AUDIÊNCIAS 1998 - AUDIÊNCIA


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 1 de Julho de 1998



1. Logo depois de o Espírito Santo ter descido sobre os Apóstolos no dia do Pentecostes, eles «começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes dava o poder de se exprimirem» (cf. Act Ac 2,4). Pode-se, portanto, dizer que a Igreja, no momento mesmo em que nasce, recebe como dom do Espírito a capacidade de «anunciar as maravilhas de Deus» (Ac 2,11): é o dom de evangelizar.

Este facto implica e revela uma lei fundamental da história da salvação: não se pode evangelizar, nem profetizar, não se pode em síntese falar do Senhor e em nome do Senhor, sem a graça e o poder do Espírito Santo. Ao servimo-nos de uma analogia biológica, poderíamos dizer que assim como a palavra humana é veiculada pelo sopro humano, assim também a Palavra de Deus é transmitida pelo sopro de Deus, pelo seu ruach ou pneuma, que é o Espírito Santo.

2. Este ligame entre o Espírito de Deus e a palavra divina pode-se notar já na experiência dos antigos profetas.

A chamada de Ezequiel é descrita como a infusão de um «espírito» na pessoa: «(O Senhor) disse-me: “Filho do homem, põe-te de pé; vou falar-te”. O espírito penetrou em mim, enquanto me falava, e mandou-me pôr de pé; e ouvi alguém que me chamava» (Ez 2,1-2).

No livro de Isaías lê-se que o futuro servo do Senhor proclamará o direito às nações, precisamente porque o Senhor pôs o Seu espírito sobre ele (cf. 42, 1).

Segundo o profeta Joel, os tempos messiânicos serão caracterizados por uma universal efusão do Espírito: «Depois disto, acontecerá que derramarei o Meu Espírito sobre toda a carne» (Jl 3,1); por efeito desta comunicação do Espírito, «os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão» (ibid.).

3. Em Jesus, o ligame Espírito-Palavra atinge o vértice: de facto, Ele é a própria Palavra que Se fez carne «por obra do Espírito Santo». Começa a pregar «com o poder do Espírito Santo» (cf. Lc Lc 4,14 ss.). Em Nazaré, na Sua pregação inaugural aplica a Si a passagem de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre Mim (...) enviou-Me para anunciar a Boa Nova aos pobres» (Lc 4,18). Como ressalta o quarto Evangelho, a missão de Jesus, «Aquele que Deus enviou» e «profere as palavras de Deus», é fruto do dom do Espírito, que Ele recebeu e dá «sem medida» (cf. Jo Jn 3,34). Ao aparecer aos Seus no cenáculo na tarde da Páscoa, Jesus faz o gesto muito expressivo de «soprar» sobre eles, dizendo: «Recebei o Espírito Santo» (cf. Jo Jn 20,21-22).

Sob aquele sopro se desenvolve a vida da Igreja. «O Espírito Santo é o protagonista de toda a missão eclesial» (Redempt. miss., 21). A Igreja anuncia o Evangelho graças à Sua presença e à Sua força salvífica. Ao dirigir-se aos cristãos de Tessalonica, São Paulo afirma: «O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras, mas também com poder e com o Espírito Santo» (1Th 1,5). São Pedro define os apóstolos «aqueles que anunciaram o Evangelho no Espírito Santo» (1P 1,12).

Mas o que significa «evangelizar no Espírito Santo»? Sinteticamente, pode-se dizer: significa evangelizar na força, na novidade, na unidade do Espírito Santo.

4. Evangelizar na força do Espírito quer dizer ser investido daquele poder que se manifestou de modo supremo na actividade evangélica de Jesus. O Evangelho diz-nos que os ouvintes se maravilhavam com Ele, porque «lhes ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas» (Mc 1,22). A palavra de Jesus «expulsa os demónios, aplaca as tempestades, cura os doentes, perdoa os pecadores, ressuscita os mortos.

A autoridade de Jesus é comunicada pelo Espírito, como dom pascal, à Igreja. Vemos assim os apóstolos ricos de parresia, ou seja, daquela franqueza que os faz falar de Jesus sem medo. Os adversários ficam maravilhados com isto, «considerando que eram iletrados e plebeus» (Ac 4,13).

Também Paulo, graças ao dom do Espírito da Nova Aliança, pode afirmar com toda a verdade: «Tendo, pois, esta esperança, agimos com plena segurança» (2Co 3,12).

Esta força do Espírito é mais do que nunca necessária ao cristão do nosso tempo, ao qual é pedido que dê testemunho da sua fé num mundo com frequência indiferente, se não hostil, fortemente marcado como está pelo relativismo e pelo hedonismo. É uma força de que têm necessidade sobretudo os pregadores, que devem repropor o Evangelho sem ceder a compromissos e falsas tergiversações, anunciando a verdade de Cristo «oportuna e inoportunamente» (2Tm 4,2).

