Discursos João Paulo II 1997 - 31 de Outubro de 1997

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA SEGUNDA SESSÃO PÚBLICA


DAS PONTIFÍCIAS ACADEMIAS


3 de Novembro de 1997



Senhores Cardeais
Excelentíssimos Embaixadores
Ilustres Académicos Pontifícios
Excelentíssimos Senhores e Senhoras

1. É-me particularmente grato encontrar- vos, por ocasião da segunda Sessão pública das Pontifícias Academias. Agradeço ao Senhor Cardeal Paul Poupard, Presidente do Conselho de Coordenação entre as Pontifícias Academias, que em nome de todos vós quis ilustrar os objectivos, os propósitos e as finalidades que vos propondes em vista do Grande Jubileu do Ano 2000. Saúdo os Senhores Cardeais, os venerados Irmãos no Episcopado, os Excelentíssimos Embaixadores junto da Santa Sé, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas e todos os membros das várias Pontifícias Academias.

Há doze meses, encontrámo-nos pela primeira vez neste mesmo local para celebrar a ocorrida reforma das Pontifícias Academias e para dar novo impulso às Instituições culturais da Santa Sé. Desse modo é dado reconhecimento público à obra científica e artística realizada pelas vossas Pontifícias Academias, ao serviço da nova evangelização nos vários campos da cultura e da arte, da teologia e da acção apostólica.

2. O vosso plano de trabalho académico, embora na variedade das disciplinas que de modo autorizado representais, tem em vista concretizar-se num peculiar «contributo ao humanismo cristão, no limiar do Terceiro Milénio». Enquanto exprimo o meu apreço por este interessante e sempre actual programa, exorto-vos a prosseguir com coragem nesse caminho, para que o vosso contributo a uma mais exacta, ampla e profunda compreensão do humanismo cristão seja útil à causa da pessoa humana e ao reconhecimento do seu valor específico e da sua inalienável dignidade.

Na variedade das culturas hodiernas manifesta-se cada vez mais o desafio que a Igreja é chamada a enfrentar, uma vez que é seu preciso dever «investigar os sinais dos tempos e interpretálos à luz do Evangelho, para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas» (Gaudium et spes GS 4).

Os cristãos devem ser capazes de propor a verdade sobre o homem, revelada por Jesus Cristo, «Caminho, Verdade e Vida» (Jn 14,6) e «primogénito entre muitos irmãos» (Rm 8,29), porque só n’Ele pode resplandecer em plenitude a dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn Gn 1,26).

3. Estou grato aos representantes da «Pontifícia Academia Romana de S. Tomás de Aquino e da Religião Católica» e da «Academia Teológica Romana» pelas sábias reflexões sobre os delineamentos do humanismo cristão, inspiradas no pensamento do «Aquinate». É à eminente doutrina do Doutor Angélico que podemos oportunamente referir-nos, para definir o humanismo autêntico, capaz de reconhecer e dar conveniente expressão a todas as dimensões da pessoa humana.

No actual contexto cultural, marcado muitas vezes por incertezas e dúvidas que mortificam os fundamentais valores espirituais, o humanismo cristão — perene na sua substância, mas sempre novo na sua abordagem e na sua apresentação — oferece uma resposta válida à sede de valores e de vida verdadeiramente humana, ardente na alma de cada pessoa que reflecte sobre o próprio destino.

4. A actividade dos Académicos Pontifícios põe-se em íntimo ligame com a missão dos Sucessores de Pedro. Enquanto confirmo esta vossa tarefa generosa, faço votos por que, graças aos estudos, às publicações, às obras artísticas por vós realizadas e promovidas, os homens de todas as culturas descubram o humanismo autêntico, verdadeiro espelho em que se revelam o rosto de Deus e o rosto do homem.

Além disso, desejo que, sob o impulso do vosso exemplo e da seriedade dos vossos trabalhos académicos, um novo impulso seja impresso à investigação filosófica e teológica e ao ensino destas disciplinas, de maneira que a razão humana, iluminada pela Revelação divina, possa descobrir vias novas para exprimir na linguagem das várias culturas «a insondável riqueza de Cristo» (Ep 3,8).

Muitos contemporâneos, especialmente jovens, se sentem desiludidos, porque promessas mesmo atraentes, que marcaram a segunda metade do vigésimo século, não raro se revelaram meras utopias, incapazes de aliviar o homem da sua angústia existencial. Não são poucos aqueles que têm hoje a sensação de caminhar por um beco sem saída. Tarefa dos cristãos, e em particular vossa, membros das Pontifícias Academias, é difundir o conhecimento do humanismo cristão, sobretudo quando a verdade acerca do homem é obscurecida ou negada por posições conceituais, que não respeitam a sua dignidade específica.

Com a humildade dos discípulos e a fortaleza das testemunhas, vós, ilustres Académicos, tendes a exaltante missão património filosófico, teológico e cultural da Igreja, a fim de fazer partícipes dele quantos estão em busca de uma resposta satisfatória.

