Discursos João Paulo II 1997 - 27 de Maio de 1997

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


NA CONCLUSÃO DO MÊS MARIANO NO VATICANO




Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Sábado próximo, 31 de Maio, encontrar-me-ei em Wroclaw, na Polónia, para concluir o Congresso Eucarístico Internacional sobre o tema: «Eucaristia e liberdade». Por este motivo, não poderei estar convosco junto da «Gruta de Lourdes », nos Jardins do Vaticano, por ocasião da habitual e sugestiva celebração aos pés da Virgem. Contudo, não quero que falte um testemunho de participação espiritual nesse intenso momento de oração. Confio, portanto, a minha saudação cordial a todos vós ao Senhor Cardeal Virgílio Noè, meu Vigário-Geral para a Cidade do Vaticano.

No último dia de Maio a Igreja recorda a Visitação de Maria a Santa Isabel. O nosso olhar detém-se na Virgem Santa, admirável Arca da Aliança, que traz ao mundo Jesus Cristo, Aliança nova e eterna entre Deus e a humanidade. Ela apresenta-se ao olhar dos crentes como admirável ostensório do Corpo de Cristo, por Ela concebido por obra do Espírito Santo. O pensamento dirige-se ao momento da Encarnação, quando o Verbo, ao vir ao mundo, oferece ao Pai a própria humanidade, recebida de Maria: «Não quiseste sacrifício nem oblação, mas preparaste-Me um corpo... Então Eu disse: Eis que venho... para fazer, ó Deus, a Tua vontade» (He 10,5-7). A oblação de Cristo na Encarnação encontrará o seu coroamento no Mistério pascal, do qual a Eucaristia é memorial perene.

Ao acto de doação do Filho, Maria se conforma em total sintonia de mente e de coração, do «sim» de Nazaré ao do Gólgota. A Virgem viveu em constante comunhão com Cristo: toda a sua vida pode ser considerada uma espécie de comunhão «eucarística», comunhão com aquele «Pão descido do céu» que o Pai deu para a vida do mundo.

Na comunhão com Cristo, Maria realiza plenamente a própria liberdade de criatura, em nada submetida aos vínculos do pecado (cf. Jo Jn 8,34). Ela torna-se, assim, ícone de esperança e profecia de libertação para todos os homens e para a humanidade inteira. Maria canta isto no Magnificat, precisamente durante o encontro com Isabel: «Grandes coisas me fez o Omnipotente. É Santo o Seu nome e a Sua misericórdia vai de geração em geração para aqueles que O temem» (Lc 1,49-50).

Caríssimos Irmãos e Irmãs, venerando a Virgem Santa no final do mês de Maio, sereis por Ela mesma orientados para vos unirdes espiritualmente a nós, recolhidos em Wroclaw para adorar Cristo-Eucaristia, Salvador do mundo, Liberdade do homem.

Agradeço-vos a recordação orante com que sempre me acompanhais, em particular durante as minhas Viagens apostólicas. Confio-vos à materna protecção da Virgem Santa e, de coração, concedo a cada um de vós a Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva aos que vos são caros.

Vaticano, 28 de Maio de 1997.

IOANNES PAULUS PP. II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS RELIGIOSOS DA CONGREGAÇÃO


DOS SACERDOTES DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS


(DEHONIANOS OU PADRES REPARADORES)


REUNIDOS EM CAPÍTULO


Sexta-feira, 30 de Maio de 1997





Caríssimos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus!

1. Bem-vindos a este encontro, que se realiza por ocasião do vigésimo Capítulo Geral Ordinário da vossa Congregação. Agradeço cordialmente ao Superior-Geral, Padre Virgínio Bressanelli, as palavras com que se fez intérprete dos sentimentos de todos vós e ilustrou o tema e os objectivos destas vossas jornadas de oração, de reflexão e de discernimento.

Soube com prazer que o vosso Instituto está hoje presente em quatro continentes, com cerca de dois mil e quatrocentos religiosos, constituindo assim uma realidade eclesial rica e articulada. No decurso desta vossa Assembleia capitular, o vosso objectivo é traçar algumas linhas que orientem o caminho e a actividade da Congregação nas várias províncias, para valorizar melhor as pessoas e os dons de que a vossa Família religiosa é portadora, ao serviço da Igreja e do Evangelho.

Neste propósito, na comunhão dos santos, está certamente ao lado de vós o vosso venerado Padre Fundador, Leão João Dehon, do qual tive a alegria de promulgar o Decreto sobre a heroicidade das virtudes. Sei que isto constitui para a vossa Congregação um forte momento de graça, um motivo de renovado fervor, e alegro-me com todos vós.

A vida cristã e, com maior razão, a vida consagrada é vida de amor oblativo (cf. Vita consecrata VC 75). Disto estava bem convicto o Padre Dehon, que se sentiu chamado, ainda jovem sacerdote, a responder ao amor do Coração de Cristo com uma consagração de amor missionário e reparador.

Caríssimos Irmãos, prossegui generosamente por esse caminho, conscientes de que, para serdes fiéis ao carisma do Fundador, é necessário antes de tudo cultivar em vós mesmos aquela docilidade ao Espírito Santo, que lhe consentiu aderir de maneira total à inspiração divina. É precisamente desta intensidade de vida espiritual, actuada sobretudo na oração, que depende a vitalidade da vossa Família religiosa. O coração de Cristo, caríssimos, é o ponto focal da vossa consagração. Aquele Jesus, no qual a Igreja inteira fixa o olhar de modo especial neste ano, primeira etapa do triénio preparatório para o Jubileu do Ano 2000, mostra ao homem contemporâneo o seu Coração, fonte de vida e de santidade. Rei e centro de todos os corações, Cristo pede aos consagrados não só que O contemplem, mas que entrem no seu Coração, para poderem viver e trabalhar em constante comunhão com os Seus sentimentos.

