Discursos João Paulo II 1998 - 21 de Maio de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À DELEGAÇÃO DA EX-REPÚBLICA


JUGOSLAVA DA MACEDÓNIA


22 de Maio de 1998





Excelentíssimo Senhor Ministro
Ilustres Senhores

A festividade dos Santos Cirilo e Metódio trouxe-vos mais uma vez em peregrinação a Roma, cidade privilegiada por conservar as relíquias de São Cirilo. Estou feliz por vos saudar, no momento em que vindes homenagear este co-Padroeiro da Europa e reconfirmar o vosso empenho nos ideais da unidade e da solidariedade que ele e o seu irmão assumiram de forma tão eficaz nas suas vidas, consagradas à propagação da fé cristã.

De maneira muito real, os santos Irmãos de Salonica constituem pontes entre o Oriente e o Ocidente, vínculos que unem diferentes culturas e tradições numa única e rica herança, para o bem de toda a família humana. Para a Europa contemporânea e especialmente para os Balcãs, eles continuam a ser válidas testemunhas da necessidade da «reconciliação, da amistosa convivência, do desenvolvimento humano e do respeito da dignidade intrínseca de todas as Nações» (Carta Encíclica Slavorum apostoli, 1), valores que são mais importantes do que nunca no limiar do novo Milénio. O testemunho das suas vidas revela a verdade perene de que só na caridade e na justiça a paz se torna uma realidade que abarca todos os corações humanos, supera o ódio e derrota o mal com o bem.

Queridos amigos, rezo para que a vossa peregrinação encha desta paz as vossas mentes e corações, enquanto peço a Deus Omnipotente que abençoe cada um de vós e os vossos concidadãos com a unidade e a boa vontade.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS MEMBROS DO MOVIMENTO PELA VIDA

22 de Maio de 1998





1. Sede bem-vindos, caríssimos Irmãos e Irmãs, pertencentes ao Movimento pela Vida. Viestes a Roma de várias cidades italianas para renovar mais uma vez o vosso «sim» ao valor fundamental da vida e dar voz a tantos inocentes, cujo direito de nascer é posto em perigo. Saúdo com afecto D. Elio Sgreccia, Vice-Presidente da Pontifícia Academia para a Vida, e Sua Ex.cia o Sr. Carlo Casini, Presidente do Movimento, ao quem agradeço as palavras belas e fortes que houve por bem dirigir-me em vosso nome. Saúdo de igual modo todos os que nestes anos se empenharam activamente na defesa e promoção da vida humana.

Como recordei na Encíclica Evangelium vitae: «a humanidade de hoje oferece- nos um espectáculo verdadeiramente alarmante, se pensarmos não só nos diversos âmbitos em que se realizam os atentados à vida, mas também na singular dimensão numérica dos mesmos, bem como no múltiplo e poderoso apoio que lhes é dado pelo amplo consenso social, pelo frequente reconhecimento legal, pelo envolvimento de uma parte dos profissionais da saúde» (n. 17).

Com profundo pesar constatamos que estes graves fenómenos se verificam também na Itália, onde nos últimos vinte anos três milhões e meio de crianças foram suprimidas com o favor da lei, além das que foram eliminadas de maneira clandestina. Contudo, perante tais dados preocupantes, a vossa presença tão numerosa e convicta é um sinal encorajador, que alimenta a esperança da vitória da verdade sobre as falsas justificações do aborto. E a verdade é que cada ser humano tem o direito à vida desde a sua concepção até à morte natural. Para os crentes, a esperança de que esta verdade se afirme encontra o seu fundamento em Cristo morto e ressuscitado, que envia o Seu Espírito ao mundo, a fim de infundir coragem e suscitar incansáveis defensores e testemunhas da verdade e da vida.

2. Hoje, temos motivos de conforto que nos vêm da parte de quantos constatam, a nível político, a falência das leis abortistas, que não só não aboliram o aborto clandestino mas, ao contrário, contribuíram para a ulterior diminuição da natalidade e, por vezes, para a degradação da moralidade pública. Estes dados evidenciam a urgente necessidade de se empenhar na promoção e defesa da instituição familiar, primeiro recurso da sociedade humana, sobretudo no que se refere ao dom dos filhos e à afirmação da dignidade da mulher. Com efeito, não são poucos os que, considerando a dignidade da mulher como pessoa, esposa e mãe, vêem na legislação abortista uma derrota e humilhação para a mulher e para a sua própria dignidade.

