Discursos João Paulo II 1997 - 8 de Novembro de 1997

SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS VINDOS PARA A BEATIFICAÇÃO


DE TRÊS SERVOS DE DEUS


Segunda-feira, 10 de Novembro de 1997





Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e caríssimas Irmãs no Senhor

1. O hino de alegria e de acção de graças a Deus, pela solene liturgia de Beatificação de ontem, renova-se neste nosso encontro, no qual queremos deter- nos mais uma vez para meditar sobre os exemplos e ensinamentos dos três novos Beatos. Saúdo com afecto todos vós que, com a vossa presença, lhes prestais homenagem. Faço extensiva a minha saudação às vossas famílias, às vossas comunidades e às nações de onde provindes. Chegue a todos o meu pensamento cordial. Estes novos Beatos são para nós faróis luminosos de esperança que, na comunhão dos Santos, iluminam o nosso caminho quotidiano sobre a terra.

2. «A cruz fortalece o débil e torna manso o forte». O lema escolhido pelo Bispo e mártir húngaro, Vilmos Apor, constitui uma admirável síntese do seu itinerário espiritual e do seu ministério pastoral. Fortalecido pela verdade do Evangelho e pelo amor a Cristo, ele ergueu sempre com coragem a própria voz para defender os mais débeis das violências e injustiças.

Durante os anos difíceis da segunda guerra mundial prodigalizou-se incansavelmente para aliviar a pobreza e os sofrimentos do seu povo. O amor efectivo pelo rebanho a ele confiado levou-o a pôr à disposição dos desalojados por causa da guerra também a residência episcopal, defendendo os mais expostos aos perigos, mesmo com o risco da própria vida.

O seu martírio, ocorrido na Sexta- Feira Santa de 1945, foi digno coroamento de uma existência inteiramente marcada pela íntima participação na Cruz de Cristo. O seu testemunho evangélico seja para vós, caríssimos Irmãos e Irmãs da Hungria, um estímulo constante à dedicação sempre maior no serviço de Cristo e dos irmãos.

3. O Beato João Baptista Scalabrini resplandece hoje como exemplo de pastor de coração sensível e aberto. Através da sua obra admirável a favor do povo de Deus, D. Scalabrini propôs curar as feridas materiais e espirituais de tantos irmãos, constrangidos a viver longe da própria pátria. Sustentou-os na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana e quis ajudá-los a viver os compromissos da sua fé cristã. Como autêntico «Pai dos migrantes», trabalhou para sensibilizar as comunidades a um acolhimento respeitoso, aberto e solidário. De facto estava convicto de que com a própria presença, os migrantes são um sinal visível da catolicidade da família de Deus e podem contribuir para criar as premissas indispensáveis para aquele encontro autêntico entre os povos, que é fruto do Espírito de Pentecostes.

Faço votos de coração por que o seu exemplo seja de constante encorajamento para todos vós, caros peregrinos, vindos para lhe prestar homenagem. Saúdo- vos com grande cordialidade. Saúdo em particular a vós, peregrinos da Diocese de Placência-Bobbio, presentes com o vosso Pastor, D. Luciano Monari, e com os Senhores Cardeais Ersílio Tonini e Luigi Poggi, oriundos da vossa terra. O serviço apostólico levado a cabo durante longos anos pelo novo Beato na vossa Diocese continue a inspirar o vosso actual empenho de vida cristã, a fim de que o Evangelho possa iluminar os passos de todos os fiéis.

Uma recordação especial aos Missionários e às Missionárias de São Carlos, religiosos e leigos que pertencem à família espiritual fundada pelo novo Beato. Eles, com a sua presença na Igreja e o seu apostolado entre os migrantes, prosseguem a obra do seu Pai e Mestre para o bem de muitos irmãos migrantes e refugiados nas várias partes do mundo.