5. O Espírito Santo assegura ao anúncio também um carácter de actualidade sempre renovada, a fim de que a pregação não decaia em vazia repetição de fórmulas e em inexpressiva aplicação de métodos. Com efeito, os pregadores devem estar ao serviço da «Nova Aliança», a qual não é «da letra», que faz morrer, mas «do Espírito», que faz viver (cf. 2Co 3,6). Não se trata de propagar o «regime antigo da letra», mas o «regime novo do Espírito» (cf. Rm Rm 7,6). É uma exigência hoje particularmente vital para a «nova evangelização». Esta será deveras «nova» no fervor, nos métodos, nas expressões, se aquele que anuncia as maravilhas de Deus e fala em nome d’Ele, tiver antes escutado Deus tornando-se dócil ao Espírito Santo. Fundamental é, portanto, a contemplação feita de escuta e oração. Se o anunciador não ora, acabará por «pregar a si mesmo» (cf. 2Co 4,5) e as suas palavras reduzir-se-ão a «conversas vãs e profanas» (cf. 2Tm 2,16).

6. O Espírito, por fim, acompanha e estimula a Igreja a evangelizar na unidade, construindo a unidade. O Pentecostes aconteceu quando os discípulos «se encontravam todos reunidos no mesmo lugar» (Ac 2,1) e se entregavam «(todos)... assiduamente à oração» (ibid., 1, 14). Depois de ter recebido o Espírito Santo, Pedro pronuncia o primeiro discurso à multidão, «de pé, com os Onze» (ibid., 2, 14): é o ícone dum anúncio coral, que assim deve permanecer também quando os anunciadores estiverem dispersos pelo mundo.

Anunciar Cristo sob o impulso do único Espírito, no limiar do terceiro milénio, implica para todos os cristãos um esforço concreto e generoso em prol da plena comunhão. É o grande empreendimento do ecumenismo, a ser ajudado com sempre renovada esperança e eficaz empenho, embora os tempos e os êxitos estejam nas mãos do Pai, que nos pede humilde prontidão ao acolher os Seus desígnios e as inspirações interiores do Espírito.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 8 de Julho de 1998



Queridos Irmãos e Irmãs,

A Igreja é vivificada e animada pelo Espírito Santo. Como vemos no Pentecostes, não basta um grupo de pessoas para se formar uma comunidade cristã; é preciso o Espírito divino. Santo Ireneu explica porquê: «Assim como não é possível, sem a água, fazer da farinha um pão, assim também nós, que somos muitos, não podíamos tornar-nos um só em Jesus Cristo, sem a água que vem do Céu», o Espírito Santo. Este habita na Igreja, não como hóspede nem um estranho, mas como a sua alma, que transforma a comunidade em templo santo de Deus, assimilando-a continuamente a Si por meio do dom que Lhe é próprio, a caridade.

Amados peregrinos do Brasil e doutros países de língua portuguesa, as minhas boas-vindas a todos vós, com votos de que esta peregrinação a Roma seja ocasião para uma maior consciência e escuta do Espírito Santo, o doce hóspede das vossas almas, que vos fará fortes na fé e corajosos no testemunho cristão. A minha Bênção desça sobre vós e sobre a vossa casa.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 22 de Julho de 1998



1. O gesto de Jesus, que na noite da Páscoa «soprou» sobre os Apóstolos comunicando-lhes o Espírito Santo (cf. Jo Jn 20,21-22), evoca a criação do homem, descrita pelo Génesis como a comunicação de «um sopro de vida» (2, 7). O Espírito Santo é como o «respiro» do Ressuscitado, que infunde a nova vida na Igreja representada pelos primeiros discípulos. O sinal mais evidente desta nova vida é o poder de perdoar os pecados. Efectivamente, Jesus diz: «Recebei o Espírito Santo. Os pecados daqueles que perdoardes, serão perdoados. Os pecados daqueles que não perdoardes, não serão perdoados» (Jn 20,22-23). Quando se efunde «o Espírito de Santificação» (Rm 1,4), destrói-se o que se opõe à santidade, ou seja, o pecado. Segundo a palavra de Cristo, o Espírito Santo é aquele que «convence o mundo do pecado» (Jn 16,8).

Ele faz com que se tome consciência do pecado, mas ao mesmo tempo é Ele mesmo que perdoa os pecados. A este propósito, S. Tomás observa: «Dado que é o Espírito Santo que funda a nossa amizade com Deus, é normal que por meio d'Ele Deus perdoe os nossos pecados» (Contr. Gent. 4, 21, 11).

2. O Espírito do Senhor não só destrói o pecado, mas realiza também uma santificação e divinização do homem. Deus «escolheu-nos – diz São Paulo – desde o princípio, para a salvação pela acção santificadora do Espírito e pela fé que vem da verdade» (cf. 2Th 2,13).