5. E agora, acolhendo a indicação do Conselho de Coordenação, é-me grato entregar o prémio das Pontifícias Academias ao Pontifício Instituto «Regina Mundi», que em Roma realiza actividades universitárias para a formação filosófica, teológica, espiritual e pastoral das religiosas provenientes de todas as partes do mundo. O Pontifício Instituto apresentou os trabalhos de três religiosas: Eufrásia Beya Malumbi, congolesa, que soube traduzir, com linguagem moderna e com categorias culturais do seu País de origem, alguns aspectos significativos da teologia da salvação em S. Tomás de Aquino; Cecília Phan Thi Tien, vietnamita, que estudou a eficácia evangelizadora do cântico, com particular referência à música da sua Terra; Maria Mónica Rungruang-Kanokkul, tailandesa, que fez um estudo teológico-pastoral sobre a preparação para o sacramento da Eucaristia, dos filhos de casais com matrimónio misto na sua Região.

Com a entrega do prémio, quero também exprimir o meu apreço à Reverenda Presidente, Madre Fernanda Barbiero, e aos Professores do Instituto «Regina Mundi» pelo trabalho desenvolvido em favor da promoção do humanismo cristão, nas múltiplas culturas a que pertencem as religiosas estudantes.

Confio todos os presentes e a sua missão a Maria Santíssima, Sede da Sabedoria, e de coração concedo-vos uma especial Bênção Apostólica, a vós, às vossas famílias e a todos os que vos são queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DA DIOCESE DE KALISZ


(POLÓNIA)


6 de Novembro de 1997



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Dou-vos as cordiais boas-vindas, queridos peregrinos da Diocese de Kalisz, que viestes aos túmulos dos Apóstolos para dar graças a Deus, juntamente com o Papa, por todos os bens que experimentámos durante os dias da minha última peregrinação na Polónia. Saúdo de modo particular o Bispo ordinário e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu. Desejo saudar, juntamente com ele, também o Bispo Auxiliar da Diocese. Dirijo depois o meu cordial pensamento aos Representantes das autoridades da Cidade de Kalisz, de Ostrón e da Província. Desejo abraçar com estes sentimentos toda a comunidade da Igreja de Kalisz: os presbíteros, as pessoas consagradas e todos os fiéis.

Está sempre presente em mim a recordação daquele dia em que me foi concedido visitar a vossa terra, e sobretudo a cidade de Kalisz, que — como já disse várias vezes — é a cidade mais antiga da Polónia. Agradeço-vos mais uma vez o convite que me fizestes, o caloroso acolhimento e o encontro com o Povo de Deus da comunidade de Kalisz. Graças à vossa fé e à vossa oração pudemos viver um tempo de particular unidade de toda a Igreja universal, em redor de Cristo no mistério da Eucaristia. A grande statio orbis do Congresso Eucarístico Internacional que celebrámos em Wroclaw continuou, de facto, nas etapas sucessivas da peregrinação. Com a ajuda de Deus, aprofundámos as várias dimensões da vida quotidiana, cuja força religiosa encontra na Eucaristia a sua fonte e o seu ápice (cf. PO PO 5). Com efeito, a Eucaristia é o centro vivo da Igreja e de toda a vida cristã, como, segundo as palavras de Santo Agostinho, «sacramento da misericórdia, sinal de unidade e vínculo de caridade».

Naquele percurso não podia faltar uma etapa dedicada à família. E qual é o lugar mais apropriado para reflectir sobre a realidade da família, senão Kalisz, cujo padroeiro particular é S. José, pai da Sagrada Família, representado na efígie milagrosa? Confiámos à sua protecção a família na Polónia, a qual — como em todo o mundo — se encontra a enfrentar vários perigos da civilização contemporânea. Aquela oração — que pode ser qualificada familiar — ao fiel esposo de Maria e solícito guardião do Filho de Deus — foi uma grande graça para toda a Igreja. Com efeito, se a família é o elemento fundamental da comunidade dos discípulos de Cristo, uma oração centrada na família diz respeito, ao mesmo tempo, a toda a Igreja. A Igreja tem sempre necessidade da intercessão de S. José. A sua protecção é uma eficaz defesa contra os perigos que se apresentam e, mais ainda, um grande apoio para assumir as próprias tarefas da nova evangelização. Hoje, no período da preparação directa para o Grande Jubileu do Ano 2000, quando a tarefa da evangelização adquire uma particular actualidade, exorto todos a confiar com perseverança esta obra à intercessão de S. José.

2. A incessante oração e o olhar fixo no modelo altíssimo de santidade do pobre carpinteiro de Nazaré, chamado pelo Evangelho homem justo (cf. Mt Mt 1,19), pode ser para nós fonte de profunda espiritualidade. «O sacrifício total, que José fez da sua existência inteira, às exigências da vinda do Messias à sua própria casa, encontra a motivação adequada na “sua insondável vida interior, da qual lhe provêm ordens e consolações singularíssimas; dela lhe decorrem também a lógica e a força, própria das almas simples e límpidas, das grandes decisões, como foi a de colocar imediatamente à disposição dos desígnios divinos a própria liberdade, a sua legítima vocação humana e a felicidade conjugal, aceitando a condição, a responsabilidade e o peso da família e renunciando, por um incomparável amor virgínio, ao natural amor conjugal que constitui e alimenta a mesma família”. Esta submissão a Deus, que é prontidão de vontade para se dedicar às coisas que dizem respeito ao seu serviço, não é mais do que o exercício da devoção, que constitui uma das expressões da virtude da religião » (Redemptoris custos, 26).