4. Saúdo agora cordialmente o numeroso grupo de fiéis provenientes da Diocese de Como que, juntamente com o seu Bispo, D. Alessandro Maggiolini, hoje se alegram pela beatificação do seu conterrâneo, D. Scalabrini. Caríssimos, a vossa presença renova em mim a recordação da Visita pastoral, que tive a alegria de realizar na vossa Comunidade diocesana no ano passado. Durante os dias transcorridos na terra comasca pude constatar que na Cidade de Como, na zona do lago e na «Valtellina», ainda está presente uma sólida tradição de valores religiosos e de santidade. Penso em particular nos primeiros Mártires Carpóforo e Companheiros, nos primeiros Bispos Felice e Abbondio, no Papa Inocêncio XI, no Beato Cardeal André Carlos Ferrari, no Beato Luís Guanella, na Beata Clara Bosatta, sem esquecer, por fim, o venerável Nicolau Rusca. A essa plêiade de generosas testemunhas de Cristo une-se hoje este novo Beato, que foi Reitor do Seminário comasco de Santo Abbondio e Prior da paróquia de São Bartolomeu.

Possa esta vossa rica tradição cristã prosseguir e enriquecer-se de sempre novos fiéis servidores de Cristo. Para isto, deixai-vos formar pelo Espírito Santo, a Quem a Igreja dedica especial atenção durante 1998, segundo ano de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. As vossas Comunidades paroquiais e sectoriais poderão assim pôr em prática, com coerente fervor apostólico, o empenho da evangelização. Sustentem-vos os Santos Padroeiros da vossa Diocese e, de modo especial, Nossa Senhora, por vós venerada particularmente na Catedral e nos Santuários do Socorro, de Gallivaggio e de Tirano.

5. Com prazer acolho hoje os peregrinos mexicanos que, acompanhados pelos seus Bispos, vieram a Roma de Guadalajara, berço da obra da nova Beata Maria Vicenta de Santa Doroteia Chávez Orozco, e de outras dioceses desse querido País, para compartilharem juntos o rico património espiritual desta intrépida mulher, nascida em terras mexicanas e chamada a dar glória à Igreja universal.

«Caritas Christi urget nos» (2Co 5,14). O amor de Cristo nos constrange. Este foi sempre o lema e a insígnia da Madre Vicenta. O seu grande amor a Cristo crucificado impeliu-a a dar o melhor de si aos que sofrem, vivendo uma autêntica opção preferencial pelos doentes, os anciãos e os pobres. Exigente consigo mesma e extremamente amável com o próximo, soube encarnar o rosto materno e evangelizador da Igreja entre os leitos dos hospitais, ensinando aos enfermos que no sofrimento se esconde uma força especial, que aproxima interiormente o homem a Cristo e se converte em fonte de paz e de alegria espiritual (cf. Carta Apost. Salvifici doloris, 26).

Queridos Irmãos e Irmãs, o testemunho extraordinário desta alma consagrada completamente a Deus, Uno e Trino, é um convite a todos, e de modo especial às Servas da Santíssima Trindade e dos Pobres, a viverem com abnegação e simplicidade a própria vocação cristã, tornando presente no mundo o espírito das bem-aventuranças.

Que a nova Beata interceda pelos trabalhos da próxima Assembleia do Sínodo dos Bispos para a América! E o seu santo exemplo anime o grande desafio da nova evangelização, para a qual está convocada toda a Igreja no limiar do Terceiro Milénio cristão!

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Retornando às vossas Comunidades de proveniência, levai convosco a recordação destas singulares jornadas transcorridas em Roma. Sobre as pegadas dos novos Beatos, seja vivo em cada um o desejo de responder sempre, de modo cada vez mais generoso, à graça do Senhor e à vocação universal à santidade. Para isto invoco a protecção celeste de Nossa Senhora e dos Beatos Vilmos Apor, João Baptista Scalabrini, Maria Vicenta de Santa Doroteia Chávez Orozco, e de coração concedo-vos, a vós, às vossas famílias, às vossas comunidades e a quantos vos são queridos, uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DA DIOCESE DE ZIELONA


GORA-GORZÓW (POLÓNIA)


12 de Novembro de 1997

Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. «A graça e a paz d’Aquele que é, que era e que há-de vir, estejam com todos vós». Com esta saudação litúrgica quero dar-vos as boas-vindas à Cidade Eterna e aos túmulos dos Apóstolos. Estou feliz porque, com a vossa presença hodierna, desejais unir-vos à minha contínua acção de graças a Deus pelo grande dom que foi concedido, a mim e à Igreja, durante a minha sexta peregrinação ao meu País de origem.

