Discursos João Paulo II 1997 - Sábado, 15 de Novembro de 1997

A chaga moral e social da pobreza requer, sem dúvida, soluções de carácter técnico e político, fazendo com que as actividades económicas e os benefícios, que legitimamente geram, redundem de maneira eficaz no bem comum. Como escrevi na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1993, «Um Estado — seja qual for a sua organização política e o seu sistema económico — permanece em si mesmo frágil e instável, se não demonstra uma contínua atenção pelos seus membros mais débeis, e não faz tudo o que pode para garantir uma solução pelo menos às suas necessidades mais elementares» (n. 3). Contudo, não se deve esquecer que todas estas medidas seriam insuficientes se não fossem animadas pelos valores éticos e espirituais autênticos. Por isso, a erradicação da pobreza é também um compromisso moral, no qual a justiça e a solidariedade cristã desempenham um papel imprescindível.

5. No seu discurso, Vossa Excelência sublinhou que um dos objectivos da política exterior do seu País é a contribuição à paz e à segurança internacionais, assim como a promoção de vínculos de cooperação com todos os povos, em especial a inter-relação vicinal. Neste sentido, é-me grato recordar o valor do diálogo como veículo privilegiado para instaurar e manter relações pacíficas com as outras Nações, superando assim as possíveis controvérsias que possam surgir e tendo presente a importância da solidariedade e da cooperação internacional. Faço votos por que o processo que se desenvolve em Brasília possa chegar a bom termo, com a ajuda eficaz dos Países garantes, para pôr fim à controvérsia com a irmã Nação do Equador.

Por outro lado, a paz na ordem internacional exige actualmente numerosos contactos nos diversos foros. Com a participação activa no concerto das Nações e nas organizações que o configuram, consegue-se vencer a tentação do isolamento nacional, o que permite resgatar os povos da marginalização internacional e do seu empobrecimento (cf. Enc. Centesimus annus CA 33). Isto não se limita aos aspectos económicos, mas deve aplicar-se também ao mundo das ideias, dos direitos fundamentais e dos valores. Não se deve esquecer, além disso, que a concórdia entre os povos será alcançada mais facilmente se as iniciativas diplomáticas forem acompanhadas por uma autêntica pedagogia da paz, que contribua para incrementar uma atitude de colaboração e harmonia entre todos.

6. Senhor Embaixador, no final deste encontro quero formular-lhe os meus cordiais votos pelo desempenho da sua missão junto da Sé Apostólica, sempre desejosa de manter e consolidar cada vez mais as boas relações já existentes com a República do Peru, e de ajudar a superar com boa vontade as dificuldades que possam surgir entre a Igreja e o Estado no seu País. Asseguro-lhe a minha oração ao Todo-poderoso para que, por intercessão de Nossa Senhora da Evangelização, tão venerada na Catedral de Lima, assista sempre com os seus dons Vossa Excelência e a sua ilustre família, os seus colaboradores, os Governantes e os cidadãos do seu nobre País, que recordo com grande afecto e sobre o qual invoco copiosas bênçãos do Altíssimo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA COMISSÃO


DO ENCONTRO DE SARAJEVO


REALIZADO EM ABRIL


Sábado, 15 de Novembro de 1997





Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
Estimados Sacerdotes
Ilustres Senhores

1. Acolho-vos com alegria e apresento-vos as minhas cordiais boas-vindas a este encontro com que, de certa maneira, quereis retribuir-me a inolvidável Visita que pude fazer a Sarajevo nos dias 12 e 13 do passado mês de Abril. Ainda está viva na minha alma a recordação da cidade com as profundas feridas das destruições causadas pela guerra e os sofrimentos da população. Ao mesmo tempo, permanece arraigada em mim a impressão do povo e das autoridades que participaram na minha visita.

Saúdo-o, Senhor Cardeal Vinko Puljic que, juntamente com os queridos Prelados da Bósnia-Herzegovina, desejou acompanhar os membros da Comissão organizadora do encontro de Sarajevo, apresentando-me a cordial saudação de todos.

A cada um, desejo expressar a minha gratidão pelos generosos esforços despendidos em prol do bom êxito da minha peregrinação na vossa Pátria; e peço que transmita o meu agradecimento aos Excelentíssimos Membros da Presidência da Bósnia-Herzegovina.

