja, especialmente neste período de preparação para o evento jubilar, tomem cada vez mais profunda consciência disto.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 8 de Abril de 1998



1. Nestes dias da Semana Santa, a Liturgia sublinha com particular vigor a oposição entre a luz e as trevas, entre a vida e a morte, mas não nos deixa na dúvida acerca do êxito final: a glória de Cristo ressuscitado. Amanhã, com a solene celebração «in Cena Domini», seremos introduzidos no Tríduo Sagrado, que oferecerá à contemplação de todos os crentes os eventos centrais da história da salvação. Com profunda participação, reviveremos juntos a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus.

2. Amanhã de manhã a Santa Missa Crismal, prelúdio matutino da Quinta-Feira Santa, verá reunidos os presbíteros com o próprio Bispo. No decurso de uma significativa celebração eucarística, que habitualmente tem lugar nas Catedrais diocesanas, benzer-se-ão o óleo dos enfermos e o dos catecúmenos, e será consagrado o Crisma. Com esses ritos são simbolicamente significadas a plenitude do sacerdócio de Cristo e a comunhão eclesial que deve animar o povo cristão, congregado pelo sacrifício eucarístico e vivificado na unidade pelo dom do Espírito Santo.

Amanhã à tarde celebraremos, com ânimo grato, o momento institutivo da Eucaristia. Na última Ceia o Senhor, tendo «amado os Seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o Seu amor por eles» (Jn 13,1) e, precisamente no momento em que Judas se preparava para O trair e no seu coração descia a morte, a misericórdia divina triunfava sobre o ódio, a vida sobre a morte: «Tomou Jesus o pão e, depois de pronunciar a bênção, partiu-o e deu-o aos Seus discípulos, dizendo: "Tomai, comei: isto é o Meu corpo". Tomou, em seguida, um cálice, deu graças e entregou-lho dizendo: "Bebei dele todos. Porque este é o Meu sangue, sangue da Aliança que vai ser derramado por muitos para remissão dos pecados"» (Mt 26,26-28).

A nova e eterna Aliança de Deus com o homem está, pois, inscrita com caracteres indeléveis no sangue de Cristo, cordeiro manso e pacífico, imolado livremente para expiar os pecados do mundo. No termo da Celebração a Igreja convidar-nos-á a deter-nos em prolongada adoração da Eucaristia, para meditarmos sobre este extraordinário e incomensurável mistério de amor.

3. A Sexta-Feira Santa é assinalada pela narração da Paixão e pela contemplação da Cruz. Nela se revelou plenamente a misericórdia do Pai. Assim nos faz orar a Liturgia: «Enquanto estávamos perdidos e incapazes de Vos encontrar, Vós nos amastes de modo admirável: pois, o vosso Filho — o Justo e Santo — entregou-Se em nossas mãos aceitando ser pregado na cruz» (Missal Romano, Oração Eucarística sobre a Reconciliação I). A comoção que este mistério suscita é tão grande que o Apóstolo Pedro, escrevendo aos fiéis da Ásia Menor, exclamava: «Sabeis que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição dos vossos pais, não a preço de coisas corruptíveis, prata ou ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro imaculado e sem defeito algum» (1P 1,18-19).

Por isso, depois de ter proclamado a Paixão do Senhor, a Igreja põe no centro da Liturgia da Sexta-Feira Santa a adoração da Cruz, não símbolo de morte, mas fonte de vida autêntica. Neste dia, repleto de emoção espiritual, ergue-se sobre o mundo a cruz de Cristo, vexilo de esperança para todos aqueles que acolhem com fé o Seu mistério na própria vida.

4. Meditando acerca destas realidades sobrenaturais, entraremos no silêncio do Sábado Santo, à espera do glorioso triunfo de Cristo na Ressurreição. Ao lado do sepulcro poderemos reflectir sobre a tragédia de uma humanidade que, sem o seu Senhor, é inevitavelmente dominada pela solidão e o desconforto. Fechado em si mesmo, o homem sente-se como que privado de todo o anélito de esperança diante do sofrimento, das derrotas da vida e, em especial, perante a morte. O que fazer? É preciso pôr-se na expectativa da ressurreição. Segundo uma antiga e difusa tradição popular, estará ao nosso lado Nossa Senhora, Virgem das Dores e Mãe de Cristo imolado.

Na noite do Sábado Santo, porém, durante a solene Vigília pascal, «mãe de todas as vigílias», o silêncio será rompido pelo cântico da alegria: o Exsultet.Mais uma vez será proclamada a vitória da Luz sobre as trevas, da Vida sobre a morte, e a Igreja alegrar-se-á no encontro com o seu Senhor.

Entraremos assim no clima da Páscoa de Ressurreição, dia sem fim que o Senhor inaugura ao ressuscitar dentre os mortos.


AUDIÊNCIAS 1998 - AUDIÊNCIA