A radicalidade no seguimento, a fidelidade aos votos, a fraternidade, o serviço apostólico, a comunhão eclesial: tudo deriva daqui, desta fonte inexaurível de graça.

2. Entre os objectivos prioritários da vossa Assembleia capitular, está justamente uma formação qualificada, permanente e adequada às várias fases da vida do candidato e do consagrado. Escrevi na Exortação Apostólica Vita consecrata: «Também no seio da vida consagrada há necessidade de um renovado amor pelo empenho cultural, de dedicação ao estudo como meio para a formação integral e como percurso ascético, extraordinariamente actual, frente à diversidade das culturas. A diminuição do empenho pelo estudo pode ter graves consequências mesmo no apostolado, gerando um sentido de marginalização e de inferioridade ou favorecendo superficialidade e imprudência nas iniciativas » (n. 98).

Parte integrante da formação inicial e permanente é, pois, o estudo, o aprofundamento teológico, indispensável tanto para a qualidade da vida pessoal como para o serviço a prestar ao encontro entre o Evangelho e as culturas. Uma fervorosa vida espiritual e cultural, conduzida em sintonia com a Tradição da Igreja e com os ensinamentos do Magistério, permite superar as possíveis tentações de se fechar e de se isolar nas metas já alcançadas, ainda que sejam notáveis.

Caríssimos filhos do Padre Dehon, fiéis ao vosso Fundador, amai a Igreja e os seus Pastores. São admiráveis os vínculos de estima, se não até mesmo de amizade, que ligaram o Padre Dehon aos Pontífices Romanos, no arco da sua longa vida. Leão XIII, por exemplo, estimava- o como óptimo intérprete do seu Magistério. Bento XV foi seu amigo pessoal e confiou-lhe a construção da Basílica de Cristo Rei, em Roma. Fazei com que as vossas atitudes e as vossas iniciativas sejam sempre marcadas por colaboração efectiva com a hierarquia eclesiástica, sobretudo na delicada tarefa de formar e esclarecer as consciências dos fiéis, com frequência desorientadas e confusas.

Repito-vos quanto escrevi, ao dirigirme a todas as pessoas consagradas: «Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir! Olhai o futuro, para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas» (Vita consecrata VC 110). O carisma do Padre Dehon é um dom fecundo para a construção da civilização do amor, visto que a alma da nova evangelização é o testemunho da caridade divina: «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único...» (Jn 3,16).

3. Conservai sempre viva a tensão missionária! Há cem anos partiam para o Congo os primeiros missionários do vosso Instituto, guiados pelo Padre Gabriele Grison, que despendeu a vida entre as populações da região de Kisangani, da qual se tornou Vigário Apostólico. É-me grato recordar que diante do seu túmulo me ajoelhei, durante a minha primeira Viagem Apostólica na África, em Maio de 1980. Com viva admiração tive conhecimento de que não deixastes nenhuma das vossas missões no Congo- Zaire, aceitando todos os riscos do momento presente. Com certeza, Deus háde abençoar este vosso corajoso testemunho de amor a Cristo e às populações locais, tão duramente provadas. Juntamente convosco, caríssimos, desejaria confiar mais uma vez ao Senhor na oração os filhos e as filhas daquelas martirizadas regiões do Continente africano, para que possam encontrar o caminho da reconciliação e do desenvolvimento.

Caríssimos Irmãos, observo além disso com prazer que tendes em vista animar de espírito missionário todos os aspectos e todas as actividades da vossa Congregação. Com efeito, tudo na Igreja está orientado para o anúncio de Cristo. Os meus votos cordiais são por que possais sempre conjugar, em harmonia fecunda, a comunhão fraterna e o empenho apostólico, a projecção no mundo e a plena sintonia com os legítimos Pastores, a atenção aos Coirmãos, especialmente idosos, doentes, em dificuldade, e a valorização de cada um para a missão comum.

Oxalá este anelo apostólico anime também os outros «ramos» da Família, que seguem a espiritualidade do Padre Dehon, isto é, o das pessoas consagradas que vivem no mundo e o dos leigos dehonianos.

4. Caros Irmãos, dentro de poucos dias celebraremos a Solenidade do Sagrado Coração: a liturgia da Igreja oferece-vos a fonte mais rica de inspiração para o vosso Capítulo. Oro ao Senhor, por intercessão de Maria Santíssima, para que cumule da Sua sabedoria cada um de vós, a fim de que a vossa Assembleia produza os frutos esperados. Para isto, de coração concedo a vós e a todos os Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus uma especial Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva à inteira Família dehoniana.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO 35° CURSO DE ATUALIZAÇÃO


DO «INSTITUTO PARA A RECONSTRUÇÃO INDUSTRIAL»


30 de Maio de 1997



Ilustres Senhoras e Senhores

Dou as minhas cordiais boas-vindas a todos vós, que participastes no 35º curso de aperfeiçoamento nas funções directivas empresariais. Sinto-me feliz por vos acolher juntamente com os vossos professores e familiares. Agradeço as amáveis palavras que me quis dirigir o Dr. Michele Tedeschi, Presidente do Instituto para a Reconstrução Industrial, ao qual se deve esta louvável iniciativa de cooperação internacional.

Provindes de 27 países da África, da América Latina, da Ásia e da Europa, países em vias de desenvolvimento e — como se costuma dizer — em transição para a economia de mercado. Precisamente este termo «transição» é muito significativo: de facto, o curso que frequentastes põe-se ao serviço de tal transição, a fim de que seja positiva, equilibrada e gradual, não traumática nem unilateral.

Já várias vezes no passado tive a ocasião de expressar apreço e encorajamento por este género de projectos, em que o aspecto de formação cultural e humana se une ao aspecto mais específico, que é próprio do âmbito empresarial, favorecendo o confronto sobre temas económicos e sociais, considerados à luz das actuais tendências de interdependência global.

