Discursos João Paulo II 1997

Revela-se assim a importância de uma formação permanente, que se dirija indistintamente a todos os membros do Instituto e seja sempre mais vivida como responsabilidade, que cabe em primeiro lugar ao religioso individualmente e à comunidade local.

4. A partir da situação actual do vosso Instituto, considerada «em puro contexto da fé», segundo o ensinamento do Beato Daniel Comboni, será possível propor algumas linhas programáticas, que vos guiem a encarminhar-vos para o futuro com confiança e com impulso apostólico sempre vivo.

Antes de tudo, sabei acolher com alegria os contínuos estímulos à renovação e ao empenho que provêm do contacto real com o Senhor Jesus, presente e operante na missão através do Espírito Santo. Seguindo uma fundamental intuição de D. Comboni, tereis assim a peito o aprofundamento e a reafirmação do carisma específico do vosso Instituto. Isto não deixará de vos impelir a abrir a alma, com disponibilidade e reconhecimento, à graça da vossa missão específica na Igreja, que se caracteriza como uma vocação ad gentes e ad vitam.

A consagração à missão deverá, depois, exprimir-se numa crescente mobilidade apostólica, que vos permita responder com prontidão e de modo adequado às necessidades actuais. Isto vos consentirá estar operosamente presentes nos novos areópagos da evangelização, privilegiando, ainda que isto devesse comportar sacrifícios, a abertura a situações que, com a sua realidade de extrema necessidade, se revelam simbólicas para o nosso tempo.

5. A exemplo do beato Fundador, é urgente imprimir novo impulso à animação missionária. Será sobretudo o fervor apostólico dos próprios Missionários que há-de sustentar as Comunidades cristãs que lhes são confiadas, em particular as de fundação recente. Elas deverão ser por vós encorajadas a realizar a vocação missionária universal, como parte essencial da sua identidade, empenhando-se naquela «solidariedade pastoral orgânica », que indiquei na Exortação Apostólica Ecclesia in Africa (cf. n. 131).

No esforço de requalificação do estilo do serviço missionário, será necessário privilegiar alguns elementos hoje significativos, tais como a sensibilidade à inculturação do Evangelho, o espaço dado à co-responsabilidade dos agentes pastorais, a escolha de formas de presença simples e pobres entre o povo. Atenção especial merecem o diálogo com o Islão, o empenho pela promoção da dignidade da mulher e dos valores da família, a sensibilidade pelos temas da justiça e da paz.

6. O esforço de renovação do Instituto abraça necessariamente a solicitude amorosa pela situação de cada um dos religiosos, a fim de que a sua consagração missionária possa ser cada vez mais fonte de encontro vivificante e santificante com Jesus, cujo Coração trespassado é fonte de consolação, paz e salvação para todos os homens.

Nessa perspectiva, é decisivo aprofundar as raízes místicas da vocação comboniana. Podereis assim nutrir-vos da vossa específica espiritualidade e oferecê-la como dom precioso a todos aqueles de quem vos aproximais no serviço pastoral. Como recordei por ocasião da beatificação de Daniel Comboni, «da contemplação da Cruz e da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, o vosso beato Fundador soube haurir apoio e força para enfrentar todas as provas... A sua indefessa obra missionária era sustentada pela oração, na qual ele indicava o primeiro meio de evangelização e de animação missionária» (L’Osservatore Romano, ed. quot. de 18-19 de Março de 1996, pág. 8).

Faço votos por que as orientações elaboradas pelo Capítulo Geral guiem o inteiro Instituto a continuar, com generosidade e determinação, na via traçada pelo Fundador e seguida com coragem heróica por tantos Coirmãos. Com estes sentimentos, enquanto invoco a protecção celeste de Maria, Rainha das Missões, e do Beato Daniel Comboni, de coração concedo aos Delegados capitulares e à inteira Família comboniana uma especial Bênção Apostólica.



Castel Gandolfo, 25 de Setembro de 1997.



