Discursos João Paulo II 1997 - Jasna Góra, 4 de Junho de 1997

VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA


ENCONTRO DO SANTO PADRE


COM AS CRIANÇAS DA PRIMEIRA COMUNHÃO


DA PARÓQUIA DA SAGRADA FAMÍLIA


Zakopane, 7 de junho de 1997



1. «Deixai vir a Mim as criancinhas» (Mc 10,14), assim disse certa vez Jesus aos Apóstolos. Era um maravilhoso convite. O Senhor Jesus amava as criancinhas e queria que estivessem próximas a Ele. Muitas vezes as abençoava, e até as apresentava como exemplo para os adultos. Dizia que o reino de Deus pertence àqueles que se fazem semelhantes a estes mais pequeninos (cf. Mt Mt 18,3). Naturalmente, isto não significa que os adultos devam tornar-se crianças sob todos os pontos de vista, mas que os seus corações devem ser puros, bons e confiantes, que devem ser repletos de amor.

Queridas crianças! O Papa vem hoje a vós para vos dizer, em nome do Senhor Jesus, que Ele vos ama. Certamente, os vossos sacerdotes catequistas e as religiosas catequistas vos falaram disto muitas vezes. Quero, porém, repetir mais uma vez, para que recordeis durante a vida toda esta jubilosa notícia. Jesus ama-vos!

Há pouco tempo pudestes convencer-vos disto de modo particular. Jesus veio pela primeira vez aos vossos corações. Recebeste-l’O sob a espécie do pão na primeira santa Comunhão. O que quer dizer que veio aos vossos corações? Para dar uma resposta a esta pergunta, devemos retornar por um instante ao Cenáculo. Ali, durante a Última Ceia, pouco antes da Sua morte, o Senhor Jesus deu o pão aos Apóstolos e disse: «Tomai e comei todos: isto é o Meu Corpo». Do mesmo modo lhes deu o vinho, dizendo: «Tomai e bebei todos: este é o cálice do Meu Sangue». E nós cremos que, embora os Apóstolos sentissem na boca o sabor do pão e do vinho, verdadeiramente consumiam o Corpo e o Sangue de Cristo. E este era o sinal do Seu amor infinito. Com efeito, quem ama está pronto a dar à pessoa amada tudo aquilo que possui de mais precioso. O Senhor Jesus tinha poucas coisas neste mundo para poder oferecer aos Apóstolos. Contudo, deu-lhes alguma coisa mais — deu-lhes a Si mesmo. A partir de então, recebendo este Alimento santíssimo, podiam estar constantemente com Jesus. Ele mesmo habitava nos seus corações e os cumulava de santidade. Eis o que significa dizer que Jesus veio aos vossos corações. Ele está em vós, o Seu amor enche-vos e faz com que vos torneis cada vez mais semelhantes a Ele, sempre mais santos.

Esta é uma grande graça, mas também uma grande tarefa. A fim de que o Senhor Jesus possa habitar em nós, devemos esforçar-nos por que o nosso íntimo esteja sempre aberto a Ele. Esta, portanto, é a vossa tarefa: amar sempre Jesus, ter o coração bom e puro, e o mais frequentemente possível convidál’O, a fim de que habite em vós mediante a santa Comunhão. E jamais façais o que é mau. Às vezes isto pode ser difícil. Recordai, porém, que Jesus vos ama e deseja que também vós O ameis com todas as vossas forças.

2. Hoje, juntamente convosco, quero agradecer a Cristo o infinito amor que concede a todos os homens. Louvemol’O de modo particular pelo dom da Eucaristia, na qual permaneceu para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância (cf. Jo Jn 10,10). Agradeço também aos vossos catequistas, que vos levaram a Jesus eucarístico, como também àqueles que em toda a Polónia assumem a árdua missão de transmitir a fé nas escolas. É uma tarefa excelsa, ainda que muitas vezes não seja fácil. Exige um testemunho de fé, de esperança e de caridade. De fé, que se apoia firmemente sobre o Evangelho; de esperança, que na perspectiva da salvação não despreza nenhum homem; de caridade, que não hesita em dar o que é melhor, mesmo à custa do sacrifício de si. Não vos abandone a convicção de que os jovens, apesar de não o demonstrarem, têm necessidade e desejam este vosso testemunho. O Espírito Santo, que tem iluminado e revigorado gerações e gerações de apóstolos de Cristo, sustenha também vós — as multidões dos catequistas e das catequistas de hoje na Polónia.

