Discursos João Paulo II 1997 - Sábado, 27 de Setembro de 1997

VISITA PASTORAL DE JOÃO PAULO II A BOLONHA (ITÁLIA)



DURANTE O ENCONTRO COM


AS RELIGIOSAS CLAUSTRAIS


28 de Setembro de 1997



Caríssimas Irmãs!

1. Com grande alegria apresento a minha afectuosa saudação a todas vós, reunidas nesta magnífica Catedral de Bolonha e, através de vós, desejo dirigir-me às Religiosas claustrais dos mosteiros da Itália, unidas espiritualmente às celebrações do Congresso Eucarístico Nacional. Saúdo o caro Cardeal Eduardo Martínez Somalo, que celebrou esta manhã a Santa Missa para vós; com ele saúdo também o querido Cardeal Giacomo Biffi, Arcebispo de Bolonha, juntamente com os Bispos e os sacerdotes presentes.

O Congresso Eucarístico, que se vive nestes dias em Bolonha, é um evento espiritual extraordinário, que interessa ao inteiro povo de Deus. Interessa de modo particular a vós, cuja vocação contemplativa se situa no coração mesmo da Igreja. Com efeito, a vossa missão é alimentar e sustentar a acção pastoral da Igreja, com o precioso contributo da contemplação, da oração e do sacrifício, que continuamente ofereceis nos vossos mosteiros, cuja silenciosa presença manifesta aos homens do nosso tempo o início do Reino de Deus.

2. Assim como a Igreja, também a Comunidade monástica nasce da Eucaristia, se alimenta com o sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor e está para Ele constantemente orientada. Cada dia a liturgia convida-vos a contemplar, através do lado trespassado de Cristo na Cruz, o mistério do Amor eterno do Pai, para depois o testemunhardes na vossa existência totalmente oferecida a Deus. A vós Jesus revela o mistério do Seu amor, para que O guardeis como Maria, no silêncio fecundo da fé, tornando-vos juntamente com Ela colaboradoras na obra da salvação.

Caríssimas Irmãs, a vossa vida, recolhida e conservada no mistério da Trindade, torna-vos partícipes do íntimo diálogo de amor que o Verbo manteve de maneira ininterrupta com o Pai, no Espírito Santo.

Deste modo, o vosso quotidiano «sacrificium laudis», unido ao cântico constituído pelas vossas existências de pessoas consagradas na vocação claustral, antecipa já sobre esta terra algo da eterna liturgia do céu. A contemplativa, afirmava a Beata Isabel da Trindade, «deve estar sempre ocupada na acção de graças. Cada um dos seus actos, dos seus movimentos, cada pensamento seu e aspiração, ao mesmo tempo que a enraízam de modo mais profundo no amor, são como um eco do Sanctus eterno» (Escritos, Retiro, 10, 2).

3. A Eucaristia é o dom que Cristo fez à sua Esposa, na hora de deixar este mundo para retornar ao Pai. Queridas Irmãs, a comunidade cristã reconhece na vossa vida «um sinal da união exclusiva da Igreja-Esposa com o seu Senhor » (Vita consecrata VC 59). O mistério do carácter esponsal, que pertence à Igreja na sua integridade (cf. Ef Ep 5,23-32), assume nas vocações de especial consagração um relevo particular, que atinge a sua mais eloquente expressão na mulher consagrada: com efeito, pela sua própria natureza, ela é figura da Igreja, virgem, esposa e mãe, a qual mantém íntegra a fé dada ao Esposo, gerando os homens para a vida nova no Baptismo.

Na religiosa de clausura, depois, precisamente porque está empenhada em viver em plenitude o mistério esponsal da união exclusiva com Cristo, «realiza-se o mistério celeste da Igreja» (Santo Ambrósio, De institutione virginis, 24, 255; PL 16, 325 C). Ao mistério do «corpo dado» e do «sangue derramado», que toda a Eucaristia representa e actualiza, a claustral responde com a oblação completa de si mesma, renunciando completamente «não só às coisas, mas também ao espaço, aos contactos, a tantos bens da criação» (VC 59). A clausura constitui uma maneira particular de «estar com o Senhor», participando no Seu aniquilamento numa forma de pobreza radical, mediante a qual se escolhe Deus como «o Único Necessário» (cf. Lc Lc 10,42), amando-O exclusivamente como o Tudo de todas as coisas. Desse modo os espaços do mosteiro claustral alargam-se para horizontes imensos, porque são abertos ao amor de Deus que abraça todas as criaturas.