Ao apresentar-vos a minha saudação, desejo renovar às populações da Bósnia-Herzegovina os meus sentimentos de afecto, assegurando que todos estão presentes nas minhas orações e próximos do meu coração.

2. Essa Visita, que preparastes tão bem, proporcionou conforto aos católicos, consolidando a sua fé e os seus propósitos de compromisso na reconstrução civil e moral, tão necessária depois dos danos causados pela guerra. Com efeito, é legítimo o desejo dos católicos de ver necessariamente reconhecidas e consideradas as suas aspirações civis, culturais e religiosas. A elas devem garantir-se os direitos de que gozam cada pessoa e cada comunidade do vosso País, a fim de que com a sua oferta específica, possam contribuir activamente para tornar cada vez mais humana e pacífica a vida nos lugares onde se encontram e trabalham.

3. Espero que a minha Visita tenha contribuído também para reacender nos habitantes de toda a Bósnia-Herzegovina a confiança no diálogo, na justiça, na compreensão recíproca, bem como numa paz justa e duradoura.

Numa sociedade que vive em busca da paz, cada cidadão tem o direito e o dever de oferecer o próprio contributo à ordenada consecução de tão nobre causa.

Quando trabalhamos com plena confiança em Deus e no homem, não devemos desencorajar-nos diante das dificuldades que inevitavelmente encontramos. Mesmo perante eventuais intimidações, quem crê em Deus sabe que é portador de uma cultura nova que luta com as armas do amor, a fim de que se consolidem o respeito e a dignidade do homem e dos povos. Além disso, está consciente de que deve promover com todos os meios legítimos os valores positivos que podem criar laços de compreensão e colaboração entre todos.

4. Venerados Pastores da Bósnia-Herzegovina, é vossa tarefa salvaguardar os direitos genuínos das vossas comunidades, perseverando em anunciar o Evangelho de Cristo com mansidão em todas as situações, «oportuna e inoportunamente » (2Tm 4,2). Continuai a actuar a fim de que os fiéis da inteira Igreja que está na Bósnia-Herzegovina façam todos sentir, com a palavra e o exemplo, a caridade de Cristo, Redentor do homem. Esta missão é ainda mais urgente na perspectiva do Terceiro Milénio, no qual queremos ingressar com um coração novo, reconciliados connosco mesmos e com os nossos irmãos.

5. Às ilustríssimas Personalidades da Comissão governamental aqui presentes, quereria transmitir uma palavra de encorajamento a continuarem os esforços em vista da retomada e da reconstrução do País, bem como do bom funcionamento das Instituições comuns, com paciência, abnegação e espírito de colaboração entre os três povos. A Santa Sé não deixará de contribuir, como até agora procurou fazer, nas formas apropriadas e também nas instâncias internacionais, em favor do desenvolvimento civil e social da Bósnia-Herzegovina.

Com estes sentimentos invoco sobre todos vós, as vossas famílias e a vossa Pátria inteira as Bênçãos de Deus Todo-poderoso.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO REITOR DO CAMPO SANTO TEUTÓNICO


POR OCASIÃO DOS 1200 ANOS DE FUNDAÇÃO






Reverendíssimo Mons. ERWIN GATZ
Reitor do Colégio no Campo Santo Teutónico

À sombra da Basílica de São Pedro se encontra o Campo Santo Teutónico, o cemitério dos Alemães e dos Flamengos, que é circundado pelo Colégio e pela igreja de Santa Maria da Piedade. Nestes dias chegaram a Roma visitantes de longe e de perto, para recordarem com alegria as raízes do lugar em que se formaram, o qual se encontra naquela que, como é documentado, há 1200 anos era a Schola Francorum.

Ciente da riqueza histórica deste lugar, uno-me espiritualmente a esta assembleia festiva, que na celebração da Eucaristia dá graças a Deus, Criador de todas as coisas, por ter fielmente guiado este Instituto ao longo do decorrer do tempo.

Esta ocasião suscita em mim recordações pessoais, ligadas ao meu tempo de estudo em Roma, que remonta a cinquenta anos, o qual no ano passado inseri no meu livro Dono e Mistero, por ocasião do 50° aniversário do meu sacerdócio. Como os membros do Colégio no Campo Santo Teutónico, também eu então «na Cidade Eterna» aprendi «intensamente Roma: a Roma das catacumbas, a Roma dos mártires, a Roma de Pedro e de Paulo, a Roma dos confessores. (...) Ao partir», levei «comigo não só uma grande bagagem de cultura teológica, mas também a consolidação do meu sacerdócio e o aprofundamento da minha visão da Igreja» (Dono e Mistero, pág. 67 da versão italiana).