Por fim, quero dirigir palavras de gratidão também aos pais — a vós aqui presentes e a todos os pais da Polónia. Quando certa vez levastes os vossos filhos ao baptismo, assumistes o compromisso de os educar na fé da Igreja e no amor para com Deus. Estas crianças, que pela primeira vez se aproximaram da santa Comunhão, são sinal de que assumistes esse empenho e procurais cumpri-lo com sinceridade. Peço-vos que jamais renuncieis a isto. São, antes de tudo, os pais que têm o direito e o dever de educar os seus filhos, em sintonia com as próprias convicções. Não cedais este direito às instituições, que podem transmitir às crianças e aos jovens a ciência indispensável, mas não são capazes de lhes dar o testemunho da solicitude e do amor dos pais. Não vos deixeis iludir pela tentação de assegurar à vossa prole melhores condições materiais à custa do vosso tempo e da vossa atenção, de que ela tem necessidade para crescer «em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens» (Lc 2,52). Se quiserdes defender os vossos filhos contra a desmoralização e o vazio espiritual, propostos pelo mundo com vários meios e, às vezes, até nos programas escolares, circundai-os com o calor do vosso amor paterno e materno e dai-lhes o exemplo de uma vida cristã.

Confio o vosso amor, os vossos esforços e as vossas preocupações à Sagrada Família, padroeira desta igreja. Que a protecção de Jesus, de Maria e de José sirva de conforto para vós.

3. Mais uma vez abraço de coração as crianças aqui presentes e todas as crianças do nosso País, especialmente aquelas que carregam o peso do sofrimento e do abandono. Presto homenagem a todos os pais que assumem a fadiga quotidiana de manter e educar a própria prole. Agradeço aos pastores e aos fiéis da paróquia inteira a benevolência, a hospitalidade e o dom da oração. Abençoo a todos de coração.



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA


PALAVRAS DO SANTO PADRE NO FINAL


DA RECITAÇÃO DO ROSÁRIO NO SANTUÁRIO MARIANO


Ludzmierz, 7 de Junho de 1997





1. «Rainha do rosário, roga por nós»!

Neste primeiro sábado do mês, na recordação do Coração Imaculado da Bem-aventurada Virgem Maria, viemos aqui ao santuário da Senhora de Ludzmierz, Padroeira de Podhale. Este é um lugar mais que nunca digno para se tornar hoje o templo em que se unem os fiéis do mundo inteiro, juntamente com o Papa, para a recitação do rosário. Já há quase seiscentos anos, as gerações de habitantes de Podhale e de fiéis de toda a Polónia que se sucedem prestam aqui homenagem à Mãe de Deus. E esta veneração por Maria une-se, de modo indissolúvel, ao rosário. O povo local, que se distingue por uma fé simples e profunda, sempre teve o sentido da fonte maravilhosa de vida espiritual que pode ser a oração do rosário. Desde há séculos, com um terço na mão vinham aqui os peregrinos de vários Estados — famílias e paróquias inteiras — para aprenderem de Maria o amor por Cristo.

E escolhiam deste modo a melhor escola porque, meditando os mistérios do rosário, se vêem com os olhos d’Ela os mistérios da vida do Senhor, da Sua paixão, morte e ressurreição; revivem-se- os tal como Ela os viveu no seu coração de Mãe. Ao recitar o rosário falamos com Maria, entregamos-lhe com confiança todas as nossas preocupações e tristezas, as alegrias e as esperanças. Pedimos-lhe que nos ajude a aceitar os planos de Deus e suplique ao Filho a graça necessária para os cumprirmos com fidelidade. Ela — gozosa, dolorosa e gloriosa, sempre ao lado do Filho — está ao mesmo tempo presente no meio dos nossos problemas de cada dia.