A clausura, portanto, não é só um meio de imenso valor para conseguir o recolhimento, mas um modo sublime de participar na Páscoa de Cristo. A vocação claustral introduz-vos no Mistério eucarístico, favorecendo a vossa participação no Sacrifício redentor de Jesus para a salvação de todos os homens.

4. À luz destas verdades manifesta-se o vínculo estreitíssimo que existe entre contemplação e missão. Mediante a união exclusiva com Deus na caridade, a vossa consagração torna-se fecunda de maneira misteriosa, mas real. Esta é a vossa modalidade típica de participar na vida da Igreja, o contributo insubstituível para a sua missão, que vos torna «colaboradoras do próprio Deus e apoio dos membros débeis e vacilantes do seu inefável Corpo» (Santa Clara de Assis, Terceira Carta a Inês de Praga, 8: Fontes Franciscanas, 2886).

Na vossa «forma de vida» torna-se visível, também aos homens do nosso tempo, a face orante da Igreja, o seu coração inteiramente possuído pelo amor por Cristo e repleto de gratidão pelo Pai. De cada mosteiro eleva-se incessantemente a oração de louvor e de intercessão pelo mundo inteiro, do qual sois chamadas a acolher e compartilhar sofrimentos, expectativas e esperanças.

A vossa vocação contemplativa constitui também um jubiloso anúncio da proximidade de Deus; anúncio mais que nunca importante para os homens de hoje, necessitados de redescobrir a transcendência de Deus e, ao mesmo tempo, a Sua presença amorosa ao lado de cada pessoa, especialmente se for pobre e desorientada.

A vossa vida, que com a sua separação do mundo se expressa de modo concreto e eficaz e proclama a primazia de Deus, constitui um apelo constante à preeminência da contemplação sobre a acção, daquilo que é eterno sobre o que é temporâneo. Ela propõe-se, por conseguinte, como uma representação e uma antecipação da meta, para a qual caminha a comunidade eclesial: a futura recapitulação de todas as coisas em Cristo.

5. Quanto tudo isto é verdadeiro, testemunha- o de modo significativo o exemplo de Santa Teresa de Lisieux, da qual recordamos este ano o primeiro centenário da morte, e que no próximo dia 19 de Outubro terei a alegria de proclamar Doutora da Igreja. A sua breve existência, transcorrida no escondimento, continua a falar-nos do fascínio da busca de Deus e da beleza da completa doação de si ao Seu amor.

Na sua sede ardente de cooperar na obra da redenção, ela perguntava-se, como sabeis, qual era a sua missão específica na Igreja. Nenhuma opção a satisfazia plenamente, até ao dia em que, iluminada interiormente, compreendeu que a Igreja tinha um coração, e que este coração ardia de amor: «No coração da Igreja, minha mãe — ela decidiu então — serei o amor».

Para realizar esta singular vocação ao amor, é preciso não se deixar enganar pela sabedoria mundana; só aos pequeninos, com efeito, o Pai revela os seus mistérios, entrando no coração deles que, segundo uma bonita expressão de Santa Clara de Assis, é «mansio et sedes», «morada e permanência» da Majestade divina (cf. Terceira Carta a Inês, 21-26: FF 2892-2893).

As vossas comunidades claustrais, com os seus próprios ritmos de oração e de exercício da caridade fraterna, nas quais a solidão é impregnada pela suave presença do Senhor e o silêncio dispõe a alma à escuta das Suas sugestões interiores, são o lugar onde cada dia vos formais para este conhecimento amoroso do Verbo do Pai. De coração faço votos por que a vossa vida seja penetrada por esta constante tensão para Deus, por uma incessante oblação eucarística que transforme a existência em total holocausto de amor, em união com Cristo, para a salvação do mundo.