Ao exprimir a todos vós responsáveis do Colégio Teutónico o meu sincero apreço pelo vosso serviço, faço votos por que esta valiosa fundação seja terreno fértil devido ao espírito que ali reina. Conheço a relação que existe entre a Igreja na Alemanha e o Sucessor de Pedro. Conheço as capacidades formativas desta instituição, que transmitiu a inúmeras personalidades a competência e a formação necessárias, a fim de plasmarem em sentido cristão a vida da sua nação, sob o ponto de vista científico, eclesial e social. Que a proximidade ao túmulo de Pedro seja símbolo de fidelidade e possa representar um estímulo para todos aqueles que hoje saem deste lugar de formação, ou que o farão no futuro. Eles são formados num lugar privilegiado, que é capaz de ampliar a sua visão, conferindo- lhe uma dimensão europeia e universal.

Visto que a igreja de Santa Maria da Piedade representa, de certo modo, o centro do Colégio, confio o Campo Santo Teutónico à particular intercessão da Virgem Maria. Guie ela a vida de todos os que vão e vêm; dos sacerdotes e dos leigos, dos professores e dos alunos, dos residentes e dos empregados, dos membros da Arquiconfraria e, não por último, das Irmãs da Caridade Cristã, que trabalham ao serviço do Colégio! Sobre vós e sobre todos aqueles que participam na celebração deste 1.200° aniversário, concedo de coração a Bênção Apostólica.

Vaticano 21 de Novembro de 1997.



JOÃO PAULO II



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ACTO COMEMORATIVO DO CENTENÁRIO

DO NASCIMENTO DO SERVO DE DEUS


PAPA PAULO VI


Sábado, 22 de Novembro de 1997



Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Ilustres Senhores e Senhoras do Corpo Diplomático
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

Na memória e no coração da Igreja e do mundo, como bem afirmou o Cardeal Casaroli na sua comovente recordação, o Servo de Deus Papa Paulo VI tem já um monumento, que ninguém poderá destruir. A celebração solene desta noite constitui-lhe uma ulterior confirmação. A sua figura, mais que nunca viva em todos nós foi, nesta Sala que dele tem o nome, reevocada de maneira tão eficaz graças ao generoso empenho de tantas pessoas, às quais desejo agora dirigir uma palavra de saudação e de reconhecimento.

A minha gratidão dirige-se, antes de tudo, aos professores da Orquestra do Festival Internacional de Bréscia e Bérgamo, ao Coro de Câmara de Praga, e ao Maestro Agostino Orizio, que os dirigiu de modo tão válido. A sua magnífica execução elevou o espírito de todos nós àquela dimensão de harmoniosa beleza, que Paulo VI várias vezes indicou como via para o conhecimento e a comunicação da Verdade.

Exprimo gratidão cordial, em particular, ao caríssimo Cardeal Agostino Casaroli, durante longos anos meu apreciado e estreitíssimo colaborador, que iluminou este acto comemorativo com o seu amplo e profundo relatório, que em certas passagens teve o tom de um comovente testemunho, corroborado pela plurianual partilha das solicitudes pastorais do grande Pontífice.

A veneração e o afecto filial para com o Papa Paulo VI reuniram aqui, esta noite, tantas pessoas. Muitas delas o conheceram pessoalmente; algumas, as mais afortunadas, beneficiaram também da sua amizade. A cada uma dirijo o meu pensamento fraterno.

A minha deferente saudação dirige-se, antes de mais, ao Senhor Presidente da República Óscar Luigi Scalfaro e a todas as outras Autoridades e Personalidades presentes. Saúdo, depois, os Senhores Cardeais entre os quais um particular pensamento dirige-se ao Senhor Cardeal Carlo Maria Martini, sucessor do então Cardeal Montini na Cátedra de Santo Ambrósio. Saúdo, além disso, D. Pasquale Macchi, D. John Magee e D. Vigílio Mário Olmi, Auxiliar de Bréscia, que aqui veio juntamente com o Presidente do Instituto Paulo VI de Bréscia, o Presidente da Câmara Municipal de Bréscia, e o Presidente da Câmara Municipal e o Pároco de Concesio. Por fim, saúdo com particular intensidade todos os familiares e parentes, que estão aqui connosco nesta noite.