O caminho da cooperação internacional, nos vários níveis e nos diversos âmbitos da economia, apresenta- se na realidade como a via-mestra do autêntico desenvolvimento e, consequentemente, da construção de relações de justiça e de paz entre os povos. Trata- se de uma senda que, como sabeis, a doutrina social da Igreja compartilha plenamente, porque realiza tanto o princípio da solidariedade como, ao mesmo tempo, o da subsidiariedade.

Portanto, estou persuadido de que também o actual curso foi profícuo para cada um de vós, e faço votos por que no futuro os seus benefícios possam ser ainda maiores, nos compromissos que vos aguardam nos vossos países de origem e no estilo de cooperação que sabereis manter e conservar.

Enquanto vos manifesto vivo reconhecimento por esta grata visita, formulo votos de paz e prosperidade para os povos a que pertenceis, e invoco a bênção de Deus sobre cada um de vós e sobre as vossas famílias.



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA CERIMÓNIA DE ACOLHIMENTO EM WROLAW


31 de Maio de 1997



Excelentíssimo Senhor Presidente da República da Polónia
Venerado Senhor Cardeal Arcebispo de Wroclaw!

1. Agradeço vivamente as palavras de boas-vindas pronunciadas pelo Senhor Presidente em nome das Autoridades de Estado da República da Polónia. Exprimo a minha gratidão também ao Arcebispo de Wroclaw pelo discurso que me dirigiu, em nome desta Arquidiocese, do Episcopado e da Igreja inteira na Polónia. De coração quero retribuir os sentimentos que me foram manifestados.

Assim, encontro-me de novo no meio de vós como peregrino, caros Irmãos e Irmãs, filhos e filhas da nossa comum Mãe-Pátria. Esta é já a sexta viagem do Papa polaco à terra natal. Cada vez, contudo, imutavelmente sinto uma profunda comoção no coração. Cada retorno à Polónia é como que o retorno sob o tecto da casa paterna, onde cada objecto, mesmo o mais pequeno, nos recorda aquilo que está mais perto do coração e lhe é mais caro. Como, então, não agradecer neste instante à Divina Providência, ter-me permitido mais uma vez responder ao convite da Igreja na Polónia e das Autoridades de Estado, a retornar à minha Pátria? Acolhi com alegria esse convite, e hoje quero mais uma vez manifestar o meu cordial agradecimento por ele.

Neste momento abraço com o pensamento e com o coração a minha Pátria inteira e todos os compatriotas, sem excepção alguma. Saúdo todos vós, caros irmãos e irmãs. Saúdo a Igreja na Polónia, o Cardeal Primaz, todos os Cardeais, Arcebispos e Bispos, os sacerdotes, as Famílias religiosas masculinas e femininas e o inteiro povo crente, tão apegado à fé católica. Dirijo palavras de saudação especialmente à juventude polaca, pois ela é o futuro desta terra. Saúdo de modo particular as pessoas afligidas pelo sofrimento da enfermidade, da solidão, da terceira idade, ou então da pobreza e da indigência. Saúdo os irmãos e as irmãs da Igreja Ortodoxa da Polónia e das Comunidades da Reforma, e também os nossos irmãos maiores na fé de Abraão e aqueles que, nesta terra, professam o Islão. Saúdo todos os homens de boa vontade que, com sinceridade, buscam a verdade e o bem. Não quero omitir ninguém, pois trago todos vós no meu coração e recordo todos vós nas minhas orações.

2. Saúdo-te, Polónia, minha Pátria! Embora me tenha cabido viver distante, contudo não cesso de me sentir um filho desta terra e nada do que lhe diz respeito me é estranho. Alegro-me convosco pelos sucessos que alcançais e participo nas vossas preocupações, cidadãos polacos! Sem dúvida, infunde optimismo — por exemplo — o processo, na realidade não fácil, do «aprendizado da democracia» e da gradual consolidação das estruturas de um Estado democrático e de direito. Devem ser registrados não poucos sucessos no campo da economia e das reformas sociais, reconhecidos pelas prestigiosas instâncias internacionais. Mas não faltam também os problemas e as tensões, por vezes muito dolorosos, que devem ser resolvidos com um esforço comum e solidário de todos, respeitando os direitos de cada homem, e especialmente daquele mais indefeso e débil. Estou convicto de que os Polacos são uma nação dotada de enorme potencial de talentos de espírito, de intelecto e de vontade; uma nação que é capaz de muito e que, na família dos países europeus, pode desempenhar um papel importante. E é precisamente isto que de todo o coração desejo à minha Pátria.

Venho a vós, caros compatriotas, como aquele que deseja servir — prestar um serviço apostólico a todos e a cada um de vós singularmente. O serviço do Sucessor de São Pedro é o ministério da fé, de acordo com as palavras de Cristo: «Roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos» (Lc 22,32). Esta é a missão de Pedro e esta é a missão da Igreja. Ela, com o olhar fixo no exemplo do seu Mestre, nenhuma outra coisa deseja senão poder servir o homem, anunciando o Evangelho. «O homem, na plena verdade da sua existência, do seu ser pessoal e, ao mesmo tempo, do seu ser comunitário e social — no âmbito da própria família, no âmbito de sociedades e de contextos bem diversos, no âmbito da própria nação, ou povo... no âmbito de toda a humanidade — este homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão: ele é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo e via que imutavelmente conduz através do mistério da Encarnação e da Redenção» (Redemptor hominis RH 14).

3. Venho a vós, caros compatriotas, no nome de Jesus Cristo — d’Aquele que é «o mesmo ontem e hoje e por toda a eternidade» (He 13,8). Este é o lema da presente visita. No itinerário desta peregrinação apostólica desejo, juntamente convosco, confessar a fé n’Aquele que é o «centro do cosmos e da história», e de modo especial o centro da história desta Nação, baptizada há mais de mil anos. É preciso que renovemos esta profissão de fé, juntamente com a Igreja inteira, que se prepara espiritualmente para o Grande Jubileu do Ano 2000.

