Discursos João Paulo II 1997 - Quinta-feira 22 de Maio de 1997

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA DELEGAÇÃO DA EX-REPÚBLICA


JUGOSLÁVA DA MACEDÓNIA


23 de Maio de 1997





Prezado Ministro Ilustres Senhores

Uma vez mais, por ocasião da Festividade dos Santos Cirilo e Metódio, viestes em peregrinação ao túmulo de São Cirilo, na Basílica de São Clemente, no centro da Roma antiga. Em virtude do seu singular papel no desenvolvimento da herança espiritual e cultural da Europa, os Santos Irmãos de Salonica sobressaem como símbolo da unidade deste Continente, e a lição das suas vidas é particularmente oportuna no momento em que a Europa se encontra à procura de um novo sentido da sua identidade e do seu destino.

Cirilo e Metódio mostram sobretudo a importância de buscar a unidade de todos os cristãos na única Igreja de Cristo. Foram enviados à Europa do Leste pelo Patriarca de Constantinopla, em resposta ao pedido do Príncipe Ratislau da Grande Morávia. Desejando conhecer o Evangelho da Salvação, o Príncipe pediu que fosse enviado aos seus povos «um Bispo e mestre... que estivesse em condições de explicar-lhes a verdadeira fé cristã na sua [própria] língua» (Vita Constantini, XIV, 2-4; Carta Encíclica Slavorum apostoli, 5). As dioceses ocidentais confinantes com a Grande Morávia julgavam que fosse sua a responsabilidade de levar a Cruz de Cristo aos países eslavos, e assim impediram os dois Irmãos na sua empresa. Portanto, Cirilo e Metódio vieram pedir ao Papa a confirmação da sua missão junto dos eslavos. Desta forma, numa época em que a Igreja não estava dividida entre Leste e Oeste, uma intervenção conjunta de Roma e Constantinopla provou ser de grande benefício para o trabalho de propagação do Evangelho. Rezo constantemente para que chegue logo o momento em que as tradições tanto do Oriente como do Ocidente, entre as quais os «Santos Cirilo e Metódio são, por assim dizer, os elos de união», se congregue «na única grande Tradição da Igreja universal » (Ibid., 27).

A influência dos dois Santos perdura na nossa herança europeia, especialmente na cultura das Nações eslavas, que devem o seu «início» ou desenvolvimento ao trabalho dos Irmãos de Salonica (cf. Slavorum apostoli, 21). A sua vida santa ainda nos fala da importância da compreensão multicultural, essencial para a coexistência e a paz na Europa e especialmente nos Balcãs. Formulo votos por que a vossa permanência em Roma fortaleça o vosso empenhamento em preservar e valorizar a herança cristã e os tesouros artísticos da vossa terra, que sobreviveram às vicissitudes da história, de forma a beneficiar a Europa inteira.

Deus Todo-poderoso abençoe cada um de vós e os vossos concidadãos com a unidade e a paz.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS SEMINARISTAS


E EX-ALUNOS DO PONTIFÍCIO COLÉGIO BEDA


23 de Maio de 1997



Prezados Amigos em Cristo

1. É com grande alegria que vos dou as boas-vindas, seminaristas, sacerdotes estudantes e ex-alunos do Pontifício Colégio Beda, acompanhados do Reitor, do Pessoal e das Missionárias Franciscanas da Divina Maternidade, que desde há trinta anos servem no Colégio. Na fausta ocasião do vosso Centenário, uno-me a vós em acção de graças pelas «maravilhas » (cf. Lc Lc 1,49) que, ao longo dos últimos cem anos, Ele realizou através do vosso Colégio, para o bem da Igreja. Desde a sua fundação, o [Colégio] Beda permaneceu firmemente empenhado na sua missão de oferecer a homens amadurecidos, oriundos de países de expressão inglesa, uma sólida preparação para o ministério sacerdotal.

2. O vosso Centenário coincide com a preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Exorto-vos a celebrar os cem anos do Colégio num espírito de sincera antecipação do grande aniversário da Encarnação redentora de Jesus, Filho de Deus. Quem é chamado a ser «pastor segundo o coração do próprio Mestre» (cf. Jer Jr 3,5) deve ser o primeiro a aspirar àquilo que desejei para todos os membros da Igreja na minha Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, nomeadamente, «um verdadeiro anseio de santidade, um forte desejo de conversão e renovamento pessoal, num clima de oração cada vez mais intensa e de solidário acolhimento do próximo, especialmente do mais necessitado» (n. 42). Dado que se configuram sacramentalmente com Cristo, Cabeça, Pastor e Servo da Igreja, os sacerdotes devem ser particularmente «santos e imaculados diante d'Ele» (cf. Ef Ep 1,4).

3. No vosso Padroeiro, o Venerável Beda, tendes um modelo de sacerdote que se dedicou ao estudo devoto e à contemplação da Sagrada Escritura. A familiaridade com a santa Palavra de Deus seja o manancial da vossa fé e alegria, iluminando a vossa mente para «anunciardes a Boa Notícia a toda a humanidade» (cf. Mc Mc 16,15) com convicção e vigor!