Ao nomear Concesio, cidade natal de Giovanni Battista Montini, o pensamento corre espontaneamente à casa paterna e à fonte baptismal, onde ele recebeu o Sacramento do novo nascimento, no dia mesmo em que — como não o recordar? — partia deste mundo a alma eleita de Teresa de Lisieux. À espiritualidade da Santa carmelita podemos bem unir o ardente desejo religioso do Papa Paulo VI, que expressou o seu grande amor por Cristo, com o longo e sábio serviço à Igreja.

Nestes cem anos o evento eclesial mais relevante foi, sem dúvida, o Concílio Ecuménico Vaticano II. O Senhor quis que um franzino filho da terra bresciana se tornasse o robusto timoneiro da barca de Pedro, precisamente durante a celebração da Assembleia conciliar e nos anos da sua primeira actuação. Estamos todos profundamente gratos a Deus pelo dom deste grande Papa, que soube guiar a Igreja num momento histórico de vastas, repentinas e imprevisíveis mudanças. Pela inestimável herança de magistério e de virtudes, que Paulo VI deixou aos crentes e à humanidade inteira, louvamos o Senhor com sincero reconhecimento. A nós cabe agora aproveitar herança tão sábia. Deus nos ajude a continuar a sua obra apostólica e missionária, por intercessão de Maria, que o meu venerado Predecessor honrou de modo particular com o título de «Mãe da Igreja».

A todos renovo os meus sentimentos de gratidão, com a minha Bênção.



                                                                     Dezembro de 1997

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMUNIDADE DO PONTIFÍCIO COLÉGIO


PIO LATINO-AMERICANO


1° de Dezembro de 1997



Senhores Cardeais e Irmãos no Episcopado
Querido Padre Reitor, Superiores e Alunos
do Pontifício Colégio Pio Latino-Americano de Roma

1. A celebração da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América oferece-me a oportunidade de receber este numeroso grupo de antigos alunos, que dela participam, juntamente com os superiores e sacerdotes que residem actualmente nessa venerável instituição, fundada pelo Papa Pio IX a 21 de Novembro de 1858. Com prazer dou-vos as boas-vindas e agradeço-vos esta visita, com a qual quisestes renovar o vosso afecto e proximidade à pessoa do Sucessor de Pedro.

A vossa presença aqui traz à minha memória a visita que realizei ao vosso Colégio, a 10 de Janeiro de 1982, quando, na festividade do Baptismo do Senhor, celebrei a Eucaristia na vossa Capela e tive a oportunidade de vos dirigir a palavra e visitar algumas instalações do centro.

2. Desde a sua fundação, a história do vosso Colégio está intimamente unida à evangelização da América. Com efeito, ao longo desse tempo uma numerosa plêiade de sacerdotes residiu nele, durante os anos da sua formação académica em diversas Universidades e Ateneus romanos, e, depois dessa privilegiada oportunidade, eles levaram a cabo como pastores do Povo de Deus, por todas as partes das terras latino-americanas, o anúncio do Evangelho e a celebração dos Sacramentos. É de justiça, pois, recordar com satisfação a obra do Pontifício Colégio Pio Latino- Americano em Roma durante estes quase cento e quarenta anos.

3. Nestas semanas, o nome da América foi pronunciado tantas vezes pelos Padres Sinodais, os quais vão apresentando as alegrias e esperanças dessa numerosa porção da Igreja que peregrina no querido Continente da esperança. Para vos ajudar a responder aos novos desafios que tem a vida eclesial e poder guiar os vossos irmãos para o «encontro com Jesus Cristo vivo, caminho para a conversão, a comunhão e a solidariedade na América», o Colégio acolhe-vos e facilita um ambiente propício para uma mais ampla formação académica e espiritual, necessária na vossa futura missão sacerdotal. O facto de residirdes por alguns anos aqui, oferece-vos grandes possibilidades de vos abrirdes à dimensão universal da Igreja, fomentardes a comunhão eclesial e a boa disposição a acolher os ensinamentos do seu Magistério, o intercâmbio com outras realidades culturais e o contacto com as memórias históricas dos primeiros séculos do cristianismo. É toda uma bagagem de fé e cultura que depois devereis difundir na América Latina, como fruto da vossa passagem por Roma.

