Discursos João Paulo II 1998

À santidade de cada religioso deve corresponder uma profunda e fecunda comunhão fraterna que confere «força e incidência à sua acção apostólica que, no quadro da missão profética de todos os baptizados, se caracteriza geralmente por tarefas de especial colaboração com a Ordem hierárquica. Desta forma, com a riqueza dos seus carismas, [as pessoas consagradas] dão uma contribuição específica, para a Igreja realizar cada vez mais profundamente a sua natureza de sacramento da "íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano "» (Ibid., 46).

5. O vosso carisma leva-vos a considerar com solicitude as diversas formas de escravidão presentes na vida do homem, com as suas misérias morais e materiais. Este carisma exige de vós um compromisso cada vez maior, em vista do anúncio do Evangelho.

Como recorda a citada Exortação Apostólica: «Outra provocação vem, hoje, de um materialismo ávido de riqueza, sem qualquer atenção pelas exigências e sofrimentos dos mais débeis, nem consideração pelo próprio equilíbrio dos recursos naturais. A resposta da vida consagrada é dada pela profissão da pobreza evangélica, vivida sob diversas formas e acompanhada muitas vezes por um empenhamento activo na promoção da solidariedade e da caridade» (Ibid., n. 89).

A grandiosa tradição da vossa Ordem chama-vos a viver a pobreza, fortalecida e sustentada pela obediência e castidade, «com espírito mercedário», isto é, como um contínuo acto de amor para com as pessoas que são vítimas da escravidão, como capacidade de compartilhar os seus sofrimentos e como disponibilidade ao acolhimento cordial.

6. Desde as suas origens, a vossa Ordem venerou a Virgem Maria sob o título de Mãe das Mercês, escolhendo-a como modelo da sua espiritualidade e acção apostólica. Experimentando a sua presença contínua e imitando a sua disponibilidade, os Mercedários enfrentaram com coragem e confiança os compromissos às vezes pesados e árduos da missão redentora.

Ao contemplarem a sua grande fé e total obediência à vontade do Senhor, aprenderam a ler nos acontecimentos da história os chamamentos de Deus e a estar disponíveis com renovada generosidade ao serviço das vítimas da pobreza e da violência. A Ela, Mulher livre porque é cheia de graça, dirigiram o seu olhar para descobrir na oração e no amor de Deus o segredo para viver e anunciar a liberdade que Cristo nos granjeou com o seu Sangue.

Às portas de um novo Milénio, enquanto a Igreja se prepara para celebrar os dois mil anos da encarnação do Filho de Deus, desejo confiar à Mãe de Deus os vossos projectos apostólicos, as decisões capitulares e as esperanças que vos animam, a fim de que Ela vos conceda a alegria de ser instrumentos dóceis e generosos no anúncio do Evangelho aos homens do nosso tempo.

Com estes sinceros votos e enquanto invoco a protecção de São Pedro Nolasco e de todos os Santos da vossa Ordem, concedo com afecto a toda a Família Mercedária uma especial Bênção Apostólica.



Vaticano, 25 de Maio de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA DELEGAÇÃO BÚLGARA


Segunda-feira, 25 de Maio de 1998







Senhoras e Senhores

1. Sinto-me feliz por receber a Delegação da Bulgária, vinda a Roma para honrar os Santos Cirilo e Metódio, que estão sempre ligados à memória da Igreja no vosso país e no continente europeu.

A vossa peregrinação demonstra que o povo búlgaro reconhece a importância destas duas grandiosas figuras para a sua identidade.

O estilo de evangelização utilizado por Cirilo e Metódio é notável; constitui um exemplo para o diálogo entre as culturas. Efectivamente, estes dois Santos souberam anunciar o Evangelho sem impor a cultura e os costumes em que se formaram e aos quais permaneceram fiéis. Adaptaram o anúncio do Evangelho de Cristo ao mundo eslavo, sem o desnaturar nem suprimir a sua riqueza. Muito pelo contrário, a sua intenção era vincular os povos dessa região à Igreja universal e fazer resplandecer a verdade divina.