6. Obrigado, caríssimas Irmãs claustrais, pelo dom precioso da vossa contribuição específica à vida da Igreja e, em particular, pela oração com que acompanhais este Congresso Eucarístico Nacional. Obrigado pela vossa presença como Religiosas contemplativas, que mantêm viva no coração da Igreja a chamada a um amor total por Cristo Esposo. A Comunidade cristã sente-se reconhecida a vós por esse testemunho.

Com a vossa vida de união com o Senhor sede sinais eloquentes do Seu amor pela humanidade inteira. Oferecereis assim a todos o contributo espiritual da esperança e da alegria, orientando os homens para o encontro com Cristo, nossa paz autêntica.

A vós, às vossas Comunidades claustrais e às vossas Coirmãs contemplativas da Itália concedo de coração uma especial Bênção Apostólica.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA ABERTURA DA XXVI ASSEMBLEIA GERAL


DO CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO


(CELAM)






Queridos Irmãos no Episcopado

1. É-me muito grato dirigir uma cordial saudação aos membros do Conselho Episcopal Latino-Americano — CELAM — que se reunirão no Rio de Janeiro, de 30 de Setembro a 3 de Outubro, para celebrar a sua XXVI Assembleia Ordinária, com o objectivo de indicar algumas linhas directrizes e recomendações para os novos tempos que se aproximam.

Quando faltam poucos dias para uma nova Visita às terras americanas, a fim de presidir ao II Encontro Mundial com as Famílias nessa Cidade brasileira, desejo renovar o meu afecto aos filhos e filhas desse amado Continente. Tenho olhado sempre com muita esperança para os Povos da América Latina, nações profundamente católicas que, após cinco séculos de Evangelização, caminham com alegria e passo firme rumo ao Terceiro Milénio do cristianismo, vivendo com o olhar fixo n’Aquele que é o Senhor da História, Jesus Cristo, o único que pode encher de luz a trajectória desses povos, que têm de enfrentar os grandes desafios da hora presente.

2. Encontramo-nos numa hora decisiva para a Igreja e para a humanidade. Diante disto, urge renovar-se, preparar-se e encher-se de energias espirituais, que se traduzam depois em projectos e realidades pastorais para anunciar a Boa Nova a todos os homens e mulheres, a todos os povos, etnias e culturas, chegando assim «a toda a criação», segundo o mandato missionário do Senhor (cf. Mc 16,15) que, fiel à Sua promessa, está connosco «todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28,20).

3. A IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, que teve lugar em Santo Domingo em 1992, por ocasião do V Centenário da Evangelização do Novo Mundo, deu um forte impulso à missão das Igrejas na América Latina, comprometendo-as na tarefa fascinante da Nova Evangelização.

Por sua parte, a próxima Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América, que convoquei para os próximos meses de Novembro e Dezembro, está chamada, a partir da perspectiva do Grande Jubileu do Ano 2000, a ser um importante evento eclesial que tem de produzir, sem dúvida, os seus frutos em todas as Igrejas locais do Continente, para que progridam com entusiasmo, generosidade e firmeza pelo caminho da conversão, da comunhão e da solidariedade.

Este caminho não é senão Jesus Cristo vivo. Ele é o «único Salvador do mundo, ontem, hoje e sempre» (cf. Hb He 13,8). Em Cristo, nosso «Salvador e Evangelizador» (Tertio millennio adveniente, TMA 40), está centrada a atenção da Igreja em ordem a cumprir de maneira adequada a sua missão.

4. O CELAM está chamado a incentivar esse ritmo de renovação que marcou o Concílio Vaticano II e que as circunstâncias actuais fazem ainda mais premente, já que o final do século e a entrada num novo milénio são acontecimentos que interpelam fortemente a Igreja.

O Conselho, reunido em Assembleia Ordinária, propõe-se a tratar, entre outros temas, o da reforma dos seus Estatutos. É importante que, dentro da comunhão eclesial, o CELAM apresente a consciência clara da sua natureza e finalidade, expressando assim a identidade com que lhe dotou a Sé Apostólica quando, a pedido da I Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, celebrada nessa mesma cidade do Rio de Janeiro em 1955, o criou como organismo de comunhão, reflexão, colaboração e serviço, manifestando-se depois cada vez mais, com base no Concílio, como sinal e instrumento do afecto colegial.