JOÃO PAULO II


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA II ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA PONTIFÍCIA COMISSÃO


PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA




Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e Senhoras

1. É-me grato fazer chegar a vós a minha saudação, por ocasião da Segunda Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja. Agradeço-vos o trabalho que realizais com empenho e dirijo um particular pensamento ao vosso Presidente, D. Francesco Marchisano, com ânimo grato por se ter feito intérprete dos vossos comuns sentimentos. O vosso grupo enriqueceu- se recentemente de novos e qualificados membros, a fim de representar ainda mais a universalidade da Igreja e a diversidade das culturas, através de cujas expressões artísticas se pode bem elevar um multiforme hino de louvor a Deus, que Se revelou em Jesus Cristo. A todos, afectuosas boas-vindas!

O tema do vosso encontro é de grande interesse: «Os bens culturais da Igreja em referência à preparação para o Jubileu». Como eu escrevia na Tertio millennio adveniente, a Igreja, em vista do Jubileu, é convidada a reflectir sobre o caminho percorrido nestes dois milénios de história. Os bens culturais representam uma porção relevante do património, que ela foi progressivamente constituindo em benefício da evangelização, da instrução e da caridade. Enorme, com efeito, foi a incidência do Cristianismo tanto no campo da arte nas suas várias expressões, como no da cultura em todo o seu depósito sapiencial.

A presente Sessão oferece-vos a ocasião propícia para um intercâmbio de experiências sobre quanto se está a organizar, em vista do Jubileu, nas diversas realidades eclesiais, das quais sois autorizados porta-vozes. Ela, além disso, permite-vos recolher sugestões, que poderão ser indicadas aos competentes organismos de cada um dos Países, para o uso que parecer oportuno no contexto das suas peculiares tradições.

Neste primeiro ano de preparação para a histórica ocorrência do Ano 2000, é em particular a contemplação do ícone de Cristo que deve revigorar as forças espirituais dos crentes, para que amem o Senhor e O testemunhem no hoje da Igreja e das culturas, com a coragem da santidade e o génio da arte. As diversas manifestações artísticas, juntamente com as múltiplas expressões das culturas, que constituíram um veículo privilegiado da semeadura evangélica, exigem neste final de milénio uma verificação atenta e uma crítica clarividente, para que se tornem capazes de nova força criativa e ofereçam o seu contributo à realização da «civilização do amor».

2. Os «bens culturais» são destinados à promoção do homem e, no contexto eclesial, assumem um significado específico uma vez que estão ordenados à evangelização, ao culto e à caridade. A sua tipologia é diversificada: pintura, escultura, arquitectura, mosaico, música, obras literárias, teatrais e cinematográficas. Nestas várias formas artísticas se exprime a força criativa do génio humano que, mediante figurações simbólicas, se faz intérprete de uma mensagem que transcende a realidade. Se forem animadas pelo respiro espiritual, essas obras podem ajudar a alma na busca das coisas divinas e podem chegar também a constituir páginas interessantes de catequese e de ascese.

As bibliotecas eclesiásticas, por exemplo, não são o templo de um saber estéril, mas o lugar privilegiado da verdadeira sabedoria que narra a história do homem, glória do Deus vivo, através da labuta de quantos procuraram, nos fragmentos da criação e no íntimo das almas, a marca da substância divina.

Os museus de arte sacra não são depósitos de achados inanimados, mas viveiros perenes, nos quais se transmitem no tempo o génio e a espiritualidade da comunidade dos crentes.

Os arquivos, especialmente os eclesiásticos, não só conservam vestígios de vicissitudes humanas, mas levam também à meditação sobre a acção da Providência divina na história, de maneira que os documentos neles conservados se tornam memória da evangelização operada no tempo e autêntico instrumento pastoral.

Caríssimos, empenhais-vos activamente pela salvaguarda do tesouro inestimável dos bens culturais da Igreja, assim como por conservar a memória histórica de quanto a Igreja fez ao longo dos séculos, e por abri-la a ulteriores desenvolvimentos no campo das artes liberais.