Exorto-vos, pois, queridos sacerdotes, a assimilar tudo o que este período da vossa vida vos oferece, a recebê-lo com um forte espírito de fé, que oriente as vossas bem fundadas opções pastorais futuras, sob a guia e as disposições do próprio Bispo, sendo juntamente com ele autênticos pastores das almas (cf. PO, PO 4), mestres do espírito, formadores das novas gerações de católicos americanos, famintos de Deus, como todo o ser humano, necessitados de Cristo.

4. Não posso concluir estas palavras sem agradecer a obra que é realizada pela Comissão Episcopal para o Colégio, assim como o testemunho de estima e afecto para com o mesmo, manifestados por inúmeros antigos alunos, alguns dos quais se associaram hoje a esta Audiência.

Desejo, de igual modo, agradecer os esforços da Comunidade da Companhia de Jesus, e em particular do Padre Luís Palomera, na direcção e guia espiritual dos residentes, assim como os dos demais que, com o seu trabalho silencioso e oculto, contribuem para o bom encaminhamento dessa comunidade sacerdotal.

Que a Virgem Maria de Guadalupe, primeira evangelizadora da América e tão amada pelos vossos povos, interceda por todos diante do Senhor e vos acompanhe sempre com a sua presença materna.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


SOBRE «CINEMA, VEÍCULO


DE ESPIRITUALIDADE E DE CULTURA»


1 de Dezembro de 1997



Senhor Cardeal
Senhores e Senhoras

1. Estou feliz por poder encontrar-me convosco, que participais no Congresso internacional sobre: «Cinema, veículo de espiritualidade e cultura». Exprimo o meu apreço ao Pontifício Conselho para a Cultura e ao Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais que, em colaboração com a Revista do Cinematógrafo, da Organização do Espectáculo, promoveram este Congresso.

Ao dirigir-vos as minhas cordiais boas-vindas, desejo fazer chegar os bons votos de um trabalho cada vez mais profícuo também àqueles que trabalham convosco no mundo da cultura, da comunicação e do cinema.

2. Há pouco o cinema completou o seu primeiro século de vida e continua a atrair o interesse do público, que o compreende como uma ocasião de espectáculo. Todavia, quando leva o homem à exaltação estética e espiritual, o cinema tem inclusive a capacidade de promover o crescimento pessoal. Por este motivo, a Igreja tem a intenção de oferecer a própria contribuição à reflexão sobre os valores espirituais e culturais que o cinema pode transmitir, no contexto deste primeiro Festival denominado «Tertio Millennio».

Desde a sua nascente, a Igreja reconheceu a importância dos meios de comunicação social, como instrumentos úteis para fazer conhecer e apreciar os valores humanos e religiosos que promovem o amadurecimento da pessoa, exortando a um elevado sentido de responsabilidade aqueles que trabalham neste delicado sector. O cinema colocase ao nível destes meios, valendo-se de uma linguagem própria, que lhe permite chegar a pessoas de diferentes culturas.

Nos primeiros cem anos de existência, o cinema caminhou ao lado de outras artes que o haviam precedido, unindo- as de maneira nova e original, produzindo assim obras-primas que já se tornaram parte integrante do património cultural comum. Trata-se de um progresso que se manifestou a nível tanto técnico como artístico e humano. No primeiro século de vida do cinema, verificaram- se progressos relevantes, que lhe ofereceram enormes possibilidades de expressão, embora nalguns casos a tecnologia tenha contado mais com os efeitos que com os conteúdos.

3. O verdadeiro progresso desta forma de comunicação mede-se a partir da capacidade que esta tem de transmitir conteúdos e propor modelos de vida. Quem frequenta o cinema, nas diversificadas formas em que se apresenta, compreende a força que dele promana, pois este é capaz de orientar reflexões e comportamentos de inteiras gerações. Por isso, é importante que o cinema saiba apresentar valores positivos, no respeito da dignidade da pessoa humana.

Juntamente com filmes que possuem um carácter mais acentuado de entretenimento, existe um movimento cinematográfico mais sensível às problemáticas existenciais. Talvez o seu sucesso seja menos evidente, mas nele se reflecte o trabalho de grandes mestres que, com a sua obra, contribuíram para enriquecer o património cultural e artístico da humanidade. Diante destes filmes, o espectador é orientado para a reflexão e para aspectos de uma realidade por vezes desconhecida, e enquanto a sua alma se interroga, reflectindo-se nas imagens, confronta-se com perspectivas diversas e não pode ficar insensível à mensagem de que a obra cinematográfica se faz portadora.

