Discursos João Paulo II 1998 - 18 de Maio de 1998

2. Com efeito, o tema da vossa Assembleia capitular foi precisamente: «Religiosos e leigos orionitas em missão no Terceiro Milénio», tema que analisastes em perspectiva do futuro, cientes de que as mudadas condições sociais nas quais vivemos postulam novas formas de apostolado da vossa ainda jovem Congregação; formas novas mas sempre animadas pelo espírito carismático das origens.

E para melhor responderdes à vossa vocação, tendes em vista associar de maneira mais estreita ao vosso ministério os leigos, como ressaltei na Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata, que as várias componentes do Povo de Deus «podem e devem unir as suas forças, numa atitude de colaboração e de intercâmbio de dons, para participarem de modo mais eficaz na missão eclesial» (n. 54). Estou certo de que uma mais estreita comunhão dos religiosos e dos leigos da vossa Família, que brotou do coração do Beato Luís Orione, enamorado de Deus e dos irmãos, levará a um enriquecimento espiritual de todos e a uma mais incisiva acção apostólica e social no mundo.

Os nossos tempos requerem audácia e generosidade, fidelidade absoluta ao Evangelho e à Igreja, intensa formação e abertura corajosa às necessidades do próximo. Diria ainda hoje o vosso Fundador: «De fogo, não de uma centelha mas de uma fornalha de fogo, se sente hoje necessidade». Sim, como não sentir na época actual, especialmente neste ano dedicado de modo particular à reflexão sobre o Espírito Santo, a necessidade do fogo desta Pessoa divina, o fogo da caridade, o fogo da santidade?

3. Antes de tudo, o fogo da santidade. Eu escrevia na Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici: «A santidade é, portanto, um pressuposto fundamental e uma condição totalmente insubstituível da realização da missão de salvação na Igreja» (n. 17). E eu fazia notar na Redemptoris missio: «Não basta renovar os métodos pastorais, nem ainda organizar e coordenar melhor as forças eclesiais: é preciso suscitar um novo "ardor de santidade" entre os missionários e em toda a comunidade cristã» (n. 90).

É quanto tinha intuído o Padre Orione quando do Chaco argentino lançava prementes apelos para o envio de novos missionários do Evangelho: «Tenho necessidade de santos! Tenho necessidade de santos!» (Cartas II, 236). A vitalidade da Congregação e do seu apostolado provém da tensão amorosa e perseverante para a santidade, por parte de todos os seus membros. Antes de tudo, a santidade! Portanto, o ideal da conformação a Cristo deve ser sempre o projecto e o dinamismo que animam não só a formação inicial e permanente, mas cada instituição e iniciativa de caridade, os empenhos pastoral e missionário, a relação com os leigos e todos os programas de bem do vosso Instituto.

4. O fogo do amor divino alimenta o fogo da caridade fraterna. A vossa presença quotidiana entre os «últimos» faz com que sintais pessoalmente o facto de ser impossível difundir entre as pessoas o fogo regenerador do amor, se não se é movido internamente pela caridade divina. O Padre Orione quis, por isso, uma Congregação que vivesse um autêntico espírito de família, à imagem da comunidade dos Apóstolos, onde o vínculo do amor de Cristo fosse o segredo do entendimento e da colaboração. Continuai nesta esteira, fiéis à intuição do vosso Pai, porque só assim podereis trabalhar juntos de maneira eficaz para além das fronteiras da marginalização, ao serviço do homem pobre e abandonado.

Esta necessidade do apostolado da comunhão era muito advertida pelo Beato Luís Orione que, atento aos sinais dos tempos, observava: «Num mundo em que não há senão uma lei: a força; num mundo em que ressoam frequentemente vozes de batalhas entre pobre e rico, pai e filho, súbdito e reinante; dentro dos precipícios duma sociedade que vive e parece querer afundar-se no ódio, oponhamos o exemplo de uma caridade verdadeiramente cristã» (Palavra III, 106).

5. Aproxima-se já a grandes passos o Terceiro Milénio, e durante a Assembleia capitular reflectistes sobre os desafios missionários que a Igreja tem diante de si: primeiro entre todos o de repropor a mensagem libertadora do Evangelho a todos os homens e ao homem todo, na sua integridade e verdade (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 57).

Neste esforço pela nova evangelização estou certo de que não faltará o eficaz contributo da vossa Congregação chamada, segundo o carisma que a caracteriza, a oferecer o testemunho da caridade, vossa via privilegiada para unir os homens a Cristo, ao Papa e à Igreja. O vosso Beato Fundador assim reflectia: «Quem, na Igreja e abençoado pela Igreja, irá aos mais pobres, aos mais abandonados, aos mais infelizes? E às almas, ao povo, como revelaremos Cristo? Com a caridade! Como faremos amar Cristo? Com a caridade! Como nos salvaremos a nós, aos irmãos e aos povos? Com a caridade! Com a caridade que se faz holocausto, mas que tudo vence: com a caridade que unifica e instaura todas as coisas em Cristo!» (Informatio ex processu, pág. 1021).