Rezo para que, por ocasião do centenário do Pontifício Colégio Beda o Espírito Santo vos encha de ardente zelo a fim de levardes Cristo, esperança da humanidade, a um mundo sequioso do amor e da paz, que só Deus pode dar. Agradeço ao Colégio a sua fidelidade ao Sucessor de Pedro ao longo dos anos, e confio cada um de vós e os benfeitores do Colégio à intercessão amorosa de Maria, Mãe de Jesus, Eterno Sumo Sacerdote.

Com a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO «JAMES MADISON COUNCIL »


DA BIBLIOTECA DO CONGRESSO


DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


Sexta-feira, 23 de Maio de 1997



Senhoras e Senhores

É-me deveras grato receber no Vaticano o «James Madison Council », da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Estou consciente de que vos dedicais a assistir a Biblioteca do Congresso, compartilhando os seus imensos tesouros intelectuais e culturais com a Nação e com o mundo. O património do pensamento humano, das conquistas culturais e da verdade religiosa contido nas bibliotecas do mundo não é apenas um monumento às façanhas humanas do passado; é também uma base sólida sobre a qual cada nova geração pode procurar construir um futuro melhor. Ignorar este tesouro seria condenar a humanidade a existir e trabalhar num deserto. A nossa época tem particular necessidade de reconquistar a sabedoria acumulada do passado.

Hoje, o intercâmbio entre indivíduos e entre diferentes culturas e civilizações, e de modo especial a partilha da memória documental da experiência histórica dos povos são cada vez mais frequentes através das novas tecnologias de comunicação instantânea. Assim, interessais-vos de forma particular em assegurar que o arquivo da sublime e instrutiva experiência humana seja disponível nos novos meios de comunicação. Aqui reside uma importante dimensão do vosso interesse pela Biblioteca Apostólica do Vaticano que, no passado, beneficiou da assistência técnica da Biblioteca do Congresso.

Desejo agradecer de modo especial ao «James Madison Council» o seu bem sucedido patrocínio da «Rome Reborn», uma exposição inédita dos tesouros do Vaticano. Rezo para que Deus continue a abençoar as vossas iniciativas. A sua Força e Paz estejam convosco e com os vossos entes queridos!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS PEREGRINOS DA FUNDAÇÃO «PRÓ-JUVENTUDE»

POR OCASIÃO DO 40° ANIVERSÁRIO


DA MORTE DE DOM CARLO GNOCCHI


24 de Maio de 1997



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Tenho a alegria de apresentar as minhas boas-vindas e a saudação mais cordial a todos vós, dirigentes e qualificados agentes da «Fundação Pró-Juventude Dom Carlo Gnocchi». Agradeço em particular ao Presidente, Mons. Angelo Bazzari, as palavras que me dirigiu e com as quais também ilustrou o contexto em que se coloca a audiência hodierna.

Ela constitui como que um prolongamento das celebrações pelo 40° aniversário da morte de Dom Carlo Gnocchi, as quais foram realizadas no ano passado. Com efeito, o nosso encontro já era previsto para o mês de Outubro passado, mas a Providência dispôs diversamente, de maneira que hoje nos encontramos para renovar a comemoração de Dom Gnocchi a cinquenta anos desde quando ele deu vida à «Federação Pró- Infância Mutilada», destinada a tornar-se a «Fundação Pró-Juventude». Isto oferece-me a oportunidade de retomar, juntamente convosco, pensamentos que, há alguns meses, dediquei à mensagem especial enviada por ocasião do vosso Congresso internacional sobre o tema da reabilitação.

2. Comemorar figuras como a de Dom Gnocchi dá oportunidade, especialmente aos crentes, de quase tocar com a mão a realidade de uma vida que perdura, ou melhor, que de algum modo cresce para além do limiar da morte.

Para o cristão, o acto de morrer representa o cumprimento da vida, da própria vocação e missão. Ele, no seguimento de Jesus, aprendeu a morrer a si mesmo e a realizar-se no dom de si, a encontrar-se completamente e, na verdade, a «perder-se» como o grão de trigo. Para quem conheceu e crê no amor de Deus (cf. 1Jn 4,16), a única coisa essencial é amar, quer vivendo quer morrendo. E o sentido autêntico e pleno do viver torna-se «dar a vida».

Para um sacerdote, em particular, isto significa seguir o exemplo de Cristo Bom Pastor, que «dá a vida pelas ovelhas » (Jn 10,11). Assim foi, de modo admirável, para o vosso Fundador. A sua morte prematura constitui o sigilo duma existência inteiramente doada a Deus e ao próximo. Até mesmo morto ele quer ainda dar alguma coisa de si, oferecendo as próprias córneas a um jovem e a uma moça cegos que, a partir de 29 de Fevereiro de 1956, no dia seguinte ao seu falecimento, puderam assim começar a ver.

Tratou-se, para aqueles tempos, de um gesto corajoso e inovador, ainda que humilde e discreto, capaz de despertar as consciências e de estimular positivamente a sociedade.