Vejamos mais de perto em que consiste esta «santificação-divinização».

O Espírito Santo é «Pessoa-Amor. É Pessoa-Dom» (Dominum et vivificantem DEV 10). Este amor concedido pelo Pai, recebido e retribuído pelo Filho, é comunicado ao homem remido, que assim se torna «homem novo» (Ep 4,24), «nova criação» (Ga 6,15). Nós, cristãos, somos não só purificados do pecado, mas também regenerados e santificados. Recebemos uma nova vida, porque nos tornamos «participantes da natureza divina» (2P 1,4): somos «chamados filhos de Deus. E somo-lo de facto!» (1Jn 3,1). É a vida da graça: o dom gratuito com que Deus nos faz partícipes da sua vida trinitária.

As três Pessoas divinas, na sua relação com os baptizados, não devem ser separadas – porque cada uma age sempre em comunhão com as outras – nem confundidas, pois cada Pessoa se comunica enquanto Pessoa.

Na reflexão sobre a graça, é importante evitar concebê-la como uma «coisa». Ela é, «antes de tudo e principalmente o dom do Espírito que nos justifica e nos santifica» (Catecismo da Igreja Católica CEC 2003). É a dádiva do Espírito Santo que nos assimila ao Filho e nos coloca em relação filial com o Pai: no único Espírito, através de Cristo, temos acesso ao Pai (cf. Ef Ep 2,18).

3. A presença do Espírito Santo realiza uma transformação que atinge o homem verdadeira e intimamente: é a graça santificadora ou deificadora, que eleva o nosso ser e o nosso agir, tornando-nos capazes de viver em relação com a Santíssima Trindade. Isto acontece mediante as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, que «adaptam as faculdades do homem à participação da natureza divina» (Catecismo da Igreja Católica CEC 1812). Assim, mediante a fé o crente considera Deus, os irmãos e a história não simplesmente segundo a perspectiva da razão, mas sob o ponto de vista da revelação divina. Com a esperança, o homem olha para o futuro com certeza confiante e activa, esperando contra toda a esperança (cf. Rm Rm 4,18), com o olhar fixo na meta da bem-aventurança eterna e da plena realização do Reino de Deus. Com a caridade, o discípulo compromete-se em amar a Deus com todo o coração e o próximo como o Senhor Jesus nos amou, ou seja, até ao dom total de si mesmo.

4. A santificação de cada fiel verifica-se sempre através da incorporação na Igreja. «A vida de cada filho de Deus em Cristo e mediante Cristo está vinculada com laços maravilhosos à vida de todos os outros irmãos cristãos, na unidade sobrenatural do Corpo místico de Cristo, até quase a formar uma única pessoa mística» (Paulo VI, Const. Apost. Indulgentiarum doctrina, 5).

Este é o mistério da comunhão dos Santos. Um vínculo perene de caridade une todos os «santos», tanto aqueles que já alcançaram a pátria celeste ou que ainda se estão a purificar no Purgatório, como aqueles que ainda são peregrinos na terra. Entre estes, existe também um abundante intercâmbio de bens, a tal ponto que a santidade de um beneficia todos. S. Tomás afirma: «Quem vive na caridade, participa em todo o bem que se faz no mundo» (In Symb. Apost.), e ainda: «O acto de um realiza-se mediante a caridade do outro, daquela caridade por meio da qual todos nós somos um só em Cristo» (In IV Sent. d. 20, a. 2; q. 3 ad 1).

5. O Concílio recordou que «todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (Lumen gentium LG 40). Concretamente, para cada fiel o caminho para se tornar santo é o da fidelidade à vontade de Deus, como no-lo exprimem a sua Palavra, os mandamentos e as inspirações do Espírito Santo. Assim como para Maria e para todos os santos, também para nós a perfeição da caridade consiste no abandono confiante nas mãos do Pai, segundo o exemplo de Jesus. Isto torna-se mais uma vez possível graças ao Espírito Santo, que também nos momentos mais difíceis nos faz repetir com Jesus: «Eis-me aqui para fazer a tua vontade» (cf. Hb He 10,7).

6. Esta santidade reflecte-se de forma própria na vida religiosa, na qual a consagração baptismal é vivida no compromisso de um seguimento radical do Senhor, através dos conselhos evangelicos de castidade, pobreza e obediência. «Assim como toda a existência cristã, também a vocação à vida consagrada está intimamente relacionada com a obra do Espírito Santo. É Ele que, pelos milénios fora, sempre induz novas pessoas a sentirem a atracção por uma opção tão comprometedora (...) É o Espírito que suscita o desejo de uma resposta cabal; é Ele que guia o crescimento deste anseio, fazendo amadurecer a resposta positiva e sustentando depois a sua fiel realização; é Ele que forma e plasma o espírito dos que são chamados, configurando-os a Cristo casto, pobre e obediente, impelindo-os a assumirem a sua missão» (Exortação Apostólica Vita consecrata VC 19).