Segundo as necessidades e o que ensina a experiência, as estruturas do CELAM podem ser revistas e redimensionadas (cf. Documento de Santo Domingo, 69), de modo que, adequando-se à realidade actual, resultem mais simples e ágeis. «Assim, reflectindo o autêntico rosto da América Latina, com iniciativas bem ponderadas e mediante uma maior participação de todo o Episcopado do Continente, contribuirá de maneira decisiva para a Nova Evangelização do mesmo» (cf. Mensagem por ocasião dos 40 anos do CELAM; L’Osserv. Rom., edição em português, 13/5/1995, pág. 5, n. 4).

5. São muitos e imensos os desafios que se apresentam à Igreja nas vossas nações, nesta excepcional conjuntura histórica que estamos a viver. Entre eles: a defesa da vida; a educação das crianças e dos jovens; a promoção da família; particular preocupação suscitam o crescente secularismo, a indiferença religiosa e a desorientação no campo ético (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 36); a rápida expansão das seitas; o fenómeno da urbanização; a violência e o narcotráfico; a corrupção e a desordem social; a pobreza e inclusive a miséria na qual se encontram muitos irmãos; a situação dos indígenas e afro-americanos.

O plano global, que o CELAM elaborou para estes anos e que tem o expressivo título de «Jesus Cristo, vida plena para todos», oferece algumas sugestões em ordem a enfrentar estes problemas, sobre os quais tratará também a Assembleia sinodal de Novembro próximo.

6. Há-de se ter presente que tudo o que se projecta no campo eclesial deve partir de Cristo e do seu Evangelho, do testemunho do Senhor Jesus, uma vez que — como dizia Paulo VI, o primeiro Papa que visitou a América Latina e que recordaremos com especial afecto nos próximos dias, celebrando o centenário do seu nascimento —, «não haverá nunca evangelização verdadeira, se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino e o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados» (Evangelii nuntiandi EN 22).

Para que possa realizar a missão de anunciar a Boa Nova que Cristo lhe confiou, a Igreja faz-se presente no mundo através dos evangelizadores, sobretudo dos sacerdotes. Efectivamente, «condição indispensável para a nova evangelização, é poder contar com evangelizadores numerosos e qualificados » (Discurso inaugural na Conferência de Santo Domingo, 12 de Outubro de 1992, n. 26).

7. Daí a importância da pastoral vocacional, que deve ser hoje uma prioridade nas dioceses, como «compromisso de todo o Povo de Deus» (Ibid.). As vocações existem, pois temos a promessa de Deus, que é também uma profecia: «Dar-vos-ei pastores segundo o Meu coração » (Jr 3,15). Deve-se buscar, fomentar e cuidar dessas vocações, de forma que a profecia se cumpra plenamente na América Latina; mas para isto deve- se ter muito em conta a recomendação do Senhor a este respeito: «Pedi, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a Sua messe» (Lc 10,2).

A respeito disso, quero evocar aqui quanto eu disse aos fiéis reunidos na Catedral de Paris, no passado dia 21 de Agosto: «Convido todos vós a orar pelos jovens que, espalhados pelo mundo, escutam o apelo do Senhor e por aqueles que podem ter medo de Lhe responder. Oxalá encontrem ao redor de si educadores para os guiar! Possam eles perceber a grandeza da sua vocação: amar Cristo acima de tudo, como um apelo à liberdade e à felicidade! Orai para que a Igreja vos ajude no vosso caminho e realize um justo discernimento! Orai para que as comunidades cristãs saibam sempre retransmitir o chamamento do Senhor às jovens gerações!... Dai-Lhe graças pelas famílias, pelas paróquias e pelos movimentos, berços de vocações!» (Mensagem aos jovens reunidos na Catedral de Notre-Dame, n. 8).

Observo com grande satisfação pastoral o florescimento dos seminários nalgumas nações do vosso Continente, chamado a ser cada vez mais um Continente evangelizador que dirige o seu olhar rumo à África, à Ásia e à Europa.