Na ocasião do funeral, uma multidão imensa estreitou-se à volta daquele que, no segundo período pós-guerra, se tornara como que um símbolo da esperança. Um sacerdote que, depois de ter compartilhado, como capelão, a trágica sorte dos Alpinos na frente russa, se dedicara aos seus filhos órfãos e mutilados, iniciando uma tenaz «restauração» humana, pela qual eram despendidas todas as energias da sua genial e incansável caridade.

3. O desenvolvimento, que a Pró-Juventude conheceu nestes quarenta anos, constitui o melhor testemunho da fecundidade da obra apostólica de Dom Carlo Gnocchi. Ele não só soube responder a necessidades concretas e urgentes, mas sobretudo soube fazê-lo com um estilo de grande actualidade, antecipando os tempos, graças à sua acentuada sensibilidade educativa, maturada no primeiro período do seu ministério e, depois, sempre cultivada. Ele não se contentava com assistir as pessoas, mas queria «restaurá-las», promovê-las, torná-las capazes de reencontrar uma condição de vida, adequada o mais possível à sua dignidade. Foi este o seu grande desafio. E este permanece o desafio da Fundação que tem o seu nome.

Nessa perspectiva, a figura de Dom Gnocchi pode ser, a justo título, citada como exemplo encorajador daquela acção caritativa, profundamente inserida na história, que a Igreja italiana tomou como modelo de empenho pastoral para o decénio em curso (cf. Nota pastoral da C.E.I. após o Congresso de Palermo). Uma caridade marcada, precisamente, por forte e constante atenção educativa, que tem como objectivo a promoção integral da pessoa, em vista da edificação de uma sociedade solidária e fraterna.

A Pró-Juventude demonstrou saber prolongar, com fidelidade, a obra do seu venerado Iniciador — e por isto é preciso prestar homenagem, em primeiro lugar, aos seus Sucessores —, fazendo frutificar aqueles «talentos» que ele recebeu e que, ao morrer, confiou aos seus colaboradores. A Fundação tem sabido, em particular, prestar grande atenção à mudança das exigências, desenvolvendo a capacidade de responder a novas situações de necessidade, sem porém jamais renunciar à centralidade da pessoa e ao rigor científico das intervenções.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs, quase todos os Centros da Fundação são intitulados a Maria, também como testemunho da profunda devoção mariana de Dom Carlo Gnocchi. Hoje, 24 de Maio, recordamos a Virgem Santíssima venerada sob o título de Maria Auxiliadora. A Ela desejo confiar as vossas iniciativas e as milhares de pessoas que, graças a elas, encontram alívio aos próprios sofrimentos e esperança para o futuro.

E precisamente no sinal da esperança quereria terminar esta minha reflexão: a vida inteira de Dom Carlo Gnocchi, inclusive a sua própria morte, é um luminoso sinal de esperança. Aquela «esperança insistente» que — como ele mesmo escreveu — sempre guiou a sua busca do rosto de Deus no dos inocentes marcados pelo sofrimento (cf. Gli scritti, cit., pág. 527). Faço votos por que o saibais sempre seguir de modo digno para gozardes, como ele, a alegria que vem do amor. Com estes sentimentos concedo de coração a todos vós uma especial Bênção Apostólica, fazendo- a extensiva à inteira família da Pró-Juventude.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA DELEGAÇÃO OFICIAL


DA REPÚBLICA DA BULGÁRIA


24 de Maio de 1997



Senhor Presidente Senhores
Ministros Senhoras e Senhores

1. É-me particularmente grato acolher a vossa Delegação que, seguindo uma tradição já muito sólida, veio a Roma por ocasião da festa anual dos Santos Cirilo e Metódio.

A vossa peregrinação ao túmulo de São Cirilo, na antiga Basílica de São Clemente, mostra que o povo búlgaro reconhece com gratidão a importância da missão evangelizadora realizada pelos Santos irmãos.

A obra missionária de Cirilo e Metódio desempenhou um papel determinante para o destino dos povos eslavos e marcou profundamente a história espiritual e cultural da Europa.

Originários de Salonica, enviados às nações eslavas por mandato de Constantinopla, os Santos irmãos souberam pregar o Evangelho, em comunhão com a Igreja inteira. Mesmo nos momentos difíceis e na adversidade, preservaram os vínculos da unidade e da caridade, a ponto de se tornarem modelos para a unidade eclesial no Oriente e no Ocidente. Ao reflectir sobre o alcance deste grande período da evangelização, tive a oportunidade de escrever na Encíclica Slavorum apostoli que «para nós, homens de hoje, o seu apostolado, indirectamente, possui também a eloquência de um apelo ecuménico: é um convite a reedificar, na paz da reconciliação, a unidade que ficou gravemente fendida pouco depois da época dos Santos Cirilo e Metódio e, em primeiríssimo lugar, a unidade entre o Oriente e o Ocidente» (n. 13).