2. Cirilo e Metódio contribuíram para a formação das raízes da Europa e, também hoje, podem ajudar o continente na obra de unificação empreendida. Com efeito, a sua acção recorda que a Europa, tradicionalmente composta de duas partes desde há muito tempo separadas, pode reencontrar a sua unidade. Com culturas e iniciativas espirituais específicas, cada uma das partes contribui para o conjunto das riquezas que lhe são próprias, favorecendo assim a comunhão entre as pessoas e o diálogo fraterno entre os povos. No plano religioso, isto deve concretizar-se mediante um compromisso ecuménico cada vez mais intenso. No plano civil, constitui um convite a fazer todo o possível para que reinem a paz, a concórdia e a reconciliação.

3. Neste espírito, agradeço-vos a amável visita e formulo ardentes votos para a vossa Delegação, as Autoridades e o Povo búlgaros. Confio-vos à intercessão de Cirilo e Metódio, enquanto imploro sobre vós os benefícios das bênçãos de Deus.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO MUNDIAL


DOS MOVIMENTOS ECLESIAIS PROMOVIDO


PELO PONTIFÍCIO CONSELHO PARA OS LEIGOS


: 27 de Maio de 1998





Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. «Damos sempre graças a Deus por todos vós, lembrando-nos sem cessar de vós nas nossas orações, recordando a actividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a constância da esperança que tendes em Nosso Senhor Jesus Cristo, na presença de Deus nosso Pai» (1Th 1,2-3). Estas palavras do apóstolo Paulo ressoam com grande alegria no meu coração, enquanto, à espera de vos encontrar no Vaticano, envio a todos vós uma saudação calorosa e asseguro-vos a minha proximidade espiritual.

Dirijo um pensamento afectuoso ao Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, o Cardeal James Francis Stafford; ao Secretário, D. Stanislaw Rylko, e aos colaboradores do Dicastério. Faço extensiva a minha saudação aos responsáveis e aos delegados dos vários Movimentos, aos Pastores que os acompanham e aos ilustres relatores.

No decurso dos trabalhos do Congresso mundial, enfrentais o tema: «Os Movimentos eclesiais: comunhão e missão no limiar do terceiro milénio». Agradeço ao Pontifício Conselho para os Leigos, que assumiu a honra da promoção e organização desta importante assembleia, assim como aos Movimentos que acolheram com pronta disponibilidade o convite por mim dirigido na Vigília de Pentecostes, há dois anos. Naquela ocasião fiz votos por que, no caminho rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000, durante o ano dedicado ao Espírito Santo, eles oferecessem um «testemunho comum» e, «em comunhão com os Pastores e em ligação com as iniciativas diocesanas, [desejassem levar] ao coração da Igreja a sua riqueza espiritual, educativa e missionária, como preciosa experiência e proposta de vida cristã» (Homilia na Vigília de Pentecostes, n. 7; em: L'Osservatore Romano, ed. port., 1/6/1996, pág. 3).

De coração faço votos por que o vosso Congresso e o Encontro do dia 30 de Maio na Praça de S. Pedro ponham em evidência a fecunda vitalidade dos Movimentos no Povo de Deus, que se prepara para cruzar o limiar do terceiro milénio da era cristã.

2. Penso neste momento nos Colóquios internacionais organizados em Roma em 1981, em Rocca di Papa em 1987, em Bratislava em 1991. Segui os seus trabalhos com atenção, acompanhando-os com a oração e o constante encorajamento. Desde o início do meu Pontificado, atribui especial importância ao caminho dos Movimentos Eclesiais e tive ocasião de apreciar os frutos da sua difundida e crescente presença no decurso das visitas pastorais às paróquias e das viagens apostólicas. Constatei com prazer a sua disponibilidade para pôr as próprias energias ao serviço da Sé de Pedro e das Igrejas locais. Pude indicá-los como novidade que ainda espera ser adequadamente acolhida e valorizada. Constato hoje, e com isto me alegro, uma sua mais amadurecida autoconsciência. Eles representam um dos frutos mais significativos daquela primavera da Igreja já prenunciada pelo Concílio Vaticano II, mas infelizmente não raro obstaculizada pelo difundido processo de secularização. A sua presença é encorajadora, porque mostra que esta primavera progride, manifestando o vigor da experiência cristã sobre o encontro pessoal com Cristo. Embora na diversidade das formas, os Movimentos caracterizam-se pela comum consciência da «novidade» que a graça baptismal traz à vida, pelo singular anélito por aprofundar o mistério da comunhão com Cristo e com os irmãos, pela firme fidelidade ao património da fé transmitido pelo fluxo vivo da Tradição. Isto dá origem a um renovado impulso missionário, que leva a encontrar os homens e as mulheres da nossa época nas situações concretas em que vivem e a pousar um olhar repleto de amor sobre a dignidade, as necessidades e o destino de cada um.