Uma eminente expressão de santidade, que se torna possível mediante a força do Espírito Santo, é o martírio, supremo testemunho do Senhor Jesus, dado com o sangue. Mas uma significativa e fecunda forma de testemunho é já o compromisso cristão, vivido – nas várias condições de vida, dia a dia – numa radical fidelidade ao mandamento do amor.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 29 de Julho de 1998



1. Os Actos dos Apóstolos mostram-nos a primeira comunidade cristã unida por um forte vínculo de comunhão fraterna: «Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam as suas propriedades e os seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um» (2, 44-45). Não há dúvida de que na raiz deste espectáculo de amor está o Espírito Santo. A sua efusão pentecostal lança as bases da nova Jerusalém, a cidade edificada sobre o amor, totalmente antitética da velha Babel.

Segundo o texto do capítulo 11 do Génesis, os construtores de Babel decidiram edificar uma cidade com uma grande torre cujo píncaro chegasse ao céu. O autor sagrado vê nesse projecto um orgulho insensato que termina na divisão, na discórdia e na incomunicabilidade.

No Pentecostes, pelo contrário, os discípulos de Jesus não querem subir orgulhosamente ao céu, mas abrem-se com humildade para o Dom que desce do alto. Se em Babel todos falam a mesma língua, mas acabam por não se compreender, no Pentecostes falam-se línguas diferentes e não obstante todos se entendem muito bem. Este é um milagre do Espírito Santo.

2. A realização própria e específica do Espírito Santo, já no interior da Santíssima Trindade, é a comunhão: «Pode-se dizer que no Espírito Santo a vida íntima de Deus uno e trino se torna totalmente dom, permuta de amor recíproco entre as Pessoas divinas; e ainda, que no Espírito Santo Deus “existe” à maneira de Dom. O Espírito Santo é a expressão pessoal desse doar-se, desse ser-amor» (Dominum et vivificantem DEV 10). A terceira Pessoa – lemos em Santo Agostinho – é «a suma caridade que une ambas as Pessoas» (De Trin. 7, 3, 6). Com efeito, o Pai gera o Filho, amando-o; o Filho é gerado pelo Pai, deixando-se amar e recebendo d'Ele a capacidade de amar; o Espírito Santo é o amor dado pelo Pai com total gratuidade, recebido com plena gratidão pelo Filho e por Ele restituído ao Pai.

O Espírito é também o amor e a dádiva pessoal que encerra todos os dons criados: a vida, a graça e a glória. O mistério desta comunhão resplandece na Igreja, Corpo místico de Cristo, animado pelo Espírito Santo. O mesmo Espírito faz de nós «um só em Jesus Cristo» (Ga 3,28) e, assim, insere-nos na sua unidade que une o Filho ao Pai. Ficamos admirados perante esta intensa e íntima comunhão entre Deus e nós!

3. O livro dos Actos apresenta algumas situações emblemáticas que nos permitem compreender de que forma o Espírito ajuda a Igreja a viver concretamente a comunhão, fazendo-a ultrapassar os problemas que cada vez encontrará.

Quando pessoas que não pertencem ao povo de Israel entram pela primeira vez na comunidade cristã, vive-se um momento dramático. A unidade da Igreja é posta à prova. Mas eis que desce o Espírito na casa do primeiro pagão convertido, o centurião Cornélio. Ele renova o milagre do Pentecostes e estabelece um sinal a favor da unidade entre os hebreus e os gentios (cf. Act Ac 10-11). Podemos dizer que esta é a via directa para edificar a comunhão: o Espírito intervém com toda a força da sua graça e cria uma situação nova, totalmente imprevisível.

Todavia, o Espírito Santo age frequentemente servindo-se de mediações humanas. Assim aconteceu – ainda em conformidade com a narração dos Actos – quando se levantou uma discussão no interior da comunidade de Jerusalém, acerca da distribuição quotidiana entre as viúvas (cf. 6, 1 ss.). A unidade foi então restabelecida graças à intervenção dos Apóstolos, que pediram à comunidade a eleição de sete homens «repletos do Espírito» (6, 3; cf. 6, 5) e instituíram este grupo de Sete para servir à mesa.

Um momento crítico é atravessado também pela comunidade de Antioquia, constituída por cristãos provenientes do hebraísmo e do paganismo. Alguns cristãos «hebraizantes» pretendiam que estes últimos se fizessem circuncidar e observassem a lei de Moisés. Então – escreve São Lucas – «os apóstolos e os anciãos reuniram-se para tratar desse assunto» (Ac 15,6) e, depois de uma «longa discussão», alcançaram um acordo, formulado com a solene expressão: «Decidimos, o Espírito Santo e nós...» (Ac 15,28). Aqui se vê claramente como o Espírito age através da mediação dos «ministérios» da Igreja.