2. A acção dos Santos irmãos comporta outra dimensão, estreitamente ligada à sua missão evangelizadora. Não impuseram às populações eslavas a sua cultura grega, sem dúvida muito rica, mas recordaram-se da palavra da Escritura: «Toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai» (Ph 2,11), e consagraram-se à tradução dos livros sagrados. «Valendo-se para esta obra árdua e singular da língua grega que dominavam e da própria cultura, eles propuseram-se como objectivo chegar a compreender e a penetrar a língua, os costumes e as tradições próprios dos povos eslavos, interpretanto fielmente as suas aspirações e os valores humanos que neles havia e neles se exprimiam » (Slavorum apostoli, 10). A sua obra, especialmente a criação dum alfabeto adaptado à língua eslava, ofereceu uma contribuição essencial à cultura e à literatura do conjunto das nações eslavas.

Devo também recordar que, mediante os seus discípulos directos, a missão dos Santos irmãos se consolidou e se desenvolveu no vosso país, graças a centros de vida monástica muito dinâmicos. Da Bulgária, o cristianismo expandiu-se em seguida nos países limítrofes e estendeu-se até à Rus' de Kiev (cf. ibid., 24).

3. Se uma parte da Europa parece estar hoje à procura da sua identidade, não pode deixar de retornar às suas raízes cristãs, e de modo especial à obra de Cirilo e Metódio. Ela constitui, sem dúvida alguma, um contributo de primeira importância para a unidade da Europa nas suas dimensões religiosa, civil e cultural. Um estudo aprofundado da acção e da herança dos Santos irmãos permitirá redescobrir os valores que modelaram a identidade da Europa no passado, mas que podem ainda hoje renovar a visão deste continente.

Ao agradecer-vos a vossa amável visita, formulo ardentes votos para a vossa Delegação, para as Autoridades e o povo búlgaros.

Faço votos por que, ao dar uma nova actualidade à herança de Cirilo e Metódio, todos possam contribuir de maneira activa para a reconstrução do vosso país e também da Europa. Confio estes votos ao Senhor e imploro sobre vós os benefícios das suas Bênçãos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR CÉSAR IVÁN FERIS IGLESIAS


NOVO EMBAIXADOR DA REPÚBLICA DOMINICANA


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


26 de Maio de 1997





Senhor Embaixador

1. Recebo-o com muito prazer, neste solene acto de apresentação das Cartas Credenciais que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Dominicana junto da Santa Sé, e agradeço-lhe sinceramente as amáveis palavras que teve por bem dirigir-me.

Antes de tudo, desejo retribuir a deferente saudação que o Senhor Presidente da República, Doutor Leonel Fernández Reyna, quis fazer-me chegar por meio de Vossa Excelência. Peço que tenha a bondade de lhe transmitir os meus melhores votos pelo feliz desempenho do seu mandato.

2. Vossa Excelência vem representar uma Nação que tem muitos vínculos com a Igreja católica e com esta Sé Apostólica. Nota de honra para a República Dominicana é o facto que, no início da Evangelização do continente americano, no seu solo se celebrou a primeira Missa naquelas terras, e — como recordei no ano passado —, se administraram os primeiros baptismos de indígenas no Novo Mundo. Hoje a Igreja nesse País, fiel às exigências do Evangelho e com o devido respeito pelo legítimo pluralismo, reafirma a sua vocação de serviço às grandes causas do homem como cidadão e filho de Deus. Neste sentido, os princípios cristãos constituem uma sólida esperança e infundem um renovado dinamismo à sociedade, para que prevaleça a laboriosidade, a honestidade e o espírito de participação a todos os níveis.

3. Por outro lado, a Santa Sé alegra-se pelas boas relações entre a Igreja e o Estado, e formulo ardentes votos por que continuem a incrementar-se no futuro. Ambas têm um sujeito ou destinatário comum que é a pessoa humana, a qual, como cidadão, é membro do Estado e, como baptizado, da Igreja católica. De facto, existe um amplo campo no qual confluem e se inter-relacionam as próprias competências e acções. Razão por que não se trata, de modo algum, de pretender privilégios para a Igreja, mas sim de ordenar as mútuas relações em benefício dos cidadãos.

Deste modo, a Igreja pode levar a cabo a sua obra de evangelização e de promoção humana. Ela só quer poder prosseguir a sua missão de serviço com renovado vigor, materna solicitude e contínua criatividade. Assim se deve considerar a acção que ela realiza através dos movimentos de apostolado e, por outro lado, no campo sanitário e nas escolas católicas, o que merece um justo reconhecimento e apoio por parte do Estado.

4. Em muitas partes do mundo verifica- se uma crise de valores, que afecta instituições, como a família, e amplos sectores da população, como a juventude e o complexo mundo do trabalho. Diante disto, é urgente que os dominicanos tomem maior consciência das suas próprias responsabilidades e, diante de Deus e dos deveres civis, se esforcem por continuar a construir uma sociedade mais justa, fraterna e acolhedora. Para isso, a concepção cristã da vida e os ensinamentos morais da Igreja oferecem alguns valores, que devem ser tomados em consideração por aqueles que trabalham ao serviço da Nação.