A vossa participação no meu agradecimento ao Senhor é preciosa especialmente porque, de algum modo, representais a inteira Diocese de Zielona Góra-Gorzów, e também todos os que, embora nutrindo os mesmos sentimentos de gratidão para com a Divina Providência, não puderam vir. A minha saudação dirige-se também a eles. Em primeiro lugar, ao vosso Bispo, a quem saúdo de modo cordial, apresentando-lhe as boas-vindas, juntamente com o seu Bispo Auxiliar aqui presente. O meu pensamento dirige-se depois aos Representantes das Autoridades de Zielona Góra, de Gorzów e da Província.

Tenho viva diante de mim a recordação da multidão entusiasta de fiéis, reunidos a 2 de Junho passado na praça diante da igreja dos Irmãos polacos. Jovens, adultos, crianças juntamente com os pais, ex-combatentes e ex-deportados para a Sibéria, bispos, sacerdotes, religiosos — todos estavam unidos pelo mesmo espírito de amor a Cristo e pelo desejo de se encontrarem com o Sucessor de Pedro, que fora até vós para confirmar na fé os seus irmãos (cf. Lc Lc 22,32). Ao mesmo tempo, eles tinham vindo para haurir da fé a força para cumprirem as tarefas que a Divina Providência lhes confiara.

Recordo o diálogo cordial, no final da Liturgia da Palavra, e a vossa promessa de me sustentar no meu Ministério petrino. Tenho a certeza de que sabereis cumprir com fidelidade este voto e agradeço-vos as preces e a oferta dos vossos sacrifícios.

2. A saudação litúrgica reevocada no início repete, num certo sentido, a verdade que nos acompanhou durante os encontros na Polónia: a verdade sobre Jesus Cristo, o Qual é «[o mesmo] ontem, hoje e sempre » (cf. Hb He 13,8). Precisamente graças à fé neste mistério inefável, em Gorzów pudemos perguntar-nos: «Quem nos poderá separar do amor de Cristo?» (Rm 8,35). Hoje desejo repetir estas palavras: é necessário recordá-las sempre. É preciso recordá-las de modo especial agora, enquanto a Igreja inteira está a preparar-se para o Grande Jubileu do Ano 2000. Elas deveriam tornar-se programa de vida para cada crente e para a inteira comunidade dos discípulos de Cristo.

Hoje, mais que nunca, o mundo tem necessidade desta verdade sobre o amor de Cristo, um amor que dura desde sempre e jamais passará. Somente ele pode transformar o rosto deste mundo. Por isso, recordando hoje o nosso encontro de Gorzów, renovo o meu apelo, caríssimos Irmãos e Irmãs, a dar testemunho deste amor. Impregne ele as labutas quotidianas das famílias, o empenho do estudo e do trabalho, a vida social e política. O amor de Cristo reavive a vossa sensibilidade às necessidades dos outros e aumente as energias, a fim de lhes dar uma ajuda eficaz. Nada nos pode separar do amor de Cristo, «que é, que era e que há-de vir».

Juntos, em Zielona Góra e em Gorzów, aprendemos tudo isto. Na vigília do milénio do martírio dos Irmãos polacos, na soleira da igreja dedicada à sua memória, procurámos pôr-nos à escuta do seu ensinamento sobre o dom total a Cristo no amor. É necessário que esta lição se imprima profundamente nas nossas mentes e nos nossos corações. Vós, que estais a preparar-vos de modo particular para as solenes celebrações do milénio da morte dos monges de Miedzyrzec, sois chamados a transmitir às futuras gerações a sua lição de fidelidade e de amor a Cristo.

3. Agradeço-vos cordialmente a vossa visita, as vossas orações e os vossos sentimentos. Peço-vos que transmitais a minha saudação aos vossos entes queridos e àqueles que não puderam vir aqui. Levai- lhes a certeza da minha proximidade espiritual, de modo especial àqueles que sofreram por causa da aluvião que no Verão passado atingiu as vossas terras.

De coração vos abençoo, a vós aqui presentes e ao inteiro Povo de Deus da Diocese de Zielona Góra-Gorzów.

