Discursos João Paulo II 1997 - 16 de Maio de 1997

«Rogate ergo Dominum messis, ut mittat operarios in messem suam» (Mt 9,38): eis a jubilosa descoberta do Beato Aníbal Maria Di Francia. Meditando estas palavras de Jesus, ele compreendeu o anseio apostólico do Seu Coração divino, perante a «multidão cansada e abatida, como ovelhas sem pastor» (Mt 9,36), e fê-lo seu, para ele orientando toda a sua existência e o seu apostolado. O vosso Fundador dedicava-se já, com todas as suas forças, como ele mesmo narra, ao alívio espiritual e temporal dos mais abandonados, mas perguntava-se: «Que são estes poucos órfãos que se salvam, e estes poucos pobres que se evangelizam, diante dos milhões que se perdem e permanecem abandonados sem pastor?» (Antologia Rogacionista, pág. 382). E eis a «via de saída ampla e imensa» — como ele a define — que lhe foi indicada pelo Alto através daquela palavra do Senhor.

Ao fazê-la sua, ele fazia seu o Coração de Cristo: a sua compaixão pelos filhos dispersos de Deus, que deviam ser conduzidos de novo à unidade de uma única família (cf. Jo Jn 11,52), e confiava-se, com Ele, ao Pai, transformando em oração suscitada pelo Espírito a invocação da salvação para as multidões inumeráveis dos homens e das mulheres, ainda não alcançados pelo alegre anúncio do advento do Reino divino.

3. Iniciava assim a germinar, como de pequenina semente, a plantinha de uma obra que hoje é vigorosa e rica de frutos. Ela constitui ao mesmo tempo uma escola de santidade, no seguimento exigente de Cristo Senhor, através da via dos conselhos evangélicos, e um instrumento precioso e providencial de caridade e de evangelização.

Seguindo as pegadas do Beato Aníbal Maria Di Francia, os Rogacionistas herdaram a vocação a imitar Cristo, coração do mundo: um coração repleto de compreensão e transbordante de amor pelos irmãos e irmãs, que esperam a Palavra de salvação e o Pão da vida, um coração que, com confiante perseverança, não se cansa de suplicar ao Pai «a fim de que mande operários para a Sua messe».

Na fidelidade ao carisma específico de fundação, eles são chamados a responder, antes de tudo, à vocação à santidade na via dos conselhos evangélicos. Ela, como foi recordado na Exortação Apostólica Vita consecrata, constitui no meio dos homens do nosso tempo uma eloquente «confessio Trinitatis», porque se nutre de um amor cada vez mais sincero e forte «a Cristo, que chama à sua intimidade; ao Espírito Santo, que predispõe o espírito para acolher as suas inspirações; ao Pai, primeira origem e fim supremo da vida consagrada» (n. 21).

A mesma oração do «Rogate», da qual brota uma forma original de vida apostólica, não é simplesmente uma oração dirigida a Deus, mas uma oração vivida em Deus: porque concebida em união com o Coração misericordioso de Cristo, porque animada pelos «gemidos» do Espírito (cf. Rm Rm 8,26), porque dirigida ao Pai, fonte de todo o bem.

4. Dessa oração o Beato Aníbal Maria Di Francia, dócil aos ensinamentos do divino Mestre e interiormente guiado pelo impulso do Espírito, pôs em evidência aquelas condições e aquelas características que a tornam obra eclesial por excelência e suscitadora de frutos copiosos para a Igreja e para o mundo.

Em primeiro lugar, pôr no centro da existência pessoal e comunitária a Santíssima Eucaristia, para aprender dela a orar e a amar segundo o Coração de Cristo, ou melhor, para unir o oferecimento da própria vida à oferenda que Ele faz da sua, continuando a interceder por nós junto do Pai (cf. Hb He 7,25 He 9,24). A exemplo do Fundador, oxalá cada membro da Família rogacionista seja alma profundamente eucarística!

A segunda condição é a concórdia dos corações, que torna aceitável diante de Deus a oração: «Se dois de entre vós se unirem, na terra, para pedirem qualquer coisa, obtê-la-ão de Meu Pai que está nos céus. Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles» (Mt 18,19-20). «Declaro — afirmava o Beato Fundador — que o preceito dado por Nosso Senhor Jesus Cristo: “Amai-vos uns aos outros assim como Eu vos amei”, e que constitui o distintivo dos verdadeiros cristãos, é o preceito primário neste Instituto, como o de amar a Deus sobre todas as coisas, com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças» (Antologia Rogacionista, pág. 511).