Antes de tudo, deve-se recordar que o ser humano é o primeiro destinatário do desenvolvimento. Embora no passado este conceito fosse pensado exclusivamente em termos económicos, hoje é óbvio que o desenvolvimento das pessoas e dos povos deve ser integral. Isto é, o desenvolvimento social deve ter em conta os aspectos políticos, económicos, éticos e espirituais.

5. Um problema crucial actual, e que se manifesta de modo muito concreto na América Latina, é o das grandes desigualdades sociais entre ricos e pobres. Não se deve esquecer que os desequilíbrios económicos contribuem para a progressiva deterioração e perda dos valores morais, que provoca muitas vezes a desintegração familiar, a permissividade nos costumes e o pouco respeito pela vida.

Diante disto é urgente considerar como objectivos prioritários a recuperação desses valores, com medidas políticas e sociais que fomentem um emprego digno e estável para todos, de modo que se supere a pobreza material em que vivem muitos dos habitantes, se fortaleça a instituição familiar e se favoreça o acesso de todas as camadas da população ao ensino. Por isso é inelutável dedicar um cuidado especial à educação para os verdadeiros valores morais e do espírito, mediante programas educativos que difundam estes valores fundamentais numa sociedade que, como a sua, está enraizada nos princípios cristãos. Por esta razão, as diversas instâncias públicas têm a responsabilidade de intervir em favor da família e, no que concerne à orientação demográfica da população, nunca devem recorrer a métodos que não respeitem a dignidade da pessoa e os seus direitos fundamentais.

No mundo de hoje não basta limitar-se à lei do mercado e à sua globalização; deve-se fomentar a solidariedade. Por isso, é necessário promover um desenvolvimento com equidade. A este respeito, escrevi na Encíclica Centesimus annus que «Deus deu a terra a todo o género humano, para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém» (n. 31). Portanto, um modelo de desenvolvimento que não tivesse presente nem enfrentasse com decisão essas desigualdades, não poderia prosperar de modo algum.

Ao mesmo tempo, está-se a tomar consciência da necessidade de harmonizar as políticas económicas com as sociais. Não têm futuro aqueles que, buscando resultados exclusivamente económicos, marginalizam o social, nem aqueles que defendem políticas sociais que não são realistas nem sustentáveis. Com a experiência diária de milhares de instituições ligadas à Igreja católica, pode-se afirmar que o desenvolvimento equilibrado, orientado para o bem comum, será autêntico e contribuirá, inclusive a longo prazo, para a estabilidade social. Uma sociedade, pois, que não esteja ancorada em sólidos valores éticos vaga à mercê, isenta do fundamento essencial sobre o qual se deve construir, de modo duradouro, o tão desejado desenvolvimento social.

6. A integração social só é possível se se supera a falta de confiança da população na administração da justiça, nas forças de segurança e inclusive nos representantes políticos do povo. Nada leva mais à desintegração de uma sociedade que a corrupção e a sua impunidade. Por isso, o esforço por um autêntico desenvolvimento social exige que se fortaleçam os valores democráticos, o respeito universal dos direitos humanos inerentes a cada ser humano, pelo simples facto de ser pessoa, e um correcto funcionamento do Estado de direito.

É necessária, pois, a consolidação da família, procurando preservar e favorecer os seus direitos, as capacidades e as obrigações dos seus membros. Por essa razão, deve-se prestar atenção particular aos grupos mais vulneráveis da sociedade, por causa das peculiares necessidades que experimentam ou da discriminação que sofrem. Por um lado, as mulheres — especialmente as que têm a responsabilidade de um lar —, os anciãos e as crianças. Por outro, os deficientes, os doentes de sida, as populações indígenas e outras minorias étnicas, os emigrantes e refugiados. A respeito disso, as instituições da Igreja católica oferecem um contributo significativo ao esforço comum por fomentar uma sociedade mais justa e mais atenta às necessidades dos seus membros mais fracos.

7. Antes de concluir este encontro desejo expressar-lhe, Senhor Embaixador, os meus melhores votos para que a missão, que hoje tem início, seja fecunda em copiosos frutos e êxitos. Peço-lhe, de novo, que se faça intérprete dos meus sentimentos e esperanças junto das Autoridades do seu País, enquanto invoco a bênção de Deus sobre Vossa Excelência, sobre a sua distinta família e colaboradores, e sobre os amadíssimos filhos da nobre Nação dominicana.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DE ANGOLA E DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE


POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


27 de Maio de 1997



Senhor Cardeal Venerados Irmãos no Episcopado!

1. Como é agradável a vossa presença hoje aqui, representando e apresentando a Igreja que, por entre as tribulações do mundo e as consolações do Espírito Santo, peregrina em Angola e em São Tomé e Príncipe! Muitas vezes a desejei e, por todas as formas possíveis, nunca cessei de estar ao vosso lado, quando uma insana guerra se reacendeu com o seu cortejo de privações, ruínas, lutos, humilhações e sofrimentos de todo o género, que se abateram sobre vós próprios e sobre as vossas comunidades e nações, dizimando impiedosamente o rebanho e constrangendo os sobreviventes à diáspora e à miséria. Parecia que o inferno se tivesse levantado, furibundo, para apagar aquela aurora de paz e de esperança que a minha Visita Apostólica se propusera encorajar e confirmar com renovados dons do Alto, naqueles dias abençoados e inesquecíveis do Pentecostes de 1992.