No mundo de hoje, cheio de contradições e de tensões, o crente encontra-se todos os dias perante a necessidade de fazer opções. Então interroga a sua consciência acerca do que é justo, a favor do que se deve pronunciar e a que se deve opor. É a pergunta referente àquele desígnio divino que pode ser perscrutado apenas em quem é dotado de uma profunda vida interior. E são necessárias, depois, não pouca ponderação e força, um grande amor a Deus e ao homem, a fim de assumir o peso da responsabilidade, que brota da resposta a essa pergunta. É necessária também a disponibilidade da vontade de se dedicar ao serviço de Deus. São José ensina-nos tudo isto. Seguindo o seu exemplo, quem se oferece a Deus, sustentado pelo poder do Espírito Santo, está em condições de transformar o mundo, de forma que ele se torne uma morada cada vez mais digna de Cristo. No limiar do Terceiro Milénio, é necessário este testemunho de dedicação. Dele precisa o homem, com frequência desorientado entre falsas promessas de uma felicidade fácil. É necessária esta dedicação na vida familiar, social, política e cultural, para que todos os homens possam reencontrar no Filho de Deus a fonte da verdadeira esperança.

3. Oxalá São José, que venerais no Santuário de Kalisz, seja para cada um de vós mestre e guia espiritual. Obtenha para todos a graça desta disponibilidade a cumprir a vontade de Deus, que foi a razão da sua particular eleição. Mais uma vez vos agradeço terdes vindo aqui. Peço que leveis a minha saudação aos vossos entes queridos na Pátria, a quantos não puderam vir, sobretudo aos enfermos. São José acompanhe todos vós e interceda pela jovem Igreja de Kalisz, no limiar do novo Milénio.

Abençoo-vos de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DA DIOCESE DE KALISZ


(POLÓNIA)


6 de Novembro de 1997



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Dou-vos as cordiais boas-vindas, queridos peregrinos da Diocese de Kalisz, que viestes aos túmulos dos Apóstolos para dar graças a Deus, juntamente com o Papa, por todos os bens que experimentámos durante os dias da minha última peregrinação na Polónia. Saúdo de modo particular o Bispo ordinário e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu. Desejo saudar, juntamente com ele, também o Bispo Auxiliar da Diocese. Dirijo depois o meu cordial pensamento aos Representantes das autoridades da Cidade de Kalisz, de Ostrón e da Província. Desejo abraçar com estes sentimentos toda a comunidade da Igreja de Kalisz: os presbíteros, as pessoas consagradas e todos os fiéis.

Está sempre presente em mim a recordação daquele dia em que me foi concedido visitar a vossa terra, e sobretudo a cidade de Kalisz, que — como já disse várias vezes — é a cidade mais antiga da Polónia. Agradeço-vos mais uma vez o convite que me fizestes, o caloroso acolhimento e o encontro com o Povo de Deus da comunidade de Kalisz. Graças à vossa fé e à vossa oração pudemos viver um tempo de particular unidade de toda a Igreja universal, em redor de Cristo no mistério da Eucaristia. A grande statio orbis do Congresso Eucarístico Internacional que celebrámos em Wroclaw continuou, de facto, nas etapas sucessivas da peregrinação. Com a ajuda de Deus, aprofundámos as várias dimensões da vida quotidiana, cuja força religiosa encontra na Eucaristia a sua fonte e o seu ápice (cf. PO PO 5). Com efeito, a Eucaristia é o centro vivo da Igreja e de toda a vida cristã, como, segundo as palavras de Santo Agostinho, «sacramento da misericórdia, sinal de unidade e vínculo de caridade».

Naquele percurso não podia faltar uma etapa dedicada à família. E qual é o lugar mais apropriado para reflectir sobre a realidade da família, senão Kalisz, cujo padroeiro particular é S. José, pai da Sagrada Família, representado na efígie milagrosa? Confiámos à sua protecção a família na Polónia, a qual — como em todo o mundo — se encontra a enfrentar vários perigos da civilização contemporânea. Aquela oração — que pode ser qualificada familiar — ao fiel esposo de Maria e solícito guardião do Filho de Deus — foi uma grande graça para toda a Igreja. Com efeito, se a família é o elemento fundamental da comunidade dos discípulos de Cristo, uma oração centrada na família diz respeito, ao mesmo tempo, a toda a Igreja. A Igreja tem sempre necessidade da intercessão de S. José. A sua protecção é uma eficaz defesa contra os perigos que se apresentam e, mais ainda, um grande apoio para assumir as próprias tarefas da nova evangelização. Hoje, no período da preparação directa para o Grande Jubileu do Ano 2000, quando a tarefa da evangelização adquire uma particular actualidade, exorto todos a confiar com perseverança esta obra à intercessão de S. José.

2. A incessante oração e o olhar fixo no modelo altíssimo de santidade do pobre carpinteiro de Nazaré, chamado pelo Evangelho homem justo (cf. Mt Mt 1,19), pode ser para nós fonte de profunda espiritualidade. «O sacrifício total, que José fez da sua existência inteira, às exigências da vinda do Messias à sua própria casa, encontra a motivação adequada na “sua insondável vida interior, da qual lhe provêm ordens e consolações singularíssimas; dela lhe decorrem também a lógica e a força, própria das almas simples e límpidas, das grandes decisões, como foi a de colocar imediatamente à disposição dos desígnios divinos a própria liberdade, a sua legítima vocação humana e a felicidade conjugal, aceitando a condição, a responsabilidade e o peso da família e renunciando, por um incomparável amor virgínio, ao natural amor conjugal que constitui e alimenta a mesma família”. Esta submissão a Deus, que é prontidão de vontade para se dedicar às coisas que dizem respeito ao seu serviço, não é mais do que o exercício da devoção, que constitui uma das expressões da virtude da religião » (Redemptoris custos, 26).