Grande motivo de conforto é também a vossa obra, queridos membros do Movimento pela Vida: graças ao empenho detalhado e pontual dos Centros de Ajuda por vós promovidos, foi possível salvar mais de quarenta mil crianças e assistir um igual número de mulheres. Este resultado prometedor demonstra que, quando é oferecido um apoio concreto, apesar dos problemas e condicionamentos por vezes até dramáticos, a mulher é capaz de fazer triunfar dentro de si o sentido do amor, da vida e da maternidade.

O vosso benemérito empenho incidiu positivamente nas consciências dos indivíduos, onde com frequência «se consuma o eclipse do sentido de Deus e do homem, com todas as suas múltiplas e funestas consequências sobre a vida» (Ibid., 24) e na «consciência moral da sociedade», que «é, de algum modo, responsável, não só porque tolera ou favorece comportamentos contrários à vida, mas também porque alimenta a cultura da morte, chegando a criar e consolidar verdadeiras e próprias estruturas de pecado contra a vida» (Ibid.).

A rede de atenção à vida nascente, que o vosso Movimento conseguiu construir, suscitando o interesse das instituições políticas e de amplos estratos da sociedade, leva a pensar que se a acção de tantos voluntários, apoiada por uma solidariedade mais explícita, fosse admitida no interior das estruturas públicas de saúde, alcançaria resultados ainda maiores em benefício das numerosas vidas inocentes.

Faço votos por que as paróquias e as dioceses tirem proveito da vossa experiência, para activar estruturas orgânicas de auxílio à vida não só do nascituro, mas também dos adolescentes, dos idosos e das pessoas sozinhas e abandonadas.

3. À ajuda concreta e a uma específica acção educativa, que envolva a inteira comunidade eclesial, deve corresponder o empenho político pelo pleno reconhecimento da dignidade e dos direitos do nascituro e pela revisão de leis que legitimam a sua supressão. Nenhuma autoridade humana, nem sequer o Estado, pode justificar moralmente o homicídio do inocente. Esta trágica transformação de um crime em direito (cf. Evangelium vitae EV 11) indica uma preocupante decadência da civilização. Com efeito, as leis abortistas além de ferir a lei impressa pelo Criador no coração de cada homem, manifestam uma forma incorrecta de democracia, propõem um conceito redutivo de socialidade e revelam uma carência de empenho por parte do Estado em relação à promoção dos valores.

Por conseguinte, uma acção eficaz neste âmbito deve ter como objectivo a reconstrução dum horizonte de valores, que se traduza numa clara afirmação do «direito à vida» nas Cartas internacionais e nas leis nacionais.

4. Por outro lado, o progresso económico e social não pode ter um fundamento firme e esperanças concretas, se na sua base se encontra o desconhecimento do direito à vida. Uma sociedade incapaz de avaliar devidamente a riqueza representada por um filho que nasce, e de apreciar a vocação da mulher para a maternidade, não tem futuro.

Como recordei na Encíclica Evangelium vitae, no mundo contemporâneo está presente «uma estranha contradição: precisamente numa época em que se proclamam solenemente os direitos invioláveis da pessoa e se afirma publicamente o valor da vida, o próprio direito à vida é praticamente negado e espezinhado, particularmente nos momentos mais emblemáticos da existência, como são o nascer e o morrer» (n. 18).

Perante tais posições ambíguas, desejo recordar que o respeito pela vida, desde a sua concepção até à morte natural, constitui o momento essencial da moderna questão social. Faltar a esse respeito nas sociedades desenvolvidas tem graves repercussões nos Países em vias de desenvolvimento, onde ainda se insiste nas perniciosas campanhas antinatalidade, e se manifesta sobretudo nos âmbitos da procriação humana artificial e do debate relativo à eutanásia.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs do Movimento pela Vida, perseverai no vosso corajoso empenho! Todos os vossos sacrif ícios e sofrimentos serão recompensados pelo sorriso de tantas crianças que, graças a vós, poderão rejubilar com o dom inestimável da vida. Encorajo- vos cordialmente a realizar todos os esforços para que seja efectivamente reconhecido a todos o direito à vida e se construa uma autêntica democracia, inspirada nos valores da civilização do amor.