2. O ritmo da oração do rosário mede o tempo nesta terra de Podhale, de Cracóvia e da Nação polaca, penetra-o e forma-o. Qualquer que fosse o modo como se desenvolviam as vicissitudes humanas — na alegria pelos frutos da fadiga quotidiana, na luta dolorosa com as contrariedades ou na glória das vitórias conquistadas — elas sempre encontravam o seu reflexo nos mistérios de Cristo e de Sua Mãe. Por isso, o apego à recitação do rosário jamais se extinguiu nos corações dos fiéis, e hoje parece consolidar-se ainda mais. Isto é evidenciado de modo claro pelo desenvolvimento da «Fraternidade do Rosário Vivo », fundada precisamente há cem anos aqui, junto do santuário da Senhora de Ludzmierz. O testemunho daqueles que nesta simples oração encontram uma inexaurível fonte de vida espiritual, inflama os outros. Com alegria fui informado que ela se expande também fora dos confins da Polónia, até noutros continentes. Em muitos centros de emigrados polacos surgem novos círculos do Rosário Vivo. É uma obra maravilhosa. Peço a Deus que a sustente, a fim de que produza frutos bem-aventurados nos corações de todos os Polacos, na Pátria e no estrangeiro!

3. Hoje, quero agradecer de todo o coração aos fiéis de Podhale e da inteira Arquidiocese de Cracóvia o grande dom da recitação do rosário. Sei que cada dia vos reunis aqui, aos pés de Maria, Senhora de Ludzmierz, e em muitos outros lugares, para confiar à sua protecção os problemas do Sucessor de Pedro e a própria Igreja, que a Providência confiou ao seu cuidado. Sei também que nas paróquias de Podhale, de Orawa, de Spisz, de Pienini, de Gorce rezastes também por esta minha viagem na Polónia, recolhendo-vos nas famílias e empenhando-vos numa incessante oração no âmbito do «Rosário Peregrinante ». Estou-vos grato por esta maravilhosa obra de oração. Pude sempre contar com ela, especialmente nos momentos difíceis. Tenho muita necessidade dela e continuo a pedi-la.

Saúdo com muito afecto toda a comunidade paroquial de Ludzmierz, os seus Pastores e os seus fiéis. Pode-se dizer que ela se estende ao mundo inteiro. Com efeito, aonde quer que cheguem e continuem a chegar os montanheses polacos, está presente também a Padroeira de Ludzmierz — nas casas e nas igrejas, mas sobretudo nos corações. Que esta sua presença jamais venha a faltar!

Quero também saudar de modo particular a Associação das Famílias numerosas, que vieram aqui para confiar a Maria a sua felicidade familiar, muitas vezes não fácil. No mundo de hoje sois testemunhas da felicidade que brota da partilha do amor, mesmo à custa de muitas renúncias. Não tenhais medo de dar este testemunho! O mundo pode não vos compreender, o mundo pode perguntar por que não seguistes uma via mais fácil, mas o mundo tem necessidade do vosso testemunho — o mundo precisa do vosso amor, da vossa paz e da vossa felicidade. Sustente-vos Maria, protectora das famílias. Dirigi-vos a ela o mais frequentemente possível. Recitai o rosário. Que esta oração se torne o fundamento da vossa unidade.

Estão presentes aqui sacerdotes e leigos, que desde há anos exercem nesta região a pastoral da sobriedade. Confio a Maria, Senhora de Ludzmierz, esta vossa obra. Oro para que vos obtenha o espírito de fortaleza, de perseverança, também de grande sensibilidade e delicadeza para com cada homem.

Contemplo com admiração este Santuário, que se engrandeceu e se tornou mais bonito. Este é o sinal da vossa dedicação e generosidade. É o vosso dom a Maria, mas também aos peregrinos, que vêm aqui. É necessário que hoje o Papa — peregrino em Ludzmierz — vos agradeça, em nome de todos, a vossa hospitalidade. Deus vos recompense! De todo o coração vos abençoo.

Senhora de Ludzmierz, Padroeira de Podhale, roga por nós! Antes de se despedir dos fiéis, o Papa assim se expressou:

Desde o instante do coroamento da Bem-aventurada Virgem de Ludzmierz, feito pelo saudoso Primaz, Cardeal Stefan Wyszynski, não me recordo de uma assembleia tão numerosa. Deus vos recompense!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