8. Fonte de vocações são as famílias cristãs. O Encontro Mundial do Papa com as Famílias, que se realizará nessa Cidade, leva-me a recomendar-vos que vos ocupeis incansavelmente da evangelização e da santificação dos esposos, de forma que «os pais, e especialmente as mães, sejam generosos em dar ao Senhor os seus filhos, chamados ao sacerdócio, e colaborem com alegria no seu itinerário vocacional, conscientes de que, deste modo, tornam maior e mais profunda a sua fecundidade cristã e eclesial e podem experimentar, em certa medida, a bem-aventurança de Maria, a Virgem Mãe: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1,42)» (Pastores dabo vobis PDV 82).

9. Com estas considerações que desejo compartilhar confiadamente com todos os Bispos da América Latina, asseguro- vos a minha oração e a minha proximidade espiritual, para que o Senhor abençoe com copiosos frutos os trabalhos dessa Assembleia. Coloco os trabalhos, as preocupações e os desejos sob o amparo de Santa Maria de Guadalupe, Estrela da primeira e nova evangelização, ao mesmo tempo que vos concedo de bom grado a vós, assim como aos sacerdotes e fiéis das vossas dioceses, a Bênção Apostólica.

Vaticano, 14 de Setembro de 1997, Festa da Exaltação da Santa Cruz.



PAPA JOÃO PAULO II


DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS ESPANHÓIS DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS


DE SANTIAGO, BURGOS, SARAGOÇA E PAMPLONA


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


30 de Setembro de 1997





Queridos Irmãos no Episcopado

1. Com alegria vos recebo hoje, Pastores da Igreja de Deus em Espanha, vindos das Sedes metropolitanas de Santiago, Burgos, Saragoça e Pamplona, e das dioceses sufragâneas. São Igrejas de antiga e rica tradição espiritual e missionária, santificadas pelo sangue de muitos mártires e enriquecidas com as sólidas virtudes de numerosas famílias cristãs, que deram abundantes vocações sacerdotais e religiosas. Vindes a Roma para realizar esta visita «ad Limina», venerável instituição que contribui para manter vivos os estreitos vínculos de comunhão que unem cada Bispo com o Sucessor de Pedro. A vossa presença aqui faz-me sentir também próximos os sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis das Igrejas particulares a que presidis, algumas das quais tive a ventura de visitar nas minhas Viagens pastorais ao vosso País.

Agradeço a D. Elías Yanes Álvarez, Arcebispo de Saragoça e Presidente da Conferência Episcopal Espanhola, as amáveis palavras que, em nome de todos vós, me dirigiu para renovar as expressões de afecto e estima, fazendo-me ao mesmo tempo partícipe das vossas inquietudes e projectos pastorais. A tudo isto retribuo pedindo ao Senhor que, nas vossas dioceses e na Espanha inteira, progridam sempre a fé, a esperança, a caridade e o corajoso testemunho de todos os cristãos, em conformidade com a herança recebida desde os tempos dos Apóstolos.

2. Encorajados pelas promessas do Senhor e pela força que nos proporciona o seu Espírito, como Sucessores dos Apóstolos estais chamados a ser os primeiros a levar a cabo a missão que Ele confiou à sua Igreja, ainda que para isto se tenha de enfrentar e aceitar o peso da cruz que, numa sociedade como a contemporânea, se pode manifestar de múltiplas formas.

Tanto individual como colegialmente, por meio da Conferência Episcopal ou de outras instituições eclesiais, vós participais na análise das expectativas e sucessos da sociedade espanhola actual, procurando interpretá-los à luz do Evangelho e orientar a mesma sociedade a partir da fé. Deste modo, ante a transformação social e cultural que se está a verificar; ante o paradoxo de um mundo que sente a urgência da solidariedade, mas ao mesmo tempo sofre pressões e divisões de ordem política, económica, racial e ideológica (cf. Gaudium et spes GS 4), no vosso ministério pastoral, procurais promover uma nova ordem social, fundada cada vez mais sobre os valores éticos e vivificada pela mensagem cristã.

Ao escutardes o que «o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2,7), sentis também o dever de fazer um sereno discernimento, aberto e compreensivo, das diversas circunstâncias e acontecimentos, iniciativas e projectos, sem tampouco descuidar dos graves problemas e das aspirações mais profundas da sociedade inteira.