Caríssimos Orionitas, mantende intacta esta preciosa herança, que vos foi deixada pelo Fundador. Graças ao contributo dos leigos, tornai a vossa acção apostólica mais incisiva e correspondente às exigências dos nossos tempos.

Por isso, confio as vossas pessoas e todas as vossas beneméritas obras pastorais e caritativas à celeste protecção de Maria Virgem e do Beato Luís Orione e, enquanto vos asseguro uma lembrança constante na oração, concedo com afecto uma especial Bênção Apostólica a vós, aos vossos Coirmãos, às vossas Comunidades e a todos aqueles que fazem parte da grande Comunidade espiritual orionita.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL O'CONNOR


E AOS MEMBROS


DA "PAPAL FOUNDATION"


Terça-feira, 19 de Maio de 1998

: Ao meu venerado Irmão Cardeal John Joseph O'CONNOR
e aos membros da «Papal Foundation»

Dou as calorosas boas-vindas a todos vós que viestes uma vez mais ao Túmulo do Príncipe dos Apóstolos para saudar o Sucessor de Pedro. A origem de tudo aquilo que encontramos neste lugar santo e histórico é o testemunho apostólico do pescador da Galileia, e especialmente o testemunho do seu martírio por amor da fidelidade ao Senhor. É tarefa do Sucessor de Pedro continuar a dar testemunho do poder de Cristo ressuscitado, e proclamar a esperança que nada pode destruir. No cumprimento deste dever, sinto-me profundamente revigorado pelo apoio de toda a família de Deus, congregada no testemunho da fé, na proclamação da esperança e nas obras de caridade. A Fundação Papal constitui uma querida parte desta família; agradeço-vos de coração o subsídio que me ofereceis no ministério de serviço à Igreja no mundo inteiro.

A Igreja está a olhar para o advento do Terceiro Milénio da era cristã e para o desafio que ele acarreta. Neste segundo ano da nossa preparação espiritual, voltamo-nos com particular instância ao Espírito Santo, e repetimos o antigo brado: «Vinde, Espírito Santo!». Somos como os discípulos reunidos no Cenáculo, à espera do Espírito Santo prometido pelo Pai (cf. Lc Lc 24,49). Assim como eles, também nós nos reunimos com todos os nossos temores e debilidades, mas reunimo-nos em oração e acção de graças. Rezamos porque sabemos que se o Espírito Santo não vier, os nossos medos e as nossas fragilidades triunfarão, e a obscuridade e a morte prevalecerão. Todavia, congregamo-nos em louvor porque sabemos que Deus eternamente fiel, que prometeu o Espírito Santo, não deixará de nos conceder o maior de todos os dons, «o Espírito da verdade» que nos há-de levar à liberdade total (cf. Jo Jn 8,32 Jn 14,17).

Aguardais com esperança e a vossa expectativa vive através das obras de caridade. A vossa caridade em vista de me auxiliar no ministério que me é próprio constitui uma parte da abnegação que vos abre cada vez mais à recepção dos dons do Espírito Santo. A minha ardente oração é por que conheçais uma nova profundidade da paz que só o Espírito Santo pode dar, e brilheis no mundo de modo mais resplandecente como testemunhas de Cristo ressuscitado, que se entregou a si mesmo completamente, para que nós estejamos repletos da bondade de Deus.

No meio dos discípulos reunidos no Cenáculo, à espera da vinda do Espírito Santo, estava Maria, Mãe do Senhor. Oxalá a sua oração vos fortaleça sempre e o seu amor vos faça penetrar cada vez mais profundamente no mistério da caridade evangélica. Com renovados agradecimentos por todo o bem que a Fundação Papal torna possível, concedo a minha cordial Bênção Apostólica a vós, às vossas famílias e a todos os que participam no vosso trabalho.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À 44ª ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA (CEI)


21 de Maio de 1998





Caríssimos Irmãos no Episcopado!

1. O tema principal da vossa Assembleia Plenária é precisamente o Espírito Santo, que Jesus ressuscitado concedeu aos Apóstolos desde o início e que também agora está presente e operante nas nossas Igrejas, impelindo-as sem cessar pela via da missão.