A terceira condição, sobre a qual o Fundador insistia, é associar-se intimamente aos sofrimentos do Santíssimo Coração de Jesus, mediante o exercício da meditação e da generosa aceitação, dia após dia, dos sofrimentos exteriores e interiores, próprios e dos outros, sobretudo daqueles que padece a santa Igreja, Esposa de Cristo.

Por último, o Beato Aníbal Maria salientava a necessidade de conformar a própria vida à de Maria Santíssima, que no seu Coração Imaculado levava «esculpidas com carácter de ouro todas as palavras pronunciadas por Jesus Cristo, nosso Senhor», e que por isso não podia deixar de levar em si «aquelas palavras saídas do divino zelo do Coração de Jesus: “Rogate ergo Dominum messis...”» (Escritos, vol. 54, pág. 165).

5. Não surpreende que de uma semelhante profundidade de doutrina e de experiência da oração do «Rogate» tenha germinado uma actividade apostólica intensa e generosa, quer na propagação deste espírito de oração e na promoção das vocações, quer na formação das crianças e dos jovens, especialmente pobres e bandonados, quer enfim na evangelização e na promoção humana das categorias sociais mais desfavorecidas. Na realidade, o serviço aos pequeninos e aos pobres, no espírito do Pai Fundador, não constitui apenas a necessária verificação da sinceridade da oração, mas nasce de uma profunda penetração dos sentimentos do Coração de Cristo, que bendiz ao Pai porque escondeu os segredos do Reino aos sábios e aos inteligentes e os revelou aos pequeninos (cf. Mt Mt 11,25).

Por outro lado, o convite de Jesus «Vinde ver» (Jn 1,39) constitui também hoje «a regra de ouro da pastoral vocacional », porque «visa apresentar... o fascínio da pessoa do Senhor e a beleza do dom total de si à causa do Evangelho» (Exort. Apost. Vita consecrata VC 64). E é por este motivo que o Beato Aníbal Maria insistia, de modo incansável, sobre a união perseverante com Deus e sobre a unidade entre os irmãos: a unidade, com efeito, «manifesta o advento de Cristo (cf. Jo. Jn 13,35 Jn 17,21), dela promana grande energia para o apostolado» (Decr. Perfectae caritatis PC 15).

6. Reverendíssimo Padre e caríssimos filhos espirituais do Beato Aníbal Maria Di Francia, a vossa vocação está no espírito do «Rogate»; a vossa missão consiste em difundi-lo! A riqueza e a actualidade do carisma, de que sois herdeiros e depositários, vos estimulem, cada dia mais, a fazer frutificar os dons de graça para a vossa Família religiosa, para o vosso caminho de perfeição evangélica, para o serviço qualificado e generoso que prestais à Igreja inteira.

Os meios modernos que as ciências humanas e técnicas dos nossos dias põem à disposição e que justamente procurais utilizar na vossa acção apostólica, só alcançarão a sua eficácia se forem sustentados e orientados pela originária inspiração carismática do Beato Fundador, que via no «Rogate» o instrumento dado pelo próprio Deus para suscitar aquela santidade «nova e divina», com a qual o Espírito Santo quer enriquecer os cristãos no alvorecer do terceiro milénio, para «fazer de Cristo o coração do mundo».

Não é sem uma providencial coincidência que o dia 16 de Maio de 1897, data em que há cem anos os primeiros três jovens formados pelo Beato Aníbal entraram no noviciado, fosse precisamente o IV domingo de Páscoa, o domingo do «Bom Pastor». Neste mesmo domingo o Servo de Deus Paulo VI, meu venerado Predecessor, instituiu o «Dia Mundial de Oração pelas Vocações ». Eu mesmo, por ocasião da beatificação do vosso Fundador (7 de Outubro de 1990), quis indicar à Igreja, Aníbal Maria Di Francia como «autêntico antecipador e zeloso mestre da moderna pastoral vocacional» (Insegnamenti, XIII, 2 [1990] 830).