Confio cada um de vós e todos os vossos bons projectos a Maria, «Mãe dos vivos» e, ao garantir-vos a minha quotidiana oração, concedo de bom grado a vós e às vossas iniciativas a Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL ÀS ARQUIDIOCESES DE VERCELLI E DE TURIM (ITÁLIA)


SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS AUTORIDADES CIVIS


E À POPULAÇÃO DE VERCELLI


23 de Maio de 1998





Senhor Ministro
Senhor Presidente da Câmara Municipal
Distintas Autoridades
Caríssimos Irmãos e Irmãs de Vercelli!

1. Exprimo toda a minha alegria por estar hoje no meio de vós e elevo o meu reconhecimento a Deus, que me oferece a oportunidade de visitar a vossa ilustre Cidade.

Agradeço ao Senhor Presidente da Câmara Municipal as amáveis palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome da comunidade civil. Agradeço e saúdo cordialmente o Senhor Ministro, assim como os representantes das Instituições civis e militares, que quiseram honrar este nosso encontro com a sua presença. O meu afectuoso pensamento dirige-se, depois, ao venerado Pastor desta Arquidiocese, o caro D. Enrico Masseroni, ao seu predecessor e agora meu colaborador em Roma, o prezado D. Tarcísio Bertone, e a todos vós aqui reunidos, assim como a quantos não puderam estar fisicamente presentes, mas estão unidos a nós através da rádio e da televisão. Dirijo uma deferente saudação aos representantes da antiga comunidade hebraica e àqueles da comunidade islâmica, que hoje estão connosco.

2. O meu primeiro encontro com os habitantes de Vercelli realiza-se neste antigo Templo, dedicado ao apóstolo Santo André e guardado pelos beneméritos Cónegos Lateranenses, aqui representados pelo Abade-Geral. Símbolo da Cidade, a Basílica é bem conhecida pela esplêndida beleza artística: uma verdadeira obra-prima da arquitectura gótico-românica do século XIII. Conhecida como o principal monumento da cidade, a Basílica de Santo André constitui a síntese admirável duma longa tradição na qual se entrelaçam as duas dimensões essenciais da Cidade: a civil e a religiosa. Ela, portanto, enquanto representa uma gloriosa memória do passado, assume o valor de indicação e advertência para um promitente impulso rumo ao futuro.

A «memória» cristalizou-se nos séculos e tornou-se concreta nas muitas expressões artísticas, que fazem de Vercelli um das cidades mais ricas de monumentos e de obras pictóricas do Piemonte.

Mas a Basílica de Santo André, com o impulso arquitectónico e as linhas arrojadas, convida a olhar para o alto. É esta a primeira mensagem que nos vem deste Templo, assim como dos outros grandes sinais da fé edificados ao longo dos séculos entre os bairros da vossa Cidade. Eles recordam-nos que o sentido da vida e da experiência humana não se exaure nas preocupações terrenas, mas tem necessidade da luz que vem do alto. Os valores da fé que estes antigos monumentos exprimem não são estranhos, com efeito, às fadigas e às preocupações de cada dia. Eles indicam a direcção justa e conferem sentido pleno à história e aos projectos pessoais e comunitários.

3. Caríssimos habitantes de Vercelli! A vossa Cidade parece fazer coexistir na sua longa história duas almas, duas sensibilidades, quase duas culturas: a cultura urbana e a rural. Como esquecer, por exemplo, que aqui surgiu em 1228 a primeira Universidade do Piemonte, aqueles «Studium» que se gloriava de prestigiosos docentes nas disciplinas jurídicas e médicas? Em tempos recentes, depois, esta Província foi reconhecida como uma das capitais da produção do arroz. E que acrescentar a propósito dos ricos recursos culturais, que ilustraram o passado e continuam a caracterizar o presente da vossa Cidade? A data aniversária dos 1650 anos de Ordenação episcopal de Santo Eusébio, com a celebração do ano eusebiano, foi uma oportuna ocasião para relembrar a memória das glórias de outrora e para empenhar os habitantes de Vercelli em manter vivos na consciência dos jovens os valores que fizeram grande a Cidade no decurso dos séculos. É um património inestimável a transmitir com fidelidade às novas gerações.