São estas as razões do «testemunho comum» que, graças ao serviço a vós prestado pelo Pontifício Conselho para os Leigos e com espírito de amizade, de diálogo e de colaboração com todos os Movimentos, se concretiza agora neste Congresso mundial e, sobretudo, dentro de alguns dias, no esperado «Encontro» na Praça de S. Pedro. Um «testemunho comum», aliás, que já emerge e é experimentado na laboriosa fase preparatória destes dois eventos.

A significativa presença entre vós de Superiores e representantes de outros Dicastérios da Cúria Romana, de Bispos provenientes de diversos continentes e nações, de delegados da União Internacional dos Superiores-Gerais e das Superioras-Gerais, de convidados de várias instituições e associações, indica que a Igreja inteira está envolvida nesta iniciativa, confirmando que a dimensão de comunhão é essencial na vida dos Movimentos. Está presente, além disso, a dimensão ecuménica, que se tornou tangível pela participação de delegados fraternos de outras Igrejas e Comunhões cristãs, aos quais dirijo uma particular saudação.

3. Objectivo deste Congresso mundial é, por um lado, aprofundar a natureza teológica e a tarefa missionária dos Movimentos e, por outro, favorecer a edificação recíproca mediante o intercâmbio de testemunhos e de experiências. O vosso programa refere-se, portanto, aos aspectos cruciais da vida dos Movimentos, suscitados pelo Espírito de Cristo para um novo impulso apostólico da inteira estrutura eclesial. Na abertura dos trabalhos, desejo propor à vossa atenção algumas reflexões que, sem dúvida, teremos a oportunidade de ressaltar ulteriormente durante a celebração na Praça de S. Pedro, no próximo dia 30 de Maio.

Vós representais mais de 50 Movimentos e novas formas de vida comunitária, que são expressão de uma multiforme variedade de carismas, métodos educativos, modalidades e finalidades apostólicas. Uma multiplicidade vivida na unidade da fé, da esperança e da caridade, em obediência a Cristo e aos Pastores da Igreja. A vossa própria existência é um hino à unidade na pluriformidade querida pelo Espírito, e dela dá testemunho. Com efeito, no mistério de comunhão do Corpo de Cristo, a unidade jamais é homogeneidade monótona, negação da diversidade, assim como a pluriformidade jamais se deve tornar particularismo ou dispersão. Eis por que cada uma das vossas realidades merece ser valorizada pelo peculiar contributo que oferece à vida da Igreja.

4. O que se entende, hoje, por «Movimentos»? O termo é com frequência referido a realidades diversas entre si, às vezes, até por configuração canónica. Se, por um lado, ela não pode certamente exaurir nem fixar a riqueza das formas suscitadas pela criatividade vivificante do Espírito de Cristo, por outro, porém, está a indicar uma concreta realidade eclesial de participação prevalecentemente laical, um itinerário de fé e de testemunho cristão, que assenta o próprio método pedagógico sobre um carisma preciso dado à pessoa do fundador, em circunstâncias e modos determinados.

A originalidade própria do carisma que dá vida a um Movimento não pretende, nem o poderia, acrescentar algo à riqueza do depositum fidei, conservado pela Igreja com apaixonada fidelidade. Ela, porém, constitui um apoio poderoso, um apelo sugestivo e convincente a viver plenamente, com inteligência e criatividade, a experiência cristã. Está nisto o pressuposto para encontrar respostas adequadas aos desafios e às urgências dos tempos e das circunstâncias históricas sempre diversas.

Nessa luz, os carismas reconhecidos pela Igreja representam vias para aprofundar o conhecimento de Cristo e para se dar com mais generosidade a Ele, enraizando-se contemporaneamente sempre mais na comunhão com o inteiro povo cristão. Eles merecem, por isso, atenção da parte de cada membro da Comunidade eclesial, a começar pelos Pastores, aos quais é confiado o cuidado das Igrejas particulares, em comunhão com o Vigário de Cristo. Os Movimentos podem assim oferecer um contributo precioso à dinâmica vital da única Igreja, fundada sobre Pedro, nas diversas situações locais, sobretudo naquelas regiões onde a implantatio Ecclesiae ainda está no início ou submetida a não poucas dificuldades.