NA VISITA AO SANTUÁRIO DA DIVINA MISERICÓRDIA


Cracóvia, 7 de Junho de 1997



1. Misericordias Domini in aeternum cantabo (Sl 89[88], 2).

Eis que venho a este Santuário como peregrino para me inserir no cântico ininterrupto em honra da divina Misericórdia. Tinha-o entoado o Salmista do Senhor, expressando quanto todas as gerações conservavam e conservam, como preciosíssimo fruto da fé. O homem de nada precisa quanto da divina Misericórdia — daquele amor que quer bem, que se compadece, elevando o homem acima da sua debilidade, rumo às infinitas alturas da santidade de Deus. Neste lugar, damo-nos conta disto de modo particular. Com efeito, daqui partiu a Mensagem da divina Misericórdia, que Cristo mesmo quis transmitir à nossa geração através da Beata Faustina. Trata-se de uma mensagem clarividente e legível para cada um. Cada um pode vir aqui, olhar este quadro de Jesus misericordioso, o seu Coração que irradia as graças, e ouvir no profundo da própria alma aquilo que a Beata ouviu: «Nada temas! Eu estou sempre contigo» (Diário, q. II). E se responder com coração sincero: «Jesus, confio em Vós!», encontrará conforto em cada uma das suas angústias e em cada temor. Neste diálogo de abandono entre o homem e Cristo estabelece-se uma especial união que transmite amor. E «no amor não existe medo — escreve S. João — pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo» (1Jn 4,18).

A Igreja relê a Mensagem da Misericórdia para levar a luz da esperança com maior eficácia à geração deste final de milénio e também às futuras. Sem jamais cessar, pede a Deus misericórdia para todos os homens. «Em nenhum momento e em nenhum período histórico — especialmente numa época tão crítica como a nossa — a Igreja pode esquecer a oração, que é o grito de apelo à misericórdia de Deus perante as múltiplas formas de mal que pesam sobre a humanidade e a ameaçam... Quanto mais a consciência humana, sucumbindo à secularização, perder o sentido do significado próprio da palavra “misericórdia”, e quanto mais, afastando- se de Deus, se afastar do mistério da misericórdia, tanto mais a Igreja terá o direito e o dever de fazer apelo ao Deus da misericórdia “com grande clamor”» (Dives in misericordia DM 15). Precisamente por isso, no percurso da minha peregrinação está também este Santuário. Venho aqui para confiar todas as preocupações da Igreja e da humanidade a Cristo misericordioso. No limiar do terceiro milénio, venho para Lhe confiar mais uma vez o meu ministério petrino – «Jesus, confio em Vós»!

A mensagem da divina Misericórdia me foi sempre próxima e querida. É como se a história a tivesse inscrito na trágica experiência da segunda guerra mundial. Naqueles anos difíceis, constituiu um particular sustento e uma inexaurível fonte de esperança, não só para os habitantes de Cracóvia, mas para a nação inteira. Esta foi também a minha experiência pessoal, que levei comigo à Sé de Pedro e que num certo sentido forma a imagem deste Pontificado. Dou graças à divina Providência por me ter concedido contribuir pessoalmente para o cumprimento da vontade de Cristo, mediante a instituição da festividade da divina Misericórdia. Aqui, junto das relíquias da Beata Faustina Kowalska, dou graças também pela dádiva da sua beatificação. Rezo incessantemente a Deus para que tenha «misericórdia de nós e do mundo inteiro» (Pequeno rosário).

2. «Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão misericórdia» (Mt 5,7).

Estimadas Irmãs! Tendes uma vocação extraordinária. Escolhendo de entre vós a Beata Faustina, Cristo tornou a vossa Congregação guardiã deste lugar e, ao mesmo tempo, chamou-vos a um apostolado particular, o da sua Misericórdia. Peço-vos: assumi esta tarefa! O homem de hoje tem necessidade do vosso anúncio da misericórdia: precisa das vossas obras de misericórdia e da vossa oração para obter misericórdia. Não descuideis nenhuma destas dimensões do apostolado. Fazei-o em união com o Arcebispo de Cracóvia, a quem está tão a peito a devoção à divina Misericórdia, e juntamente com toda a comunidade da Igreja, a que ele preside. Esta comum obra produza frutos! A divina Misericórdia transforme os corações dos homens! Este Santuário, conhecido já em muitas partes do mundo, se torne um centro de culto da divina Misericórdia, que se irradia sobre toda a Igreja! Uma vez mais, peço-vos que rezeis pelas intenções da Igreja e me sustenteis no meu ministerium Petrinum. Sei que tal oração se eleva sempre aqui: estou-vos grato por isto de todo o coração. Todos nós temos muita necessidade disto: tertio millennio adveniente.

É de coração que abençoo todos vós aqui presentes e cada um dos devotos da divina Misericórdia.



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA JOÃO PAULO II À POLÓNIA


MENSAGEM DO SANTO PADRE


À CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA POLÓNIA


8 de Junho de 1997



Caros Irmãos no serviço episcopal!