Como não recordar, entre outras, aquela multidão imensa de gente de todas as idades, apinhada à volta do altar na «Praia do Bispo» em Luanda, com seus vestidos coloridos de festa e suas almas irmanadas no mesmo canto de gratidão a Deus e de fraternidade em Cristo! Recordo as suas manifestações efusivas de regozijo e contentamento ao saberem dos pastores que o Céu lhes mandava para Ordinário de Mbanza Congo e para Bispo Auxiliar de Luanda, respectivamente na pessoa de D. Serafim Shingo-Ya-Hombo e de D. Damião António Franklin — hoje aqui presentes. Vós sois a prova de que aquele dia não terminou e de que o inferno não prevalecerá. De facto, apesar das grandes provações que vos sobrevieram, os anos seguintes veriam igualmente renovar-se a hierarquia eclesiástica também em Lubango, Kwito-Bié, Novo Redondo e Saurimo, e ainda a nomeação de um Coadjutor para Malanje. Com vivo reconhecimento eclesial a toda a Conferência Episcopal — nomeadamente a quantos apascentaram e apascentam o Rebanho de Cristo nas referidas dioceses —, dou-vos as boas-vindas a esta humilde «casa de Pedro», que sempre foi e é vossa. Exprimo as minhas congratulações ao vosso Presidente recém-eleito, D. Zacarias Kamwenho, e agradeço ao Senhor Cardeal do Nascimento as palavras amigas que, em nome de todos, me dirigiu, pondo a descoberto o palpitar do coração atribulado das Comunidades que vos estão confiadas; e saúdo fraternalmente cada um de vós, desejando prolongar meus braços nos vossos para de novo estreitar ao coração todos os meus Irmãos e Irmãs de Angola e de São Tomé e Príncipe, com seus concidadãos e autoridades, numa reiterada imploração de paz e pacificação: «O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Nb 6,24-26).

2. Com a referida celebração eucarística em Luanda, naquele dia 7 de Junho de 1992, encerravam-se as comemorações jubilares do Quinto Centenário da Evangelização de Angola. Encerravamse numa sentida acção de graças à Santíssima Trindade e aos «pais e mães» da vossa fé e, com o olhar já fixo no Terceiro Milénio, era renovado por aquela multidão de filhos e irmãos o compromisso de continuarem, orgulhosos da sua adesão a Cristo e abertos ao sopro vivificador do Espírito Santo, a semear a Boa Nova da Salvação até aos confins de Angola e a fazê-la frutificar nos sulcos da cultura e da vida angolana, muitos deles ensanguentados e comprometidos em sua abertura pelas vicissitudes da guerra.

«Leigos para o Ano 2000»! Sob este tema, desenrolou-se um mês depois, mais precisamente de 7 a 12 de Julho, o I Congresso Nacional dos Leigos Angolanos, chamando o laicado cristão a ser a alma de uma Nação necessitada de concentrar todas as suas forças nas sendas da paz e da reconciliação, para organizar a esperança num futuro digno da sociedade angolana. Soube, com grande satisfação, do elevado grau de maturidade manifestado pelos vossos fiéis leigos, tanto na longa preparação feita a nível paroquial, diocesano e nacional para a Assembleia, como nas próprias exposições lá desenvolvidas com grande sintonia e conhecimento da doutrina do Concílio Vaticano II e das Exortações Apostólicas posteriores, especialmente da «Christifideles laici».

3. Os trágicos acontecimentos, que tiveram início nos últimos meses desse mesmo ano de 1992, puseram duramente à prova o entusiasmo e as resoluções geradas naqueles dias. O Calvário estava mais perto do «Monte Tabor» do que parecia! Quando finalmente esperáveis recolher os frutos de uma longa e atribulada sementeira vendo cada um dos fiéis tornar-se «outro Cristo» pelas estradas da vida, eis que um Cristo ultrajado, perseguido e chacinado em muitos dos seus membros vos seria deixado nos braços, à semelhança do que sucedera outrora à Mãe dolorosa e bendita, cabendo a vós, aos sacerdotes, às religiosas e a quantos mais puderam auxiliar-vos, suplicar a Deus para os mortos a paz que os vivos lhes negaram, pôr a salvo e velar pelos sobreviventes, chamar à conversão os prevaricadores e, em todos, manter acesa a candeia da esperança.