5. Muitas vezes tive ocasião de ressaltar como na Igreja não existe contraste ou contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual os Movimentos são uma expressão significativa. Ambas são co-essenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus, porque concorrem juntas para tornar presentes o mistério de Cristo e a Sua obra salvífica no mundo. Juntas, além disso, têm em vista renovar, segundo os seus modos próprios, a autoconsciência da Igreja, que se pode dizer, num certo sentido, ela mesma «movimento» enquanto acontecimento, no tempo e no espaço, da missão do Filho, por obra do Pai no poder do Espírito Santo.

Estou persuadido de que estas minhas considerações encontrarão um adequado aprofundamento no decurso dos trabalhos congressuais, que acompanho com a oração, para que deles surjam frutos copiosos em benefício da Igreja e da inteira humanidade. Com esses sentimentos e à espera de vos encontrar na Praça de São Pedro, na Vigília do Pentecostes, concedo de coração uma especial Bênção Apostólica a vós e a quantos representais.



Vaticano, 27 de Maio de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


DE NOVE NOVOS EMBAIXADORES


: Quinta-feira, 28 de Maio de 1998



Excelências

1. É com prazer que hoje vos acolho e vos apresento as boas-vindas a Roma, no momento em que entregais as Cartas que vos acreditam junto da Santa Sé como Embaixadores Extraordinários e Plenipotenciários dos vossos países: o Principado de Andorra, cujo representante é por mim recebido pela primeira vez, Gâmbia, Jordânia, Letónia, Madagáscar, Uganda, Suazilândia, Chade e Zâmbia. Nesta ocasião, devo manifestar de novo a minha estima cordial às Autoridades das vossas nações e a todos os vossos compatriotas. Ficar-vos-ia grato se apresentásseis aos vossos respectivos Chefes de Estado a minha gratidão pelas suas mensagens, pelas quais me sinto particularmente sensibilizado; além disso, peço-vos que exprimais as minhas deferentes saudações e os meus melhores votos para as suas pessoas e para a sua alta missão ao serviço do conjunto dos seus concidadãos.

2. O meu pensamento dirige-se, antes de tudo, para a África e, de modo mais especial, para a Nigéria, que tive a ocasião de visitar no passado mês de Março. O acolhimento caloroso dos responsáveis da Nação e do povo inteiro é um sinal dos recursos humanos desse País. Como os outros Países da África, ele é portador de numerosas riquezas, em particular o sentido da família, a abertura aos estrangeiros e o amor ao diálogo e à vida fraterna. Ao apoiar-se sobre estes pilares das sociedades africanas e sobre os esforços que os povos realizam, a comunidade internacional é chamada a multiplicar as suas ajudas em favor deste continente, de maneira desinteressada, para permitir aos africanos realizar por si mesmos os progressos indispensáveis para valorizar as suas terras; desta maneira, os diferentes Países poderão assim inserir-se cada vez mais nos circuitos económicos mundiais e alcançar o desenvolvimento social a que hoje aspiram legitimamente.

3. Na perspectiva muitas vezes desenvolvida pela Doutrina Social da Igreja, a solidariedade deveria chegar até à revisão profunda, e mesmo até o cancelamento da dívida destes Países mais pobres do planeta. A Caritas internationalis que, com outros organismos católicos, está empenhada nas obras de caridade e de solidariedade nos Países em vias de desenvolvimento, mostrou recentemente de maneira oportuna que uma dívida excessiva afecta os direitos dos indivíduos e dos povos, assim como a dignidade das pessoas. No passado, decisões de cancelamento da dívida tinham permitido a alguns Países em situação difícil e precária encontrar a via do progresso económico, da vida democrática e duma maior estabilidade política. Convido, pois, os Países mais ricos a reflectirem de novo sobre as suas relações com os Países pobres, que continuam com muita frequência a empobrecer- se, sobretudo por causa da sua dívida externa, que os mantém numa situação de dependência em relação a outras nações e não lhes dá a possibilidade de se governarem como entendem, nem de fazerem as reformas e as evoluções necessárias.