1. Com alegria aproveito a ocasião oferecida pelos grandes eventos religiosos na Polónia, concernentes à Igreja universal, para vos transmitir uma saudação fraterna e vos dirigir uma palavra especial. Quero, deste modo, dar expressão ao meu amor pela Igreja de Cristo na nossa Pátria, da qual tem cuidado em espírito de responsabilidade colegial a inteira Conferência do Episcopado Polaco e cada um dos Bispos.

A minha peregrinação teve início em Wroclaw, com a participação no 46° Congresso Eucarístico Internacional. O encontro com Cristo no seu Mistério de infinito amor e unidade, entregue à Igreja e à humanidade no Sacrifício eucarístico, tem para nós uma eloquência profunda: tem-na para os católicos, assim como para todos os irmãos cristãos, de modo especial, os que se encontraram presentes no Congresso. Toda a Igreja na Polónia teve ocasião de aprofundar e contemplar o mistério da presença eucarística do Emanuel — Deus connosco (cf. Mt Mt 1,23). Para todos nós foi uma particular experiência da verdade sobre Cristo, que «é o mesmo ontem, hoje e sempre» (He 13,8). Todos podemos haurir desta fonte vivificante a força e a esperança para a ulterior construção na terra polaca de uma comunidade de fé, de uma comunidade de todos os crentes em Cristo.

Esta comunidade, sendo unidade na caridade, é sempre fruto de sacrifício, de renúncia a alguma coisa de próprio em favor dos irmãos, fruto de solicitude pelo bem comum. Temos o dever de divisar este bem na unidade da Igreja universal, na unidade de cada Igreja particular, por fim, em todas as formas do agir colegial, entre as quais, depois do Concílio Vaticano II, um papel particular compete às Conferências Episcopais. Tarefa da Igreja é também construir os fundamentos morais, sobre os quais podem crescer e frutificar as várias comunidades humanas, iniciando do matrimónio e da família, através da comunidade de uma nação e de um Estado, até às múltiplas formas de convivência e de cooperação internacionais. Assim como, por disposição divina, a harmonia e a ordem numa família são mantidas, graças à observância das normas que derivam dos ligames naturais do sangue e da lei divina, de igual modo na comunidade da Igreja a harmonia depende da correspondência ao dom da fé, da esperança e da caridade, e da subordinação hierárquica realizada em sintonia com o princípio de subsidiariedade, cum Petro e sub Petro, em qualquer encargo recebido, especialmente no episcopal, e em toda a função ou ministério exercidos. O mínimo dessa subordinação é definido pela legislação eclesiástica, mas deve constantemente ser completado pelo imperativo do coração, que brota do amor da verdade presente na Igreja.

A Verdade divina, cuja revelação autêntica encontramos na Sagrada Escritura e na Tradição, manifesta-se também com a voz do Magistério da Igreja, e de modo especial com o ensinamento do Concílio Vaticano II. Para seguir de maneira correcta esse ensinamento, é necessário haurir o seu conhecimento por meio dos especialistas nos vários campos das ciências eclesiásticas e leigas, aprofundando os seus conteúdos, especialmente a nível de Conferência Episcopal, para depois os transmitir aos presbíteros e aos fiéis, numa forma pura e compreensível, de maneira que cada um possa encontrar neles a solução aos problemas pessoais e sociais, que se apresentam na vida quotidiana.

A unidade da Igreja exige que a solicitude dos Bispos se estenda a todos aqueles que transmitem o dom evangélico da verdade, tanto nas escolas e nos ateneus católicos, como através dos meios de comunicação católicos. A Conferência Episcopal, respeitando as competências dos Bispos diocesanos, é responsável pelo conjunto da transmissão da fé no território, independentemente da pertença daqueles que a transmitem ao clero diocesano, aos religiosos ou aos fiéis leigos. É necessário que a Igreja esteja presente nos meios de comunicação. Por meio deles, com efeito, ela entra em diálogo com o mundo, e com a ajuda deles pode formar a consciência do homem. Devemos atingir o mundo com aquilo que a Igreja tem a oferecer de melhor, respeitando a dignidade da pessoa humana e tornando-a sensível à responsabilidade diante de Deus.