Hoje, e de forma crescente, «o problema das vocações é um verdadeiro desafio, que interpela directamente os Institutos, mas envolve a Igreja inteira», razão por que «devemos elevar insistentemente súplicas ao Senhor da messe para que mande operários para a sua Igreja, a fim de enfrentar as urgências da nova evangelização» (Exort. Apost. Vita consecrata VC 64). Jamais se deve esquecer que «uma Igreja que evangeliza é uma Igreja que ora para ter evangelizadores» (Discurso ao Conselho das Conferências Episcopais da Europa, 11/10/1985, 15, Insegnamenti, VIII, 2 [1985] 921).

A esse Instituto, em espírito de plena comunhão com a Igreja inteira e de fidelidade ao carisma do Beato Fundador, compete a tarefa urgente de orar e de suscitar a oração pelas vocações. Possa cada filho espiritual do Beato Aníbal Maria Di Francia aprofundar o dom recebido e reavivá-lo, tornando-se sempre mais digno operário do Evangelho e pastor segundo o Coração de Cristo.

Confio a Maria o ministério que essa Congregação é chamada a desempenhar na Igreja e, enquanto imploro sobre a sua Pessoa, Reverendíssimo Padre, sobre os seus Coirmãos, Coirmãs e todos os cooperadores a abundância da graça divina, concedo de coração, como penhor de especial afecto, a propiciadora Bênção Apostólica.

Vaticano, 16 de Maio de 1997.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL

DA ÁFRICA MERIDIONAL: ÁFRICA DO SUL, BOTSUANA E SUAZILÂNDIA EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


19 de Maio de 1997

: Queridos Irmãos no Episcopado!

1. Com cordial afecto no Senhor vos saúdo a vós, membros da Conferência Episcopal da África do Sul, que representais a Igreja em Botsuana, na África do Sul e na Suazilândia, e dou graças a Deus pela «alegria e consolação do vosso amor» (cf. Flm. v. 7). A vossa visita ad Limina é uma nova ocasião para afirmar a nossa comunhão eclesial e fortalecer os vínculos de amor e paz, que nos sustentam e encorajam no serviço à única Igreja de Cristo. A minha oração é para que, durante este tempo de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, toda a comunidade católica da África do Sul seja inspirada profundamente por um «verdadeiro anseio de santidade, um forte desejo de conversão e renovamento pessoal» (Tertio millennio adveniente, TMA 42). Como sucessores dos Apóstolos deveis desempenhar um particular papel nesta preparação. Deveis ser «modelos do vosso rebanho» (1P 5,3) e mestres de «vida segundo o Espírito» (Rm 8,5). Santo Agostinho recorda-nos que temos uma grande responsabilidade, quando escreve: «Além de ser cristão... também sou pastor, e por isso a Deus darei conta do meu ministério» (Sermão 46: sobre os Pastores, 2). Oremos para que o Senhor Jesus Cristo nos encontre cumprindo a nossa missão de mestres, sacerdotes e pastores do Seu rebanho!

2. Desde a vossa última visita ad Limina, o vosso ministério teve que se adaptar a condições sociais e políticas radicalmente novas. Durante a minha rápida visita à África do Sul, em Setembro de 1995, tive uma experiência directa do novo espírito que anima o seu povo e os seus líderes. Ainda que existam grandes problemas a resolver, há um renovado entusiasmo por construir uma nação livre e justa para todos. Certamente, as feridas do passado hão-de requerer um longo tempo para serem cicatrizadas e muito esforço é exigido para alcançar uma reconciliação real e transformadora. Houve um importante começo, e neste processo a Igreja tem que dar uma contribuição vital, especialmente através da formação das consciências nas verdades e nos valores morais e religiosos, que constituem as bases necessárias de uma sociedade que pretende ser digna do homem e do seu destino transcendental. Durante o período do apartheid, vós e os vossos colaboradores tivestes de mostrar com frequência que «a palavra de Deus não se deixa acorrentar» (2Tm 2,9). Agora deveis prosseguir, proclamando colegialmente a «verdade do Evangelho» (Ga 2,5) aos fiéis e a todos os homens e mulheres de boa vontade. Assim como no passado pensáveis que qualquer forma de racismo é uma intolerável afronta à dignidade inalienável dos seres humanos, também agora proclamais que a paz e a justiça só se podem estabelecer verdadeiramente quando, em vez do ciclo mortal de violência e vingança, se oferece a graça do perdão (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz, de 1997, n. 3).

A Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Africa convida os Bispos do continente a fazerem dois interrogativos fundamentais (cf. n. 46): como deve a Igreja desempenhar a sua missão evangelizadora no limiar do Ano 2000? Como poderão os cristãos africanos ser testemunhas cada vez mais fiéis do Senhor Jesus? Retornando uma ou outra vez a esses interrogativos, na vossa oração pessoal e na reflexão e estudo da vossa Conferência, estareis com certeza de acordo com o Sínodo no facto de o principal desafio ser a formação adequada dos agentes de evangelização. «O povo de Deus — tomado no sentido teológico da Lumen gentium, um povo que abrange os membros do Corpo de Cristo na sua totalidade — recebeu o mandato... de proclamar a mensagem evangélica (...). A comunidade inteira precisa de ser preparada, motivada e reforçada em ordem à evangelização, cada qual segundo a sua função específica no seio da Igreja» (Ecclesia in Africa ). Para o futuro da Igreja e para o serviço da sociedade nada é mais importante que a sólida formação de sacerdotes, religiosos e fiéis leigos.

3. Os leigos estão a desempenhar um papel cada vez mais activo, responsável e insubstituível nas vossas Igrejas particulares. Como povo sacerdotal, realizam a obra redentora de Cristo, mediante o oferecimento da própria vida no culto e no generoso amor a Deus e ao próximo (cf. Rom Rm 12,1-2); como povo profético, aceitam o Evangelho com fé e proclamam-no com a sua palavra e as suas obras nas diversas circunstâncias da vida diária; e como povo real, servem os seus irmãos e irmãs com justiça e caridade. Quanto mais compreenderem as implicações do seu baptismo, tanto mais considerarão os seus deveres familiares e profissionais, as suas responsabilidades civis e as suas actividades sócio-políticas como um apelo a mudar a maneira de pensar e, inclusive, as estruturas da sociedade, para que reflictam melhor o plano de Deus para a família humana (cf. Ecclesia in Africa ). Continuai a animar os leigos a construírem uma sociedade caracterizada pela verdade, a honradez, a solidariedade e a reconciliação. Continuai a encorajar os jovens a acreditarem no seu futuro e a construírem-no mediante o serviço efectivo, em favor do bem comum, e a participação na esfera política, rejeitando todo o egoísmo, toda a corrupção e toda a busca do poder. A defesa da vida

4. Numa sociedade cada vez mais urbanizada, os fiéis leigos necessitam uma ajuda pastoral especial para salvaguardar os numerosos elementos positivos das tradições familiares africanas. Onde se conservou intacta, a família africana é a «comunidade de gerações», na qual se transmitiram valores humanos e espirituais essenciais, convertendo-se na célula básica e pedra fundamental da sociedade, assim como na primeira escola de vida cristã. Cada diocese e cada paróquia necessitam um programa de apostolado familiar e de preparação para o matrimónio, no qual se apresente sem ambiguidade a verdade plena do plano de Deus sobre o amor e a vida. Como pastores deveis velar para que os sacerdotes, os teólogos e os agentes pastorais ensinem fielmente a doutrina da Igreja sobre o amor conjugal. Recomendo-vos encarecidamente que presteis atenção aos recentes documentos da Santa Sé, relativos a estas questões vitais, em torno das quais a legislação do Estado e as campanhas públicas se opõem cada vez mais aos princípios morais cristãos, inclusive obrigando as pessoas e os casais a suportar pressões económicas ou sociais, minando assim a sua dignidade e a sua liberdade.

Isto é especialmente verdadeiro a respeito do aborto. Esta terrível realidade, além de ser um crime contra o nascituro inocente, tem efeitos ainda mais prejudiciais nas pessoas directamente implicadas e na sociedade mesma, que já não considera com absoluto respeito a vida, mas a subordina — um bem humano supremo — a bens inferiores ou a vantagens práticas. Neste tempo em que se lançam novos ataques à santidade e inviolabilidade da vida humana, reafirmastes com razão as verdades morais universais e imutáveis e aumentastes os vossos esforços por estimular as famílias e os jovens a aceitarem a sua responsabilidade decisiva de apoiar, fomentar e conservar o dom de toda a vida humana. Só posso recomendar-vos que respondais, com o vosso zelo pastoral, ao dano causado por leis intrinsecamente injustas, e exorto-vos a prosseguir ajudando os fiéis na promoção das instituições sociais, da legislação civil e das políticas nacionais que apoiam os valores e os direitos familiares (cf. Familiaris consortio FC 44).