No mundo de hoje, cheio de contradições e de tensões, o crente encontra-se todos os dias perante a necessidade de fazer opções. Então interroga a sua consciência acerca do que é justo, a favor do que se deve pronunciar e a que se deve opor. É a pergunta referente àquele desígnio divino que pode ser perscrutado apenas em quem é dotado de uma profunda vida interior. E são necessárias, depois, não pouca ponderação e força, um grande amor a Deus e ao homem, a fim de assumir o peso da responsabilidade, que brota da resposta a essa pergunta. É necessária também a disponibilidade da vontade de se dedicar ao serviço de Deus. São José ensina-nos tudo isto. Seguindo o seu exemplo, quem se oferece a Deus, sustentado pelo poder do Espírito Santo, está em condições de transformar o mundo, de forma que ele se torne uma morada cada vez mais digna de Cristo. No limiar do Terceiro Milénio, é necessário este testemunho de dedicação. Dele precisa o homem, com frequência desorientado entre falsas promessas de uma felicidade fácil. É necessária esta dedicação na vida familiar, social, política e cultural, para que todos os homens possam reencontrar no Filho de Deus a fonte da verdadeira esperança.

3. Oxalá São José, que venerais no Santuário de Kalisz, seja para cada um de vós mestre e guia espiritual. Obtenha para todos a graça desta disponibilidade a cumprir a vontade de Deus, que foi a razão da sua particular eleição. Mais uma vez vos agradeço terdes vindo aqui. Peço que leveis a minha saudação aos vossos entes queridos na Pátria, a quantos não puderam vir, sobretudo aos enfermos. São José acompanhe todos vós e interceda pela jovem Igreja de Kalisz, no limiar do novo Milénio.

Abençoo-vos de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE JORNALISTAS CATÓLICOS


PROVENIENTES DA BÉLGICA


7 de Novembro de 1997





Senhor Presidente
Minhas Senhoras e meus Senhores

É com grande alegria que hoje acolho todos vós, que fazeis parte da delegação da Associação dos jornalistas católicos e da União dos jornais católicos da Bélgica. Representais também todos os leitores da imprensa católica belga. Agradeço ao vosso Presidente, Sr. Philippe Vandevoorde, as palavras cordiais.

Neste ano em que festejais o centenário da vossa Associação, juntamente convosco dou graças por todo o trabalho realizado pelos jornalistas católicos do vosso país. Por vezes arriscando a própria vida, tiveram e têm a preocupação de informar os seus leitores, para dar a cada um a possibilidade de avaliar as situações e de orientar o seu comportamento pessoal. Devemos reconhecer também que os jornalistas católicos normalmente sabem ir além dos aspectos mais espectaculares de certas situações, para respeitar a verdade e promover a dignidade das pessoas, sobretudo das crianças, com frequência injuriadas no seu ser espiritual e corporal. De facto, o jornalista católico é ciente do seu dever de educar as consciências; a leitura dos acontecimentos proporciona-lhes a ocasião de dar a conhecer os valores evangélicos e morais fundamentais e de recordar que todos os comportamentos individuais e sociais não são equivalentes.

Queridos jornalistas católicos, tendes a tarefa de fazer descobrir aos nossos contemporâneos o caminho da Igreja e do mundo. Criais, de igual modo, pontes entre os homens e as comunidades cristãs, pois seria bom que todos rejubilassem com os acontecimentos e situações nos quais se vê realizada a promoção das pessoas e dos povos; de igual modo, seria bom que os nossos contemporâneos fossem solidários com os seus irmãos que vivem na pobreza, atingidos por catástrofes naturais ou conflitos.

Ao visitardes o Sucessor de Pedro, manifestais o vosso apego à Igreja e à sua missão espiritual e caritativa. Em relação com o Pontifício Conselho Cor Unum e com a Fundação Populorum Progressio, apoiais projectos de desenvolvimento profissional e social na América Latina e nas Caraíbas. Agradeço a oferta que fazeis juntamente com os vossos compatriotas e agradeço profundamente o vosso gesto. A partilha e a ajuda recíproca fazem parte da vida cristã; com efeito, os discípulos de Cristo não se podem desviar da face dos pobres, que Deus ama com solicitude. Como dizia São João Crisóstomo, «a esmola é a rainha das virtudes» (De Davide, n. 4). Ela ensina-nos a desapegar-nos das realidades deste mundo; abre o nosso coração aos irmãos, a fim de realizar uma era de justiça e de paz e aproximanos do Senhor, pois «a esmola é, aos olhos do Altíssimo, uma dádiva sagrada de grande valor, que aproveita a todos os que a oferecem» (Tb 4,11).