De igual modo, convém que os responsáveis dos Países pobres se dediquem a um desenvolvimento harmonioso do conjunto das instituições nacionais. No exercício das suas responsabilidades, eles devem ter como primeiro objectivo querer servir todos os seus compatriotas, sem distinção alguma nem espírito de partido, por amor à própria pátria, aos homens que ali residem e àqueles que ali são acolhidos, para o crescimento moral, espiritual e social de todos. Por isso, a conduta da res publica supõe uma grande atenção a todos os concidadãos, em particular aos mais débeis e àqueles que são mais duramente afligidos por um contexto económico difícil; isto requer também privilegiar o diálogo entre as diversas componentes nacionais, cujos esforços devem concorrer para o bem-estar do povo inteiro. As Autoridades institucionais devem esforçar-se por uma justa gestão da vida pública, da qual devem dar contas diante de Deus e do povo. Essas responsabilidades requerem também uma concreta abnegação, para que triunfe constantemente o sentido do serviço dos seus irmãos, sejam manifestados os princípios da vida democrática e praticados os valores que fundam a civitas.

4. O objectivo primordial dos responsáveis políticos é também chegar à paz verdadeira, que não pode ser simplesmente a ausência de conflito armado. Trata-se duma vida colectiva na concórdia, na qual todos os componentes da nação edificam a sociedade civil, no respeito pelas liberdades individuais legítimas. De maneira particular, as pessoas que têm o encargo de conduzir os destinos dos povos são, antes de tudo, chamadas a criar um clima de confiança entre os seus compatriotas, na solicitude pelo bem comum e com uma grande rectidão moral. Desta maneira, poderão viver juntos todos os indivíduos que moram num mesmo território, sem preferências nem privilégios. Com efeito, as discriminações, quaisquer que sejam, tornam-se sempre em detrimento dos mais fracos e fazem pesar graves ameaças sobre a convivência e a paz.

5. Não se pode deixar de desejar um empenhamento renovado da comunidade internacional em favor de Países que devem enfrentar problemas económicos e políticos importantes, tornando frágeis as relações internacionais. Os conflitos e as guerras jamais são as vias de um futuro que permitam esperar a resolução duma tensão no seio duma nação ou entre os Estados, nem de se obter um bem-estar legítimo. Eles são sempre gravemente nefastos para as populações e não podem ajudar os cidadãos a terem confiança nas suas instituições nem nos seus irmãos. Não podem senão gerar a escalada da violência. Sair da violência significa reconhecer as diferenças, fontes de riquezas e de dinamismo, aceitando unir o seu futuro ao dos seus irmãos. A todas as nações lanço de novo um vibrante apelo: nunca mais massacres nem guerras que desfiguram o homem e a humanidade. Nunca mais medidas discriminatórias em relação a uma parte do povo, que marginalizam pessoas por causa das suas opiniões ou da sua prática religiosa, ou as excluem de toda a participação nas questões nacionais.

6. Quereria também ressaltar a importância do prosseguimento da educação moral e cívica, em particular entre os jovens, que serão chamados amanhã a assumir uma parte activa na vida nacional. Convido, portanto, as Autoridades a cuidarem de modo especial da sua juventude, que é a primeira riqueza dum País. Muitos jovens entram na engrenagem da violência, são envolvidos em grupos armados, tomados como reféns por grupos de combatentes, precipitados nos circuitos da droga ou submetidos a situações degradantes. Ficarão para sempre feridos por elas e terão muita dificuldade para se inserir na vida social. Pode-se também temer que alimentem a espiral da violência. Ao formarem os jovens, os responsáveis das nações preparam no próprio País importantes evoluções sociais. Exorto a comunidade internacional a perseverar na ajuda que concede aos Países que se empenham numa educação renovada da sua juventude, mesmo que isto se realize por vezes à custa de pesados sacrifícios e através de numerosas dificuldades.

7. Por sua parte, a Igreja deseja prosseguir a sua obra essencial de anunciar o Evangelho, no respeito pelas tradições religiosas locais e pelas outras correntes espirituais existentes nos diferentes Países. Ela tem também a solicitude de oferecer o seu contributo aos Países e às populações locais, sem restrições nem vantagens, através de programas de carácter humanitário e social, graças ao clero e aos fiéis que, em grande número, se põem ao serviço dos seus irmãos, nas instituições que lhe pertencem ou no seio de organismos nacionais ou internacionais.