Estão aqui presentes também os Padres Bernardinos, com o Provincial e o Governo da sua Província, e também os peregrinos de Kalwaria. Saúdo-vos cordialmente. A vossa presença recorda-me Dukla e Krosno e a extraordinária personagem de São João. Estou contente e dou graças a Deus por ter podido canonizar esse grande religioso e sacerdote.

Abençoo-vos de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE BISPOS AMIGOS


DO MOVIMENTO DOS FOCOLARES


13 de Novembro de 1997



Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs em Cristo!

1. Acolho-vos com alegria na conclusão da Assembleia ecuménica por vós celebrada nestes dias no «Centro Mariápolis» de Castel Gandolfo. A todos a minha saudação afectuosa e o meu cordial reconhecimento por esta visita.

Agradeço, em particular, ao Cardeal Miloslav Vlk as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos e a interessante descrição que quis fazer-me a respeito dos vossos trabalhos e do impulso evangélico e ecuménico que os animou. É-me grato saudar os Bispos e os Responsáveis de Igrejas e de outras Comunhões cristãs, provenientes de várias partes do mundo, enquanto dirijo um pensamento cordial a Chiara Lubich e aos outros representantes do Movimento dos Focolares.

2. No centro do vosso encontro deste ano, como o Cardeal Arcebispo de Praga quis pôr em evidência, colocastes o aprofundamento da espiritualidade do Movimento dos Focolares como espiritualidade ecuménica, para viverdes profundamente a eclesiologia de comunhão, como pressuposto indispensável para um itinerário cada vez mais convicto e concorde, rumo à plena unidade. A respeito disso, serviram-vos, sem dúvida, de particular ajuda os singulares testemunhos ligados aos recentes desenvolvimentos do vosso Movimento, no que se refere ao diálogo ecuménico e inter-religioso.

Estes encontros anuais, que oferecem a oportunidade a Bispos e Responsáveis de várias Igrejas e Comunhões cristãs, amigos do Movimento dos Focolares, para transcorrerem juntos alguns dias de profícuo trabalho comum, apesar do seu carácter informal e privado, contribuem certamente para aprofundar os ideais e a espiritualidade evangélica, que estão na base do caminho dos cristãos rumo à plena unidade querida por Cristo.

A oração em comum e as celebrações da Palavra, o intercâmbio de testemunhos do Evangelho vivido e a partilha fraterna representam, com efeito, não só um inegável enriquecimento recíproco, mas ajudam a fazer crescer e a difundir uma intensa união espiritual na caridade e na verdade, que alimenta a esperança da completa superação, com a ajuda da graça de Deus, das barreiras que infelizmente ainda dividem os cristãos.

3. Como há pouco foi recordado oportunamente pelo Cardeal Miloslav Vlk, este vosso encontro pretende oferecer uma contribuição específica à grande causa ecuménica, no momento histórico e eclesial que estamos a viver, já no limiar do terceiro milénio cristão. Por ocasião do Consistório extraordinário por mim convocado em 1994, para a preparação do Grande Jubileu do Ano 2000, eu quis ressaltar o ardente desejo de unidade que é sempre mais vivo e sentido em todos os discípulos de Cristo. É quanto depois reafirmei também na Carta Apostólica Orientale lumen: «Não podemos apresentar-nos diante de Cristo, Senhor da história, tão divididos como infelizmente nos temos encontrado ao longo do segundo milénio. Estas divisões devem ceder o lugar à recomposição e à concórdia, devem ser cicatrizadas as feridas no caminho da unidade dos cristãos» (n. 4).

O vosso cuidado, durante os dias passados, foi contribuir para infundir renovada coragem e esperança ao caminho ecuménico, a fim de que se realize plenamente o desejo de Cristo na Última Ceia, de que todos sejam um só para que o mundo creia (cf. Jo Jn 17,21).

Com esta esperança, que se torna ainda mais viva com o aproximar-se do histórico encontro do Jubileu, renovo a cada um de vós, caríssimos Irmãos e Irmãs, a minha saudação cordial, invocando sobre todos a abundância dos dons do Espírito Santo e das bênçãos divinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SEGUNDO GRUPO DE BISPOS


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA ESPANHA


EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sábado, 15 de Novembro de 1997



Queridos Irmãos no Episcopado

1. É para mim motivo de alegria receber- vos hoje, Arcebispos e Bispos das Províncias eclesiásticas de Valhadolid, Toledo, Mérida-Badajoz e Madrid, e do Ordinariato Militar, que viestes a Roma para renovar a vossa fé diante do túmulo dos Apóstolos. Esta é a primeira vez que a Arquidiocese de Mérida-Badajoz, erigida no último quinquénio, efectua a visita «ad Limina», com a qual todos os Bispos reafirmam o seu vínculo de comunhão com o Sucessor de Pedro.