5. A presença da Igreja no campo da educação é um aspecto crucial dos seus esforços por formar os leigos. Inclusive durante os anos obscuros do apartheid, as escolas católicas deram uma imensa contribuição à formação humana e religiosa das crianças e dos jovens de todas as raças e classes sociais. Ante políticas que deveriam ser interpretadas como perigosas para a identidade das escolas católicas, convém recordar que o direito inalienável da Igreja a dirigir livremente as escolas, corresponde ao direito de os pais darem aos seus filhos uma educação de acordo com as suas convicções (cf. Gravissimum educationis GE 8). É importante que a Igreja faça todo o possível para prover e manter escolas em todos os níveis, mas também é legítimo esperar que o Estado, que deve representar e fomentar os melhores interesses dos seus cidadãos, as apoie, permitindo- lhes conservar a sua identidade e dando aos pais a possibilidade efectiva de exercerem o seu direito a escolher o tipo de educação que desejam para os seus filhos.

6. Queridos Irmãos, sois os principais responsáveis pela preparação dos vossos sacerdotes. A formação e a vida cristã dos leigos dependem, em grande medida, do serviço que só podem prestar os ministros ordenados do Evangelho. Os vossos relatórios quinquenais indicam que a escassez de sacerdotes nalgumas zonas cria dificuldades às comunidades locais para a celebração da Eucaristia dominical, que é o centro, a fonte e o cume de toda a vida cristã (cf. Lumen gentium LG 11). Onde não há sacerdotes, outras pessoas, especialmente os catequistas, guiam a comunidade na oração, no canto e na reflexão. Deve-se considerar sempre que esses encontros se realizam «à espera de um sacerdote» (Congregação para o Culto divino, Directório para as celebrações dominicais na ausência de sacerdote, 26) e são ocasiões para pedir ao Senhor que envie mais trabalhadores para a Sua messe (cf. Mt. Mt 9,38). Deve-se estar muito atento para que essas medidas temporâneas não levem a interpretar de maneira incorrecta a natureza das Ordens sagradas e o carácter central da Eucaristia (cf. Pastores dabo vobis PDV 48).

7. A vida sacramental e eucarística das vossas comunidades é, de facto, garantida quando conferis o dom do Espírito Santo através da ordenação, pela qual os vossos sacerdotes, tanto diocesanos como religiosos, participam no vosso ministério apostólico. A Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África ressaltou a necessidade de cuidar da escolha dos candidatos ao sacerdócio (cf. Ecclesia in Africa ). «Revelarse- á muito significativo para as suas responsabilidades formativas em relação aos candidatos ao sacerdócio, que o Bispo os visite frequentemente e de certa maneira “esteja” com eles» (Pastores dabo vobis PDV 65). Mediante a sua palavra e o seu exemplo, o Bispo deveria ajudar os jovens a compreender que o sacerdócio é configuração com Cristo, Esposo e Cabeça da Igreja, mas também vítima e servidor humilde. Um Seminário e um presbitério fortalecidos pela oração, pelo apoio mútuo e pela amizade favorecem o espírito de obediência voluntária, que dispõe todo o sacerdote a realizar as tarefas pastorais, que lhe foram confiadas pelo seu Bispo. O mistério da Igreja como comunhão fortalece-se quando a autoridade episcopal é exercida como amoris officium (cf. Jo. Jn 13,14) e quando a obediência sacerdotal segue o modelo de serviço de Cristo (cf. Flp Ph 2,7-8).

Além disso, nem o Seminário nem o presbitério deveriam levar a um estilo privilegiado de vida. Pelo contrário, a simplicidade e a abnegação deveriam ser as características daqueles que seguem o Senhor, que «não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10,45). Deveríamos ter em conta as oportunas palavras do Directório para o ministério e a vida dos presbíteros (1994), publicado pela Congregação para o Clero: «Dificilmente o sacerdote poderá ser verdadeiro servidor e ministro dos seus irmãos se estiver excessivamente preocupado com a sua comodidade e o seu bem-estar» (n. 67).