8. No decurso da vossa missão junto da Sé Apostólica, tereis a possibilidade de descobrir mais directamente as actividades e as preocupações da Igreja em todos os continentes. Há duas semanas, realizou-se em Roma a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Ásia, que foi um momento de intensa comunhão entre comunidades católicas diferentes, ao redor do Sucessor de Pedro. Os pastores fizeram-se eco das dificuldades por que passam actualmente os seus Países, em particular no que se refere aos direitos do homem; deram-se conta também do dinamismo espiritual e humano de milhões de pessoas. Ao desejar então que tenhais múltiplas oportunidades de captar, através desses eventos, a universalidade da Igreja, invoco a abundância das Bênçãos divinas, sobre as vossas pessoas e famílias, sobre os vossos colaboradores e as nações das quais sois os representantes.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR MOSES MUSONDA


EMBAIXADOR DA ZÂMBIA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


: Quinta-feira, 28 de Maio de 1998





Senhor Embaixador

No momento em que Vossa Excelência me consigna as Cartas Credenciais mediante as quais é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República da Zâmbia junto da Santa Sé, apresento-lhe as minhas calorosas saudações e dou-lhe as boas-vindas ao Vaticano. Grato pelos bons votos que me transmitiu da parte de Sua Excelência o Senhor Presidente Frederick J. Chiluba, peço que lhe comunique os meus cordiais bons votos e a certeza das minhas orações pela paz e o bem-estar da sua nação, especialmente agora que se pôs termo ao declarado estado de emergência no seu país e a situação volta à normalidade.

Embora tenham transcorrido quase dez anos desde a minha Visita pastoral à Zâmbia, as memórias do período que passei no meio do seu povo permanecem vivamente gravadas na minha mente. Realizo as minhas viagens aos vários países do mundo principalmente como Bispo de Roma e Sucessor de Pedro; ao mesmo tempo, contudo, elas oferecem-me a possibilidade de manifestar a solidariedade para com todos os povos, enquanto estes trabalham para alcançar o próprio destino. A Santa Sé está presente na comunidade internacional não como um poder político, económico ou militar, mas como um parceiro activo nos debates permanentes acerca das problemáticas morais e éticas que actualmente se apresentam ao nosso mundo.

É neste contexto que me sinto feliz por observar as declarações de Vossa Excelência a respeito da necessária contribuição dos princípios e valores cristãos na luta em vista de combater a injustiça e o mal a níveis tanto pessoal como institucional. Efectivamente, os dois grandes mandamentos que os cristãos receberam do seu Senhor – «Amarás ao Senhor teu Deus com todas as tuas forças, e ao teu próximo como a ti mesmo » (cf. Mc Mc 12,30-31) – excluem claramente todos os comportamentos e atitudes da parte dos indivíduos e também dos governantes, que possam causar danos, sofrimentos ou lesões ao próximo. É com base nestes mesmos dois mandamentos, e seguindo o exemplo do próprio Senhor, que «não veio para ser servido. Ele veio para servir» (Mt 20,28), que a Igreja está activamente comprometida na vida do seu país. Ela está presente sobretudo no campo da educação e nas áreas dos serviços à saúde e no campo social, oferecendo assistência aos habitantes da Zâmbia, independentemente da sua filiação religiosa. Aprecio muitíssimo a expressão de estima de Vossa Excelência pela contribuição que a Igreja católica oferece a este propósito.

A Igreja e a comunidade política, embora sejam independentes e autónomas, trabalham pelo bem-estar pessoal e social dos mesmos seres humanos. Por sua vez, a Igreja «contribui para que floresçam a justiça e a caridade dentro de cada nação e entre as nações. Pregando a verdade evangélica e iluminando todos os sectores da actividade humana com a sua doutrina e o testemunho dos cristãos, respeita e promove a liberdade política e a responsabilidade dos cidadãos» (Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes GS 76).