Juntar os mil cacos que restam da tigela partida e recompô-los com materna paciência e ilimitada confiança no homem por amor de Deus, é prova tangível e autêntica de que o Espírito Criador está convosco e vos assiste — Ele que quase não tem feito outra coisa desde que a sua obra-prima terrestre, moldada do barro mas animada pelo seu sopro divino, Lhe fugiu das mãos e se quebrou no jardim do Éden. Por isso, amados Irmãos, não desanimeis! Mas continuai a erguer a vossa voz unânime, fazendo saber a todos, com absoluta certeza, que «há-de dar muito fruto o grão de trigo que, caído na terra, se deixara morrer» (cf. Jo Jn 12,24). Levai as vossas comunidades cristãs a venerarem os seus membros, caídos ou dispersos, vítimas do ódio e da injustiça. Como sucedia nas comunidades apostólicas (cf. 1P 3, 8-4, 19), ensinai-as a bem discernir o sofrimento por causa do Reino de Deus e da sua justiça, do sofrimento «por ser homicida, ladrão, difamador ou por cobiçar os bens alheios» (1P 4,15): este necessita de ser reparado; aquele, seja glorificado porque «há-de dar muito fruto»!

4. Possa a memória de tantas vidas humanas sacrificadas apressar, em Angola, os tempos da renovação e da concórdia! Todas as vidas... Aquelas de ontem, que caíram vítimas da inclemência de viagens e climas, ou das incompreensões e ciladas humanas: quem sabe, ainda nomeadas algures numa cruz ou lápide ignorada ou partida; talvez depreciadas e esquecidas, porque rotuladas sumária e indiscriminadamente como coniventes com interesses de exploradores e comerciantes, porventura alcunhadas de escravagistas, ou vendidas ao poder colonial! Igreja de Angola, se não consegues hoje resgatar a honra de teus pais e mães na fé, poderás ainda esperar sobreviver nos teus filhos? Sempre que alguém tomou a tua mão na sua e traçou o sinal da cruz sobre ti e a tua terra, não era ela portadora de bênção? Tens quinhentos anos de evangelização: de qual deles pensas deixar-te privar?

Todas as vidas sacrificadas... também as de hoje! Por ocasião da minha Visita Pastoral, a vossa Comissão «Justiça e Paz» preparou um elenco de cristãos raptados, torturados ou assassinados nos anos que vão de 1960 a 1991. Repassei, comovido, aqueles nomes: eram pessoas pertencentes aos vários estados eclesiais, que provinham dos mais diversos cantos de Angola, e vários de fora. Como desejaria que as respectivas comunidades locais pudessem gloriar-se delas e imitá-las na coragem da sua fé e no seu testemunho de vida cristã: se elas puderam, por que não eu! Sejam narrados, segundo a boa tradição africana, os seus feitos gloriosos. Que os seus nomes e exemplos vivam no coração e configurem o ideal humano e cristão de todo o Povo de Deus: crianças e velhinhos, jovens e adultos; ordenados, consagrados ou casados, sem esquecer todas e todos os que hoje se sentem chamados e se preparam para assumir em breve idênticos compromissos eclesiais. Ficarão assim desmistificadas, uma vez por todas, as pseudo-razões invocadas aqui e além para se manter o homem e a mulher africana na menoridade cristã.

5. É que a «Igreja que está em África » falou... Aí está, ao alcance de todos, a Exortação Apostólica que recolhe «os frutos das suas reflexões e das suas preces, dos seus debates e das suas partilhas » (Ecclesia in Africa ), apontando decididamente para a meta da santidade, reconhecida e confessada como a vocação comum de todos os baptizados: «O Sínodo reafirmou que todos os filhos e filhas da África são chamados à santidade » (n. 136), entendida esta como «configuração com Cristo» (n. 87).

Nesta perspectiva, «o matrimónio cristão» é definido «um estado de vida, um caminho de santidade cristã», se vivido num «amor indissolúvel; graças a esta sua estabilidade, pode contribuir eficazmente para realizar em plenitude a vocação baptismal dos esposos» (n. 83). Passando depois à «vida consagrada », diz que ela «tem um papel particular » na Família de Deus que é a Igreja: «Indicar a todos o apelo à santidade» (n. 94). E aos que apascentam o Rebanho do Senhor, deixa esta advertência: «O pastor é luz dos seus fiéis, sobretudo através de uma conduta moral exemplar e impregnada de santidade» (n. 98).

Depois, alongando o olhar para a imensa seara lourejante do mundo a evangelizar, que espera pelos ceifeiros, a Assembleia sinodal recomenda a estes: «Todo o missionário só o é autenticamente, se se empenhar no caminho da santidade». E para que não restem dúvidas, acrescenta: «O renovado impulso para a missão ad gentes exige missionários santos. Não basta renovar os métodos pastorais, nem organizar e coordenar melhor as forças eclesiais, nem explorar com maior perspicácia as bases bíblicas e teológicas da fé: é preciso suscitar um novo ardor de santidade entre os missionários e em toda a comunidade cristã» (n. 136).

E não se trata de um ditame restrito ao âmbito espiritual e à missão religiosa da Igreja, já que o objectivo que esta se propõe no diálogo pluricultural empreendido com a sociedade, é precisamente «colocar o homem em condições de acolher Jesus Cristo na integridade do próprio ser pessoal, cultural, económico e político, de maneira que ele possa viver uma vida santa, em total união com Deus Pai, sob a acção do Espírito Santo » (n. 62). Para me limitar apenas ao âmbito político, recordo como a Assembleia sinodal, ao ver a necessidade que nele existe de «grande habilidade na arte de governar (...) elevou ao Senhor fervorosa prece a fim de que surjam, em África, políticos — homens e mulheres — santos; para que hajam santos Chefes de Estado, que amem profundamente o seu próprio povo e desejem mais servir que servir-se» (n. 111).