Ao confiar-vos à intercessão de São Francisco de Sales, Padroeiro dos jornalistas, e dos Santos da Bélgica, concedovos de todo o coração a minha Bênção Apostólica, bem como aos vossos familiares, aos colaboradores dos vossos jornais e aos vossos leitores.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL


PROMOVIDA PELO PONTIFÍCIO CONSELHO


PARA A PASTORAL NO CAMPO DA SAÚDE


8 de Novembro de 1997



Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É-me grato dirigir cordiais boas-vindas a cada um de vós, que participais na XII Conferência Internacional promovida pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, sobre o tema «Igreja e saúde no mundo. Expectativas e esperanças no limiar do Ano 2000». Desejo manifestar particular gratidão a D. Javier Lozano Berragán pelo empenho despendido ao organizar este Simpósio e pelas amáveis palavras que me dirigiu em nome dos presentes. Com ele saúdo e agradeço a todos os colaboradores.

Nestas intensas jornadas de estudo e de confronto, as várias relações ressaltaram quanto os problemas da saúde são complexos e requerem intervenções coordenadas e harmonizadas, para envolver de maneira eficaz não só os agentes sanitários, chamados a oferecer uma resposta terapêutica e assistencial cada vez mais «competente», mas também todos os que trabalham no campo da educação, no mundo do trabalho, na defesa do ambiente e no âmbito da economia e da política.

«Salvaguardar, recuperar e melhorar o estado de saúde significa servir a vida na sua totalidade», afirma a Carta dos Agentes Sanitários, redigida pelo vosso Pontifício Conselho. Delineia-se, nesta perspectiva, a alta dignidade da actividade médico-sanitária, que se configura como colaboração com o Deus que na Escritura é apresentado como «Aquele que ama a vida» (Sg 11,26). A Igreja aprova-vos e encoraja-vos no trabalho que enfrentais com generosa disponibilidade ao serviço da vida vulnerável, débil e doente, deixando às vezes a vossa pátria e chegando também a pôr em perigo a vida no cumprimento do vosso dever.

2. São muitos os sinais de esperança presentes neste último período de século. Basta recordar «os progressos realizados pela ciência, pela técnica e sobretudo pela medicina ao serviço da vida humana, o sentido mais vivo de responsabilidade pelo ambiente, os esforços para restabelecer a paz e a justiça em todo o lado onde foram violadas, a vontade de reconciliação e solidariedade entre os vários povos...» (Tertio millennio adveniente, TMA 46).

A Igreja alegra-se por estas metas importantes, que fizeram crescer as esperanças de vida no mundo. Todavia, ela não pode calar diante dos 800 milhões de pessoas reduzidas a sobreviver em condições de miséria, subalimentação, fome e saúde precária. Ainda muitas pessoas, sobretudo nos Países pobres, sofrem de doenças que podem ser prevenidas e curadas. Diante dessas graves situações, as organizações mundiais estão a pôr em prática um esforço notável para promover um desenvolvimento sanitário fundado sobre a equidade. Elas estão convictas de que «a luta contra a desigualdade é ao mesmo tempo um imperativo ético e uma necessidade prática, e desta dependerá a realização duma saúde para todos no mundo inteiro» (OMS, Projet de document de consultation pour l’actualisation de la strategie mondiale de la santé pour tous, 1996, pág. 8). Enquanto exprimo vivo apreço por essa benemérita acção em favor dos irmãos mais pobres, desejo dirigir um premente convite a vigiar para que os recursos humanos, económicos e tecnológicos sejam cada vez mais distribuídos de maneira equitativa nas várias partes do mundo.

Exorto, além disso, os organismos internacionais competentes a empenharem- se de modo eficaz em predispor garantias jurídicas adequadas, para que seja promovida na sua integridade também a saúde de quantos não têm voz e para que o mundo sanitário, não se deixando constranger pelas dinâmicas do lucro, seja ao contrário impregnado da lógica da solidariedade e da caridade. Em preparação para o Jubileu do Ano 2000, ano de graça do Senhor, a Igreja reafirma que as riquezas devem ser consideradas como um bem comum da humanidade inteira (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 13), que devem ser utilizadas a fim de promover, sem discriminação alguma de pessoas, uma vida mais sadia e digna.

3. A saúde é um bem precioso, ainda hoje insidiado pelo pecado de muitos e posto a risco por comportamentos privados de referências éticas apropriadas. O cristão sabe que a morte entrou no mundo com o pecado (cf. Rm Rm 5,12) e que a vulnerabilidade marcou, desde o início, a história humana. Contudo, a doença e o sofrimento, que acompanham o caminho da vida, tornam-se muitas vezes ocasiões de solidariedade fraterna e de angustiada invocação a Deus, para que assegure a sua consoladora presença de amor.

«Realizando a Redenção mediante o sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar também participantes do sofrimento redentor de Cristo» (Salvifici doloris, 19). O sofrimento vivido na fé conduz o doente a descobrir, como Job, o autêntico rosto de Deus: «Os meus ouvidos tinham ouvido falar de Ti, mas, agora, viram-Te os meus próprios olhos» (Jb 42,5). Não só: através do seu paciente testemunho, o doente pode ajudar aqueles mesmos que cuidam dele, a descobrirem-se como imagens de Jesus que passou fazendo o bem e curando.