2. A segunda etapa da minha peregrinação foi a antiquíssima Gniezno — centro e berço da Polónia e da Igreja na Polónia. Após mil anos da morte, por martírio, de Santo Adalberto, foi-me dado venerar as santas relíquias do Padroeiro da Polónia. Adalberto, obediente ao mandato de Cristo: «Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28,19), fortalecido pelo poder do Evangelho, foi à terra dos Prussianos. O seu testemunho não foi então acolhido, mas quando ele o confirmou com a morte, começou a produzir a messe e continuou a fazê-lo abundantemente até ao dia de hoje. Não é este, porventura, o modelo para os Pastores também no nosso País, no qual se observam preocupantes processos de alteração dos valores do Evangelho e até mesmo de hostilidade em relação a Cristo e à sua Igreja? A sociedade polaca exige uma nova evangelização profunda. Ninguém deve ser considerado perdido, porque Cristo morreu por todos, abrindo a cada homem a via à vida eterna. É preciso fé renovada no poder da cruz de Cristo.

Encontramo-nos diante dos grandes desafios que caracterizam o nosso tempo. Eu fazia notar isto já no meu discurso à Conferência do Episcopado Polaco, durante a peregrinação em 1991. Dizia então: «O caminho da Igreja é o homem... O Episcopado e a Igreja na Polónia devem, num certo sentido, traduzir esta tarefa numa linguagem de tarefas concretas, servindo-se da visão conciliar da Igreja-Povo de Deus, e também da nossa analogia dos “sinais dos tempos”. Os nossos “sinais dos tempos” polacos sofreram uma clara deslocação juntamente com a queda do sistema marxista e totalitário, que regulava a consciência e as atitudes do povo do nosso País. No sistema precedente... a Igreja criava como que um espaço em que o homem e a nação podiam defender os próprios direitos... Agora... o homem deve encontrar espaço na Igreja para, num certo sentido, se defender contra si mesmo: contra o mau uso da própria liberdade, contra o desperdício da grande oportunidade histórica para a Nação. Por mais que a situação anterior obtivesse o reconhecimento geral em relação à Igreja (até mesmo da parte de pessoas e ambientes “leigos”) — na situação actual em muitos casos não se pode contar com um reconhecimento semelhante. É preciso antes ter em conta a crítica, e talvez até algo de pior. É preciso conseguir fazer o discernimento: aceitar o que para toda a crítica pode ser justo. E para o restante: é óbvio que Cristo sempre será “sinal de contradição” (cf. Lc Lc 2,34). Esta “contradição” é para a Igreja também uma confirmação de ser ela mesma, de estar na verdade. Ela é talvez também o coeficiente da missão evangélica e do serviço pastoral» (Varsóvia, 9/6/1991; L'Osserv. Rom 30/6/1991, Rm 3, pág. Rm 6).

Entre os problemas concretos e as tarefas a enfrentar, quereria ressaltar a necessidade de que os leigos assumam a responsabilidade que lhes compete na Igreja. Isto refere-se àqueles âmbitos de vida, nas quais os leigos deveriam, em nome próprio, mas como membros fiéis da Igreja, desenvolver o pensamento político, a vida económica e a cultura, em sintonia com os princípios do Evangelho. Sem dúvida, é preciso ajudá-los nisto, mas não devem ser substituídos. A Igreja deve ser livre no anúncio do evangelho e de todas as verdades e das indicações nele contidas. Ela deseja uma semelhante liberdade, esforça-se por essa liberdade e isto é-lhe suficiente. Não procura nem quer possuir privilégios especiais.

Na minha palavra aos Bispos polacos, por ocasião da visita «ad Limina» de 1993, chamei a sua atenção para a possibilidade de utilizar o Sínodo Plenário, para reavivar a participação dos leigos na vida da Igreja. Parece que essa oportunidade continua a existir e é preciso fazer tudo para a aproveitar. Uma dimensão nova na actividade da Igreja são as organizações católicas e, entre elas, a Acção Católica. Possibilidades desse género não existiam na Polónia desde os anos quarenta. É verdade que não é fácil sensibilizar a sociedade a agir de maneira comunitária, mas esta é a justa direcção da pastoral polaca e não se pode facilmente renunciar a ela.