6. Ultimamente, na Nação angolana, foram dados alguns passos extremamente significativos: refiro-me ao Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, constituído no passado dia 11 de Abril, e à Assembleia Nacional, que conta finalmente com a presença de todos os seus membros. São acontecimentos políticos importantes, há muito esperados, em ordem à normalidade democrática nas Instituições Nacionais. Possam agora estas, sempre com a ajuda da Comunidade Internacional, restituir o mais depressa possível à Nação inteira a normalidade da vida familiar, cultural, económica, sócio-política e religiosa. De facto, dói-nos a alma saber que, em diversas regiões, há comunidades privadas de assistência religiosa desde 1975. E, na sequência das últimas acções bélicas, as dificuldades de comunicação e livre trânsito acabaram por se acentuar ainda mais noutras partes, por arbitrariedades totalmente injustificadas das partes contendentes, negando-se assim à Igreja o mais elementar dos seus direitos: a assistência religiosa e a ajuda humanitária aos seus fiéis. Unindo a minha voz à vossa, peço a quem de direito que ponha cobro a tais irregularidades, para que mais nenhum cidadão deva sentir-se estrangeiro na sua própria pátria.

7. Meus Irmãos muito amados, a leitura dos vossos relatórios quinquenais permitia ainda deter-me em mais alguns assuntos relativos à vida das vossas dioceses. Mas já os abordei com cada um durante os encontros individuais, tendo preferido reservar para esta ocasião mais colegial o testemunho da gratidão de toda a Igreja por terdes amado o vosso Rebanho mais do que a própria vida, exortando-vos a perseverar unânimes no vosso ministério como «vigários e legados de Cristo» (Lumen gentium LG 27) — Ele que «veio para que as suas ovelhas tenham vida e vida em abundância » (cf. Jo Jn 10,10).

A encarnação de Deus em Jesus Cristo trouxe-nos a plenitude da vida, que invocamos sobre a humanidade inteira, chamada a dessedentar-se nas fontes da salvação. Na verdade, o Pai celeste, com o envio de seu Filho, deu resposta, de modo cabal e definitivo como só Ele sabia e podia fazer, às múltiplas inquietações, dúvidas e expectativas do coração humano. Nos nossos dias, assistimos a um materialismo prático, com o seu ideal consumista de coisas e do tempo, que está a asfixiar, no coração da humanidade, a sua nostalgia natural de Deus e a busca de uma vida em plenitude, cortando as asas à inteligência e à fé. Esta mentalidade secularista é um terreno árido para a semente do Evangelho, constituindo um novo e duro desafio para todos nós: o desafio à força espiritual de cada uma das Igrejas locais e de cada um dos cristãos. Só o Espírito Santo, que «rega o que é árido e abranda o que está endurecido» (cf. Sequência do Pentecostes), pode arrotear semelhante terreno e torná-lo fecundo, para que o Verbo de Deus possa lançar nele as suas raízes.

Confiando no Espírito Santo, que conduziu a Igreja através de numerosos obstáculos durante os dois mil anos passados, podereis cruzar, sem medo, os umbrais do terceiro milénio. Oxalá estes anos de preparação e a celebração do grande Jubileu propiciem aquela «vida em abundância» que o Salvador vem trazer a todas as vossas comunidades locais, nomeadamente à querida diocese de São Tomé e Príncipe, que recordo com grande afecto diante do Senhor. Os seus obreiros do Evangelho não se deixem impressionar pelos frutos, aparentemente limitados, das suas lidas apostólicas; pensando em cada um deles e em ti, caro e venerado Irmão D. Abílio, recordo aquelas palavras de Jesus: «Nada temas, continua a falar e não te cales (...) pois tenho [aqui] um povo numeroso » (Ac 18,9-10).

Tenho ainda diante dos olhos a imagem encantadora e pujante de vida das vossas ilhas, alimentadas por um clima generoso e criador, e no meu coração vejo essa natureza como uma alegoria dos santomenses que hão-de corresponder da mesma forma e medida à graça divina, certamente não menos generosa nem menos criadora de vida que o clima. Lembrados de que só os santos são verdadeiramente felizes, deixem-se elevar para o Céu, que não cessa de os chamar e atrair, e unam-se intimamente, de coração e vida, à «terra» eclesial onde foram transplantados pelo Baptismo e se nutrem mercê sobretudo da Eucaristia.

Por fim, implorando de Deus um real bem-estar físico e espiritual para todos os santomenses e angolanos, no respeito da sua dignidade de pessoas amadas por Deus e resgatadas pelo sangue de Cristo, abençoo-os de todo o coração, especialmente aqueles que sofrem no corpo ou no espírito, privados dos seus familiares ou vagueando longe da sua casa. Aos vossos colaboradores na edificação da Igreja e a cada um de vós, concedo uma afectuosa Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1997 - Quinta-feira 22 de Maio de 1997