Entre as duas grandes vias do Espírito, a directa, de carácter mais imprevisível e carismático, e a mediada, de carácter mais permanente e institucional, não pode existir um contraste real. Ambas provêm do mesmo Espírito. Nos casos em que a debilidade humana encontrasse nisso motivos de tensão e conflito, seria preciso ater-se ao discernimento da autoridade, assistida pelo Espírito Santo, tendo em vista esta finalidade (cf. 1Co 14,37).

4. Também a aspiração à plena unidade dos cristãos é «graça do Espírito Santo» (Unitatis redintegratio UR 4). A tal propósito, nunca se pode esquecer que o Espírito é o primeiro dom comum aos cristãos divididos. Como «Princípio da unidade da Igreja» (Ibidem, 2), Ele impele-nos a reconstruí-la através da conversão do coração, da oração comum, do conhecimento recíproco, da formação ecuménica, do diálogo teológico e da cooperação nos vários âmbitos do serviço social inspirado pela caridade.

Cristo deu a vida para que todos os seus discípulos fossem um só (cf. Jo Jn 17). A celebração do Jubileu do Terceiro Milénio deverá representar uma nova etapa de superação das divisões do segundo milénio. E uma vez que a unidade é dádiva do Paráclito, consola-nos recordar que precisamente a respeito da doutrina acerca do Espírito Santo se deram passos significativos rumo à unidade entre as várias Igrejas, sobretudo entre a Igreja católica e as ortodoxas. Em particular, sobre o problema específico do Filioque, concernente à relação entre o Espírito Santo e o Verbo na sua procedência do Pai, pode-se considerar que a diversidade entre os latinos e os orientais não afecta a identidade da fé «na realidade do mesmo mistério confessado», mas sim a sua expressão, constituindo uma «legítima complementaridade» que não compromete mas, ao contrário, pode enriquecer a comunhão na única fé (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 248 Carta Apostólica Orientale lumen, 2 de Maio de 1995, n. 5; Nota do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, «As tradições grega e latina a respeito da processão do Espírito Santo», em: ed. port. de L'Osservatore Romano de 3 de Agosto de 1996, pág. 4).

5. Enfim, é necessário que o próximo Jubileu veja aumentar a caridade inclusivamente no interior da Igreja católica. Aquele amor efectivo que deve reinar em cada comunidade, «especialmente em relação aos que pertencem à nossa família na fé» (Ga 6,10), empenha cada componente eclesial, cada comunidade paroquial e diocesana, cada grupo, associação e movimento num sério exame de consciência que disponha os corações ao acolhimento da acção unificadora do Espírito Santo.

As palavras de São Bernardo são sempre actuais: «Todos nós temos necessidade uns dos outros: o bem espiritual que eu não tenho e não possuo, recebo-o dos outros (...) e todas as nossas diversidades, que manifestam a riqueza dos dons de Deus, subsistirão na única casa do Pai, que comporta muitas moradas. Agora existe a divisão de graças: depois, haverá a distinção de glórias. A unidade, tanto aqui como ali, consiste numa mesma caridade» (Apol. a Guilherme de Saint Thierry, IV, 8: PL 182, 9033-9034).
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Caríssimos Irmãos e Irmãs:

O Espírito Santo é fonte de íntima e intensa comunhão com toda a Trindade, pelo amor recíproco entre as Pessoas divinas, e como fruto de cada dom criado: a vida, a graça e a glória. O Espírito ajuda a Igreja a viver em concreto a comunhão, como «princípio de unidade da Igreja» (UR 2) e, na perspectiva do Jubileu do ano 2000, a servir de inspiração para a caridade fraterna dentro da Igreja Católica.

Saúdo com particular afecto os peregrinos de língua portuguesa aqui presentes, mormente um grupo de visitantes portugueses e outro de jovens brasileiros Salesianos. A todos formulo votos de graça, paz, saúde e alegria, e peço ao Senhor que os faça crescer na fé e na adesão prática a Jesus Cristo, Deus e Homem. Com a minha bênção.



                                                                        Agôsto de 1998

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 5 de Agôsto de 1998



1. O Novo Testamento confirma-nos a presença, nas várias comunidades cristãs, de carismas e ministérios suscitados pelo Espírito Santo. Os Actos dos Apóstolos, por exemplo, descrevem assim a comunidade cristã de Antioquia: «Havia profetas e mestres na Igreja de Antioquia. Eram eles: Barnabé, Simeão, chamado o Negro, Lúcio, da cidade de Cirene, Manaén, companheiro de infância do governador Herodes, e Saulo» (13, 1).