Sinto-me profundamente feliz por este nosso habitual e familiar encontro que, no sinal da comunhão, me consente participar mais de perto nas vossas concretas solicitudes pastorais. Saúdo e agradeço ao Cardeal Camillo Ruini, vosso Presidente, juntamente com os outros Cardeais italianos. Saúdo os Vice-Presidentes, o Secretário-Geral e cada um de vós, venerados e caros Irmãos no Episcopado, agradecendo convosco ao Senhor pelos dons que Ele não se cansa de nos conceder. Na Sua companhia, até mesmo as fadigas e as cruzes do serviço apostólico se tornam suaves e leves de ser carregadas (cf. Mt Mt 11,28-30).

2. Este segundo ano de imediata preparação para o Grande Jubileu é dedicado ao Espírito Santo porque, como eu já escrevia na Encíclica Dominum et vivificantem (n. 51), «aquilo que "na sua plenitude dos tempos" se realizou por obra do Espírito Santo, só por sua obra pode emergir agora da memória da Igreja» e «pode tornar-se presente na nova fase da história do homem sobre a terra». Esta nova fase porém, caros Irmãos, é para nós principalmente tempo de missão e, na situação actual da Itália, tempo de nova evangelização.

Alegro-me convosco porque nestes últimos anos soubestes dar crescente concretitude a esta grande tarefa da nova evangelização, antes de tudo através da iniciativa do projecto cultural orientado em sentido cristão, que é em primeiro lugar um projecto de evangelização das várias culturas, a fim de que Jesus Cristo seja o ponto de referência decisivo dos pensamentos e dos comportamentos pessoais e sociais.

Além disso, sob o sopro do Espírito estão a multiplicar-se nas Dioceses italianas novas propostas e formas de acção missionária, a começar por aquela que teve início aqui em Roma com o nome de «Missão da Cidade». O seu intento comum é suscitar no inteiro povo de Deus, na variedade das suas componentes, incluindo a pleno título os leigos, uma consciência mais viva e mais precisa do mandato missionário que nos vem de Deus Pai, através de Cristo ressuscitado. Percebe-se a urgência de encontrar as vias mais eficazes e praticáveis para actuar este mandato em relação a cada pessoa ou família individualmente, assim como aos ambientes de trabalho e de vida, às escolas e às Universidades, aos meios de comunicação social, aos hospitais e às muitas situações de pobreza e marginalização. Caros Irmãos no Episcopado, a confiança e as expectativas do Papa são grandes no que concerne a estas novas formas de missão.

3. Nesta mesma perspectiva de evangelização, recordamos com gratidão ao Senhor o extraordinário evento do Congresso Eucarístico Nacional, quando pude encontrar-me com a maioria de vós em Bolonha. Aquele Congresso, de facto, expressou com singular eficácia a centralidade e a fecundidade da Eucaristia na vida da comunidade eclesial, e também em todos os âmbitos de acção e responsabilidade.

Outro encontro que de bom grado recordo é o Dia Mundial da Juventude, celebrado em Paris em Agosto passado: também naquela circunstância estavam presentes muitos de vós, juntamente com cem mil jovens italianos ricos de fé e entusiasmo. O Congresso Eucarístico Internacional e o Dia Mundial da Juventude, que terão lugar em Roma durante o Ano Santo, querem pôr-se em ideal continuidade com os acontecimentos de Bolonha e de Paris, como momentos fortes do caminho de uma Igreja que deseja estar, de modo cada vez mais profundo, unida com o seu Senhor e, precisamente assim, sempre mais capaz de penetrar no coração da humanidade contemporânea, para a conduzir ou reconduzir a Cristo. O Grande Jubileu, para o qual sei que sob a vossa guia as Dioceses italianas estão a preparar-se com alegria, é deveras o tempo e o momento favorável (cf. 2Co 6,2), a fim de que a memória do nascimento do nosso único Salvador seja para todos nós princípio de conversão e missão.

4. Objecto de reflexão da vossa Assembleia é também, caros Irmãos, a pastoral da mobilidade humana, na dúplice vertente do cuidado daqueles que batem às portas da Itália em busca de condições de vida mais aceitáveis, e da assistência espiritual às numerosas comunidades italianas que residem e trabalham no estrangeiro. Também estas dimensões da pastoral, ambas irrenunciáveis, devem ser desenvolvidas numa perspectiva plenamente evangélica. Isto requer atenção, solidariedade e prontidão de serviço para com as pessoas e as famílias nas suas múltiplas necessidades e dificuldades, especialmente em relação ao trabalho, à habitação e à assistência médica. Não menor solicitude deverá ser usada em relação à fé e à vida espiritual, quer dos italianos no estrangeiro quer dos muitos imigrados católicos na Itália, jamais renunciando aliás a propor, com amor e respeito, a palavra de salvação do Evangelho a todos aqueles que a Providência de Deus conduz para estas terras.