O percurso desta peregrinação é muito rico, e as suas etapas principais são determinadas por três cidades: Wroclaw, Gniezno e Cracóvia. E então, antes de tudo, Wroclaw, que é sede do 46° Congresso Eucarístico Internacional.«Dai-Lhe lugar, o Senhor vem do céu...». Estou convicto de que este Congresso Eucarístico contribuirá de maneira eficaz para a expansão do espaço vital oferecido a Cristo no Santíssimo Sacramento, a Cristo crucificado e ressuscitado, a Cristo Redentor do mundo, na vida desta Igreja que está em Wroclaw, na vida da Igreja na Polónia e em todo o globo terrestre. Trata-se aqui de abrir o acesso a todas as riquezas da fé e da cultura, que unem à Eucaristia. Trata-se dum espaço espiritual, dum espaço de pensamentos humanos e de coração humano, dum espaço de fé, esperança e caridade, e também dum espaço de conversão, de purificação e de santidade. Temos em mente tudo isto quando cantamos: «Dai-Lhe lugar...».

A segunda etapa é a antiquíssima Gniezno. Esta minha visita é realizada no ano em que a Igreja na Polónia celebra o milénio do martírio de Santo Adalberto. Juntamente connosco celebram-no os nossos vizinhos Tchecos, e também os Húngaros, os Eslovacos e os Alemães. No âmbito desta peregrinação quereria juntamente convosco, caros irmãos e irmãs, dar graças, antes de tudo, pelo dom da fé, consolidada na nossa história pelo sangue do mártir Adalberto. Este aniversário contém também uma clara dimensão europeia. De facto, ele recorda-nos o histórico Encontro de Gniezno, do ano 1000, que teve lugar junto das relíquias do Mártir. A figura de Santo Adalberto inscreveu-se muito profundamente na história espiritual, não só da Polónia mas também da Europa, e a mensagem que contém não perdeu até hoje a sua actualidade.

E por fim Cracóvia, isto é, o 600° aniversário da fundação da Universidade Jagelónica em Cracóvia, e em particular da sua Faculdade de Teologia, graças aos esforços da Beata Rainha Edviges. Também aqui se trata dum evento decisivo para o espírito da nação e da cultura polacas.

Em torno destas três etapas principais está estruturado todo o programa desta viagem, muito vasta e rica. Ela está unida, num único conjunto, pela figura de Jesus Cristo, que é «o mesmo ontem, hoje e por toda a eternidade» (He 13,8) — a figura de Cristo, que de modo tão admirável revela o Seu poder na vida dos Santos e dos Beatos, aos quais a Igreja reconhece as honras dos altares. Falar-nos-ão disto as canonizações e as beatificações de grandes Polacos e de grandes Polacas, que realizarei no decurso desta visita apostólica. Desejamos confessar juntos a nossa fé em Cristo, e também queremos convidá-l’O de novo a estar nas nossas famílias, em todos os lugares onde nos é dado viver e trabalhar — queremos de novo convidá-l’O à nossa casa comum, que se chama Polónia.

Para concluir, agradeço mais uma vez o acolhimento tão caloroso na terra pátria. Saúdo todos os presentes, saúdo quantos aqui vieram para participar no Congresso Eucarístico Internacional, e também todos os meus compatriotas e, de coração, abençoo todos.



                                                                                   Junho de 1997

VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



AOS MEMBROS DAS DELEGAÇÕES


DO CONGRESSO EUCARÍSTICO INTERNACIONAL


Domingo, 1 de Junho de 1997



Antes de tudo, quero pedir desculpas pelo atraso, mas eu quis visitar o túmulo do meu amigo, Cardeal Boleslaw Kominek, que se encontra na Catedral, e também os de outros Bispos e Arcebispos de Wroclaw, polacos e alemães, de sacerdotes, religiosos e religiosas que não se encontram na Catedral mas nos cemitérios de Wroclaw, e precisamente a isto se deve o meu atraso.

Ilustres Hóspedes
Queridos Irmãos e Irmãs!

1. Encontramo-nos esta tarde para juntos agradecermos à Divina Providência o dom do Congresso Eucarístico. Damos graças a Deus por este tempo de oração e de adoração, e também de reflexão teológica sobre o grande mistério da nossa fé, que é a Eucaristia.

Durante oito dias experimentastes a particular graça de estar juntos. O que unia todos era a fé na presença real de Cristo, sob as espécies do pão e do vinho, e também a consciência de que Ele está sempre entre nós, «para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância» (cf. Jo Jn 10,10). Nestes dias a cidade de Wroclaw transformou-se num grande cenáculo, no qual todos os crentes se reuniram numa mesa comum, à volta de Cristo, para escutarem as Suas palavras, Lhe prestarem louvor com o cântico e com a oração e se nutrirem do Seu sagrado Corpo. Nas celebrações ligadas ao Congresso participavam não só esta cidade, mas a inteira Arquidiocese de Wroclaw e a Igreja na Polónia. A Santa Missa desta manhã, concelebrada juntamente com o Papa por muitos Cardeais, Arcebispos e Bispos, e também por um numeroso grupo de Presbíteros, foi uma verdadeira Statio Orbis, uma enorme assembleia de peregrinos provenientes do mundo inteiro, e de modo especial da Europa. Tornou-se a imagem visível da Igreja «reunida na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (cf. Lumen gentium LG 4). Dando graças a Deus por este dom, exprimimos com as palavras da Didaqué a gratidão da Igreja inteira:

«Vós, Senhor omnipotente,
criastes todas as coisas
para glória do Vosso nome
e destes aos filhos dos homens
alimento e bebida
para que Vos louvem;
mas a nós concedestes a graça
de um alimento
e de uma bebida espiritual
e da vida eterna
por obra de Jesus, o Vosso servo...
A Vós seja dada glória nos séculos».

(Ensinamento dos Doze Apóstolos Didaqué/ X. 3).