Assim, a comunidade de Antioquia aparece como uma realidade viva, na qual emergem dois papéis distintos: o dos profetas, que discernem e anunciam as vias de Deus, e o dos mestres, isto é, dos doutores, que aprofundam e expõem a fé de modo adequado. No primeiro, poder-se-ia vislumbrar um carácter mais carismático; no segundo, uma nota mais institucional, mas em ambos os casos, uma única obediência ao Espírito de Deus. De resto, já se pode observar este entretecimento entre os elementos carismático e institucional nas origens mesmas da comunidade de Antioquia – nascida depois da morte de Estêvão, a seguir à dispersão dos cristãos – onde alguns irmãos tinham pregado a boa nova também aos pagãos, suscitando muitas conversões. À notícia de tal evento, a comunidade-mãe de Jerusalém delegara Barnabé para uma visita à nova comunidade. E ele – narra Lucas – constatando a graça do Senhor, «ficou muito contente e animou-os a permanecerem de todo o coração ligados ao Senhor. Barnabé era homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé» (Ac 11,23-24).

Neste episódio aparece claramente o dúplice modo com que o Espírito de Deus guia a Igreja: por um lado, suscita directamente a actividade dos fiéis, abrindo novos e inéditos caminhos para o anúncio do Evangelho; por outro, provê a autenticar a sua obra através da intervenção oficial da Igreja, ali representada pela obra de Barnabé, enviado pela comunidade-mãe de Jerusalém.

2. Sobretudo São Paulo faz uma profunda reflexão sobre os carismas e os ministérios. Fá-la especialmente nos capítulos 12-14 da primeira Carta aos Coríntios. Com base nesse texto, podem-se recolher alguns elementos para delinear uma correcta teologia dos carismas.

Antes de mais, Paulo estabelece o critério fundamental de discernimento, um critério que se poderia definir «cristológico»: um carisma não é autêntico se não impelir a proclamar que Jesus Cristo é o Senhor (cf. 1Co 12,1-3).

Imediatamente depois, Paulo passa a sublinhar a variedade dos carismas e a sua unidade de origem: «Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo» (1Co 12,4). Os dons do Espírito, que Ele distribui «conforme quer» (Ibid., 12, 11), podem ser muitos e Paulo delineia um elenco dos mesmos (cf. Ibid., 12, 8-10), o qual evidentemente não tem a pretensão de ser completo. Depois, o Apóstolo ensina que a diversidade dos carismas não deve provocar divisões e por isso desenvolve a eloquente comparação dos vários membros no único corpo (cf. 1Co 12,12-27). A unidade da Igreja é dinâmica e orgânica, e todos os dons do Espírito são importantes para a vitalidade do inteiro corpo.

3. Por outro lado, Paulo ensina que Deus estabeleceu uma hierarquia de posições na Igreja (cf. Ibid., 12, 28): em primeiro lugar vêm os «apóstolos», depois os «profetas» e então os «mestres». Estas primeiras três posições são fundamentais e são elencadas segundo uma ordem decrescente.

Depois, o Apóstolo adverte que a distribuição dos dons é diversificada: nem todos possuem este ou aquele carisma (cf. Ibid., 12, 29-30); cada um tem o seu (cf. Ibid., 7, 7) e deve recebê-lo com gratidão, colocando-o generosamente ao serviço da comunidade. Esta busca de comunhão é sugerida pela caridade, que permanece a «melhor via» e o maior dom (cf. Ibid., 13, 13), sem o qual os carismas perdem todo o valor (cf. Ibid., 13, 1-3).

4. Por conseguinte, os carismas são concedidos pelo Espírito Santo a determinados fiéis, a fim de os tornar capazes de contribuir para o bem comum da Igreja.

A variedade dos carismas corresponde à variedade de serviços, que podem ser momentâneos ou duradouros, privados ou públicos. Os ministérios ordenados dos Bispos, dos Presbíteros e dos Diáconos constituem serviços estáveis e publicamente reconhecidos. Os ministe´rios laicais, fundados sobre o baptismo e a crisma, podem receber da Igreja, através do Bispo, um reconhecimento oficial ou apenas de facto.

Entre os ministérios laicais recordamos aqueles instituídos com rito litúrgico: o leitorado e o acolitado. Depois, vêm os ministros extraordinários da comunhão eucarística e os responsáveis pelas actividades eclesiais, a começar pelos catequistas, mas devem-se recordar também os «animadores da oração, do canto e da liturgia; chefes de comunidades eclesiais de base e de grupos bíblicos; encarregados das obras caritativas; administradores dos bens da Igreja; dirigentes das várias associações de apostolado; professores de religião nas escolas» (Encíclica Redemptoris missio RMi 74).

5. Segundo a mensagem de Paulo e de todo o Novo Testamento, amplamente retomado e ilustrado pelo Concílio Vaticano II (cf. Lumen gentium LG 12), não existe uma Igreja como «modelo carismático» e outra como «modelo institucional». Como pude confirmar noutra ocasião, a contraposição entre carisma e instituição é «indesejável e deletéria» (cf. Discurso aos participantes no II Colóquio internacional dos Movimentos eclesiais, 2 de Março de 1987, em Insegnamenti X/1 [1987], pág. 478; cf. também ed. port. de L'Osservatore Romano de 15 de Março de 1987, pág. 4).