Agradeço de coração a D. José Delicado Baeza, Arcebispo de Valhadolid, a saudação que me dirigiu em nome de todos e, a cada um de vós, agradeço a oportunidade que me proporcionou, nas entrevistas particulares, de conhecer o sentir dos povos a quem servis como Pastores, participando assim no anelo de que o vosso rebanho cresça «em todas as coisas [...] n’Aquele que é a Cabeça, o Cristo» (Ep 4,15).

Com o objectivo de encorajar a vossa solicitude pastoral desejo agora compartilhar convosco algumas reflexões, sugeridas pela situação concreta em que exerceis o ministério de dar a conhecer e «anunciar o Mistério de Cristo» (Col 4,3).

2. Constato com satisfação o esforço que estais a realizar, tanto de maneira conjunta como nas diversas dioceses, por forjar uma comunidade eclesial repleta de vitalidade e evangelizadora, que viva uma profunda experiência cristã alimentada pela Palavra de Deus, pela oração e pelos sacramentos, coerente com os valores evangélicos na sua existência pessoal, familiar e social, e que saiba manifestar a sua fé no mundo, diante da tentação de relegar unicamente à esfera privada a dimensão transcendente, ética e religiosa do ser humano.

A isto dedicastes vários documentos da Conferência Episcopal e, de modo especial, os «Planos de Acção Pastoral», que nos últimos anos se sucederam com regularidade e rigor de método. A vossa preocupação continua centrada no impacto que as profundas e rápidas transformações sociais, económicas e políticas tiveram na concepção global da vida e, em particular, no mundo dos valores éticos e religiosos. Ainda que a tarefa seja sem dúvida ingente, pois abrange praticamente todos os sectores da vida eclesial, convido-vos a prosseguir no vosso propósito de fomentar, com fidelidade criativa ao Evangelho, um estilo de vida cristã à altura da vossa rica herança e em conformidade com as exigências dos novos tempos. Nos momentos de dificuldade ou incerteza, recordai a exclamação de Pedro: «Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna» (Jn 6,68). Só a adesão inquebrantável a Cristo permitirá manter firme a esperança n’Ele, «único Salvador do mundo» (Tertio millennio adveniente, TMA 40), e anunciá-l’O com alegria no limiar do terceiro milénio.

3. Na missão de levar o Evangelho aos homens de hoje, contais com o apoio de uma tradição cristã antiquíssima e muito arraigada. A vossa terra tem sido fecunda em modelos de santidade e de destacadas figuras do saber teológico, em missionários audazes e numerosas formas de vida consagrada e de movimentos apostólicos, assim como em expressivas manifestações de piedade, e tudo isto marca de glória a vossa história.

Contais também com os exemplos de arte, que constituem um esplêndido património religioso e cultural. É-me grato comprovar, pois, que a Igreja em Espanha valoriza este legado histórico que, com razão, muitos admiram, e demonstra de maneira palpável como a fé em Cristo enobrece o homem, inspirando o seu génio e levando-o a plasmar o reflexo da inesgotável beleza de Deus em obras de incomparável valor artístico.

A respeito disto, é importante que os bens culturais e artísticos das Igrejas, especialmente os lugares e objectos sagrados, não permaneçam unicamente como relíquias do passado que se contemplam de maneira passiva. Deve-se recordar e manter, quanto for possível, a sua especificidade original, para não diminuir o seu próprio valor cultural. Trata-se de templos erigidos como lugares de oração e de celebrações religiosas; de escritos e melodias compostas para louvar o Senhor e acompanhar o Povo de Deus no seu peregrinar; de imagens dos modelos de santidade propostos aos crentes, que representam os mistérios da salvação para que possam alimentar a sua fé e a sua esperança.