A respeito disso, quereria sublinhar, como recorda a Carta dos Agentes Sanitários, que a actividade médico-sanitária é, ao mesmo tempo, «ministério terapêutico » e «serviço à vida». Senti-vos colaboradores de Deus, que em Jesus Se manifestou como «médico das almas e dos corpos», de maneira a tornar-vos anunciadores concretos do Evangelho da vida.

4. Jesus Cristo, único Salvador do mundo, é a Palavra definitiva de salvação. O Amor do Pai, que Ele nos deu, cura as mais profundas feridas do coração do homem e satisfaz as suas inquietudes. Para os crentes empenhados no âmbito da saúde o exemplo de Jesus constitui a motivação e o modelo do empenho quotidiano ao serviço de quantos estão chagados no corpo e no espírito, para os ajudar a reencontrar saúde e cura, à espera da salvação definitiva.

Olhando para o Mistério trinitário, o agente de saúde, com as suas opções respeitosas do estatuto ontológico da pessoa, criada à imagem de Deus, da sua dignidade e das regras inscritas na criação, continua a narrar a história do amor de Deus pela humanidade. De igual modo, o estudioso crente, obedecendo ao projecto divino na sua investigação, faz exprimir pouco a pouco à criação todas as potencialidades de que Deus a enriqueceu. Os estudos, as pesquisas e as técnicas aplicadas à vida e à saúde devem ser, de facto, factores de crescimento de toda a humanidade, na solidariedade e no respeito pela dignidade de cada pessoa humana, sobretudo daquela débil e indefesa (cf. Evangelium vitae EV 81). De modo algum elas podem tornar-se expressão do desejo da criatura de se substituir ao Criador.

5. O cuidado da saúde do corpo não pode prescindir da relação constitutiva e vivificante com a interioridade. É necessário, portanto, cultivar um olhar contemplativo que «não se deixa cair em desânimo à vista daquele que se encontra enfermo, atribulado, marginalizado, ou às portas da morte; mas deixa-se interpelar por todas estas situações procurando nelas um sentido, sendo, precisamente em tais circunstâncias, que se apresenta disponível para ler de novo no rosto de cada pessoa um apelo ao entendimento, ao diálogo, à solidariedade» (Evangelium vitae EV 83). Na história da Igreja, a contemplação da presença de Deus em criaturas humanas débeis e enfermas sempre suscitou pessoas e obras, que expressaram com inventiva empreendedora os infinitos recursos da caridade, como no nosso tempo testemunhou a Madre Teresa de Calcutá. Ela fez-se bom samaritano de toda a pessoa que sofre e é desprezada e, como eu fazia notar por ocasião da sua partida deste mundo, «deixa-nos o testemunho da contemplação que se torna amor, e do amor que se faz contemplação» (Angelus de 7 de Setembro de 1997).

6. A Virgem Maria, Mãe da Saúde e Ícone da Salvação que, na fé se abriu à plenitude do Amor, é o exemplo mais alto de contemplação e de acolhimento da Vida. A Igreja que, «com a sua pregação e o baptismo, gera para a vida nova e imortal os filhos, concebidos por acção do Espírito Santo e nascidos de Deus», olha para Ela como para um modelo e uma mãe (Lumen gentium LG 63-64). A Ela, Salus infirmorum, os doentes dirigem-se para receber ajuda, acorrendo aos seus santuários. Maria, seio acolhedor da Vida, vos torne atentos a captar nos pedidos de tantos doentes e sofredores a necessidade de solidariedade e «o pedido de ajuda para continuar a esperar, quando falham todas as esperanças humanas» (Evangelium vitae EV 67). Esteja ela junto de vós para fazer de cada gesto terapêutico um «sinal» do Reino.

Com estes bons votos, concedo-vos uma especial Bênção Apostólica, a vós, aos colaboradores e aos doentes a quem prestais com amor os vossos cuidados.



DISCURSO DO CARDEAL ANGELO SODANO


EM NOME DO PAPA JOÃO PAULO II


NA ABERTURA DA XXIX CONFERÊNCIA DA FAO


8 de Novembro de 1997



Senhor Presidente
Senhor Director-Geral
Ilustres Delegados e Observadores
Senhoras e Senhores

Em primeiro lugar, desejo agradecer-lhe, Senhor Presidente, ter-me concedido falar diante desta qualificada assembleia, que vê reunidos os Representantes de todos os países do mundo, sinal de uma concreta universalidade como também de efectiva adesão aos ideais que desde a instituição animam a FAO.

A vossa Excelência, Senhor Director- Geral, dirige-se o meu sentido agradecimento pela recepção que me foi reservada, mas sobretudo por me ter consentido este encontro, no momento da solene inauguração da XXIX sessão da Conferência da FAO.

As palavras que Vossa Excelência acaba de proferir, ilustrando à Conferência as linhas de acção da Organização no próximo biénio, constituem uma garantia de continuidade numa obra meritória e uma vigorosa exortação às tarefas e às responsabilidades de cada um.

1. A saudação do Papa

Esta minha presença coloca-se na consolidada tradição que, desde 1951, ano da chegada da FAO a Roma, testemunha em cada Conferência um encontro com o Sucessor de Pedro.

Neste ano, circunstâncias particulares não consentem ao Papa renovar pessoalmente o encontro e apoiar com a sua palavra e o seu encorajamento os esforços que estais a despender. Assim, o Santo Padre encarregou-me de vos transmitir a sua saudação e de vos renovar a sua estima.