Para isto, é certamente profícua a colaboração entre a comunidade civil e a eclesial, cada uma no respeito das competências da outra, e ambas concordes em ir ao encontro das expectativas daqueles que serão os cidadãos adultos no novo milénio. Os jovens têm necessidade de um forte empenho para resolver problemas de concretitude imediata, tais como a escola e o trabalho. Ao mesmo tempo, eles têm o direito de viver numa cidade que torne palpável o sentido da concórdia, da solidariedade e do acolhimento. Só assim Vercelli conservará a imagem de cidade pacífica e aberta às novidades positivas oferecidas pelo progresso.

4. Caríssimos Irmãos e Irmãs que viveis nesta Cidade! A vossa história é extraordinariamente rica de cultura e de fé. Compete agora a vós, herdeiros de um passado glorioso, empenhar-vos para transmitir àqueles que vierem a chama duma tão luminosa tradição. Vós bem sabeis quanto é urgente introduzir no actual contexto cultural, percorrido muitas vezes pelo vento gélido da indiferença e do egoísmo, o fermento evangélico das bem-aventuranças. É necessária uma acção corajosa para formar as consciências. Mas a experiência ensina que nada melhor do que a fé consegue manter vivo nas almas o sentido dos valores morais. O cristão convicto sabe conjugar de modo responsável competência e transparência no cumprimento dos próprios deveres.

Isto vale, em particular, para quem é chamado a exercer funções públicas. A Igreja costuma elevar ao Senhor a sua oração pelos responsáveis do bem comum. Neste ano dedicado ao Espírito Santo ela invoca para eles, de modo especial, os dons do conselho e da fortaleza, tão necessários para promover na sociedade o fundamental valor da justiça. Aos administradores públicos, com efeito, é requerido não pouca coragem para privilegiar o bem comum em relação a qualquer forma de particularismo e ocuparem-se das exigências dos mais débeis. Isto é o que o povo espera sobretudo dos cristãos que actuam nos vários âmbitos da vida civil. Muito foi feito nesta direcção, mas ainda muito resta por fazer. Encorajo-vos, caríssimos Irmãos e Irmãs, a prosseguir neste caminho, valorizando as energias positivas presentes na comunidade e acolhendo o contributo de todas as pessoas de boa vontade.

5. Cidade de Vercelli, obrigado pelo teu cordial acolhimento! Confio-te e os teus habitantes a Santo André, Padroeiro desta Basílica, e a Santo Eusébio, primeiro Bispo da Comunidade diocesana. Confio-te a Maria, venerada no santuário principal da Diocese sob o título de «Nossa Senhora dos Enfermos».

A Ti, Virgem Santa, confio as crianças e os anciãos e cada habitante desta região. Guia cada um rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000 e aumenta em todos a fé, para que na terra de Santo Eusébio continuem a florescer autênticas testemunhas de Cristo e do Evangelho.

A Ti confio, ó Maria, as pessoas sozinhas ou em dificuldade, os doentes e, de modo especial, os internados no Hospital Santo André, historicamente ligado às origens desta homónima Basílica. Virgem Santíssima, que compartilhaste a paixão de Cristo no Calvário, obtém para os que sofrem o conforto da esperança cristã!

A todos vós, caríssimos habitantes de Vercelli, que estreito num grande abraço, dou a minha afectuosa Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL À DIOCESE DE VERCELLI E DE TURIM


SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS JOVENS DE VERCELLI








No termo desta solene Celebração eucarística, desejo dirigir ainda uma palavra a vós, caríssimos jovens de Vercelli, para vos propor como modelo e guia este jovem sacerdote que acabei de proclamar Beato.

Talvez estejam entre vós alguns que advertem no coração o impulso a segui-lo no caminho do sacerdócio. O Padre Secondo Pollo obtenha a estes escolhidos a coragem de um sim generoso à chamada de Deus. Mas há uma proposta que ele dirige a todos nesta tarde: a de apostar com ele na santidade. Qualquer que seja a estrada que cada um de vós escolher na vida, essa meta não é fechada a ninguém, porque a todos Deus chama a ser santos.

O Padre Secondo Pollo entendeu-o e, por isso, em poucos anos soube escalar os cumes da perfeição evangélica, vivendo em profundidade a amizade com Deus e a caridade para com os irmãos. Nisto ele serve de exemplo a todos vós, caros jovens! Se quiserdes imitá-lo, deveis aprender dele a pôr a vossa vida sob o sinal do dom abnegado. É a partir do outro que podeis encontrar a vós mesmos. É doando-vos aos outros que realizareis plenamente as vossas aspirações mais profundas. Rejeitai quem vos desaconselha a amar e vos sugere o cálculo e o egoísmo. Quem vos fala assim, na realidade leva-vos a renunciar a ser homens e mulheres em plenitude. Na sua breve vida, o Padre Pollo não foi guiado pela busca de emoções egoístas e fugazes, mas pela paixão por Cristo e pelos irmãos.