2. Sinto uma particular alegria ao encontrar- me hoje convosco. Saúdo todos os delegados, vindos de Wroclaw como representantes das suas Comunidades eclesiais, das Dioceses, dos Países e das Nações espalhadas pelo mundo inteiro. Estão entre vós Bispos, Sacerdotes, pessoas consagradas e leigos. Quero exprimir o meu particular apreço por aqueles de entre vós que contribuíram para a organização deste Congresso. Palavras de particular agradecimento dirijo-as ao Cardeal Edouard Gagnon, Presidente do Pontifício Comité para os Congressos

Eucarísticos Internacionais, assim como aos membros desse Comité. Com gratidão dirijo-me também ao Senhor Cardeal Henryk Gulbinowicz, Arcebispo de Wroclaw e contemporaneamente Presidente do Comité Nacional, e a todos os que colaboraram com ele. Agradeço também a cada uma das secções, comissões e a todas as pessoas de boa vontade. Não poupastes tempo nem fadiga. O vosso trabalho e o generoso esforço organizativo fizeram com que o Congresso se tornasse um grande evento na vida da Igreja, e uma profunda experiência espiritual para muitos. Do mais íntimo do coração agradeço também a presença de todas as irmãs e de todos os irmãos das outras Igrejas e Comunidades eclesiais que, juntamente connosco, oraram pela unidade dos cristãos. Agradeço também aos membros de outras religiões e tradições espirituais. Não é possível enumerar aqui todos e, por isso, perdoai-me, se omiti alguém.

3. Caros Irmãos e Irmãs, eu disse que o 46° Congresso Eucarístico Internacional foi um grande evento eclesial. Diria que ele se tornou uma grande experiência da Igreja universal, unida na Eucaristia. A Igreja vive da Eucaristia e dela nasce constantemente. A Igreja realiza-se de modo particular mediante a Eucaristia, que é como que o ápice para o qual tudo na Igreja tende. «Com efeito, na Santíssima Eucaristia — como diz o Concílio — está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa» (Presbyterorum ordinis PO 5). Por isso a Igreja, se verdadeiramente quiser compreender até ao fundo a si mesma e a própria missão, deve incessantemente descobrir esta presença eucarística de Cristo, meditá-la e viver dela. Cultivemos e aprofundemos nos nossos corações um grande reconhecimento para com Deus, pelas graças que concede à Sua Igreja.

Caros Irmãos e Irmãs, todos nós pudemos experimentar como no mistério da Eucaristia se encontram os homens de várias raças, línguas, nações e culturas. Sim. A Eucaristia supera todos os confins. Nela se torna visível a unidade da Igreja como Corpo místico de Cristo. Com que clareza se cumprem aqui as palavras de Santo Agostinho, que chamou à Eucaristia «sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade » (In Ioan Ev. tr. 26, 6, 13: PL 35, 1613). A Eucaristia é o coração palpitante da Igreja. «A Eucaristia constrói a Igreja, e constrói-a como autêntica comunidade do Povo de Deus, como assembleia dos fiéis, assinalada pelo mesmo carácter de unidade de que foram participantes os Apóstolos e os primeiros discípulos do Senhor. A Eucaristia constrói renovando-a sempre esta comunidade e unidade; constrói-a sempre e regenera-a sobre a base do sacrifício do mesmo Cristo, porque comemora a Sua morte na cruz, com o preço da qual fomos por Ele remidos» (Enc. Redemptor hominis RH 20). Precisamente nesse contexto devem ser entendidos cada Congresso Eucarístico e o seu papel na vida de toda a Igreja.

4. Permiti-me sublinhar ainda um aspecto muito importante, isto é, o lugar em que se realiza o Congresso. Ele é a Polónia, um dos Países da Europa centro- oriental que, juntamente com outros Países desta região, reconquistou recentemente a liberdade e a soberania, após anos de constrição por parte do sistema totalitário comunista. É também significativo o lema do Congresso: «Foi para a liberdade que Cristo nos libertou» (Ga 5,1). Aqui, nesta parte da Europa, a palavra «liberdade» adquire um significado particular. Conhecemos o sabor da escravidão, da guerra e da injustiça. Conhecem- no também aqueles Países que viveram, como nós, as trágicas experiências da falta de liberdade pessoal e social. Hoje alegramo-nos pela liberdade reconquistada, mas «não se pode só possuir e consumir a liberdade. Ela deve ser continuamente conquistada através da verdade. A liberdade oculta em si a madura responsabilidade das consciências humanas, que é o resultado desta verdade. Ela pode ser usada de maneira correcta ou incorrecta, ao serviço do verdadeiro bem ou do bem falso e fictício» (Ciclo de Jasna Góra, 7. XI.1990).

Cristo presente na Eucaristia ensina-nos o que é a verdadeira liberdade e como a usar. Hoje há necessidade de um grande retorno à Eucaristia. Só ela pode revelar ao homem a plenitude do infinito amor de Deus e responder assim ao seu desejo de amor. Somente a Eucaristia pode orientar as suas aspirações à liberdade, mostrando-lhe a nova dimensão da existência humana. Quando, com efeito, descobrimos que fomos chamados a fazer livre dom de nós mesmos a Deus e ao próximo, a nossa liberdade é invadida pelo esplendor da verdade, que torna luminoso o amor.

Agradeçamos a Deus estes dias repletos de graça. Oremos para que este Congresso Eucarístico intensifique nos corações dos homens o amor por Cristo-Eucaristia. Escrevi na Encíclica Redemptor hominis: «Todos na Igreja, mas principalmente os Bispos e os Sacerdotes, devem vigiar por que este Sacramento de amor esteja no centro da vida do Povo de Deus, e por que, através de todas as manifestações do culto devido, se proceda de molde a pagar “amor com amor” e a fazer com que Ele se torne verdadeiramente “a vida das nossas almas”» (n. 20).