Assumistes o empenho, neste «tempo oportuno» de vigília jubilar, de propor com discrição aos nossos contemporâneos quanto a Igreja realizou no decurso dos séculos na obra de inculturação da fé, e também de estimular com sabedoria os homens da arte e da cultura, a procurarem constantemente o rosto de Deus e do homem com as suas obras .

As inúmeras iniciativas, que estão a ser projectadas em vista do Ano Santo, têm como objectivo ressaltar, graças à contribuição de cada um dos aspectos da arte e da cultura, o anúncio fundamental: «Cristo ontem, hoje e sempre»; Ele é o único Salvador do homem e do homem todo. Deve-se elogiar, por isso, o esforço que a vossa Comissão está a fazer para coordenar o sector artísticocultural, através de um apropriado organismo que avalia as múltiplas propostas de eventos artísticos.

Aos antigos vestígios acrescentam-se os novos areópagos da cultura e da arte, com frequência instrumentos idóneos a estimular os crentes a crescerem na sua fé e a testemunharem-na, com renovado vigor. Dos lugares arqueológicos às mais modernas expressões da arte cristã, o homem contemporâneo deve poder reler a história da Igreja, para ser assim ajudado a reconhecer o fascínio misterioso do desígnio salvífico de Deus.

3. O trabalho confiado à vossa Comissão consiste na animação cultural e pastoral das comunidades eclesiais, valorizando as multíplices formas expressivas que a Igreja produziu e continua a produzir, ao serviço da nova evangelização dos povos.

Trata-se de conservar a memória do passado e de tutelar os monumentos visíveis do espírito, com um trabalho capilar e contínuo de catalogação, de manutenção, de restauração, de custódia e de defesa. É preciso solicitar todos os responsáveis do sector a este empenho de primária importância, para que seja assumido, com a atenção que merece a salvaguarda dos bens da comunidade dos fiéis e da inteira colectividade humana. São bens de todos, e portanto devem tornar-se queridos e familiares a todos.

Trata-se, também, de favorecer novas produções, através de um contacto interpessoal mais atento e disponível com os agentes do sector, de maneira que também a nossa época possa registar obras, que documentam a fé e o génio da presença da Igreja na história. Por isso, as instâncias eclesiásticas locais e as múltiplas associações devem ser encorajadas a fim de se favorecer a colaboração constante e estreita entre Igreja, cultura e arte.

Trata-se, além disso, de pôr em maior evidência o sentido pastoral deste empenho, para que seja percebido pelo mundo contemporâneo, pelos crentes e pelos não-crentes. Para isto, é oportuno favorecer nas Comunidades diocesanas momentos de formação do clero, dos artistas e de todos os interessados nos bens culturais, para que o património da arte seja valorizado inteiramente no campo cultual e catequético.

Louvo, por isso, o vosso esforço de apresentar o contributo dado pelo Cristianismo à cultura dos vários povos, mediante a acção evangelizadora de sacerdotes, religiosos e leigos empenhados. Mesmo poucos séculos de evangelização produziram quase sempre expressões artísticas, destinadas a permanecer determinantes na história dos vários povos.

É oportuno pôr em relevo as mais genuínas formas de piedade popular, com as próprias raízes culturais. É necessário reafirmar a importância dos museus eclesiásticos paroquiais, diocesanos, regionais e das obras literárias, musicais, teatrais ou culturais em geral, de inspiração religiosa, para dar uma feição concreta e desfrutável à memória histórica do cristianismo.

Será útil para este objectivo organizar encontros a nível nacional ou diocesano, em colaboração com centros culturais (Universidades, Escolas, Seminários, etc.), a fim de pôr em evidência o património dos bens culturais da Igreja. Será também útil promover localmente o estudo de personalidades religiosas ou leigas, que deixaram uma marca significativa na vida da nação ou da comunidade cristã; assim como ressaltar os eventos da história nacional, na qual o Cristianismo foi determinante sob vários aspectos e, de maneira marcante, no campo das artes.