A mais importante destas liberdades e responsabilidades, e a pedra angular de todos os direitos humanos é a liberdade religiosa, pois constitui um componente insubstituível do bem dos indivíduos e da sociedade em geral. É triste que, cinquenta anos depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ainda existam milhões de pessoas em várias partes do mundo que estão a sofrer em virtude da própria crença religiosa, sujeitas à legislação repressiva e opressiva, vítimas às vezes da perseguição aberta, mas com maior frequência de subtis formas de discriminação. Tais situações constituem um mau presságio para a paz mundial e o progresso da justiça e da verdade.

A Igreja esforça-se por recordar a todas as pessoas, e de modo especial aos líderes mundiais, que a ordem social se fundamenta na pessoa humana e para ela se orienta, com os seus direitos inalienáveis que não lhe são conferidos a partir de fora, mas derivam da própria natureza humana. Nada e ninguém pode destruir estes direitos, e nem pode qualquer coacção externa eliminá-los, pois eles estão arraigados naquilo que há de mais profundamente humano. Todos os indivíduos, em conformidade com os parâmetros da sua própria consciência, devem ser livres de se expressar em actos de opção consciente. Como disse na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1988: «A liberdade de que o homem foi dotado pelo Criador é a capacidade que lhe é dada permanentemente para buscar o que é verdadeiro com a inteligência e de aderir com o coração ao bem pelo qual ele aspira naturalmente, sem estar submetido a pressões, ?constrições ?e ?violências ?de espécie alguma» (n. 1).

A liberdade dos indivíduos na sua busca da verdade e na correspondente profissão do seu credo religioso deve ser especificamente garantida no contexto da estrutura jurídica da sociedade. Isto é, «para ser mantida imune de qualquer coerção de pessoas individuais e de grupos sociais e de todo o poder humano [a liberdade religiosa]... há-de ser reconhecida e sancionada pela lei civil como direito pessoal e inalienável» (Ibidem). Este direito à liberdade religiosa não é unicamente um direito humano entre os demais, mas constitui antes o direito mais fundamental. A sua observância é a verdadeira medida do compromisso de uma sociedade na salvaguarda e defesa da dignidade humana de todos os seus membros.

Senhor Embaixador, no momento em que inicia a sua missão, asseguro-lhe a disponibilidade dos vários departamentos da Cúria Romana em assisti-lo no cumprimento dos seus deveres. Estou convicto de que o seu trabalho servirá para revigorar as boas relações que já existem entre a Santa Sé e a República da Zâmbia. Sobre Vossa Excelência e todo o povo do seu país, invoco as abundantes bênçãos de Deus Omnipotente.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO SENHOR TIBAMANYA MWENE MUSHANGA


EMBAIXADOR DE UGANDA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS


: Quinta-feira, 28 de Maio de 1998



Senhor Embaixador

Sinto-me feliz por lhe dar as boas-vindas ao Vaticano e aceitar as Cartas Credenciais com que Vossa Excelência é nomeado Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República de Uganda junto da Santa Sé. Profundamente grato pelos bons votos que Vossa Excelência me comunicou da parte do seu Presidente, Sua Excelência o Senhor Yoweri Museveni, peço que lhe transmita as minhas saudações. Com viva memória da minha Visita pastoral ao seu País em 1993 e da generosa hospitalidade que então me foi reservada, aproveito esta oportunidade para renovar ao querido povo de Uganda a certeza das minhas orações para que continue a trabalhar com sabedoria em prol do desenvolvimento da sua terra e da paz e justiça na África inteira.

É com satisfação que podemos observar inúmeros sinais de progresso e estabilidade a nível geral no seu continente; efectivamente, é com particular bom êxito que se consegue superar boa parte da desordem, tensão e derramamento de sangue dos tempos passados. Contudo, não podemos subestimar o facto de que determinadas regiões da África continuam a sofrer sob a cruel e destruidora sombra do conflito e da agressão, pondo em evidência que nem todas as ameaças à paz foram superadas. Nem sequer o seu país foi poupado das novas ondas de violência que, inflamando-se aqui e ali, continuam a afligir as populações e os Estados. Assim, observamos que ainda são fortes o desejo de manter vivas as antigas inimizades e a tentação de nutrir as injustiças do passado. É por este motivo que os povos, os governos e as organizações internacionais devem unir as próprias forças e trabalhar juntos em vista de substituir a discórdia pelo diálogo e a reconciliação. Uma grande contribuição a esta tarefa seria o desenvolvimento de mecanismos práticos para a promoção de um intercâmbio honesto entre as diferentes partes envolvidas numa disputa, aproximando as facções e trabalhando com determinação para ajudar os povos divididos pelos ressentimentos e pela má vontade a redescobrirem as vantagens da coexistência pacífica e harmoniosa.