Em nome do Sumo Pontífice, quereria depois apresentar alguns pontos de reflexão, à luz do Magistério da Igreja.

2. O compromisso da FAO

Não há dúvida de que através da criação da FAO a Comunidade internacional põe em evidência o dever de uma acção a realizar em vista de alcançar o importante objectivo de libertar tantos seres humanos da subalimentação, da ameaça do sofrimento devido à fome.

Ao mesmo tempo, a acção também recente empreendida pela Organização assinalou uma notável evolução, não só conceitual, para a cultura das relações internacionais. Esta foi ignorada com demasiada frequência, para deixar espaço a um pragmatismo isento de um sólido fundamento ético-moral.

Com efeito, nas conclusões do Encontro Mundial sobre a Alimentação salienta- se que a fome e a subalimentação não são fenómenos apenas naturais ou até mesmo um mal endémico de determinadas áreas. Na realidade, é antes o resultado de uma complexa condição de subdesenvolvimento, pobreza e degradação. Portanto, a fome é parte de uma situação estrutural — económica, social e cultural — fortemente negativa para a plena realização da dignidade humana.

De resto, tal perspectiva sintetiza-se no Preâmbulo da Constituição da FAO, que proclama o compromisso de cada país em aumentar o próprio nível de alimentação, em melhorar as condições da actividade agrícola e das populações rurais, assim como em incrementar a produção e activar uma eficaz distribuição dos alimentos em cada parte do planeta.

3. O direito à alimentação

Entre os primeiros direitos fundamentais do homem, encontra- se justamente o direito à alimentação, que não só é parte integrante do direito à vida, próprio de cada ser humano, mas ousaria dizer que constitui uma das suas condições essenciais.

Como esquecer esta realidade no momento em que a Comunidade internacional se prepara para prestar o devido tributo à Declaração Universal dos Direitos do Homem, a cinquenta anos da sua proclamação Depois, os compromissos há pouco subscritos nas conclusões do Encontro sobre a Alimentação justamente identificaram no direito à segurança alimentar de povos, grupos e nações a dimensão comunitária de tal direito fundamental.

Assim, o da FAO constitui um objectivo primordial que hoje se tornou mais do que nunca necessário alcançar. Com efeito, é um facto tangível que o subdesenvolvimento, a pobreza e portanto a fome, debilitando na raiz a comum convivência de povos e nações, podem tornar- se outras tantas causas de tensões e, consequentemente, ameaçar a paz e a segurança internacional.

Saltam aos nossos olhos tristes situações em que se morre de fome porque se ignora a paz e não se garante a segurança, ou realidades em que para saciar a própria fome os homens chegam a combater, a ponto de se esquecerem da sua humanidade.

Também o pão quotidiano para cada homem da terra, aquele «Fiat panis» que a FAO quis como seu mote, é instrumento de paz e garantia de segurança. Este é o objectivo a alcançar e aos trabalhos desta Conferência apresentase a tarefa de identificar os caminhos a percorrer.

4. A exigência da solidariedade

Da documentação predisposta para os vossos trabalhos emerge um significativo elemento ao qual me parece imperioso dirigir a atenção: a realidade mundial deve modificar-se se se quiser salvaguardar uma equilibrada actividade agrícola e portanto uma eficaz luta contra a fome. A situação contemporânea, na perspectiva económico-social, torna todos nós conscientes do modo como a fome e a subalimentação de milhões de seres humanos são o fruto de iníquos mecanismos da estrutura económica, de critérios desiguais da distribuição dos recursos e da produção de políticas actuadas exclusivamente para salvaguardar interesses partidários ou de diferentes formas de proteccionismo, limitados a determinadas áreas.

Uma realidade que, se for interpretada através de categorias de ordem moral, faz emergir a referência a certas abordagens, como o utilitarismo ou ainda mais radicalmente o egoísmo, e depois à negação concreta do princípio de solidariedade.

Com efeito, a solidariedade é uma opção de vida que se concretiza na plena liberdade de quem dá e de quem recebe. Mas de uma liberdade autêntica, isto é, capaz de se realizar espontaneamente porque está pronta a compreender as necessidades, a manifestar as carências e a mostrar genuínas possibilidades de partilha.

Realizar de modo concreto a solidariedade nas relações internacionais exige a superação dos angustos confins estabelecidos por uma limitada afirmação do princípio de reciprocidade que, custe o que custar, deseja considerar no mesmo nível países que, pelo contrário, se tornaram desiguais devido a um diferente grau de desenvolvimento humano, social e económico.

5. Existe alimento para todos

De um contexto tão complexo, é necessário compreendermos as razões para depois modificarmos a atitude de cada um de nós, sobretudo a interior. Se quisermos que o mundo seja livre da fome e da subalimentação, devemos interrogar-nos acerca das nossas convicções mais profundas, sobre aquilo que inspira a nossa acção, acerca do modo como o nosso talento beneficia o presente e o futuro da família humana.

De facto, muitos são os paradoxos subjacentes às causas da fome, a começar pela «abundância» (cf. João Paulo II, Discurso à Conferência Internacional sobre a Alimentação, 5 de Dezembro de 1992). Julgo interpretar aqui também os sentimentos das pessoas que recorrem à vossa documentação, na qual continua a provocar não pouca surpresa o dado segundo o qual actualmente a terra com os seus frutos é capaz de alimentar os habitantes do planeta. Não obstante em determinadas regiões se verifiquem níveis oscilantes da produção e, consequentemente, dos parâmetros de segurança alimentar, a produção a nível global é suficiente. Então, por que diante de uma potencial disponibilidade, muitos passam fome?