4. A animação do Ano Santo através dos bens culturais, efectua-se portanto ad intra, através da valorização do património que a Igreja produziu nestes dois milénios de presença no mundo, e ad extra, através da sensibilização dos artistas, dos cultores e dos responsáveis.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, mestra de vida, a Igreja não pode deixar de assumir também o ministério de ajudar o homem contemporâneo a reencontrar a admiração religiosa diante do fascínio da beleza e da sabedoria, que deriva de quanto a história nos transmitiu. Essa tarefa exige um trabalho diuturno e assíduo de orientação, encorajamento e intercâmbio. Reitero-vos, portanto, o meu mais sentido agradecimento por tudo o que fazeis nesse âmbito, e encorajo- vos a prosseguir com entusiasmo e competência neste apreciado serviço à cultura, à arte e à fé. Esta é a vossa contribuição específica para a preparação do Grande Jubileu do Ano 2000, a fim de que a Igreja possa continuar a estar presente no mundo contemporâneo, promovendo toda a válida expressão artística e inspirando com a mensagem evangélica o desenvolvimento das diferentes culturas.

Invoco sobre os trabalhos da vossa Assembleia a assistência divina, enquanto de coração abençoo cada um de vós,assim como todos aqueles que convosco colaboram num sector tão significativo para a vida da Igreja.

Castel Gandolfo, 25 de Setembro de 1997.



JOÃO PAULO II


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA DESPEDIDA DE CASTEL GANDOLFO


26 de Setembro de 1997





Senhor Presidente da Câmara Municipal
Senhores Membros da Junta
e do Conselho Municipal!

No momento em que me preparo para deixar Castel Gandolfo, retornando ao Vaticano, é-me grato este encontro convosco, que já se tornou tradicional. Ele permite exprimir-vos sentida gratidão por tudo o que a vossa Administração faz por mim e pelos meus colaboradores.

Agradeço-lhe, Senhor Presidente da Câmara Municipal, as amáveis expressões que há pouco quis dirigir-me, interpretando também os sentimentos da inteira Administração Municipal e de todos os habitantes de Castel Gandolfo. Saúdo cordialmente todos os Membros do Conselho Municipal.

Quereria, além disso, fazer chegar, por vosso intermédio, aos vossos concidadãos o meu vivo apreço pela bem conhecida cortesia e a atenção solícita com que me circundam e acompanham a minha actividade ao serviço da Igreja universal.

O Senhor concedeu-me poder transcorrer, também neste ano, dias serenos neste lugar ameno e tranquilo; dias que me consentiram revigorar as forças a fim de prosseguir com maior energia o meu ministério pastoral. Apraz-me também, nesta circunstância, acrescentar uma palavra de reconhecimento pela solicitude com que vos esforçastes por ir ao encontro das múltiplas exigências de quantos, durante os meses estivos, vieram a Castel Gandolfo para me visitar. Agradeço a Deus e sou grato a todos vós, porque tudo se desenvolveu sempre na ordem e na tranquilidade.

Ao despedir-me de vós, é-me grato confiar à vossa consideração a minha iminente peregrinação a Bolonha, para o encerramento do Congresso Eucarístico Nacional, assim como a próxima viagem ao Rio de Janeiro para o Encontro Mundial das Famílias.

Trata-se de momentos de grande relevo para a vida da Igreja, eventos que, sem dúvida, têm repercussão na opinião pública. Os meus ardentes votos são por que eles assinalem etapas de renovado entusiasmo espiritual, não só para os crentes mas para a humanidade inteira. Enquanto caminhamos rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000, é mais do que nunca importante que o Evangelho se torne sempre mais farol luminoso de esperança e de amor para o homem contemporâneo e em particular para as famílias.

De coração desejo que em cada uma das vossas famílias cresçam o amor e a concórdia, e nela reine um clima de entendimento e de solidariedade, de maneira que os esforços de cadaum cooperem para a edificação do bem comum. Acompanho estes votos cordiais com a certeza da minha recordação junto do Senhor, para que vos assista com a Sua graça e vos cumule de abundantes consolações.