Queira Deus conceder que estes dias de oração produzam uma autêntica conversão dos corações, contribuam para o crescimento da santidade e reanimem o empenho na obra da unidade e da paz. Desejo agradecer-vos, mais uma vez, a vossa presença e peço a Cristo copiosas graças para todos os ilustres Hóspedes aqui presentes. A todos concedo a Bênção Apostólica, como sinal da minha benevolência e da minha consideração. Sede testemunhas do amor de Cristo nos vossos Países, em cada continente, até aos extremos confins da terra.

Amém!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA


ENCONTRO DO SANTO PADRE COM OS JOVENS


NA CIDADE DE PRZEMYSLAW


3 de Junho de 1997



Queridos habitantes da cidade de Przemyslaw
Caros amigos jovens

1. «Eis o dia que o Senhor nos deu. Alegremo-nos e exultemos nele!».

No itinerário da minha peregrinação deste ano na Pátria, encontro em toda a parte expressões de grande benevolência e alegria. Assim aconteceu em Wroclaw, em Legnica, em Gorzów, em Gniezno e assim o é também aqui, em Poznan.

Agradeço-vos de todo o coração este encontro e a participação em tão grande número, embora este seja o período de exames e de notas escolares. Saúdo cada uma e cada um de vós, um por um, e por meio de vós desejo cumprimentar toda a juventude polaca, inclusivamente os vossos pais, educadores, capelães e professores, bem como todo o ambiente universitário. Dirijo palavras de cordial saudação ao Pastor da Igreja de Poznan, aos seus Bispos Auxiliares e ao Povo de Deus da dilecta Arquidiocese. Saúdo ainda o Arcebispo, D. Jerzy Stroba, que durante longos anos desempenhou nesta Arquidiocese o seu ministério pastoral. Agradeço-lhe quanto fez pela Igreja universal, e especialmente pela Igreja da Polónia.

«Eis o dia que o Senhor nos deu...».

2. O trecho do Evangelho de Mateus, que acabamos de ler, leva-nos ao lago de Genesaré. Os apóstolos tinham entrado na barca, para preceder Cristo na outra margem. E eis que, remando na direcção escolhida, viram precisamente a Ele, enquanto caminhava no lago. Cristo caminhava sobre a água como se fosse sobre a terra firme. Os Apóstolos assustaram-se, julgando que fosse um fantasma. Jesus, ouvindo o grito, disse: «Coragem! Sou Eu. Não tenhais medo!» (Mt 14,27). Então Pedro disse: «“Senhor, se és Tu, manda-me ir ao Teu encontro, caminhando sobre a água”. Jesus respondeu: “Vem!”» (Ibid., 14, 28- 29). «Pedro desceu da barca e começou a caminhar sobre a água, em direcção a Jesus. Mas ficou com medo quando sentiu o vento e, começando a afundar, gritou: “Senhor, salva-me!”» (Ibid., 14, 29-30). «Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro e disse-lhe: “Homem de pouca fé, por que duvidaste”» (Ibid., 14, 31).

Este evento evangélico está repleto de um profundo conteúdo. Concerne ao mais importante problema da vida humana, a fé em Jesus Cristo. Pedro certamente tinha fé, como haveria de demonstrar mais tarde de maneira magnífica nos arredores de Cesareia de Filipe, mas naquele momento a sua fé ainda não era sólida. Quando começou a ventar com maior impetuosidade, Pedro iniciou a afundar, porque tinha duvidado. Não foi o vento que fez Pedro afundar no lago, mas a insuficiência da sua fé. À fé de Pedro faltava um elemento essencial — o pleno abandono a Cristo, a total confiança n’Ele, no momento da grande prova; faltava-lhe a esperança incondicional n’Ele. A fé e a esperança, juntamente com a caridade, constituem o fundamento da vida cristã, cuja pedra angular é Jesus Cristo.

Na morte de Cristo na cruz e na Sua ressurreição do túmulo revelou-se plenamente o amor de Deus pelo homem e pelo mundo. Jesus é a única vereda rumo ao Pai, a única via que leva à verdade e à vida (cf. Jo Jn 14,6). Esta mensagem que a Igreja, desde o seu início, anuncia a todos os homens e a todas as nações, foi recordada à nossa geração pelo Concílio Vaticano II. Permiti- me citar um breve trecho da Constituição Gaudium et spes: «Segundo a fé da Igreja, Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece à humanidade, pelo seu Espírito, luz e forças que lhe permitem corresponder à sua altíssima vocação. Ela crê que não há debaixo do céu outro nome dado aos homens, pelo qual eles devam ser salvos. Ela crê também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e Mestre. Além disso, afirma que, debaixo de todas as mudanças têm o seu fundamento último em Cristo, que é de ontem, de hoje e de sempre» (n. 10).

Estimados rapazes e moças, segui Cristo com o entusiasmo dos vossos jovens corações. Só Ele pode apaziguar o temor do homem. Olhai para Jesus do fundo dos vossos corações e das vossas mentes! Ele é o vosso amigo inseparável.

Esta mensagem sobre Cristo, à qual dediquei a minha primeira Encíclica, Redemptor hominis, anuncio-a aos jovens de todos os continentes durante as Viagens apostólicas e por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude. Ela é também o tema do encontro de Agosto, que os jovens terão com o Papa em Paris: convido-vos cordialmente para nele participar. Como cristãos, sois chamados a testemunhar a fé e a esperança, a fim de que os homens — como escreve São Paulo — «não vivam sem esperança e sem Deus neste mundo», mas «aprendam a conhecer Cristo», nossa esperança (cf. Ef Ep 2,12 Ep 4,20).