Um ulterior argumento dos vossos trabalhos é o empenho da Igreja italiana no âmbito da emissora televisiva. Estou muito contente por terdes a coragem e a clarividência de assumir uma iniciativa de amplo alcance, neste campo tão relevante para a evangelização e a formação das mentalidades e dos comportamentos. Faço votos e espero que, também através da cordial colaboração dos vários meios de comunicação de inspiração cristã, nacionais e locais, entre os quais me é caro recordar o óptimo serviço prestado pelo jornal «Avvenire» e também pelos outros jornais católicos, possa ser oferecida a todos uma interpretação cristã da vida e dos eventos de maneira sempre mais concreta.

5. Venerados Irmãos no Episcopado, é-me grato confirmar e renovar, nesta feliz circunstância da nossa reunião, aquela confiança e expectativa que muitas vezes expressei a respeito da Igreja e da Nação italiana, e que agora tem uma específica actualidade em relação aos passos que estão a ser dados na construção da unidade europeia. Com efeito, agora mais do que antes, a Itália é chamada a dar todo o próprio contributo para que na nova Europa que se está a construir, a fé cristã seja fermento vivificante e amálgama unificador. E é evidente que, para poder cumprir esta tarefa, a Itália deve manter vivo e operante, antes de tudo no próprio interior, aquele património religioso e cultural que está presente nestes lugares desde o testemunho e o martírio dos Apóstolos Pedro e Paulo.

Nesta fase de rápidas mudanças em que se procura, não sem fadigas e contrastes, reelaborar as ordens institucionais, sociais e económicas deste País no contexto europeu, compartilho de coração a vossa preocupação e insistência a fim de que o trabalho, factor decisivo da promoção da pessoa e da sociedade, seja defendido e incrementado, encontrando remédios novos e eficazes para a sua falta, muitas vezes gravíssima. Tendo como base a aprofundada inteligência da fé, a Comunidade cristã deverá, com maior energia e renovada criatividade, empenhar-se activamente em estabelecer formas novas de iniciativa, partilha e apoio. A especial atenção aos pobres, aos pequeninos e aos jovens deve ser actualizada, identificando com coragem as modalidades ainda inexploradas de participação, para que com o emprego seja ao mesmo tempo oferecida uma ulterior perspectiva de esperança e confiança.

A caridade operosa não se canse de procurar vias para que as necessidades de cada um sejam aliviadas pela solidariedade de todos, segundo o exemplo da primeira Comunidade cristã (cf. Act Ac 2, 42ss. e 4, 34•ss.). A respeito disso, a minha recordação afectuosa e a minha oração dirigem-se de novo, de modo particular, às populações da Campânia, tão duramente provadas pela recente calamidade natural.

Entretanto é claro que, no contexto de uma economia sempre mais aberta, adquire importância crescente uma autêntica e concreta actuação do princípio de subsidiariedade, que consinta valorizar de modo mais completo as inúmeras energias e capacidades de iniciativa, de que é rica a sociedade italiana.

6. O recurso mais precioso e importante, para o presente e o futuro da Itália, é representado em concreto pela família. Contudo, também ela é mais insidiada e ameaçada, tanto na sua própria estrutura fundamental como nos seus direitos e deveres. Portanto estou ao vosso lado, caros Irmãos, nas iniciativas que não vos cansais de promover, a fim de que a pastoral familiar se torne sempre mais um eixo fundamental da acção da Igreja e possa atingir, nas suas efectivas condições de vida, o mais amplo número de famílias.

De igual modo são indispensáveis a elaboração e a difusão de uma cultura favorável à família e à vida, e um empenho coerente e corajoso para desenvolver políticas sociais verdadeiramente atentas ao papel da família na realidade italiana e também para garantir o respeito da norma constitucional (art. 29), com a qual a República italiana «reconhece os direitos da família como sociedade natural fundada sobre o matrimónio»: muitas são de facto as propostas de lei, as deliberações administrativas e os pronunciamentos judiciários que, na realidade, se põem em contraste com estes direitos fundamentais. Encorajo de coração, portanto, todas as forças culturais, sociais e políticas, e de modo especial as próprias organizações das famílias, a empenharem-se neste difícil desafio, decisivo para o rosto que a Itália deverá assumir.

Na sua irrenunciável tarefa educativa a família é coadjuvada pela escola, à qual se dirige também a nossa solícita atenção de Pastores. Estamos profundamente interessados e preocupados, caros Irmãos no Episcopado, por toda a escola italiana, que para um sério impulso qualitativo tem necessidade de ser concretamente reconhecida, quanto a isto, como um bem prioritário da Nação inteira. Estamos preocupados, de maneira especial e grave, pelas escolas livres, e entre essas pelas escolas católicas, às quais na Itália ainda não é reconhecida aquela efectiva paridade que, no entanto, é uma realidade positiva e consolidada noutros Países europeus. Pedimos por isso, com vigor e urgência, que seja finalmente superada esta infeliz anomalia, que não dignifica a Itália.