Com estes sentimentos, concedo-vos de coração, a vós e à inteira população de Castel Gandolfo, a minha Bênção. Ainda neste mesmo dia, o Santo Padre foi saudado pelo Bispo de Albano, pelos sacerdotes e religiosos da comunidade de Castel Gandolfo e pelos Funcionários do Inspectorado de Segurança Pública, que prestaram o serviço de vigilância e de ordem junto da residência estiva do Papa.



VISITA PASTORAL DE JOÃO PAULO II A BOLONHA (ITÁLIA)


DISCURSO DO SANTO PADRE NA


CERIMÓNIA DE ACOLHIMENTO


NA «PIAZZA MAGGIORE»


Bolonha, 27 de Setembro de 1997



1. Nesta bonita e antiga «Piazza Maggiore » saúdo cordialmente todos vós, aqui vindos para me acolher: vós, participantes no Congresso Eucarístico Nacional, vós, fiéis da Igreja de Bolonha, e vós, cidadãos!

Saúdo, em particular, o Cardeal Giacomo Biffi, Arcebispo da Cidade, assim como o Presidente do Conselho dos Ministros e o Presidente da Câmara Municipal de Bolonha, a cada um dos quais exprimo o meu cordial agradecimento pelas sinceras e amistosas palavras de boas-vindas a mim dirigidas. A presença deles aqui está a exprimir, a diversos mas convergentes títulos, a alma de uma cidade e de uma nação, cujas histórias estão irrevogavelmente entrelaçadas com o Evangelho.

Estou grato, depois, ao Senhor Cardeal Camillo Ruini, a quem saúdo cordialmente, por me ter aqui representado como meu Legado desde o início das celebrações conclusivas do Congresso Eucarístico Nacional.

A minha saudação estende-se, por fim, aos Coirmãos Cardeais e Bispos provenientes de todas as partes da Nação, às Autoridades regionais, aos Presidentes das Câmaras Municipais das localidades desta Arquidiocese de Bolonha e de tantas Cidades da Itália, às outras Autoridades religiosas, civis, militares — nacionais e municipais — que quiseram honrar esta circunstância com a sua presença: chegue a todos o meu deferente pensamento, com o vivo encorajamento a perseverarem com generosidade nas respectivas tarefas, exercendo as responsabilidades que lhes são confiadas para a consecução do bem comum.

2. Neste momento, não posso deixar de dirigir um pensamento afectuoso às queridas populações da Úmbria e das Marcas, que ontem foram atingidas várias vezes por um grave terremoto, que causou danos incalculáveis às pessoas e aos edifícios. Exprimo sentidas condolências pelas vítimas e cordial participação na dor das suas famílias. Espiritualmente estou próximo de quantos permaneceram sem casa e daqueles que sofreram e trepidaram. Motivo de desprazer foram também as ingentes lesões infligidas ao património artístico e religioso, em particular na Basílica Superior de São Francisco, no Sagrado Convento de Assis e noutros monumentos e igrejas, em diversas localidades atingidas pelo tremor sísmico.

Ao confiar à misericórdia divina as almas dos defuntos, invoco do Senhor conforto para os familiares, encorajamento para os feridos e apoio para quantos foram danificados pelo terremoto. A graça do Senhor e a solidariedade de tantas pessoas generosas que, coordenadas de modo eficiente pelas autoridades públicas, se estão a prodigalizar para ir em ajuda dos seus irmãos em necessidade, possam tornar menos difícil este momento de sofrimento e de prova.

3. Sinto-me feliz por estar em Bolonha pela terceira vez. Com ânimo grato à divina Providência, que me deu essa oportunidade, recordo as minhas duas peregrinações anteriores: a primeira, em 1982, para a «Visita pastoral» à Igreja de Bolonha, então guiada pelo saudoso Arcebispo Cardeal António Poma; a segunda, em 1988 quando, respondendo ao convite do Reitor da Universidade, vim celebrar o nono Centenário de fundação do ilustre Ateneu.

Naquelas circunstâncias tive ocasião de constatar a incessante fidelidade ao Evangelho da comunidade cristã que vive nesta terra e pude encorajá-la à grande tarefa que, nesta passagem milenária, empenha de modo especial as antigas Igrejas do Ocidente cristão, nascidas da primeira evangelização: a tarefa de uma nova evangelização, capaz de impregnar de conteúdos evangélicos os comportamentos, a cultura e a vida inteira.