A fé em Cristo e a esperança de que Ele é mestre permitem ao homem obter a vitória sobre si mesmo, sobre tudo o que nele é fraco e pecaminoso e, ao mesmo tempo, esta fé e esta esperança levam-no à vitória sobre o mal e sobre os efeitos do pecado no mundo que o circunda. Cristo libertou Pedro do medo, que se tinha assenhoreado dele no mar tempestuoso. Também a nós Cristo permite superar os momentos difíceis da vida, se com a fé e a esperança nos dirigirmos a Ele para Lhe pedir socorro. «Coragem! Sou Eu. Não tenhais medo!» (Mt 14,27). Uma fé forte, da qual nasce uma esperança incomensurável, virtude de que hoje existe tanta necessidade, liberta o homem do temor e dá-lhe a força espiritual para resistir a todas as tempestades da vida. Não tenhais medo de Cristo! Confiai n’Ele até ao fundo! Só Ele «tem palavras de vida eterna». Cristo jamais desilude!

Aqui neste lugar, na praça Adam Mickiewicz, outrora havia um monumento ao Santíssimo Coração de Jesus, sinal visível da vitória alcançada pelos polacos graças à fé e à esperança em Cristo. O monumento fora erigido em 1932, com as ofertas de toda a sociedade, como voto de gratidão pela reconquistada independência. A Polónia renascida se tinha reunido junto do Coração de Jesus para haurir desta Fonte de amor generoso a força para construir o futuro da Pátria sobre o fundamento da verdade divina, na unidade e na concórdia. Depois do início da segunda guerra mundial, aquele monumento tornou-se um símbolo tão perigoso de espírito cristão e polaco que foi destruído pelo invasor, no princípio da ocupação.

3. Caros rapazes e moças! Quantas vezes a fé e a esperança do povo polaco foram postas à prova, a uma prova muito árdua, neste século que está para terminar! Basta recordar a primeira guerra mundial e, vinculada a esta, a determinação de todos aqueles que empreenderam uma luta decidida para reconquistar a independência. Basta recordar o venténio entre as duas guerras, durante o qual era necessário reconstruir tudo. Depois chegaram a segunda guerra mundial e a terrível ocupação, a seguir ao pacto entre a Alemanha hitleriana e a Rússia soviética, que decidiu o cancelamento da Polónia como Estado do mapa da Europa. Que desafio radical constituiu aquele período para todos os polacos! Verdadeiramente, a geração da segunda guerra mundial foi imolada, num certo sentido, no grande altar da luta, para manter e assegurar a liberdade à Pátria. Quantas vidas humanas custou, vidas jovens e promissoras! Que alto preço pagaram os polacos, primeiro nas frentes em Setembro de 1939, e depois em todas as frentes, onde os aliados combatiam contra o invasor!

No término da guerra chegou um longo período, de quase cinquenta anos, de um novo perigo, desta vez não bélico mas pacífico. A vitória do Exército Vermelho não trouxe à Polónia apenas a libertação da ocupação hitleriana, mas também uma nova opressão. Se durante a ocupação os homens morriam nas frentes, nos campos de concentração, na resistência clandestina política e militar, cujo derradeiro grito foi a Insurreição de Varsóvia, os primeiros anos do novo poder constituíram uma sucessão de maus tratos em relação a inumeráveis polacos, sobretudo aos melhores. Os novos detentores do poder fizeram tudo para subjugar a Nação, para a submeter sob o ponto de vista político e ideológico.

Os anos sucessivos, a começar por Outubro de 1956, não foram tão cruentos; todavia, essa luta contra a Nação e contra a Igreja durou até aos anos 80. Constituiu a continuação do desafio lançado contra a fé e a esperança dos polacos, que continuavam a não poupar forças para não se renderem, para defenderem aqueles valores religiosos e nacionais, então expostos a um particular perigo. Meus queridos, era necessário dizê-lo aqui, neste lugar. Era preciso recordá-lo mais uma vez a vós, jovens, que assumireis a responsabilidade pela sorte da Polónia no terceiro milénio. A consciência do nosso passado ajuda-nos a inserir-nos na longa fileira das gerações, para transmitirmos às sucessivas o bem comum, a Pátria.

É difícil deixar de mencionar aqui mais um monumento, o Monumento às Vítimas de Junho de 1956. Foi erigido nesta praça pela população de Poznan e de Wielkopolska no 25° aniversário dos trágicos eventos, nos quais se expressou o grande protesto popular contra o sistema desumano da opressão dos corações e das mentes humanas. Desejei vir a este monumento em 1983, quando visitei pela primeira vez a vossa Cidade como Papa, mas então me foi recusada a autorização para rezar junto das Cruzes de Poznan. Estou feliz porque hoje, juntamente convosco — a Polónia jovem — posso ajoelhar-me diante deste Monumento e prestar homenagem aos operários, que deram a própria vida em defesa da verdade, da justiça e da independência da Pátria.

4. Dirijamos uma vez mais o olhar para o lago de Genesaré, no qual navega a barca de Pedro. O lago evoca a imagem do mundo, também do mundo contemporâneo em que vivemos e em que a Igreja realiza a sua missão. Este mundo constitui um desafio para o homem, como o lago constituía um desafio para Pedro. Para ele era muito próximo e conhecido como lugar do seu trabalho quotidiano de pescador e, por outro lado, era também o elemento natural com que devia confrontar as próprias forças e a sua experiência.

O homem deve entrar neste mundo, num certo sentido deve imergir-se nele, porque recebeu de Deus a recomendação de «dominar a terra» mediante o trabalho, os estudos, o esforço criativo (cf. Gn Gn 1,28). Por outro lado, não se pode limitar o homem exclusivamente ao âmbito do mundo material, omitindo o Criador. Com efeito, isto é contra a natureza do homem, contra a sua verdade interior, dado que o coração humano, como diz Santo Agostinho, está inquieto enquanto não repousar em Deus (cf. Confissões, I, 1: CSEL 33, p. 1). A pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, não pode tornar-se escrava das coisas, dos sistemas económicos, da civilização técnica, do consumismo, do sucesso fácil. O homem não pode tornar-se escravo das suas inclinações e paixões, às vezes fomentadas propositadamente. É preciso defender-se deste perigo. É necessário saber usar a própria liberdade, escolhendo o que é o verdadeiro bem. Não vos deixeis escravizar por ela! Não vos deixeis tentar por pseudovalores, por semi-verdades, pelo fascínio das miragens, dos quais em seguida vos afastareis com desilusão, feridos e, quiçá, com a vida arruinada.