O vosso ministério pastoral dirige-se aos homens do nosso tempo, tanto aos fiéis que participam activamente na vida da comunidade diocesana, como àqueles que se dizem não-praticantes ou indiferentes, assim como a quantos, mesmo que se chamem católicos, não são coerentes no seu comportamento moral. Por isso vos exorto a prosseguir incansavelmente e sem desânimo no múnus de ensinar e anunciar aos homens o Evangelho de Cristo (cf. Christus Dominus CD 11). Ao propor os ensinamentos cristãos para iluminar a consciência dos fiéis, o Bispo deve fazê-lo com a linguagem e os meios adequados (cf. Ibid., 13), para que se compreenda o sentido das Escrituras, como fez o Senhor com os discípulos de Emaús, e assim o Magistério não fique estéril nem seja uma voz não atendida pela sociedade actual, que dá mostras tão visíveis de secularismo. Por esta razão, não se deve cair no desânimo nem deixar de elaborar e de pôr em prática os oportunos projectos pastorais. Ainda que as vossas responsabilidades sejam muito grandes, tende presente que o Espírito do Senhor vos dá as forças necessárias.

Postos como guias das Igrejas particulares, sois pais e pastores para cada um dos fiéis, procurando estar especialmente ao lado dos mais necessitados e marginalizados. A visita pastoral, prescrita na disciplina eclesiástica (cf. C.D.C., cânn. 396-398), ajudar-vos-á a estar presentes e próximos e a ser misericordiosos entre os vossos fiéis, para proclamardes constantemente e em todas as partes a verdade que torna livre (cf. Jn 8,32), e fomentardes o incremento da vida cristã. Esta proximidade a todos deve manifestar-se duma forma visível e concreta, estando disponível àqueles que, com confiança e amor, vos buscam porque sentem necessidade de orientação, ajuda e consolo, seguindo nisto a indicação de São Paulo a Tito, de que o Bispo seja «hospitaleiro, amigo do bem, prudente, justo, piedoso, continente » (Tt 1,8).

3. Os presbíteros e os diáconos são respectivamente colaboradores estreitos na vossa missão, para que a Palavra seja anunciada em cada lugar da própria diocese, a divina liturgia se celebre nos seus templos e capelas, a união entre todos os membros do Povo de Deus seja manifesta e a caridade, operante e vigilante. Eles participam na vossa importantíssima missão e, além disso, na celebração de todos os sacramentos, estão unidos hierarquicamente convosco de diversas maneiras. Assim vos tornam presentes, em certo sentido, em cada uma das comunidades dos fiéis (cf. Presbyterorum ordinis PO 5).

O Concílio Vaticano II, seguindo a tradição da Igreja, aprofundou de modo particular as relações dos Bispos com os seus presbíteros. Aos sacerdotes deveis dedicar os vossos melhores desvelos e energias. Por isso vos exorto a estar sempre junto de cada um, a manter com eles uma relação de verdadeira amizade sacerdotal, segundo o estilo do Bom Pastor. Ajudai-os a ser homens de oração assídua, a apreciar o silêncio contemplativo ante o ruído e a dispersão das múltiplas actividades, a celebração devota e diária da Eucaristia e da Liturgia das Horas, que a Igreja lhes recomendou para o bem de todo o Corpo de Cristo. A oração do sacerdote é uma exigência do seu ministério pastoral, de modo que as comunidades cristãs se enriqueçam com o testemunho do sacerdote orante que, com a sua palavra e a sua vida, anuncia o mistério de Deus.

Preocupai-vos pela situação particular de cada sacerdote, para os ajudar a prosseguir com optimismo e esperança pelo caminho da santidade sacerdotal e lhes oferecer os meios oportunos nas situações difíceis em que se possam encontrar. Que a nenhum deles falte o necessário para viver dignamente a sua sublime vocação e ministério!