Esta minha terceira peregrinação foi idealmente preparada pelas duas primeiras, e constitui de algum modo a sua complementação. Com efeito, vim para escrever no álbum dos Beatos um filho da vossa gente: o Venerável Padre Bartolomeu Maria Dal Monte. Vim sobretudo para presidir à conclusão do Congresso Eucarístico Nacional, etapa privilegiada no caminho de preparação do povo italiano para o Grande Jubileu do Ano 2000. Uma preparação que inicia deste modo com a reflexão sobre Jesus Cristo, único Salvador do mundo: ontem, hoje e sempre.

4. Ele é o princípio, o objecto e o fim de toda a evangelização. Para Ele, portanto, devemos olhar com fé e esperança sempre renovadas, especialmente nesta terra italiana de antiga evangelização e hoje marcada por tantos desafios sociais e espirituais.

A dupla circunstância desta visita induz- me a confiar a todos vós, povo fiel e homens de boa vontade, e de modo especial a quantos de entre vós têm responsabilidades de governo do bem público, uma dúplice mensagem. Antes de tudo, a mensagem concernente à Eucaristia: «Síntese e compêndio da generosidade divina», como está escrito no Documento doutrinal para o Congresso, o Sacramento eucarístico é o verdadeiro dom de Deus a cada coração que, na fé, se abre ao anúncio evangélico. Na participação no único Pão eucarístico é dada aos crentes a possibilidade de se abrirem à comunhão com os irmãos. A Eucaristia torna-se, assim, factor de ordem fecunda e de colaboração pacificadora em todas as sociedades humanas.

A segunda mensagem é a da santidade: com o revérbero das suas riquezas humanas, a santidade não é de modo algum inútil à sociedade. Um povo que quisesse confinar dentro dos muros das igrejas este quotidiano «dom de Deus» (cf. Jo Jn 4,10), seria certamente mais pobre. Provam-no os exemplos fúlgidos que, no decurso do tempo, vieram da resposta humana à iniciativa divina. A história desta vossa Igreja bolonhesa pode oferecer amplos testemunhos a respeito disto.

5. Na jornada hodierna o Congresso Eucarístico Nacional, em realização aqui há cerca de uma semana, concentra a sua atenção sobre a família. Ao reflectirem sobre a vocação à santidade, que é própria dos esposos, os participantes no Congresso uniram-se aos jovens em vigília, à espera da grande festa eucarística de amanhã.

A família é a «primordial comunidade humana». Não é porventura através de uma família que o Filho unigénito do Pai entrou na nossa história? Por esta razão o núcleo familiar permanece sempre e em toda a parte a via da Igreja. Num certo sentido, torna-se-o mais ainda lá onde sofre crises internas ou está submetido a influências culturais, sociais e económicas prejudiciais, que minam a sua consistência interior, quando não lhe impedem até mesmo o próprio formar-se.

Eis por que a Igreja considera como uma das suas tarefas essenciais o serviço à família. Ela não se cansa de pedir que lhe sejam reconhecidos os direitos originários e conaturais. Ao mesmo tempo, porém, a Igreja continua a cuidar da promoção de ajudas concretas nas inúmeras situações de dificuldade material e espiritual, nas quais os cônjuges, especialmente se jovens, vêm a encontrar-se.

6. Caros pais aqui vindos de todas as regiões da Itália, dirijo a cada um de vós a minha saudação mais cordial. Viestes com os vossos filhos para adorar Cristo Jesus no sacramento da Eucaristia. Vós gostais de O honrar com o nome de Esposo da Igreja-Esposa.

Conheço a vossa generosidade, o vosso empenho e a vossa paciência nas dificuldades e nas fadigas com que cada dia deveis confrontar-vos. Não tenhais medo! Abristes a porta da vossa casa a Cristo, antes, quisestes construir o vosso lar sobre a rocha da sua Palavra. Cristo salvará as vossas famílias de toda a insídia do maligno.