O Sínodo também insistiu em que os futuros sacerdotes devem compreender o valor do celibato para o ministério ordenado (cf. Ecclesia in Africa ). Os seminaristas necessitam uma maturidade humana e uma formação espiritual, que lhes permitam ter «as ideais claras e uma íntima convicção sobre o vínculo que há entre o celibato e a castidade do sacerdote» (ibid.). Os pastores sábios devem preocupar-se em especial por convencer os sacerdotes e os seminaristas de que a devoção filial à Santíssima Virgem Maria, o ascetismo, o sacrifício pessoal, a generosidade para com o próximo e a fraternidade sacerdotal são essenciais, para um sacerdote que deseja consagrar-se a Deus e à sua missão, com alegria e com um coração indiviso. A experiência mostra que as oportunidades de prosseguir a formação ajudam os presbíteros a salvaguardar a sua identidade sacerdotal, a crescer espiritual, intelectual e pastoralmente, e a estar melhor preparados para construir as comunidades confiadas ao seu ministério.

8. Ao mesmo tempo, a Igreja na África do Sul não poderia ser o que é, sem o dom extraordinário da vida consagrada. Membros zelosos de Congregações missionárias realizaram a plantatio Ecclesiae nas vossas terras, e a elas uniram- se muitos Institutos novos de vida contemplativa e activa. Os homens e mulheres consagrados nas vossas dioceses dependem de vós, para que os guieis nas suas actividades pastorais, e necessitam do vosso apoio para viver os conselhos evangélicos. A harmonia entre os Bispos e as pessoas consagradas é essencial para o bem comum da família de Deus. Os Institutos religiosos, representados pelos seus Superiores, deveriam mostrar sempre «espírito de comunhão e de colaboração» (ibid., 94) no seu relacionamento com os Bispos, em cujas dioceses trabalham. Os Bispos, por sua parte, «acolham e estimem os carismas da vida consagrada» (Vita consecrata VC 48) e dêem-lhes o lugar devido nos programas pastorais diocesanos. É especialmente importante que os Bispos prestem muita atenção aos programas formativos dos Institutos de direito diocesano. Com prudência e discernimento (cf. 1Th 5,21), devereis velar para que os candidatos sejam seleccionados com esmero e recebam a formação integral humana, espiritual, teológica e pastoral que os prepare para a sua missão na Igreja.

9. Nas vossas dioceses sois os sumos sacerdotes do culto sagrado e os «administradores dos mistérios de Deus» (1Co 4,1). Sois conscientes dos esforços da vossa Conferência por levar a cabo a autêntica inculturação do culto, «de modo que o povo fiel possa compreender e viver melhor as celebrações litúrgicas » (Ecclesia in Africa ). O princípio consiste em acolher das culturas autóctones «as expressões que se possam harmonizar com o verdadeiro e autêntico espírito da liturgia, respeitando a unidade substancial do Rito romano » (Vicesimus quintus annus, 16). Contudo, essa tarefa, difícil e delicada, só pode ser realizada com êxito como processo em que toda a adaptação se faça como uma profunda assimilação do património da Igreja, totalmente fiel ao «depósito sagrado da palavra de Deus» (Dei Verbum DV 10), cuja interpretação autorizada foi confiada ao inteiro Colégio episcopal, com o Sucessor de Pedro, seu fundamento de unidade. Como reconhece a Exortação Apostólica Ecclesia in Africa, este é um dos maiores desafios para a Igreja no vosso continente, no limiar do terceiro milénio (cf. n. 59), e requer uma sabedoria e uma fidelidade exemplares por parte dos Bispos.

10. Queridos Irmãos no episcopado, estes são alguns dos pensamentos que a vossa visita suscita em mim. A solenidade do Pentecostes, que acabámos de celebrar, impele-nos a orar em união com Maria para implorar uma nova efusão do Espírito Santo sobre as Igrejas confiadas ao vosso cuidado pastoral. Juntos peçamos a este mesmo Espírito que ilumine a nossa mente, encha de esperança o nosso coração e nos conceda ser audazes na nossa tarefa ao serviço do Evangelho. Tendo confiança em que o Senhor continuará a aumentar o fervor dos sacerdotes, dos religiosos e dos leigos de Botsuana, da África do Sul e da Suazilândia, e que a boa obra iniciada neles continuará a florescer (cf. Flp Ph 1,6), concedo-vos de todo o coração a minha Bênção Apostólica.







DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCERRAMENTO DA XLIII ASSEMBLEIA GERAL


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA


Quinta-feira 22 de Maio de 1997





«No último dia, o mais solene da festa, Jesus, de pé, disse em voz alta: “Se alguém tem sede venha a Mim e beba! Do seio daquele que acredite em Mim, correrão rios de água viva, como diz a Escritura“. Jesus falava do Espírito que deviam receber os que n’Ele acreditassem » (Jn 7,37-39).