Talvez o maior desafio aqui esteja a nível da educação, pois uma sociedade que procura ser verdadeiramente civilizada e deseja contribuir para o progresso dos povos deve cultivar em todos os seus membros uma compreensão objectiva e aberta em relação aos outros. Tal compreensão é inestimável quando se quer ajudar as pessoas a aceitar as tradições sociais, culturais e religiosas que são diferentes da sua. Além disso, constitui deveras o primeiro passo rumo à reconciliação, dado que «o respeito das diversidades constitui uma condição necessária e uma dimensão qualificativa de relações autênticas entre indivíduos e entre colectividades» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1997, n. 3). Os conflitos violentos e a agressão armada, mesmo quando parecem resolver os problemas que se apresentam, só conseguem exacerbar as dificuldades e disseminar mais tragédia e destruição.

É por este motivo que em toda a parte do mundo a Santa Sé encoraja os povos e os seus governos a superarem a «cultura da guerra» e a rejeitarem o círculo vicioso da morte e da violência. A própria Igreja está profundamente preocupada com a dimensão social da vida humana, que constitui uma parte fundamental da mensagem cristã (cf. Centesimus annus CA 5); assim, ela convida os seus membros a participarem de maneira activa na vida política, económica e social dos seus respectivos países, e a impregnarem estas mesmas áreas com a luz da fé e a mensagem evangélica da reconciliação e do perdão.

Pois bem, os requisitos da justiça são tais que os erros cometidos e os males feitos devem ser reconhecidos e reparados. Todavia, a justiça humana encontra o seu derradeiro fundamento na lei de Deus e no Seu plano de salvação para a humanidade (cf. Dives in misericordia DM 14). Portanto, a justiça não se limita em determinar o que é correcto entre as partes em conflito, mas procura sobretudo restabelecer o autêntico relacionamento com Deus, com os outros e consigo mesmo. Por este motivo, não há contradição entre o perdão e a justiça; o perdão não diminui os requisitos da justiça, mas procura reintegrar os indivíduos e os grupos na sociedade, e os Estados na comunidade das Nações, mediante um renovado sentido de responsabilidade e, onde é possível, de solidariedade com as vítimas das injustiças do passado.

Eis por que todas as pessoas são chamadas a procurar a reconciliação e a trabalhar juntas para edificar uma sociedade em que a dignidade da pessoa humana e o respeito pelos direitos do homem sejam a norma de conduta para todos – os indivíduos, os governos e os organismos internacionais. A África mesma, haurindo nos seus valores e tradições mais nobres, tem a força e a inspiração de crescer em solidariedade, justiça e reconciliação; os próprios africanos podem ajudar-se uns aos outros no progresso rumo a uma vida melhor, edificando uma sociedade mais livre e fraterna no seu continente.

Vossa Excelência apresentou várias prioridades que o seu governo se propôs para si mesmo, enquanto procura levar Uganda para uma nova era de paz e prosperidade. Vossa Excelência encontrar á nos fiéis católicos do seu país participantes solícitos na segurança da realiza ção concreta destas prioridades, particularmente da promoção e da salvaguarda dos direitos humanos, da democratização das instituições governamentais, do socorro à pobreza e da maior disponibilidade dos serviços educativos. Através da rede de escolas e de programas assistenciais da Igreja, os sacerdotes, os religiosos e os leigos hão-de continuar a trabalhar em Uganda para o bem-estar de todos os seus concidadãos – de modo especial da geração mais jovem, que constitui o maior recurso do seu país.

Senhor Embaixador, no início da sua missão transmito-lhe os meus melhores votos, assegurando-lhe que os vários departamentos da Santa Sé cooperarão no que lhes for possível, enquanto o Senhor Embaixador desempenhar as suas altas responsabilidades. Sobre Vossa Excelência e sobre o povo de Uganda, invoco as abundantes bênçãos de Deus Omnipotente.




Discursos João Paulo II 1998