Como tive ocasião de recordar na Exortação Apostólica Pastores dabo vobis, a formação permanente do clero é de capital importância. É-me grato constatar como o meu apelo quanto a isto foi acolhido e estão a ser programadas e organizadas em diferentes dioceses actividades, orientadas para que o sacerdote responda com a preparação pastoral que exigem as circunstâncias e o momento presente. Esta formação «é uma exigência intrínseca ao dom e ao ministério [sacramental] recebido» (Ibid., 70), pois com a ordenação «tem início aquela resposta que, como escolha fundamental, deve exprimir-se e reafirmar-se [continuamente] ao longo dos anos do sacerdócio em numerosíssimas outras respostas, todas elas radicadas e vivificadas pelo “sim” da Ordem sagrada» (Ibid.). A exortação do Apóstolo Pedro: «Irmãos, cuidai cada vez mais em assegurar a vossa vocação e eleição» (2P 1,10), é um premente convite a não descuidar este aspecto.

Neste sentido, o documento «Sacerdotes dia a dia», preparado pela vossa Comissão Episcopal para o Clero e dedicado à formação permanente integral, contribuirá sem dúvida para a potenciar no vosso País, pois se trata de uma actividade que o presbítero deve assumir, por coerência consigo mesmo, e que está enraizada na caridade pastoral que deve acompanhar toda a sua vida. É responsabilidade de cada sacerdote, do seu Bispo e da própria comunidade eclesial a que serve, procurar os meios necessários para poder dedicar parte do tempo à formação nos diversos campos durante toda a vida, sem que este importante dever seja impedido pelas diversas e numerosas actividades que a vida pastoral comporta, nem pelos compromissos que configuram a missão sacerdotal.

4. Por outro lado, o seminário, onde se formam os futuros sacerdotes, há-de ser um centro de atenção privilegiada por parte do Bispo. A crise vocacional, que nos anos passados fez diminuir sensivelmente o número de seminaristas, parece que está a ser superada e há dados promissores quanto a isto. Damos graças a Deus por isso, porém deve-se continuar a orar com insistência ao Dono da messe, para que envie trabalhadores para a sua Igreja. Em tempos recentes, a crise mencionada provocou também o facto de os seminários menores desaparecerem ou sofrerem transformações nalgumas dioceses. Onde for possível, dever-se-ia programar a presença dos mesmos, tão recomendados pelo Concílio Vaticano II (cf. Optatam totius OT 3), pois ajuda o discernimento vocacional dos adolescentes e jovens, proporcionando- lhes ao mesmo tempo uma formação integral e coerente, baseada na intimidade com Cristo. Deste modo, os que são chamados dispõem-se a responder com alegria e generosidade ao dom da vocação.

Ao Bispo corresponde em última instância a responsabilidade sobre o seminário, pois um dia, pela imposição das mãos, ele admitirá no presbitério diocesano aqueles que ali se formaram. Quando não há seminário numa diocese, é importante que o Bispo e os seus colaboradores mantenham relacionamentos frequentes com o centro para onde enviam os seus candidatos, e que de igual modo se dê a conhecer aos fiéis, sobretudo aos jovens, essa instituição tão vital para as dioceses.

No seminário deve-se favorecer um verdadeiro espírito de família, preâmbulo da fraternidade do presbitério diocesano, onde cada aluno, com a sua sensibilidade própria, possa maturar a sua vocação, assuma os seus compromissos e se forme na vida comunitária, espiritual e intelectual peculiar do sacerdote, sob a guia sábia e prudente de uma comissão formadora, adequada a essa missão. É fundamental iniciar os seminaristas na intimidade com Cristo, Modelo de pastores, mediante a oração e a recepção assídua dos sacramentos. Ao mesmo tempo e num contexto de formação integral, não é menos importante ensinar-lhes a ser progressivamente responsáveis pelos actos da sua vida diária e a adquirir o domínio de si mesmos, aspectos essenciais para a prática das virtudes teologais e cardeais, que no futuro terão de propor ao povo fiel com o próprio exemplo.