Tende a peito transmitir às novas gerações aquilo em que acreditais e esperais, acompanhando o seu crescimento para que se tornem pessoas amadurecidas, capazes de despender a vida pelos irmãos e fazer da própria existência um dom sincero ao próximo. Serão assim artífices daquele «humanismo familiar», do qual a sociedade italiana tem urgente necessidade.

Nesse contexto, saúdo também os membros do Movimento Pró-Vida, os quais sei que estão presentes em grande número nesta jornada dedicada à família. Enquanto agradeço de coração a quantos trabalharam com generosidade para o bom êxito deste grande Congresso Eucarístico, invoco sobre o povo de Bolonha, e sobre aqueles que guiam os seus destinos, a constante protecção de Deus e de Nossa Senhora de São Lucas.

A todos a minha saudação e a minha Bênção.



VISITA PASTORAL DE JOÃO PAULO II A BOLONHA (ITÁLIA)


DISCURSO DO SANTO PADRE DURANTE


O ENCONTRO COM OS JOVENS


Sábado, 27 de Setembro de 1997



Caríssimos jovens

1. Estou feliz por participar nesta vigília, que se realiza num contexto de fé e de alegria, onde o canto desempenha um papel importante. É a fé e a alegria dos jovens, que já pude experimentar noutras circunstâncias, especialmente por ocasião dos grandes encontros mundiais com a juventude. Observei com interesse que depois do Dia mundial em Manila, no ano de 1995, teve lugar o encontro europeu em Loreto; após o recente Dia mundial em Paris, encontramo-nos hoje à noite em Bolonha. É um alternar-se de encontros, que vê como protagonistas os jovens em várias partes do mundo. Mas depois regressa-se sempre à Itália. Regressar significa que o Papa volta ao Vaticano ou a Castel Gandolfo. Aproveito este ensejo para vos cumprimentar com afecto, queridos jovens, tornando extensivo o meu pensamento cordial a todos os jovens e a todas as jovens da Itália.

Demos início ao nosso encontro – que acompanhei com grande atenção – com o Salmo 96, que convida a «cantar ao Senhor um cântico novo», a bendizer o Seu nome, a alegrar-se e a exultar juntamente com a inteira criação. Desta forma, o canto torna-se a resposta de um coração repleto de júbilo, que reconhece a presença de Deus ao seu lado.

«Permanecestes aqui, Mistério visível », repetis nestes dias, durante o Congresso Eucarístico Nacional. A fé exprime- se também com o canto. A fé faz-nos cantar na vida a alegria de sermos filhos de Deus. Saúdo com afecto todos vós, artistas e jovens aqui presentes que, mediante a música e o canto exprimis palavras de paz, esperança e solidariedade «nas cítaras do nosso tempo».

Hoje à noite, música e poesia deram voz aos interrogativos e aos ideais da vossa juventude. Nesta noite, Jesus Cristo vem ao vosso encontro ao longo do caminho da música.

2. Amadíssimos jovens, agradeço-vos esta festa, que quisestes organizar como uma espécie de diálogo a várias vozes, onde música e coreografia nos ajudam a reflectir e a rezar. Um dos vossos representantes acabou de dizer, em nome de todos vós, que a resposta aos interrogativos da vossa vida «está soprando no vento». É verdade! Todavia, não no vento que tudo disperde nos vórtices do nada, mas no vento que é sopro e voz do Espírito, voz que chama e diz: «Vem!» (cf. Jo Jn 3,8 Ap 22,17).

Perguntastes-me: quantas estradas deve o homem percorrer para poder reconhecer- se [como] homem? Respondo-vos: uma! Uma só é a estrada do homem, e é Cristo que disse «Eu sou o Caminho! » (Jn 14,6). Ele é a estrada da verdade, o caminho da vida.