A Igreja tem também neste rico património um precioso instrumento para a catequese e a evangelização. Hoje como ontem, é uma proposta válida para toda a pessoa que busca sinceramente a Deus ou que deseja reencontrar-se com Ele. Por isso não é suficiente conservar e proteger estes bens, mas «é necessário [...] introduzi-los nos circuitos vitais da acção cultural e pastoral da Igreja» (Discurso à Comissão para os Bens Culturais, 12/10/1995). Quanto a isto, deve-se assinalar o grande acolhimento que teve o ciclo de exposições realizadas nos últimos anos, com o título de «As idades do homem», o que contribuiu, sem dúvida, para que o mencionado património favorecesse a evangelização das gerações actuais.

4. O vosso património compreende também as numerosas formas de piedade popular, tão arraigadas especialmente nos povoados e aldeias espanholas. Ante o racionalismo imperante em certos momentos da nossa história recente, esta piedade popular reflecte uma «sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar» (Paulo VI, Enc. Evangelii nuntiandi EN 48), e tem sabido mostrar que Deus fala com singeleza ao coração do ser humano, o qual tem direito a manifestar-Lhe a devida veneração da maneira que lhe é mais congenial.

Assim o entendeu o Concílio Vaticano II ao recomendar «os exercícios piedosos do povo cristão, desde que estejam em conformidade com as leis e as normas da Igreja» (Sacrosanctum Concilium SC 13). É certo que nalguns casos os costumes podem transmitir elementos alheios a uma autêntica expressão religiosa cristã. Mas a Igreja, fixando-se mais nas disposições profundas da alma que no formalismo ritual, manifesta compreensão e paciência, segundo aquela advertência de Santo Agostinho: «uma coisa é o que ensinamos e outra o que podemos admitir» (cf. Contra Faustum, 20, 21). Por isso, «considera com benevolência tudo o que nos seus costumes não está indissoluvelmente ligado a superstições e erros» (Sacrosanctum Concilium SC 37).

Animo-vos, pois, a manter e promover com afecto paterno e prudência pastoral as formas de piedade em que se torna concreta e intensa a adoração à Eucaristia, a devoção à Virgem Maria ou a veneração devida aos Santos, evitando deformações espúrias e exagerações impróprias, mediante uma catequese adequada e, sobretudo, integrando a devoção com a participação activa nos sacramentos e na celebração litúrgica, cujo centro é o Mistério pascal de Cristo.

5. Quereria chamar a atenção também sobre um aspecto que afecta muitas das vossas dioceses, e que certamente tivestes ocasião de comprovar nas visitas pastorais às vilas e aldeias, nas quais só ficam os pais e os avós daqueles que se transferiram para a cidade. Com efeito, em pouco tempo passou-se de uma sociedade predominantemente camponesa e rural às grandes concentrações urbanas.

Esta situação requer, antes de mais, um esforço especial para que todos os que já se sentem relegados na nova sociedade possam experimentar, com maior intensidade possível, a proximidade da Igreja e o amor de Deus, que jamais esquece algum dos seus filhos. Em muitos casos será preciso dedicar uma ajuda especial aos sacerdotes que, apesar das dificuldades, permanecem nas pequenas paróquias rurais, compartilhando a sorte dos seus fiéis e semeando a esperança cristã entre eles. E onde não for possível uma presença estável, os planos de pastoral devem assegurar a necessária atenção religiosa e uma digna celebração dos sacramentos. Deve-se poder dizer com Jesus: «Velei por eles e nenhum deles se perdeu» (cf. Jo Jn 17,12).

Além disso, muitos desses povoados, agora empobrecidos, possuem na realidade uma grande riqueza espiritual, plasmada na arte, nos costumes e, sobretudo, na fé robusta dos seus habitantes. De modo algum se pode considerar inútil a sua existência, que permite àqueles que retornam, mesmo que seja temporariamente, reencontrar a fé dos mais velhos e as manifestações religiosas das quais talvez ainda tenham saudades.

6. Não estais sozinhos na vossa missão de levar o Evangelho aos homens de hoje. Colabora estreitamente convosco cada um dos sacerdotes que, na celebração eucarística e na dos outros sacramentos, estão unidos ao seu Bispo e «assim o tornam presente, em certo sentido, em cada uma das comunidades dos fiéis» (Presbyterorum ordinis PO 5).