Venerados Irmãos Bispos italianos! Neste mês dedicado à Virgem confiemos a Ela, que é a nossa Confiança e Esperança, os votos e os anseios dos nossos corações.

Deus abençoe cada um de vós e as Igrejas que vos estão confiadas. Abençoe o Povo italiano, o defenda das insídias e dos perigos, ilumine o seu caminho para o alvorecer do Terceiro Milénio, sustente os passos dos anunciadores do Evangelho que trabalham para reavivar a sua fé e confirmar a sua esperança.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO V GRUPO DE BISPOS ESTADUNIDENSES


POR OCASIÃO DA VISITA « AD LIMINA APOSTOLORUM »


21 de Maio de 1998



Caro Cardeal Maida
Caros Irmãos no Episcopado!

1. Por ocasião da vossa visita «ad Limina», acolho com grande alegria o quinto grupo de Bispos estadunidenses, dos Estados de Michigam e Ohio. A vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo oferece uma nova oportunidade para reflectirdes sobre o testemunho que eles deram usque ad sanguinis effusionem, e exprime o profundo vínculo de comunhão que existe entre os Bispos e o Sucessor de Pedro. Estes dias, por isso, são um tempo de reflexão sobre o vosso ministério como Bispos e a vossa especial responsabilidade perante Cristo pelo bem-estar do Seu corpo, a Igreja. Oxalá o exemplo das primeiras testemunhas e a sua intercessão sejam para vós uma fonte de fortalecimento na pregação do Evangelho, recordando as palavras de São Paulo a Timóteo: «Esta recomendação só pretende estabelecer a caridade, nascida de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera» (1Tm 1,5).

Nesta série de visitas «ad Limina», escolhi reflectir sobre as oportunidades apresentadas pelo Grande Jubileu do Ano 2000 para a evangelização, à luz da graça extraordinária que foi e é o Concílio Vaticano II. No meu último encontro com os Bispos do vosso país, referi-me ao específico carácter apostólico do ministério do próprio Bispo e à sua importância para a renovação espiritual da comunidade cristã. Hoje, desejo mencionar a identidade e missão dos sacerdotes, vossos colaboradores na tarefa de santificar o povo de Deus e de transmitir a fé (cf. Lumen gentium, LG 28). Com imensa gratidão, penso em todos os vossos sacerdotes, cujas vidas estão profundamente marcadas pela fidelidade a Cristo e pela generosa dedicação aos seus irmãos e irmãs. Penso também nos seus irmãos e irmãs na vida consagrada, aos quais espero dedicar uma futura reflexão nesta série de visitas, eles estão no centro da renovação que o Espírito Santo promove continuamente na Igreja.

2. Há dois anos celebrei o meu quinquagésimo aniversário de ordenação, e posso na verdade afirmar que a minha experiência do sacerdócio me tem sido uma fonte de grande alegria ao longo destes anos. Ao reflectir sobre o sacerdócio no livro Dom e Mistério, ressaltei duas verdades essenciais. A vocação sacerdotal é um mistério de escolha divina, e por isso um dom que de maneira infinita transcende o indivíduo. Ao reflectir sobre o passado, recordo-me constantemente das palavras de Jesus aos seus Apóstolos: «Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes frutos e para que o vosso fruto permaneça» (Jn 15,16). Ao meditar estas palavras, o sacerdote torna-se mais consciente da escolha misteriosa que Deus fez ao chamá-lo para este serviço, não por causa dos seus talentos ou méritos, mas em virtude do «desígnio e da graça de Deus que nos foi dada» (2Tm 1,9).