Uma solicitude muito séria da Igreja é a juventude, da qual depende o seu futuro. A Igreja na Polónia tem as suas magníficas experiências unidas à catequese paroquial. Hoje, o ensino da religião desenvolve-se na escola. Isto gerou novos desafios, que derivam, entre outras coisas, das transformações, que se verificaram no seio da sociedade polaca nos últimos anos. Às crianças e aos jovens do nosso tempo é preciso ir com o mesmo Evangelho, mas anunciado dum modo novo e adaptado à mentalidade de hoje e às condições em que vivemos. Isto exige um esforço sério, não só dirigido à formação dos novos instrumentos de diálogo com as crianças e com os jovens, mas também para encontraros modos oportunos para chegar aos jovens.

3. A terceira etapa da minha visita foi Cracóvia e o 600° aniversário da fundação, na terra polaca, do primeiro centro científico e didáctico do pensamento teológico, como era a Faculdade de Teologia da Academia de Cracóvia, que se tornou mais tarde a Universidade Jagelónica. O seu nascimento foi mérito da Rainha Edviges da dinastia dos Anju, que em Blonia Krakowskie foi solenemente canonizada por mim e, deste modo, incluída entre os Santos da Igreja universal. Dou graças a Deus Omnipotente por esta grande graça. É uma feliz coincidência o facto de, durante a mesma visita apostólica na Polónia, podermos, após séculos, olhar os efeitos das iniciativas clarividentes, tanto de Santo Adalberto, Bispo e Mártir, como de Santa Edviges, Rainha, que queriam, no modo que lhes era próprio, consolidar a fé cristã na nossa Pátria. O que Santo Adalberto anunciou e o que semeou com a sua morte por martírio, Santa Rainha Edviges decidiu ampliá-lo e torná-lo próprio de muitas gerações, abrindo na Polónia um amplo acesso ao tesouro do saber e da ciência da Europa cristã. Após seiscentos anos, sabemos que foi um passo providencial. Assim como Santo Adalberto pode ser considerado padroeiro da organização eclesiástica na Polónia, assim também à Santa Edviges se pode justamente atribuir o título de padroeira da abertura da Polónia ao pensamento cristão europeu.

Como são eloquentes hoje para nós estes dois exemplos, no momento em que, após anos de isolamento, retornamos de novo ao ambiente da cultura do Ocidente, a nós bem conhecida, tendo nós mesmos, durante séculos, oferecido a ela também a nossa riqueza. Não podemos hoje abster-nos de tomar a direcção que nos é indicada. A Igreja na Polónia pode oferecer à Europa, que se está a unir, a sua adesão à fé, a sua tradição inspirada pela religiosidade, o esforço pastoral dos Bispos e dos presbíteros, e ainda, certamente, numerosos outros valores, graças aos quais a Europa poderá constituir um organismo rico, não só de um alto nível económico, mas também de uma profunda vida espiritual.

Caros Irmãos no episcopado, foram mencionados aqui apenas alguns problemas. Apresento-os hoje à vossa reflexão pastoral e, antes de tudo, à vossa ardente oração. Certamente ainda deveremos retornar a eles por ocasião do encontro em Roma, no limiar do próximo ano, para o qual já hoje vos convido de todo o coração. Agradeço a todos vós cordialmente a oração durante toda a minha visita. À intercessão dos Santos e dos Beatos, elevados aos altares durante a minha peregrinação, recomendo-vos e também a Igreja que vos foi confiada, e de igual modo a inteira Pátria. Abençoo- vos de coração.



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À POLÓNIA



POR OCASIÃO DOS 600 ANOS DE FUNDAÇÃO


DA FACULDADE DE TEOLOGIA


E DA UNIVERSIDADE JAGELÓNICA DE CRACÓVIA


8 de Junho de 1997





1. Nil est in homine bona mente melius. Hoje, enquanto celebramos com solenidade os seiscentos anos da fundação da Faculdade de Teologia e da fundação da Universidade Jagelónica de Cracóvia, esta inscrição sobre a porta da casa de Dlugosz, na Rua Kanoniczna, em Cracóvia, parece encontrar de modo particular a sua confirmação. Apresentam-se hoje diante de nós seis séculos de história, apresentam-se todas as gerações de professores e de alunos da Universidade de Cracóvia, para testemunhar que frutos a favor do homem, da Nação e da Igreja produziu aquela perseverante solicitude pela «mens bona », que foi vivida no âmbito deste Ateneu. Como não pôr-se em escuta desta voz dos séculos? Como não acolher, com coração grato, o testemunho daqueles que, buscando a verdade, formavam a história desta cidade régia, enriqueciam o tesouro da cultura polaca e europeia? Como não louvar a Deus por esta obra da sabedoria do homem que, inspirando-se na sua Sabedoria eterna, conduz a mente para a consecução de um conhecimento sempre mais profundo?