Este jovem sacerdote está agora diante de vós, jovens de Vercelli, e fala-vos com o testemunho da sua vida inteira. Do Céu, onde compartilha a alegria dos Beatos, diz-vos: não tenhais medo, o Espírito de Cristo está convosco. Escutai-O!

Abençoo todos vós de coração.



VISITA PASTORAL ÀS ARQUIDIOCESES DE VERCELLI E DE TURIM (ITÁLIA)


PALAVRAS DE SAUDAÇÃO


DO PAPA JOÃO PAULO II


AO POVO DE TURIM REUNIDO


DIANTE DA CATEDRAL


24 de Maio de 1998



Caríssimos Irmãos e Irmãs de Turim!

1. Chegamos ao momento da despedida, depois desta intensa jornada durante a qual a Igreja de Turim viveu horas de alegria espiritual, de oração e de comoção profunda. Estou grato a Deus e a todos vós por esta experiência que deixa na minha alma um vestígio incancelável.

Agradeço ao Senhor, em particular, ter-me dado a oportunidade de me unir, na peregrinação ao Sudário, aos numerosos fiéis provenientes de muitas partes do mundo.

Recebi nos meses passados, de várias partes e com insistência, o convite a visitar outros lugares e realidades de Turim, em particular o Arsenal da Paz, criado pelo SERMIG (Serviço Missionário Juvenil), Institutos formativos e prisões. Infelizmente não me foi possível acolher esses convites; quereria, porém, fazer com que todos sentissem a minha proximidade espiritual, assegurando a minha oração e encorajando a prosseguirem no empenho de fidelidade a Deus e de serviço aos irmãos.

2. No momento de me despedir, sinto a necessidade de fazer chegar a minha saudação cordial a todos os habitantes de Turim e a quantos se estreitaram a mim nesta jornada: do Senhor Cardeal Giovanni Saldarini, zeloso Pastor desta Arquidiocese, aos venerados Irmãos no Episcopado aqui reunidos, dos Sacerdotes aos Religiosos, às Religiosas e aos Leigos, daqueles que pertencem a outras religiões a quantos se professam não-crentes.

A minha palavra deferente e grata dirige-se, depois, ao Senhor Presidente do Conselho de Ministros, ao Presidente da Câmara Municipal da Cidade, aos Representantes das Instituições civis regionais, provinciais e municipais e a quantos contribuíram para o bom êxito da Exposição solene do Santo Sudário.

O meu olhar alarga-se, depois, ao inteiro Piemonte, que estreito num grande abraço, desejando intensamente que este encontro, etapa significativa no itinerário de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, suscite em todos um renovado fervor espiritual.

Contemplando o Sudário, brote nos crentes o desejo de procurarem constantemente o rosto do Senhor, o seu rosto misterioso, que se revela ao olhar da fé; o Seu rosto humano, que nos é dado reconhecer no dos irmãos, especialmente dos mais pobres e necessitados. Este rosto que contemplamos no Sudário fala-nos com o seu silêncio e a sua paz: torne-se fonte de serenidade e de esperança para cada um!

Com estes bons votos, invoco sobre vós a abundância das graças divinas e a todos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica.



VISITA PASTORAL À ARQUIDIOCESE DE VERCELLI E DE TURIM


PALAVRAS DO PADRE JOÃO PAULO II


NO SOLENE MOMENTO DE VENERAÇÃO


DIANTE DO SANTO SUDÁRIO


24 de Maio de 1998

: Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Com o olhar dirigido para o Sudário, desejo saudar cordialmente todos vós, fiéis da Igreja de Turim. Saúdo os peregrinos que durante o período desta exposição vêm de todas as partes do mundo, para contemplar um dos sinais mais extraordinários do amor sofredor do Redentor.