É fundamental para a vida da Igreja nas vossas Dioceses que dediqueis muita atenção aos vossos sacerdotes e à qualidade da sua vida e ministério. Com as palavras e o exemplo devereis recordar-lhes que o sacerdócio é uma vocação especial, que consiste em ser de modo singular configurados a Cristo Sumo Sacerdote, Mestre, Santificador e Pastor do Seu povo, através da imposição das mãos e da invocação do Espírito Santo no sacramento das Ordens sagradas. Não é uma carreira; não significa pertencer a uma casta clerical. Por este motivo, «o sacerdote deve ter consciência de que a sua vida é um mistério inscrito totalmente no mistério de Cristo e da Igreja, dum modo novo e específico, e de que isto o empenha totalmente na actividade pastoral e o gratifica» (Directório para o ministério e a vida dos Presbíteros, n. 6). Portanto, toda a vida do sacerdote resulta de tal modo transformada, que ele pode ser Cristo para os outros, sinal convincente e eficaz do amor e da presença salvífica de Deus. Deveria viver o sacerdócio como dom total de si ao Senhor. Se este dom deve ser autêntico, todos os seus pensamentos e atitudes, actividades e relacionamentos com os outros devem mostrar que ele assumiu verdadeiramente o «pensamento de Cristo» (2Co 2,16). Deveria ser capaz de dizer com São Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim» (Ga 2,20). Deveríamos reconhecer com gratidão os sinais duma verdadeira renovação da espiritualidade do sacerdócio e promover um novo florescimento da autêntica tradição teológica da vida sacerdotal, lá onde ela esteja obscurecida.

3. Se os Bispos e os sacerdotes devem ser testemunhas verdadeiramente eficazes de Cristo e mestres da fé, devem ser homens de oração como o próprio Cristo. Só se dirigindo frequentemente e com confiança a Deus e procurando a guia do Espírito Santo, o sacerdote pode exercer a sua missão. Os sacerdotes e os seminaristas que se preparam para o sacerdócio, devem interiorizar o facto que existe «uma íntima relação entre a vida espiritual do presbítero e o exercício do seu ministério» (Pastores dabo vobis PDV 24). Todo o sacerdote é chamado a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a palavra de Deus, de maneira que possa entrar sempre mais profundamente no pensamento do Mestre e fortalecer a própria adesão ao Senhor, seu modelo sacerdotal e guia (cf. Audiência geral, 2/6/1993, n. 4). Uma empenhada vida de oração oferece o dom da sabedoria, com o qual o Espírito leva o sacerdote a avaliar todas as coisas à luz do Evangelho, ajudando-o a ler na sua própria experiência e na experiência da Igreja o desígnio misterioso e amoroso do Pai (cf. Carta aos Sacerdotes 1998, n. 5).

Num período em que se exige muito do sacerdote, sob o ponto de vista do tempo e da energia, é importante ressaltar que um dos primeiros deveres consiste em orar em nome do povo que lhe foi confiado. São estes o seu privilégio e a sua responsabilidade, pois ele foi ordenado para representar o seu povo diante do Senhor e interceder no seu nome diante do trono da graça (cf. Audiência geral, 2/6/1993, n. 5). A respeito disso, quereria ressaltar a importância na vida sacerdotal da fidelidade à oração quotidiana da Liturgia das Horas, a oração pública da Igreja. Enquanto os fiéis são convidados a participar nesta oração, seguindo a recomendação de Cristo de orar sempre, sem desfalecer (cf. Lc Lc 18,1), aos sacerdotes foi confiada a tarefa particular de celebrar o Ofício Divino, no qual o próprio Cristo ora connosco e por nós (cf. Carta aos Sacerdotes 1984, n. 5). Com efeito, orar pelas necessidades da Igreja e por cada um dos fiéis é de tal modo importante, que seria necessário pensar seriamente em reorganizar a vida sacerdotal e paroquial, a fim de garantir que os sacerdotes tenham o tempo para se dedicar, individual e colectivamente, a esta tarefa essencial. A oração litúrgica e a pessoal, e não os afazeres administrativos, devem marcar o ritmo da vida de um sacerdote, mesmo nas paróquias mais empenhadas.

4. A celebração da Eucaristia é o momento mais importante da jornada do sacerdote, o centro da sua vida. Ao oferecer o sacrifício da Missa, durante a qual se torna presente e se realiza o sacrifício único de Cristo, até que Ele venha, o sacerdote assegura que continua a realizar-se a obra de redenção (cf. Presbyterorum ordinis PO 13). Deste Sacrifício único, o inteiro ministério sacerdotal haure a sua força (cf. ibid., n. 2) e o Povo de Deus recebe a graça para viver verdadeiramente a vida cristã na família e na sociedade. É importante para os Bispos e para os sacerdotes não perder de vista o valor intrínseco da Eucaristia, um valor que não depende das circunstâncias em que se realiza a celebração. Por este motivo, os sacerdotes deveriam receber um encorajamento a celebrar a Missa cada dia, mesmo na ausência de uma assembleia, pois se trata de um acto de Cristo e da Igreja (cf. ibidem, n. 13; Código de Direito Canónico, cân. 904).