O cinema é capaz de criar momentos de particular intensidade, fixando nas imagens um instante da vida e detendose neste com uma linguagem que pode dar lugar a uma expressão de autêntica poesia. Assim, esta nova forma de arte pode contribuir de forma muito válida para o inexaurível caminho de investigação que o homem percorre, alargando o conhecimento quer do mundo que o circunda, quer do seu universo interior. Naturalmente, é preciso ajudar o público, sobretudo o mais jovem, a adquirir uma capacidade de leitura crítica das mensagens propostas, para que o cinema favoreça o crescimento global e harmonioso das pessoas.

4. O cinema abordou, e ainda hoje aborda, argumentos inspirados na fé. Neste contexto, a Escritura, a vida de Jesus, de Nossa Senhora e dos Santos, assim como as problemáticas da Igreja, são mananciais inesgotáveis para quem se põe à procura do significado espiritual e religioso da existência.

Assim, com frequência a arte cinematográfica soube transmitir uma mensagem sublime, contribuindo para difundir o respeito pelos valores que enriquecem a alma humana e sem os quais é muito difícil levar uma vida plena e completa. Desta forma, o cinema pode oferecer uma contribuição válida para a cultura e uma cooperação específica à Igreja. Isto torna-se particularmente positivo no momento em que nos preparamos para cruzar o limiar de um novo milénio cristão. Formulo votos por que os temas ligados à fé sejam sempre abordados com competência e o devido respeito.

Mesmo nos filmes cujo tema não é explicitamente religioso, é possível encontrar autênticos valores humanos, uma concepção da vida e uma visão do mundo abertas à transcendência. Assim, torna-se possível o intercâmbio entre as várias culturas que se debruçam da janela aberta, oferecida pelo cinema: deste modo, abreviam-se as distâncias do mundo e favorece-se a compreensão recíproca no respeito mútuo.

5. Consequentemente, este instrumento de comunicação pode assumir também uma função pedagógica, que auxilia o homem no conhecimento dos valores universais nas várias culturas, levando- o a compreender as diferenças legítimas como uma ocasião de recíproco intercâmbio de dons.

O cinema é um meio particularmente adequado para narrar o mistério inefável que circunda o mundo e o homem. Através das imagens, o cineasta dialoga com o espectador e transmite-lhe o seu pensamento, impelindo-o a colocar-se perante situações que não podem deixar a sua alma insensível. Se ele souber expressar- se com a arte e, além disso, com responsabilidade e inteligência, poderá oferecer o seu contributo específico ao grande diálogo que existe entre as pessoas, os povos e as civilizações. Assim, de certa forma torna-se um pedagogo não só para os seus contemporâneos, mas também para as gerações futuras, como acontece com qualquer outro agente cultural.

Por conseguinte, o cinema é um instrumento sensibilíssimo, capaz de ler no tempo aqueles sinais que às vezes podem subtrair-se ao olhar de um observador apressado. Quando é bem utilizado, o cinema pode contribuir para o crescimento de um humanismo genuíno e, em última análise, para o louvor que da criação se eleva ao Criador. Estes são os bons votos que formulo para a vossa actividade e, enquanto invoco a luz do Espírito sobre os vossos esforços ao serviço da cultura, da paz e do diálogo, concedo de coração a todos vós e às pessoas que vos são queridas a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR JUL BUSHATI


NOVO EMBAIXADOR DA ALBÂNIA


JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


5 de Dezembro de 1997



Senhor Embaixador

Tenho a alegria de o acolher como novo Embaixador da República da Albânia junto da Santa Sé. O meu deferente pensamento dirige-se, em primeiro lugar, ao Presidente da República do seu País, Professor Rexhep Mejdani. Peço que lhe transmita a minha cordial saudação, juntamente com a expressão do meu reconhecimento pelos devotos sentimentos dos quais Vossa Excelência se fez intérprete.