É motivo de particular satisfação o número notável de seminaristas em várias das vossas dioceses e o sensível incremento registado nalgumas delas. É um sinal de vitalidade cristã e de esperança no futuro, especialmente em dioceses de recente criação.

Outra grande riqueza das Igrejas a que presidis, são as numerosas comunidades religiosas, de vida tanto contemplativa como activa. Cada uma delas é um dom para a diocese, que contribui para edificar, oferecendo a experiência do Espírito própria do seu carisma e a actividade evangelizadora característica da sua missão. Precisamente por ser um dom inestimável para toda a Igreja, recomenda- se ao Bispo «apoiar e ajudar as pessoas consagradas, para que, em comunhão com a Igreja, se abram a perspectivas espirituais e pastorais que correspondam às exigências do nosso tempo » (Vita consecrata VC 49). Nesta importante tarefa, o diálogo respeitoso e fraterno será o caminho privilegiado para unir esforços e assegurar a indispensável coerência da actividade pastoral em cada diocese, sob a guia do seu Pastor.

7. A tudo isto não pode faltar a decisiva contribuição dos leigos, os quais devem ser encorajados a cumprir plenamente a sua missão específica, animando- os a participar com assiduidade na liturgia e a colaborar na catequese, ou então a assumir um compromisso responsável nos movimentos e nas diferentes associações eclesiais, sempre em perfeita comunhão com o próprio Bispo.

Com efeito, para que o Evangelho ilumine a vida dos homens é necessário o testemunho de vida dos crentes, coerente com a fé professada, assim como a preparação suficiente para levar uma «alma cristã» ao mundo da educação ou do trabalho, da cultura ou da informação, da economia ou da política. Isto requer uma sólida formação, que compreende antes de tudo uma firme espiritualidade, baseada na consagração baptismal e um conhecimento doutrinal sistemático e bem fundado, que permita «“dar razão da esperança” que está dentro deles, perante o mundo e os seus problemas graves e complexos» (Christifideles laici CL 60).

Uma sólida formação só poderá ser alcançada por meio de uma acção catequética renovada e criativa, incisiva e constante, tanto entre os jovens como entre os adultos. Nisto os Pastores têm um dever primordial, pois são chamados a exercer com esmero a sua função de ensinar, como «doutores autênticos, ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática» (Lumen gentium LG 25). A respeito disso servir-vos-á de grande ajuda o Catecismo da Igreja Católica, cujo valor quero reafirmar recordando que é o «instrumento mais idóneo para a nova evangelização» (Discurso aos Presidentes das Comissões nacionais para a catequese, 29/4/1993, n. 4). A sua riqueza dogmática, litúrgica, moral e espiritual deve chegar a todos, especialmente às crianças e aos jovens, através de catecismos diversificados para o uso paroquial, familiar, escolar ou para a formação no seio de diversos movimentos ou associações de fiéis. Não vos faltam, queridos Irmãos, nem aos vossos sacerdotes, ilustres exemplos de pregadores que, preparando- se com a oração e o estudo assíduo, com a sua palavra têm sido capazes de mover o coração das pessoas, mantendo-as na pureza da fé e guiando-as no seu compromisso cristão.

8. Ao terminar este encontro, peço-vos encarecidamente que sejais portadores da minha cordial saudação aos vossos diocesanos: sacerdotes, comunidades religiosas e fiéis leigos. Tenho especialmente presentes as comunidades eclesiais da Extremadura, que nestes dias passados sofreram a árdua prova de calamidades naturais, com tantas vítimas e imensos danos. Tornai-os partícipes da experiência que vivestes nestes dias e animai-os a viver com alegria a fé em Cristo, nosso Salvador.