Embora a formação do seminário não deva ser só teórica, pois os seminaristas realizam também actividades pastorais em paróquias e movimentos apostólicos, o que favorece o seu enraizamento na comunidade diocesana, a primazia nessa etapa corresponde ao estudo em ordem a adquirir uma sólida preparação intelectual, filosófica e teológica, essencial para serem os missionários a anunciar aos seus irmãos a Boa Nova do Evangelho. Se esta preparação não se adquire nos anos do seminário, a experiência mostra que é muito difícil, se não praticamente impossível, completá-la depois. Por outro lado, é necessário prever e programar uma adequada formação académica superior aos sacerdotes jovens que têm aptidões para isso, a fim de se dedicarem à investigação e assim seja assegurada a continuidade do ensino no seminário ou em outros centros eclesiásticos. De igual modo é conveniente preparar alguns sacerdotes para o discernimento das vocações e a direcção espiritual, necessária para completar a tarefa formativa do seminário.

5. Muitos factores, entre os quais se deve destacar o relativismo imperante e o mito do progresso materialista como valores de primeira ordem, como indicastes no Plano de Acção pastoral da Conferência Episcopal Espanhola para o quadriénio 1997-2000 (cf. n. 45), assim como o temor dos jovens de assumir compromissos definitivos, influíram de maneira negativa no número das vocações. Perante essa situação deve-se confiar antes de tudo no Senhor e, ao mesmo tempo, comprometer-se seriamente em fomentar em cada comunidade eclesial um ambiente espiritual e pastoral, que favoreça positivamente a manifestação do chamado do Senhor para a vida sacerdotal ou consagrada, na diversidade de formas como há na Igreja, animando os jovens à entrega total das suas vidas ao serviço do Evangelho.

Nisto têm muita influência a vida espiritual e o exemplo diário dos próprios sacerdotes, assim como o ambiente propício das famílias cristãs, que deste modo podem contribuir para que aumentem as vocações de consagrados nas vossas Igrejas particulares, até há muito poucos anos, tão ricas e fecundas espiritualmente.

6. Algumas das vossas dioceses padecem, desde há alguns anos, o sofrimento de repetidos atentados terroristas contra a vida e a liberdade das pessoas. Acompanho com muita amargura esses trágicos acontecimentos e convosco quero expressar de novo a condenação, mais completa e sem paliativos, destas injustificadas e injustificáveis agressões. Ante elas, ensinai a via do perdão, da convivência fraterna e solidária e da justiça, que são os verdadeiros fundamentos para a paz e a prosperidade dos povos! Animo-vos, juntamente com os vossos fiéis, a colaborar do melhor modo possível na extirpação total e radical desta violência, e aos que a praticam, peço-lhes em nome de Deus, que renunciem a ela como pretexto de acção e reivindicação política.

7. «O Ano Jubilar Compostelano, pórtico do Ano Santo 2000». Com este lema a Igreja em Espanha convida a participar nesse acontecimento eclesial de profundas raízes históricas, que terá lugar no ano de 1999 e há-de ser uma boa preparação para o Grande Jubileu do Terceiro Milénio Cristão. O Ano Compostelano tem primordialmente uma finalidade religiosa, que se manifesta na peregrinação ao longo do chamado «Caminho de Santiago». São conhecidos os frutos espirituais dos Anos de São Tiago, durante os quais tantos peregrinos de Espanha, da Europa e de outras partes do mundo ali acorrem para obter a concessão do «perdão». Exorto-vos, pois, a preparar bem este acontecimento para que seja um verdadeiro «Ano de graça» no qual, por meio da conversão contínua e da pregação assídua da Palavra de Deus, sejam favorecidos a fé e o testemunho aos cristãos; a oração e a caridade promovam a santidade dos fiéis, e a esperança nos bens futuros anime a evangelização contínua da sociedade, a fim de poder ser o grande fruto espiritual e apostólico desse Ano jubilar, em consonância com a rica tradição precedente.

8. Queridos Irmãos, uma vez mais asseguro- vos a minha profunda comunhão na oração, com uma firme esperança no futuro das vossas dioceses, nas quais se manifesta uma grande vitalidade, apesar das provas. Que o Senhor Jesus Cristo vos conceda a alegria de O servir, guiando em Seu nome as Igrejas particulares que vos foram confiadas. Que a Virgem Santíssima e os santos Padroeiros de cada lugar vos acompanhem e protejam sempre. A vós, amados Irmãos no Episcopado, e aos vossos fiéis diocesanos, concedo de coração a Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1997 - Sábado, 27 de Setembro de 1997