Ao entrar na Catedral, que ainda mostra as feridas causadas pelo terrível incêndio de um ano atrás, detive-me em adoração diante da Eucaristia, o Sacramento que está no centro das atenções da Igreja e, sob aparências humildes, conserva a presença verdadeira, real e substancial de Cristo. À luz da presença de Cristo no meio de nós, parei depois diante do Sudário, o precioso Linho que nos pode servir de ajuda para melhor compreender o mistério do amor do Filho de Deus por nós. Diante do Sudário, imagem intensa e comovente de um suplício inenarrável, desejo dar graças ao Senhor por este dom singular, que pede ao crente atenção amorosa e disponibilidade plena ao seguimento do Senhor.

2. O Sudário é provocação à inteligência. Ele requer, antes de tudo, o empenho de cada homem, em particular do investigador, para captar com humildade a mensagem profunda enviada à sua razão e à sua vida. O fascínio misterioso exercido pelo Sudário impele a formular interrogativos sobre a relação entre o Linho sagrado e a vicissitude histórica de Jesus. Não se tratando duma matéria de fé, a Igreja não tem competência específica para se pronunciar sobre essas questões. Ela confia aos cientistas a tarefa de continuar a indagar, para chegar a encontrar respostas adequadas aos interrogativos conexos a este Lençol que, segundo a tradição, teria envolvido o corpo do nosso Redentor quando foi deposto da cruz. A Igreja exorta a enfrentar o estudo do Sudário sem posições preconcebidas, que dão por comprovados resultados que tais não são; convida-os a agir com liberdade interior e solícito respeito quer pela metodologia científica quer pela sensibilidade dos crentes.

3. O que sobretudo conta para o crente é o facto de o Sudário ser espelho do Evangelho. Com efeito, se se reflecte sobre o Linho sagrado, não se pode prescindir da consideração que a imagem nele presente tem uma relação tão profunda com quanto os Evangelhos narram a respeito da paixão e morte de Jesus, que todo o homem sensível se sente interiormente tocado e comovido ao contemplá-lo. Quem se aproxima dele é, além disso, consciente de que o Sudário não detém em si o coração das pessoas, mas remete Àquele a cujo serviço a Providência amorosa do Pai o pôs. Portanto, é justo nutrir a consciência da preciosidade desta imagem, que todos vêem e ninguém até agora pode explicar. Para cada pessoa atenta ele é motivo de reflexões profundas, que podem chegar a envolver a vida.

O Sudário constitui assim um sinal deveras singular que remete a Jesus, a Palavra verdadeira do Pai, e convida a modelar a própria existência na d'Aquele que Se deu a Si mesmo por nós.

4. No Sudário reflecte-se a imagem do sofrimento humano. Ele recorda ao homem moderno, muitas vezes distraído pelo bem-estar e pelas conquistas tecnológicas, o drama de tantos irmãos, e convida-o a interrogar-se sobre o mistério do sofrimento para aprofundar as suas causas. A marca do corpo martirizado do Crucificado, testemunhando a tremenda capacidade do homem de provocar dor e morte aos seus semelhantes, põe-se como o ícone do sofrimento do inocente de todos os tempos: das inumeráveis tragédias que marcaram a história passada, e dos dramas que continuam a consumar-se no mundo. Diante do Sudário, como não pensar nos milhões de homens que morrem de fome, nos horrores perpetrados nas inúmeras guerras que ensanguentam as Nações, na exploração brutal de mulheres e crianças, nos milhões de seres humanos que vivem de privações e de humilhações às margens das metrópoles, especialmente nos Países em vias de desenvolvimento? Como não recordar com perturbação e piedade quantos não podem gozar dos elementares direitos civis, as vítimas da tortura e do terrorismo, os escravos de organizações criminais?

Evocando essas situações dramáticas, o Sudário não só nos impele a sair do nosso egoísmo, mas leva-nos a descobrir o mistério da dor que, santificada pelo sacrifício de Cristo, gera salvação para a humanidade inteira.

5. O Sudário é também imagem do amor de Deus, e do pecado do homem. Ele convida a descobrir a causa última da morte redentora de Jesus. No sofrimento incomensurável por ele documentado, o amor d'Aquele que «amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único» (Jn 3,16), torna-se quase palpável e manifesta as suas surpreendentes dimensões. Diante dele os crentes não podem deixar de exclamar com toda a verdade: «Senhor, não me podíeis amar mais!, e de se dar imediatamente conta de que o responsável por aquele sofrimento é o pecado: são os pecados de cada ser humano.