Compete aos Pastores discernir a autenticidade dos carismas e de regular o seu exercício, em atitude de humilde obediência ao Espírito, de amor desinteressado pelo bem da Igreja e de dócil fidelidade à suprema lei da salvação das almas.
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Queridos Irmãos e Irmãs,

Como se deduz do Novo Testamento e amplamente ilustra o Concílio Vaticano II (segundo), não há uma Igreja de «modelo carismático» e outra de «modelo institucional»; a contraposição entre carisma e instituição deve ser banida como indesejável e nociva. De facto, é no seio da mesma e única Igreja que existem carismas e ministérios, uns e outros vividos na obediência ao Espírito Santo. O discernimento dos carismas e a regulamentação do seu exercício competem aos Pastores, que o hão-de fazer numa atitude de humilde obediência ao Espírito Santo, amor desinteressado pelo bem da Igreja, e dócil fidelidade à lei suprema da Igreja que é a salvação das almas.

Saúdo agora as paróquias portuguesas de Nossa Senhora de Fátima, em Viana do Castelo, e de Candal, e também os diversos grupos vindos do Brasil. Para vós e demais peregrinos lusófonos aqui presentes, vai a minha saudação fraterna, com votos de uma boa viagem de regresso às vossas terras e famílias, que vos esperam transfigurados pela graça desta romagem penitencial aos túmulos dos Apóstolos. Também eu vo-lo desejo, ao dar-vos, propiciadora de abundantes graças celestes, a Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 12 de Agôsto de 1998



1. Na perspectiva do Grande Jubileu do Ano 2000, desde a Encíclica Dominum et vivificantem, convidei a abarcar «com o olhar da fé o conjunto dos dois milénios da acção do Espírito da verdade, o qual, ao longo dos séculos, indo haurir do tesouro da Redenção de Cristo, foi dando aos homens a vida nova, realizando neles “a adopção filial” no Filho unigénito e santificando-os, de tal modo que eles podem repetir com São Paulo: “Recebemos o Espírito que vem de Deus” (cf. 1Co 2,12)» (Dominum et vivificantem DEV 53).

Nas catequeses anteriores delineámos a manifestação do Espírito de Deus na vida de Cristo, no Pentecostes, do qual nasceu a Igreja, e na vida pessoal e comunitária dos crentes. Mas o nosso olhar estende-se ao horizonte do mundo e de toda a história humana. Deste modo, movemo-nos no programa traçado pela própria Encíclica acerca do Espírito Santo, onde se ressalta que não é possível limitar-se aos dois mil anos transcorridos depois do nascimento de Jesus Cristo. Com efeito, é necessário «retroceder no tempo, abarcar toda a acção do Espírito Santo mesmo antes de Cristo, desde o princípio, em todo o mundo e, especialmente, na economia da Antiga Aliança» (Ibid.). É preciso, juntos, «alargar as nossas vistas para mais longe, “para o largo”, conscientes de que “o vento sopra onde quer”, segundo a imagem usada por Jesus no colóquio com Nicodemos (cf. Jo Jn 3,8(Ibid.).

2. De resto, já o Concílio Ecuménico Vaticano II, que se concentrou no mistério e na missão da Igreja no mundo, nos tinha oferecido grande amplitude de perspectivas. Para o Concílio, a acção do Espírito Santo não se pode limitar ao âmbito institucional da Igreja, na qual o Espírito também actua de maneira particular e plena, mas deve ser de igual modo reconhecida fora das fronteiras visíveis do seu Corpo (cf. Gaudium et spes, GS 22 cf. Lumen gentium, LG 16).

Por seu lado, o Catecismo da Igreja Católica recorda com toda a tradição que «a Palavra de Deus e o seu Sopro estão na origem do ser e da vida de todas as criaturas» (n. 703). E a este respeito cita um significativo texto da liturgia bizantina: «É próprio do Espírito Santo reinar, santificar e animar a Criação, porque Ele é Deus consubstancial ao Pai e ao Filho (...). Pertence-Lhe o poder sobre a vida, porque, sendo Deus, guarda a Criação no Pai pelo Filho» (Ibid.).Não existe portanto qualquer recanto da criação nem momento da história que o Espírito não abranja com a sua acção.

É verdade que todas as coisas foram criadas por Deus por meio de Cristo e para Ele (cf. Cl CL 1,16), de tal forma que o sentido e o fim último da criação é «reunir sob a chefia de Cristo todas as coisas» (Ep 1,10). É de igual modo verdade que tudo isto se verifica sob o poder do Espírito Santo. Ao ilustrar este «ritmo» trinitário da história da salvação, Santo Ireneu afirma que «o Espírito prepara com antecedência o homem para o Filho de Deus, o Filho orienta-o para o Pai, e o Pai proporciona-lhe a incorruptibilidade e a vida eterna» (Adv. Haer., IV, 20, 5).