Como Vossa Excelência há pouco recordou, a Albânia está há alguns anos a viver uma profunda fase de transformações sociais. Depois do fim do duro regime comunista, o País que Vossa Excelência representa está a abrir-se, através de acontecimentos às vezes dramáticos, a uma nova era de democracia e de integração na grande família dos povos da Europa, à qual pertence não só por causa da sua posição geográfica, mas sobretudo pela sua história milenária e pela sua cultura.

Nos meses passados acompanhei com particular atenção e participação espiritual os eventos que levaram à presente fase política. Estão-me presentes continuamente os sofrimentos e as esperanças dos numerosos cidadãos albaneses que, impelidos pela necessidade e o desejo de um futuro melhor, para si e para os seus entes queridos, deixam a própria Terra com meios muitas vezes inadequados e em condições precárias. Enquanto faço votos por que a Comunidade internacional se ocupe de um problema tão urgente, através de providências inspiradas na solidariedade e equidade, desejo assegurar a eficaz colaboração da Igreja Católica para encontrar adequadas soluções às suas precárias condições na Pátria ou noutros lugares. É importante que a todos sejam asseguradas condições de vida dignas e justas. A respeito disso, desejo fazer meu o apelo dirigido pelos Bispos albaneses à Europa «para que possa considerar a questão da Albânia com maior e mais eficaz empenho».

A crise recente, que transtornou a República da Albânia e teve consequências preocupantes também no Parlamento, deve tornar tanto o Governo como a oposição particularmente solícitos em empreender a via do diálogo e da colaboração. É preciso evitar a tentação de visar o confronto com o adversário político, em primeiro lugar porque é moralmente inaceitável, mas também porque essa atitude se revela sempre prejudicial para a consolidação duma correcta dialéctica democrática e para o desenvolvimento integral de todos os cidadãos do País.

Com muita razão os Bispos, intervindo várias vezes durante o corrente ano, indicavam na rejeição ao ódio e na reconciliação com Deus e com o próximo a via-mestra para um real futuro de paz e de prosperidade. Por isso, eles convidaram os Albaneses a fazer o possível para restaurarem uma ordem pública eficiente com meios legais, e para restituírem aos cidadãos a segurança na vida quotidiana, graças também à reencontrada confiança nas instituições legítimas do Estado. Para alcançar esse objectivo, é preciso promover todos os esforços, a fim de que quantos possuem as armas de modo ilegítimo, sejam quanto antes desarmados e ulteriormente se organizem as forças de polícia local e do exército.

Ao propor estas sugestões a Igreja católica «não é movida por nenhuma ambição terrena, mas unicamente por este objectivo: continuar, sob a direcção do Espírito Consolador, a obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido» (Gaudium et spes GS 3). Ela participa de maneira activa na vida social do País, esforçandose por que ele possa caminhar rumo a horizontes de paz e de prosperidade. Essa compartilha sincera da sorte do povo albanês foi testemunhada por inúmeros missionários católicos, que na recente crise política optaram por permanecer no seu lugar, apesar dos perigos e dificuldades. A obra deles obteve um significativo reconhecimento não só dos católicos, mas também de numerosos muçulmanos e ortodoxos.

O novo clima instaurado na República albanesa após o final da trágica ditadura comunista, permitiu à Igreja católica iniciar uma significativa obra de evangelização e de promoção humana, através da reabertura das igrejas, da instituição de novos centros pastorais, da fundação de escolas e de dispensários, e de uma rede de serviços promovidos pela Cáritas.

Para que essa acção a favor do Povo albanês possa continuar e ser incrementada faço votos por que, com o consenso de todas as forças políticas, se chegue a redigir uma nova Constituição e uma legislação adequada, na qual seja oferecida uma base jurídica sólida às liberdades humanas fundamentais, entre as quais a liberdade religiosa.

Além disso, é conhecido o clima de tolerância que desde sempre caracteriza a convivência no único Povo albanês de cidadãos de fé diferente. Esse clima afunda as raízes numa longa tradição de respeito recíproco entre os muçulmanos, os ortodoxos e os católicos, que constituem as três religiões históricas da Albânia. Possa esta preciosa herança, ciosamente conservada, representar uma premissa importante para a reconstrução material e espiritual da Albânia.