Por isso, digo-vos: nas encruzilhadas onde se entretecem as inúmeras sendas dos vossos dias, interrogais-vos acerca do valor da verdade de cada uma das vossas opções. Às vezes, pode acontecer que a decisão seja difícil e árdua, e que a tentação à depressão se torne insistente. Já se verificou com os discípulos de Jesus, porque o mundo está repleto de veredas fáceis e sedutoras, caminhos que descem, imergindo-se na sombra do vale, onde o horizonte se torna cada vez mais angusto e sufocante. Jesus propõe-vos um caminho que sobe, que é difícil de percorrer, mas que consente ao olho do coração perscrutar horizontes sempre mais vastos. A escolha é vossa: deixar- vos transportar para baixo, rumo aos vales de um conformismo insensível, ou enfrentar o cansaço da subida rumo aos píncaros onde se respira o ar puro da verdade, da bondade e do amor.

A pouco mais de um mês do grande encontro em Paris, voltamos a encontrar- nos aqui em Bolonha e ainda está vivo em nós o eco do tema desse Dia mundial: «Mestre, onde moras? Vinde ver!». É o convite que dirijo também a vós: vinde ver onde o Mestre mora. Este Congresso em Bolonha diz-nos que Ele reside na Eucaristia.

3. Os meus votos são por que também vós possais, juntamente com Simão Pedro e os outros discípulos, encontrar Cristo para Lhe dizer: «Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna » (Jn 6,68).

Sim, Jesus tem palavras de vida eterna; n'Ele tudo se redime e se renova. Com Ele é deveras possível «cantar um cântico novo» (Ps 96,1) nesta vigília, à espera da grande festa que concluiremos amanhã com a celebração da Eucaristia, ápice do Congresso Eucarístico Nacional.

Agora eu quereria confiar-vos um segredo. Com o passar do tempo, a coisa mais importante e bela para mim permanece o facto de ser sacerdote há mais de cinquenta anos, porque cada dia me é possível celebrar a Santa Missa! A Eucaristia é o segredo da minha jornada. Esta dá força e sentido a cada uma das minhas actividades ao serviço da Igreja e do mundo inteiro.

Daqui a pouco, quando já forem altas horas da noite, a música e o canto deixarão espaço à adoração silenciosa da Eucaristia. À música e ao canto sucederão o silêncio e a oração. Os olhos e o coração fixar-se-ão na Eucaristia.

Deixai que Jesus, presente no Sacramento, fale ao vosso coração. Ele é a verdadeira resposta da vida que buscais.

Ele permanece aqui connosco: é o Deus connosco. Procurai-O sem vos cansardes, recebei-O incondicionalmente e amai-O sem tréguas: hoje, amanhã e sempre!

Por fim, devo dizer-vos que durante esta vigília pensei em todas as riquezas que existem no mundo, especialmente no homem: as vozes, as intuições, as respostas, as sensibilidades e muitos, muitíssimos outros talentos. É necessária uma grande gratidão por todos estes talentos! E precisamente esta gratidão quer dizer Eucaristia. Agradecendo os bens do mundo, dando graças por todas estas riquezas, estando grato por todos estes talentos, tornamo-nos mais dispostos a viver tais talentos, a multiplicar todos estes talentos, assim como soube fazer o servo bom do Evangelho. Boa-noite! Louvado seja Jesus Cristo!

A todos a minha saudação afectuosa e a minha Bênção.

Então, antes de me ir embora, quereria concluir o que vos disse precedentemente. Disse-vos que é necessária a Eucaristia porque é preciso a gratidão por todos estes bens, por todas estas riquezas e por todos estes talentos. É necessário um grande agradecimento! Todavia, este agradecimento devia actuar-se através do sacrifício da Cruz, devia realizar- se mediante a morte cruenta de Cristo. Porém, se não houvesse a morte, não existiria nem sequer a ressurreição, não haveria o mistério pascal. «Mors et vita duello conflixere mirando, dux vitae mortuus regna vivus». Todos vós conheceis bem o latim. Mas alguns sacerdotes mais doutos traduzir-vo-lo-ão. Queria dizê-lo para completar um pouco a visão do significado da Eucaristia. Obrigado por este encontro!




Discursos João Paulo II 1997