Caríssimos Irmãos no episcopado!

1. Escolhestes celebrar a vossa Assembleia plenária nos dias imediatamente sucessivos ao Pentecostes: o Espírito Santo, cuja descida sobre a Igreja nascente acabámos de celebrar, ilumine e guie o vosso encontrar-vos juntos e os vossos trabalhos.

É para mim uma alegria estar convosco e compartilhar os vossos anseios e solicitudes pastorais. Saúdo e agradeço ao vosso Presidente, Senhor Cardeal Camillo Ruini, juntamente com os outros Cardeais italianos; saúdo também os Vice- Presidentes, com um particular pensamento de gratidão a D. Giuseppe Agostino, que concluiu o seu serviço, e de cordiais felicitações a D. Giuseppe Costanzo, eleito para o substituir como Vice-Presidente. Saúdo, por fim, o Secretário- Geral e cada um de vós, venerados Irmãos no episcopado, desejando a todos os frutos do Espírito no vosso empenho, em cada uma das Dioceses e no seio da Conferência Episcopal.

2. A vossa Assembleia dedicou amplo espaço ao grande tema do encontro de Jesus Cristo através da Bíblia. Na Tertio millennio adveniente pus em evidência como é importante que no presente ano de preparação para o grande Jubileu, dedicado a Jesus Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre (cf. Hb He 13,8), os cristãos «regressem com renovado interesse à Bíblia, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios» (n. TMA 40).

Não obstante o grande impulso que o Concílio Vaticano II imprimiu aos estudos bíblicos e à pastoral bíblica nas comunidades cristãs, são de facto ainda muito numerosos os fiéis que permanecem privados de um vital encontro com as Sagradas Escrituras e não nutrem de modo adequado a sua fé, com a riqueza da palavra de Deus contida nos textos revelados. É necessário, pois, fazer um ulterior esforço para que eles tenham amplo acesso à Bíblia. «Ignorar as Sagradas Escrituras, com efeito, significa ignorar Cristo», como diz São Jerónimo, dado que a Bíblia inteira nos fala d’Ele (cf. Lc Lc 24,27).

Para um eficaz encontro com a Sagrada Escritura é decisiva a referência à Constituição dogmática Dei Verbum, do Concílio Ecuménico Vaticano II. Nela encontramos os princípios doutrinais e as vias pastorais mais apropriadas, para fazer com que o encontro com o Livro Sagrado mantenha a sua intrínseca qualidade de escuta da palavra de Deus, seja uma aproximação exegeticamente correcta, se torne fonte de vida espiritual, anime e revigore toda a acção pastoral, guie e sustente o diálogo ecuménico, manifeste a grande riqueza também humana e cultural, que brota da Bíblia e tem produzido maravilhosos frutos de civilização na Itália e também em muitas outras nações.

Em virtude deste ligame entre fé e cultura, a Bíblia é proposta como texto fundamental para a formação das novas gerações, não só na catequese de iniciação cristã mas também no ensino da religião católica ministrado nas escolas.

A empenhativa tarefa da nova evangelização passa, portanto, através da reentrega da Bíblia ao inteiro povo de Deus, mediante a sua proclamação litúrgica, a homilia e a catequese, a prática da lectio divina e outras vias bem delineadas na recente Nota pastoral da vossa Conferência, «A Bíblia na vida da Igreja». As comunidades paroquiais e religiosas, as associações e os movimentos laicais, as famílias e os jovens poderão experimentar assim a condescendência amorosa de Deus Pai que, mediante a Sagrada Escritura, vem ao encontro de cada homem, manifestando a natureza de Seu Filho unigénito e o Seu desígnio de salvação para a humanidade.

Para que a Escritura seja compreendida e acolhida pelos fiéis em toda a sua espessura de verdade e de regra suprema da nossa fé, é claramente necessária uma obra de acompanhamento, que evite leituras superficiais, emotivas ou também instrumentais, não iluminadas por um sábio discernimento e escuta no Espírito. É esta uma das nossas específicas responsabilidades de Pastores, coadjuvados pelos sacerdotes e catequistas: a verdadeira e genuína interpretação e transmissão dos textos sagrados só pode ocorrer, com efeito, no seio da Igreja, à luz da Tradição viva e sob a guia do Magistério (cf. Dei Verbum DV 10).