Com estes sentimentos, ao receber com prazer as Cartas Credenciais, façolhe votos por que a alta missão que lhe foi confiada seja rica de satisfações, as quais o Senhor não deixa faltar a quem serve com generosidade os irmãos. Asseguro- lhe, ao mesmo tempo, uma constante lembrança na oração, enquanto invoco a bênção de Deus Omnipotente sobre Vossa Excelência, Senhor Embaixador, sobre os Governantes do seu nobre País e sobre o inteiro Povo albanês.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO BISPO DE BÉRGAMO POR OCASIÃO


DO XVII CENTENÁRIO DO MARTÍRIO


DE SANTO ALEXANDRE






1. Com alegria tomei conhecimento que essa Comunidade diocesana se prepara para recordar o XVII centenário do Martírio de Santo Alexandre. Desejo unir-me espiritualmente às celebrações do «Ano alexandrino», com as quais a Diocese de Bérgamo faz solene memória do seu celeste Padroeiro e dá graças pelos dons com que o Senhor a enriqueceu, desde o início da sua história.

Os testemunhos históricos de Santo Alexandre que nos chegaram, limitam-se quase exclusivamente a confirmar o seu martírio. Contudo, a antiga liturgia do Santo, recordando o simbólico florescimento de rosas e de lírios das gotas do seu sangue e traduzindo com surpreendente eficácia a convicção arraigada nos Padres da Igreja, segundo a qual «o sangue dos mártires é semente de cristãos», convida a considerar a fecundidade daquele gesto de amor, que faz de Santo Alexandre uma «coluna no templo de Deus» (cf. Liturgia das Horas, Comum de um mártir). Com efeito, através do martírio deste valoroso soldado de Cristo, a força da Páscoa pôde irromper na história dessas populações para transformar os costumes, os ordenamentos, as instituições e o próprio tecido urbanístico que, tendo-se constituído ao redor das igrejas edificadas sobre a memória do mártir, levou às vezes a definir os cidadãos de Bérgamo «homines sancti Alexandri», herdeiros e émulos do mártir. Celebrar Santo Alexandre é recordar os inícios da Igreja que está em Bérgamo.

2. A herança daquele heróico testemunho evangélico, com efeito, deu origem na terra bergamasca a uma sequência ininterrupta de cristãos, conhecidos ou desconhecidos, que fizeram de Cristo o centro da própria vida: de Santa Grata que, segundo a tradição, tomou o corpo do mártir Alexandre e lhe deu sepultura digna, a Narno, Viator e João, Fermo e Rústico, Alberto e Vito, Gregório Barbarigo, Luís Maria Palazzolo, Teresa Eustóquio Verzeri, Paula Isabel Cerioli, Gertrudes Comensoli, Francisco Spinelli e Pierina Morosini. Sem falar depois do Papa João XXIII, que comoveu o mundo pela sua bondade, e de muitas outras figuras luminosas que enriqueceram a comunidade bergamasca com o tesouro dos seus exemplos de fé vivida.

As numerosas igrejas dedicadas ao Santo, as antigas fórmulas litúrgicas e a devoção popular, as instituições educativas e caritativas, o fervor de muitas paróquias e comunidades provam que o martírio de Alexandre ainda produz os seus frutos nos filhos dessa Igreja. O cristão bergamasco, como afirmava o então Núncio Apostólico D. Roncalli, «mesmo longe, além-mar, aonde o conduzir a busca de trabalho ou de sorte, ao serviço da Igreja ou da Pátria, gosta de o recordar, e como que de haurir protecção para as suas peripécias e propósitos de seriedade, de sabedoria e de disciplina, daquele aspecto vigoroso e simpático do seu Santo Alexandre, soldado e mártir, expressão de dignidade e de sacrifício, da linha decisiva que dá fisionomia ao seu povo e o honra» (D. Angelo G. Roncalli, Homilia na festa de Santo Alexandre, 25/8/1950).

Verdadeiramente a semente caída na terra produziu muito fruto (cf. Jo Jn 12,24) e, pelas gestas gloriosas de Alexandre, essa «Igreja floresce em toda a parte »! (Santo Agostinho, Discurso 329 para a comemoração do nascimento dos mártires, PL 38, 1454). Os filhos da diocese bergamasca semearam tão bem ao longo dos séculos, quer na terra italiana quer em muitas nações do mundo, com generoso espírito missionário.

3. «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (Jn 15,13). A Palavra do Mestre, acolhida com seriedade e coragem, levou Alexandre a doar a própria existência a Cristo e aos irmãos, até à efusão do sangue.


Discursos João Paulo II 1997 - Sábado, 15 de Novembro de 1997