Dou graças a Deus pelos seiscentos anos da Faculdade de Teologia e da Universidade Jagelónica. Sinto-me feliz, pois me é dado fazê-lo aqui, na Colegiada universitária de Santa Ana, na presença de homens de ciência de toda a Polónia. Saúdo de todo o coração os Senados Académicos da Universidade Jagelónica e da Pontifícia Academia de Teologia, tendo à frente os seus Reitores Magníficos. Agradeço as palavras de boas-vindas e de introdução a este solene acto académico. Saúdo cordialmente todos vós, ilustres Senhores Reitores e Pró-Reitores, que representais as instituições académicas da Polónia. Está sempre viva em mim a recordação do encontro que tive convosco, no início do ano passado no Vaticano (4 de Janeiro de 1996). Eu falava, então, de quanto nos une. Com efeito, encontramo-nos no nome do comum amor pela verdade, compartilhando a solicitude pelos ulteriores destinos da ciência na nossa Pátria. Sinto-me feliz, porque hoje podemos experimentar de novo esta unidade. A solenidade hodierna, de facto, põe-na em relevo de modo particular e manifesta o seu profundíssimo significado. De facto — pode-se dizer — graças à vossa presença, todas as instituições académicas da Polónia — as de tradição plurissecular e as inteiramente novas — unem-se em torno desta mais antiga Alma Mater Jagelonica. Vêm a ela para exprimir o próprio enraizamento na história da ciência polaca, que teve o seu início na fundação, há seiscentos anos.

Retornamos juntos às fontes, das quais nasceram, há seiscentos anos, a Universidade Jagelónica e a sua Faculdade de Teologia. Desejamos juntos assumir mais uma vez o grande património espiritual, que é constituído por esta Universidade na história da nossa Nação e na história da Europa, a fim de transmitir este bem inestimável, intacto, às sucessivas gerações dos polacos, ao terceiro milénio.

2. Durante esta cerimónia jubilar dirigimos o nosso grato pensamento à figura de Santa Edviges, Senhora de Wawel, fundadora da Universidade Jagelónica e da Faculdade de Teologia. Por uma admirável disposição da divina Providência, as celebrações do 600° aniversário coincidem, hoje, com a sua canonização, desde há longo tempo esperada na Polónia, e de modo especial em Cracóvia e no seu ambiente académico. Todos desejavam tanto esta canonização. Os Senados Académicos da Universidade Jagelónica e da Pontifícia Academia de Teologia expressaram-no com cartas a mim dirigidas.

A santa fundadora da Universidade, Edviges, sabia com a sabedoria própria dos santos que a Universidade, como comunidade de homens que buscam a verdade, é indispensável à vida da Nação e da Igreja. Por isso, tinha em vista, com perseverança, fazer com que fosse reconhecida a Academia de Cracóvia, fundada por Casimiro, e enriquecida com a Faculdade de Teologia. Um acto extremamente importante, pois, segundo os critérios da época, somente a fundação da Faculdade de Teologia conferia a um Ateneu o pleno direito de cidadania e uma espécie de enobrecimento no mundo académico. Edviges esforçou- se por isto com perseverança junto do Papa Bonifácio IX, o qual, em 1397, e portanto precisamente há seiscentos anos, aderiu aos seus pedidos, erigindo na Universidade Jagelónica a Faculdade de Teologia, com a solene Bula Eximiae devotionis affectus. Foi só então que a Universidade de Cracóvia começou a existir plenamente no mapa das Universidades europeias, e o Estado jagelónico subiu a um nível análogo ao dos Países ocidentais. A Universidade de Cracóvia desenvolveu-se muito rapidamente. No decurso do século XV atingiu o nível das maiores e mais famosas Universidades da Europa daquela época. Era posta ao lado da «Sorbonne» de Paris, ou então ao lado de outras mais antigas que ela, como as Universidades italianas de Bolonha e de Pádua, sem esquecer as Universidades vizinhas a Cracóvia, as de Praga, de Viena e de Pecs, na Hungria. Este período de ouro na história da Universidade frutificou em numerosas figuras de eminentes professores e alunos. Limitar-me-ei a nomear apenas duas: Pawel Wlodkowic e Nicolau Copérnico.


Discursos João Paulo II 1997 - Jasna Góra, 4 de Junho de 1997