Confio os vossos anelos e projectos pastorais à protecção materna da Virgem Maria, que com tanto fervor é invocada nessas queridas terras, e ao mesmo tempo concedo-vos de bom grado a Bênção Apostólica, extensiva a quantos colaboram no vosso ministério episcopal.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR LUÍS SOLARI TUDELA


NOVO EMBAIXADOR DO PERU JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO


DAS CARTAS CREDENCIAIS


Sábado, 15 de Novembro de 1997



Senhor Embaixador

1. É-me grato acolhê-lo neste solene acto, no qual Vossa Excelência me apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República do Peru junto da Santa Sé. Ao dar-lhe as minhas cordiais boas-vindas, quero agradecer as suas amáveis palavras, assim como a atenciosa saudação que o Senhor Presidente, Eng. Alberto Fujimori, quis fazer-me chegar por seu intermédio, a quem retribuo pedindo que se digne transmitir-lhe os meus melhores votos de paz e bem-estar para todo o nobre povo peruano.

2. É a segunda vez que Vossa Excelência exerce este honroso cargo de representar junto da Sé Apostólica a sua Nação, que gozou e goza ampla e profundamente da presença da fé católica na vida dos seus cidadãos e ofereceu à Igreja e à humanidade alguns admiráveis exemplos de santidade: Santa Rosa de Lima e São Martinho de Porres, São Toríbio de Mogrovejo, São João Macias e São Francisco Solano, a Beata Ana de Monteagudo e outros.

3. A Igreja no seu País, sob a guia solícita e prudente dos Bispos, trabalha com generosidade e entusiasmo no cumprimento da sua missão, fazendo assim que os valores morais e a concepção cristã da vida, tão arraigada ali, continuem a inspirar a vida dos cidadãos e quantos, duma ou doutra forma, desempenham responsabilidades de diverso grau, tenham em conta esses valores para construir dia após dia uma Pátria cada vez melhor, mais próspera, e na qual cada um veja plenamente respeitados os seus direitos inalienáveis.

A Igreja exerce a missão que lhe foi confiada pelo seu divino Fundador em diversos campos como, entre outros, a defesa da vida e da instituição familiar. Ao mesmo tempo, procura promover, baseando-se na sua Doutrina Social, a pacífica e ordenada convivência entre os cidadãos e entre as Nações. A mesma Igreja, que nunca pretende impor critérios concretos de governo, tem contudo o dever iniludível de iluminar a partir da fé o desenvolvimento da realidade social em que está imersa.

Nas suas palavras Vossa Excelência referiu-se ao facto de que a Nação peruana considera como uma riqueza os seus componentes multirraciais. Este facto exige uma atenção especial por parte dos governantes, para evitar que daí surjam injustas desigualdades e todos os cidadãos possam ter acesso às instituições e serviços públicos, como reconhecimento de que cada pessoa é dotada por Deus de uma dignidade, que nada nem ninguém pode violar.

A este respeito, a Igreja ensina que as estruturas institucionais devem dar «a todos os cidadãos a possibilidade efectiva de participar livre e activamente, dum modo cada vez mais perfeito e sem qualquer discriminação, tanto no estabelecimento das bases jurídicas da comunidade política, como na gestão da coisa pública e na determinação do campo e fim das várias instituições e na escolha dos governantes» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo actual, 75), o que comporta para os mesmos cidadãos «o direito e simultaneamente o dever que têm de fazer uso do seu voto livre em vista da promoção do bem comum» (Ibid.), e de aceder aos diversos serviços públicos, tais como a educação e a saúde. Neste sentido, exorto a continuar a trabalhar pela integração de todas as populações na vida nacional, sob algumas condições dignas para todos e respeitosas das tradições e culturas que formam esse rico tecido, o que ajudará, sem dúvida, a evitar o perigo de divisões entre o povo peruano e a superar possíveis tensões.

4. Vossa Excelência referiu-se também à luta que o seu Governo tem empreendido contra a pobreza. Com efeito, esta jamais pode ser considerada como um mal endémico, mas como a carência dos bens essenciais para o desenvolvimento da pessoa, imposta por diversas circunstâncias. A respeito disso, a Igreja sente como própria a difícil situação que atravessam tantos irmãos imersos nas redes da pobreza, e reafirma sempre, por fidelidade evangélica, o seu compromisso com eles como expressão do amor misericordioso de Jesus Cristo. Por isso, a Igreja mesma está junto daqueles que trabalham com seriedade para que a promoção humana seja um compromisso eficazmente assumido também pelas instituições sociais, em ordem a aliviar as precárias situações em que se encontram tantas pessoas e famílias.


Discursos João Paulo II 1997 - 8 de Novembro de 1997