Ao falar-nos de amor e de pecado, o Sudário convida todos nós a imprimir no nosso espírito o rosto do amor de Deus, para excluir dele a tremenda realidade do pecado. A contemplação daquele Corpo martirizado ajuda o homem contemporâneo a libertar-se da superficialidade e do egoísmo, com que muito frequentemente trata o amor e o pecado. Fazendo eco da palavra de Deus e de séculos de consciência cristã, o Sudário sussurra: crê no amor de Deus, o maior tesouro dado à humanidade, e foge do pecado, a maior desgraça da história.

6. O Sudário é também imagem de impotência: impotência da morte, na qual se revela a consequência extrema do mistério da Encarnação. A tela do Sudário impele-nos a medir-nos com o aspecto mais conturbador do mistério da Encarnação, que é também aquele no qual se mostra com que verdade Deus Se fez verdadeiramente homem, assumindo a nossa condição em tudo, excepto no pecado. Cada um é tocado pelo pensamento que nem sequer o Filho de Deus resistiu à força da morte, mas todos nos comovemos ao pensamento de que Ele participou de tal modo na nossa condição, que quis submeter-Se à impotência total do momento em que a vida se esvai. É a experiência do Sábado Santo, passagem importante do caminho de Jesus rumo à Glória, da qual se desprende um raio de luz que investe o sofrimento e a morte de cada homem.

A fé, ao recordar-nos a vitória de Cristo, comunica-nos a certeza de que o sepulcro não é a meta última da existência. Deus chama-nos à ressurreição e à vida imortal.

7. O Sudário é imagem do silêncio. Há um silêncio trágico da incomunicabilidade, que tem na morte a sua máxima expressão, e há o silêncio da fecundidade, que é precisamente de quem renuncia a fazer-se ouvir no exterior, para atingir no profundo as raízes da verdade e da vida. O Sudário exprime não só o silêncio da morte, mas também o silêncio corajoso e fecundo da superação do efémero, graças à imersão total no eterno presente de Deus. Ele oferece, assim, a comovedora confirmação do facto que a omnipotência misericordiosa do nosso Deus não se detém por nenhuma força do mal, mas sabe antes fazer concorrer para o bem a própria força do mal. O nosso tempo tem necessidade de redescobrir a fecundidade do silêncio, para superar a dissipação dos sons, das imagens, dos palavreados que muito frequentemente impedem ouvir a voz de Deus.

8. Caríssimos Irmãos e Irmãs! O vosso Arcebispo, o caro Cardeal Giovanni Saldarini, Pontifício Guardião do Santo Sudário, propôs como lema desta Exposição solene as palavras: «Todos os homens verão a Vossa salvação». Sim, a peregrinação, que multidões numerosas estão a realizar em direcção desta Cidade, é precisamente um «vir para ver» este sinal trágico e iluminante da Paixão, que anuncia o amor do Redentor. Este ícone de Cristo abandonado na condição dramática e solene da morte, que desde há séculos é objecto de significativas representações e que há cem anos, graças à fotografia, é difundido em muitíssimas reproduções, exorta a ir ao âmago do mistério da vida e da morte, para redescobrir a mensagem grande e consoladora que nele nos é entregue. O Sudário apresenta-nos Jesus no momento da Sua máxima impotência, e recorda-nos que na anulação daquela morte está a salvação do mundo inteiro. O Sudário torna-se, assim, um convite a viver cada experiência, inclusive a do sofrimento e da suprema impotência, na atitude de quem crê que o amor misericordioso de Deus vence toda a pobreza, todo o condicionamento, toda a tentação de desespero.

O Espírito de Deus, que habita nos nossos corações, suscite em cada um o desejo e a generosidade necessários para acolher a mensagem do Sudário e fazer dela o critério inspirador da existência.

Anima Christi, santifica me!
Corpus Christi, salva me!
Passio Christi, conforta me!
Intra tua vulbera, absconde me!



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL


DA ORDEM MERCEDÁRIA





Ao Reverendo Padre Mariano LABARCA ARAYA
Mestre-Geral da Ordem de Nossa Senhora das Mercês

1. É-me grato dirigir uma cordial saudação aos participantes no Capítulo Geral da Ordem de Nossa Senhora das Mercês, de modo particular ao novo Mestre-Geral, Padre Mariano Labarca Araya. Ao felicitá-lo pela sua eleição, formulo os melhores votos de que, com renovada fidelidade ao carisma mercedário, possa conduzir os seus irmãos com coragem e clarividência rumo ao novo Milénio. Saúdo também o Padre Emílio Aguirre Herrera, exprimindo-lhe o meu apreço pela generosidade e dedicação com que guiou a Ordem nos últimos doze anos.