No discurso que certa vez pronunciei à UNESCO, disse que a primeira e essencial tarefa da cultura é educar o homem. E que a educação consiste principalmente em «que o homem se torne [sempre] mais homem, que ele possa “ser” mais do que “ter” mais e que, por conseguinte, graças a tudo o que “tem”, a tudo o que “possui”, saiba “ser” cada vez mais plenamente homem. Por isso, é necessário que o homem saiba “ser mais”, não só “com os outros”, mas também “pelos outros”» (Paris, 2 de Junho de 1980, cf. ed. port. de L'Osservatore Romano de 15.VI.1980, n. 7, pág. 13).

Esta verdade tem um significado fundamental para a auto-educação, a autorealização, para desenvolver em si a humanidade e a vida divina ínsita no santo Baptismo e consolidada no sacramento da Confirmação. A auto-educação tem em vista precisamente o «ser» mais homem e mais cristão, descobrir e desenvolver em si mesmo os talentos recebidos do Criador e realizar a vocação à santidade. É verdade que às vezes o mundo pode ser um elemento ameaçador; mas o homem que vive de fé e esperança tem em si a força do Espírito para fazer face aos perigos deste mundo. Pedro caminhava sobre as ondas do lago, embora isto seja contra as leis da gravidade, porque olhava nos olhos de Jesus. Quando duvidou, quando perdeu o contacto pessoal com o Mestre, começou a afundar e foi admoestado: «Homem de pouca fé, por que duvidaste?» (Mt 14,31).

Do exemplo de Pedro aprendemos como é importante na vida espiritual o ligame pessoal com Cristo: este deve ser constantemente renovado e aprofundado. Como? Sobretudo mediante a oração. Meus queridos, rezai e aprendei a rezar, lede e meditai a Palavra de Deus, consolidai o vínculo com Cristo nos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, aprofundai os problemas da vida interior e do apostolado nos grupos juvenis, nas comunidades, nos movimentos e nas organizações eclesiais, hoje numerosos no nosso país.

5. Prezados jovens amigos! Estamos celebrando o jubileu do milénio do martírio de Santo Adalberto. Hoje em Gniezno, durante a solene Eucaristia, eu disse que Santo Adalberto deu testemunho de Cristo, padecendo o martírio pela fé. Este martírio do grande apóstolo dos Eslavos interpela-vos: invoca também hoje o testemunho de vida de cada um de vós. Invoca homens novos, que manifestem no meio deste mundo «o poder e a sabedoria» (cf. 1Co 1,22-25) do Evangelho de Deus na própria vida. Este mundo, que por vezes parece como um elemento indomável e ameaçador, um mar tempestuoso, tem ao mesmo tempo profunda sede de Cristo, tem muita sede da Boa Nova, tem tanta necessidade de amor.

Sede neste mundo portadores de fé e de esperança cristã, vivendo o amor todos os dias. Sede fiéis testemunhas de Cristo ressuscitado, jamais recueis diante dos obstáculos que se acumulam ao longo das veredas da vossa vida. Conto convosco. Com o vosso impulso juvenil e com a vossa dedicação a Cristo. Conheci a juventude polaca. Jamais fiquei desiludido. O mundo tem necessidade de vós. A Igreja precisa de vós. O futuro da Polónia depende de vós. Edificai e consolidai na terra polaca a «civilização do amor»: na vida pessoal, social, política, nas escolas, nas universidades, nas paróquias, nos lares que um dia formareis. Para tal fim, não poupeis o entusiasmo juvenil, o esforço, o sacrifício. «Deus da esperança vos encha de completa alegria e paz na fé, para que transbordeis de esperança, pela força do Espírito Santo» (Rm 15,13).

Confio todos vós e a juventude da nossa Pátria à protecção de Maria, virgem fiel, Mãe do Belo Amor, Rainha da Polónia.

Antes de se despedir dos jovens reunidos em Poznan, João Paulo II pronunciou ainda este breve discurso improvisado:

Em vez de adulardes o Papa, seria melhor que pensásseis em Paris. Quero agradecer de novo a todos: jovens, universitários, estudantes, jovens trabalhadores da indústria e da agricultura, soldados, seminaristas, noviços, toda a jovem Poznan e a vossa jovem Igreja. Peço que leveis a minha saudação também aos adultos, aos vossos pais, às vossas famílias e a todos os habitantes desta terra de Wielkopolska.

Cumprimentai em meu nome sobretudo os doentes, os portadores de deficiência e os idosos. Quero ainda recordar de modo especial aqueles que são responsáveis pela vossa educação, ou seja, os professores e os docentes presentes em tão grande número. Depois, saúdo cordialmente os reitores dos ateneus laicais e eclesiais de Poznan, os representantes dos senados académicos destes ateneus e todo o corpo docente. Saúdo os professores das escolas superiores e elementares. Agradeço- lhes terem desejado participar nesta vigília de oração juntamente com os seus estudantes e alunos. A vossa presença constitui para os jovens um testemunho de fé, a confirmação de que podem contar convosco não só como pessoas que transmitem o saber, mas também como pedagogos e guias confiáveis ao longo dos caminhos da vida.

Enfim, respondendo aos jovens que gritavam «fica connosco», o Santo Padre disse:

Tudo é possível. De qualquer forma, quando fordes a Paris, dizei a todos: «Nós somos de Poznan, viemos do lugar em que nasceu a Polónia com Mieszko I e Boleslau, o Valoroso. Viemos precisamente dessa cidade! E cuidámos sempre da Polónia para que se conserve». O Estado polaco tem as suas origens aqui. Não vos esqueçais disso em Paris.

Deus vos abençoe!




Discursos João Paulo II 1997 - 27 de Maio de 1997