3. Dedicando particular atenção ao encontro com Jesus Cristo através da Bíblia, quisestes, caros Irmãos, dar impulso à preparação deste especial Ano Santo, no qual celebraremos os dois mil anos da encarnação do Verbo de Deus. Conheço o empenho com que cada um de vós na própria Igreja particular, e todos juntos reunidos na Conferência Episcopal, estais a predispor-vos para este grande acontecimento. Alegro-me com isto e regozijo-me convosco.

Um momento saliente deste caminho de preparação para o Jubileu será o Congresso Eucarístico nacional, programado para o final de Setembro em Bolonha, dedicado ao tema próprio deste ano preparatório, «Jesus Cristo, único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre ». Terei a alegria de poder encontrar-me convosco em Bolonha e, desde já, agradeço ao Cardeal Giacomo Biffi o zelo com que está a preparar esta grande manifestação de fé em Cristo eucarístico e de pertença eclesial.

4. Ainda tenho presente no coração, caros Irmãos, a recordação do Congresso de Palermo, no qual todas as dioceses da Itália estiveram reunidas para animar com o Evangelho da caridade a vida da nação. Depois daquele Encontro já trabalhastes muito para dar actuação às escolhas ali feitas, no sentido do primado da vida espiritual, do empenho pela nova evangelização, da relação entre fé e cultura, da família, dos jovens, do amor preferencial pelos pobres, da animação cristã da vida política e social.

Em particular, o projecto cultural orientado em sentido cristão estabelece um objectivo fundamental, ao qual tender e para o qual fazer convergir sensibilidades e energias: o de uma fé que saiba traduzir-se em obras, de modo que Jesus Cristo inspire e sustente também o empenho temporal dos crentes, para o futuro do povo italiano, como já aconteceu no passado. Nesta perspectiva desejo encorajar os esforços que estais a fazer para uma mais incisiva e orgânica presença cristã no âmbito da comunicação social, bem sabendo como neste terreno se apresentam hoje desafios decisivos.

5. Compartilho convosco, caríssimos Irmãos, a solicitude e também a preocupação pelos destinos da nação italiana. Pela sua unidade, pela sua grande herança cristã e pelo papel consequente que ela deve saber desempenhar na Europa.

O povo italiano é rico de energias, capaz de enfrentar e superar as dificuldades, mesmo as mais duras, mas estas energias devem poder exprimir-se de maneira livre e solidária, deixando espaço e, antes, dando impulso àquela subjectividade da sociedade» (Centesimus annus CA 13), que tem os seus pontos de força nos múltiplos organismos e agregações intermédias, e antes de tudo na família que da sociedade, como da Igreja, é a célula base.

Diante dos múltiplos ataques que a família sofre hoje, inclusive na Itália, onde também ela exerce uma função social particularmente relevante, quero dizer-vos, meus Irmãos no episcopado, que estou ao vosso lado quer na acção pastoral a favor da família, quer no empenho a que todos os católicos e os homens de boa vontade são chamados, para salvaguardar no plano legislativo os direitos próprios da família fundada sobre o matrimónio, e para solicitar que se tomem novas providências e iniciativas a respeito do desemprego, da construção civil, das normas fiscais, a fim de que a família e a maternidade não sejam injustamente penalizadas.

Caros Irmãos, sei que não menos grande é a vossa atenção pela escola: quer pela escola em geral, que deve ser sustentada antes de tudo na sua primeira tarefa de educação e formação da pessoa, quer em especial pela escola livre. Renovo aqui, juntamente convosco, o pedido para que «se dê finalmente actuação concreta à paridade para as escolas não estatais, que oferecem um serviço de interesse público, apreciado e procurado por muitas famílias» (Discurso de 23 de Fevereiro de 1997, no Instituto romano «Villa Flaminia»). Também neste campo as legislações de muitos Países da União Europeia podem servir de exemplo.

6. Venerados Irmãos no episcopado! Coloquemos no coração de Maria, nossa doce Mãe, os projectos maturados nestas jornadas de oração, de intercâmbios fraternos e de reflexões em comum.

Unidos a Maria, aos Mártires e aos Santos que escreveram a história desta nação, olhemos com confiança para as tarefas que nos esperam.

Deus abençoe cada um de vós e as vossas Igrejas. Deus abençoe o povo italiano, o confirme na fé dos antepassados, lhe dê luz interior e abertura de coração para a edificação, no limiar do terceiro milénio da civilização do amor.




Discursos João Paulo II 1997 - 16 de Maio de 1997