As causas que bem conheceis, embora sejam diversificadas, apresentam na raiz uma cultura do homem, isenta de razões éticas e de fundamento moral, que se reflecte na abordagem das relações internacionais e nos valores que deveriam orientá-los. Na recente Mensagem para o Dia Mundial da Alimentação, no dia 16 do passado mês de Outubro, João Paulo II quis frisar a prioridade de construir relacionamentos entre os povos, tendo como base um contínuo «intercâmbio de dons». Esta atitude é salvaguardada por uma concepção que põe a pessoa como fundamento e finalidade de todas as actividades, a supremacia do dar sobre o ter, uma disponibilidade à ajuda ou a políticas de assistência, uma partilha da realidade de cada um dos nossos «próximos»: pessoa, comunidade, nação. Somente estas diferentes componentes podem inspirar uma verídica e efectiva «cultura do dar», que torne cada país pronto a compartilhar as necessidades do outro (cf. João Paulo II, Discurso por ocasião do 50° aniversário da FAO, 23 de Outubro de 1995).

6. A salvaguarda dos recursos

Por conseguinte, para uma eficaz luta contra a fome, não basta ter em vista uma correcta abordagem dos mecanismos de mercado ou alcançar níveis de produção cada vez mais elevados e práticos. Sem dúvida, é necessário atribuir um lugar adequado ao trabalho agrícola, valorizando sempre mais os recursos humanos que de tal actividade são os protagonistas, mas é preciso recuperar o verdadeiro sentido da pessoa humana, a sua centralidade como fundamento e objectivo prioritário de cada acção.

Um exemplo concreto nesta perspectiva encontra-se na ordem do dia dos trabalhos desta Conferência, pela atenção que se dedica à problemática ambiental, entendida como salvaguarda do «ambiente humano». Uma acção que vê a FAO empenhada em conter os prejuízos do ecossistema agrícola, salvaguardando-o contra fenómenos como a desertificação e a erosão ou contra uma actividade humana irreflectida, consentindo também uma utilização mais racional e reduzida de substâncias fortemente poluidoras, através de específicos «Códigos de conduta», que são um eficaz instrumento contido nas políticas dos Estados membros.

O desafio do futuro neste delicado sector manifesta-se sobretudo nos compromissos assumidos no plano internacional em defesa do meio ambiente natural, que põem em evidência o papel central da FAO na actuação de muitos dos programas da «Action 21» do Rio de Janeiro e na conservação das diferentes espécies biológicas.

Este último aspecto exige um ulterior esforço, para assumir a necessária abordagem de ordem ética e conceitual, considerando que a questão da disponibilidade comum do património genético natural é um problema de justiça internacional.

A disponibilidade dos recursos biológicos é da humanidade, enquanto faz parte do seu património comum, como a FAO ressaltou em 1983, adoptando o específico «International Undertaking on Plant Genetic Resources».

Realizar uma justiça efectiva nas relações entre os povos significa estar consciente da destinação universal dos bens e que o critério para o qual orientar a vida económica e internacional é uma comunhão dos mesmos bens.

7. A colaboração da Igreja

Neste vosso esforço, a Igreja católica está-vos próxima. É o que testemunham inclusivamente a atenção e o empenhamento com que a Santa Sé, por sua vez, acompanha desde 1947 — há 50 anos — a acção da FAO, primeira das Organizações intergovernamentais do Sistema das Nações Unidas com que estabeleceu relações formais.

Ao dar continuidade à própria missão de transmissão da Boa Nova a todos os povos, a Igreja não deixa de recordar o convite de Cristo a pedir o «pão quotidiano » ao Pai que está nos céus. Por isso, está próxima da realidade dos últimos, dos esquecidos; também conhece a vida de quantos trabalham na terra, com cansaço e trepidação, e está pronta a apoiar a iniciativa daqueles que se prodigalizam por oferecer o pão quotidiano a todos os homens. Esses colaboram numa acção que no significado da mensagem cristã se torna a primeira de entre as obras de misericórdia, porque o parâmetro do agir humano permanece a pronta correspondência ao «tive fome» (Mt 25,42).

Trata-se de uma reflexão que parece acompanhar toda a acção da FAO, com um esforço deveras realista e ao mesmo tempo serenamente optimista. Como demonstram a vossa presença e o vosso compromisso, a FAO não parece desencorajar-se quando tem em consideração os numerosos obstáculos no seu caminho, nem se detém diante de dificuldades objectivas, preferindo antes enfrentá-las.

Fiel à própria mensagem, a Igreja não pode senão pôr em grande relevo este espírito positivo de serviço abnegado, de desafio racional, sustentado pela confiança na possibilidade de resolver um dos maiores problemas da família humana.

Deus Omnipotente e rico de misericórdia faça descer as graças da sua Bênção sobre as vossas pessoas e os vossos trabalhos. Estes são os votos que me foram confiados para vos transmitir da parte de Sua Santidade João Paulo II.




Discursos João Paulo II 1997 - 31 de Outubro de 1997