A fim de que a Eucaristia possa produzir plenamente a sua graça na vida das vossas comunidades, é necessário prestar particular atenção à promoção do Sacramento da Penitência. Os sacerdotes são as testemunhas particulares e os ministros da misericórdia divina. Em nenhum outro momento eles podem estar tão próximos dos fiéis do que quando os conduzem a Cristo crucificado e que perdoa durante este encontro tão pessoal (cf. Redemptor hominis RH 20). Ser ministro do Sacramento da Reconciliação é um privilégio particular para um sacerdote que, agindo na pessoa de Cristo, pode participar de modo particular no drama duma outra vida cristã. Os sacerdotes deveriam estar sempre disponíveis a ouvir as confissões dos fiéis e a fazê-lo de modo que permita à situação particular do penitente abrir-se e ser reflectida à luz do Evangelho. A tarefa fundamental do ministério pastoral, orientado para intensificar a união de cada indivíduo com o Pai misericordioso, é uma dimensão vital da missão eclesial. Deveria ser objecto de estudo e de reflexão durante as reuniões sacerdotais e os cursos de formação permanente. Excluir-se do sacramento da Penitência significa excluir-se duma forma insubstituível de encontro com Cristo. Os próprios sacerdotes deveriam receber este sacramento com regularidade e com espírito de fé e devoção autênticas. A conversão constante ao Senhor, por parte do sacerdote, resulta-lhe revigorada e os fiéis compreendem melhor que a reconciliação com Deus e com a Igreja é necessária para um autêntico viver cristão (cf. Directório sobre o Ministério e a Vida dos sacerdotes, n. 53).

5. Enquanto mestres de fé, os sacerdotes desempenham um papel directo na resposta ao grande desafio da evangelização, que a Igreja deve enfrentar ao aproximar-se o Terceiro Milénio cristão. O Evangelho que pregamos é a verdade sobre Deus, sobre o homem e sobre a condição humana: o povo da nossa época deseja escutar esta verdade em toda a sua plenitude. Por isto, a homilia dominical exige uma preparação cuidadosa da parte do sacerdote, que é pessoalmente responsável pela ajuda a oferecer aos fiéis, a fim de que compreendam o modo como o Evangelho lança luz sobre o caminho dos indivíduos e da sociedade (cf. Audiência geral, 21/4/1993, n. 5). O Catecismo da Igreja Católica é uma fonte excelente para a pregação e, utilizando-o, os sacerdotes ajudarão as próprias comunidades a aumentarem o conhecimento do mistério cristão em toda a sua inexaurível riqueza, e também a consolidarem-se na verdadeira santidade e a revigorarem o próprio testemunho e o próprio serviço (cf. Carta aos Sacerdotes para a Quinta-Feira Santa, 8 de Abril de 1993, n. 3).

A paróquia é uma «família de famílias» e deveria ser organizada para ser um apoio da vida familiar em todos os modos possíveis. A minha experiência pessoal de jovem sacerdote em Cracóvia ensinou-me que a assistência que os sacerdotes podem oferecer aos jovens casais que se preparam para as responsabilidades da vida conjugal, é também um grande benefício para a sua espiritualidade sacerdotal. Os sacerdotes são chamados a uma forma única de fraternidade espiritual e podem chegar a um profundo apreço do significado do ser «homem para os outros», mediante a solicitude pastoral para com os que aspiram a viver segundo as exigências do dom de si e do amor fecundo do matrimónio cristão.

É tarefa do sacerdote conduzir os fiéis à maturidade espiritual em Cristo, de maneira que possam responder à chamada à santidade e realizar a sua vocação a transformar o mundo com o espírito do Evangelho (cf. Christifideles laici CL 36). Ao colaborarem com os leigos, os sacerdotes devem encorajá-los a considerar o Evangelho como a principal força de renovação da sociedade, do vasto e complexo mundo da política e da economia, mas também do mundo da cultura, das ciências e das artes, da vida social internacional (cf. Evangelii nuntiandi EN 70). Um sacerdote não precisa ser perito em todas as coisas, mas deveria ser especialista em discernir os «supremos dons», que o Espírito Santo derrama abundantemente para a edificação do Reino (cf. 1Co 12,31) e deveria ajudar o próprio povo a utilizar estes dons para o progresso de uma civilização do amor.

6. Um Bispo não pode deixar de estar pessoalmente empenhado na promoção das vocações ao sacerdócio, e deve encorajar toda a comunidade de fé a desempenhar um papel activo nesta obra. «Chegou o tempo de falar corajosamente da vida sacerdotal como um valor inestimável e como forma esplêndida e privilegiada de vida cristã» (Pastores dabo vobis PDV 39). A experiência ensina que quando é feito o convite, a resposta é generosa. Um contacto pastoral do sacerdote com os jovens, a sua proximidade na partilha dos seus problemas, a sua atitude de abertura, benevolência e disponibilidade são parte de um autêntico ministério junto dos jovens. Um sacerdote é verdadeiro guia espiritual, quando ajuda os jovens a tomar decisões importantes sobre a própria vida e, em particular, quando os ajuda a responder à pergunta: o que é que Cristo quer de mim? É necessário fazer mais para que todos os sacerdotes estejam convictos da importância fundamental deste aspecto do ministério. Na promoção e no discernimento das vocações sacerdotais, a presença de um sacerdote empenhado, amadurecido e sereno, com o qual os jovens podem encontrar-se e falar, é insubstituível.