O meu desejo é de que este Capítulo Geral renove em todos os Mercedários o ardor e o entusiasmo necessários para seguir Cristo Redentor e, sustentados pela sua graça, «anunciar a Boa Notícia aos pobres, proclamar a libertação aos presos e aos cegos a vista, libertar os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor» (cf. Lc Lc 4,18-19), inclusivamente em contextos e países novos, de modo especial na África e na Ásia.

2. A história multissecular da vossa Ordem nasce do coração e da fé de homens ilustres e decididos que, enfrentando os desafios do seu tempo, estiveram abertos às «sugestões interiores do Espírito, que convida a ler em profundidade os desígnios da Providência» (Vita consecrata VC 73), e ofereceram novas respostas e renovados projectos de evangelização para dar testemunho do amor de Deus aos mais pobres. Esta foi a iniciativa de São Pedro Nolasco que, com a ajuda e o conselho de São Raimundo de Peñafort e do Rei Jaime I, reuniu um grupo de homens piedosos sob a Regra de Santo Agostinho, solicitando para ele a aprovação do Papa Gregório IX.

Desta decisão providencial surgiu uma admirável história de santidade e caridade que enriquece a vida da Igreja. A este propósito, há que recordar a generosa solicitude para com os cristãos prisioneiros, pagando a sua liberdade e levando-os aos seus países de origem graças à generosidade heróica de inúmeros irmãos. Deve-se salientar também a admirável labuta de evangelização, promovida pelos Mercedários a seguir ao descobrimento do Novo Mundo, na qual sobressaem ilustres figuras de santos e teólogos que enriqueceram os 780 anos da vossa história.

3. A profunda caridade e o discernimento dos sinais dos tempos à luz do Evangelho, depois da abolição da escravatura e do difícil período da Revolução Francesa, levaram a vossa Ordem a novas dimensões evangélicas, coerentes com o carisma originário e com as exigências da situação histórica concreta. Assim, Pedro Armengol Valenzuela deu novo vigor à Ordem, abrindo-lhe novos horizontes onde realizar a própria vocação de paladinos da liberdade e profetas da caridade. Desde então, os vossos apostolados têm sido: a preservação da fé, a ajuda a quantos sofrem as consequências das novas formas de escravidão, a pastoral penitenciária, a educação, as missões e as paróquias, âmbitos sempre novos em que, no nome de Cristo, se lutou contra todo o género de opressão para devolver ao homem a verdade que liberta e salva.

A este respeito, o Concílio Vaticano II favoreceu a actualização da vossa Ordem que, acolhendo o impulso de renovação promovido pelo Espírito Santo em toda a Igreja, colocou o seu rico património espiritual ao serviço do anúncio do Evangelho e da promoção dos irmãos pobres e marginalizados.

4. As rápidas e contínuas transformações por que passa a sociedade actual e a proximidade do Grande Jubileu do Ano 2000 exortam-vos a apresentar novas perspectivas à vossa generosidade, com a sua tradição de santidade e heroísmo. Como apresentar, pois, o vosso carisma redentor aos homens e mulheres do próximo milénio? Este é o interrogativo que, seguindo o exemplo de São Pedro Nolasco e das grandes figuras de sacerdotes e leigos que compartilharam este carisma, delineastes durante o Capítulo Geral, invocando sobre este a luz e a graça do Espírito Santo. A resposta exige opções audaciosas que caracterizam a missão da Igreja e foram abordadas pelas reflexões e pelos trabalhos do Capítulo.

A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata recorda que, para toda a renovação eclesial, são necessárias a conversão e a santidade. «Esta exigência chama em causa, em primeiro lugar, a vida consagrada. Na verdade, a vocação recebida pelas pessoas consagradas para procurarem acima de tudo o Reino de Deus é, antes de mais nada, um chamamento à conversão plena, renunciando a si próprias para viverem totalmente no Senhor, a fim de que Deus seja tudo em todos. Chamados a contemplar e a testemunhar o rosto "transfigurado" de Cristo, os consagrados são chamados também a uma existência transfigurada» (n. 35).


Discursos João Paulo II 1998 - 21 de Maio de 1998