7. Como Bispos, deveis explicar aos fiéis a razão por que a Igreja não tem a autoridade de ordenar as mulheres para o ministério sacerdotal e, ao mesmo tempo, explicar-lhes que não se trata de uma questão de igualdade das pessoas ou dos direitos que Deus lhes deu. O sacramento das Ordens sagradas e o sacerdócio ministerial são oferecidos por Deus como um dom: em primeiro lugar, à Igreja e, depois, a quem é chamado por Deus. Por esta razão a Ordenação ao ministério sacerdotal jamais pode ser reivindicada como um direito; a ninguém são devidas as Ordens sagradas no âmbito da economia da salvação. Esse discernimento pertence, finalmente, à Igreja através dos Bispos, e a Igreja só ordena com base nesse discernimento eclesial e episcopal.

O ensinamento da Igreja, segundo o qual só os homens podem ser ordenados ao ministério sacerdotal, é expressão da fidelidade ao testemunho do Novo Testamento e à tradição constante da Igreja do Oriente e do Ocidente. O facto de Jesus mesmo ter escolhido homens e confiado a homens algumas tarefas específicas, de modo algum diminuiu a dignidade humana das mulheres (que Ele claramente tinha em vista ressaltar e defender), nem relegou as mulheres a um papel meramente passivo no âmbito da comunidade cristã. O Novo Testamento explica que as mulheres desempenharam um papel fundamental na Igreja primitiva. O testemunho do Novo Testamento e a tradição constante da Igreja recordam-nos que o sacerdócio ministerial não pode ser interpretado, segundo categorias sociológicas ou políticas, como uma questão de exercício de «poder» no seio da comunidade. O sacerdócio das Ordens sagradas deve ser entendido teologicamente como forma de serviço na Igreja e à Igreja. Existem muitas formas desse serviço, tal como existem muitos dons oferecidos pelo próprio Espírito (cf. 1Co 12,4-11).

As Igrejas, em particular a católica e as ortodoxas, que põem a sacramentalidade no centro da vida cristã e a Eucaristia no centro da sacramentalidade, são as que julgam não ter a autoridade para ordenar as mulheres ao sacerdócio ministerial. Ao contrário, as comunidades cristãs conferem sempre mais responsabilidades ministeriais às mulheres; à medida que se afastam da compreensão sacramental da Igreja, da Eucaristia e do sacerdócio. É um fenómeno que deve ser explorado de modo mais profundo pelos teólogos, em colaboração com os Bispos. Ao mesmo tempo, é indispensável que continueis a prestar atenção à inteira questão do modo como os dons específicos das mulheres devem ser valorizados, aceites e tornados fecundos nas comunidades eclesiais (cf. Carta às Mulheres, nn. 11-12). O «génio» das mulheres deve constituir sempre mais uma força vital da Igreja no próximo milénio, precisamente como foi nas primeiras comunidades dos discípulos de Cristo.

8. Caros Irmãos Bispos, através de vós quereria alcançar todos os sacerdotes dos Estados Unidos, agradecer-lhes a santidade da sua vida e o zelo incansável com que ajudam os fiéis a viverem o amor salvífico de Deus. O testemunho jubiloso e responsável dos vossos sacerdotes é um tributo extraordinário à vitalidade da Igreja nas vossas Dioceses. Exorto-vos, a vós e a eles, a renovar cada dia o amor pelo sacerdócio e a ver sempre nele a pérola de inestimável valor, pela qual um homem sacrificará todo o resto (cf. Mt Mt 13,45). Oro por quantos encontram dificuldade na própria vocação e confio as suas preocupações à intercessão de Maria, Mãe do Redentor.

Dado que hoje celebramos a Solenidade da Ascensão, alegramo-nos com a glória do Senhor à direita do Pai e esperamos a próxima solenidade do Pentecostes. Invoco um novo sopro do Espírito Santo sobre vós e sobre os sacerdotes, os religiosos e os leigos das vossas Dioceses. Que o Paráclito, que guia a Igreja na missão de evangelização, renove os Seus sete dons nos vossos corações, a fim de poderdes, com fidelidade total, amar e servir as Igrejas particulares confiadas à vossa solicitude! Com a minha Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1998 - 18 de Maio de 1998