3. O Espírito de Deus, presente na criação e actuante em todas as fases da história da salvação, tudo orienta para o acontecimento definitivo da encarnação do Verbo. Não há dúvida de que não é um Espírito diferente do que é efundido «sem medida» (cf. Jo Jn 3,34) por Cristo crucificado e ressuscitado. O mesmo e idêntico Espírito Santo prepara o advento do Messias no mundo e, através de Jesus Cristo, é comunicado por Deus Pai à Igreja e a toda a humanidade. As dimensões cristológica e pneumatológica são inseparáveis e penetram não só a história da salvação, mas toda a história do mundo.

Por conseguinte, é lícito pensar que o caminho da salvação está aberto onde quer que se encontrem elementos de verdade, bondade, autêntica beleza e verdadeira sabedoria, onde quer que se realizem esforços generosos para a edificação duma sociedade mais humana e conforme com o desígnio de Deus. Com mais razão, quando se verifica uma expectativa sincera da revelação de Deus e uma esperança aberta ao mistério que salva, é possível alcançar a obra escondida e eficaz do Espírito de Deus, que estimula o homem ao encontro com Cristo «caminho, verdade e vida» (Jn 14,6). Quando folheamos certas maravilhosas páginas de literatura e de filosofia, ou olhamos admirados para determinadas obras de arte, ou ouvimos sublimes trechos de música, é espontâneo reconhecer nestas manifestações do génio humano um determinado reflexo luminoso do Espírito de Deus. Não há dúvida que tais reflexos se apresentam a outro nível em relação àquelas intervenções que fazem do ser humano, elevado à ordem sobrenatural, um templo no qual o Espírito Santo inabita juntamente com as outras Pessoas da Santíssima Trindade (cf. S. Tomás, Summa Theol. I-II, q. 109, a.1, ad 1). Desta forma o Espírito Santo, de forma directa ou indirecta, orienta o homem para a sua salvação integral.

4. Por isso, deter-nos-emos de bom grado nas próximas catequeses a contemplar a acção do Espírito no vasto âmbito da história da humanidade. Esta perspectiva ajudar-nos-á a compreender também a relação profunda que une a Igreja e o mundo, a história global do homem e a história especial da salvação. Na realidade, esta não é uma história «separada», mas antes desempenha, em relação à primeira, um papel que poderíamos chamar «sacramental», ou seja, sinal e instrumento da única grande oferta de salvação que chegou à humanidade através da Encarnação do Verbo e da efusão do Espírito.

Nesta óptica, compreendem-se bem algumas páginas maravilhosas do Concílio Vaticano II sobre a solidariedade vigente entre a Igreja e a humanidade. Apraz-me reler nesta perspectiva pneumatológica o preâmbulo da Gaudium et spes: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada existe de verdadeiramente humano que não encontre eco em seu coração. Eles são, com efeito, uma comunidade de homens unidos em Cristo, dirigidos pelo Espírito Santo na sua peregrinação para o Reino do Pai e portadores duma mensagem de salvação, que devem comunicar a todos. É por isso que a comunidade dos cristãos se reconhece real e intimamente solidária do género humano e da sua história» (GS 1).

Vê-se aqui com clareza como a solidariedade da Igreja com o mundo e a missão a desempenhar em relação a ela devem ser compreendidas a partir de Cristo, na luz e na força do Espírito Santo. A Igreja experimenta-se assim ao serviço do Espírito que actua misteriosamente nos corações e na história. E sente-se enviada a transmitir a toda a humanidade a plenitude do Espírito recebida no dia de Pentecostes.
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Caríssimos Irmãos e Irmãs:

Nas catequeses precedentes procuramos descrever a manifestação do Espírito de Deus na vida de Cristo, em Pentecostes, donde nasceu a Igreja, e na vida pessoal e comunitária dos crentes. Agora, porém, queremos ampliar nossos horizontes e olhar para o mundo e toda a história humana. Para o Concílio Vaticano II, a acção do Espírito Santo não pode limitar-se ao âmbito institucional da Igreja, devendo ser reconhecida para além das fronteiras visíveis do seu Corpo (cf. GS, GS 22 LG 16). Afirma o Catecismo da Igreja Católica que «a Palavra de Deus e o seu Sopro estão na origem do ser e da vida de todas as criaturas» (nº 703); por isso, não pode haver nenhum aspecto da criação, ou momento da história, onde o Espírito tenha deixado de desempenhar sua acção. É, portanto, lícito pensar que tudo o que há-de bom ou de belo, ou sempre que se adunem esforços por uma sociedade mais humana e mais justa conforme os desígnios de Deus, alí abrem-se novos horizontes de salvação.

Saúdo com particular afecto os peregrinos de língua portuguesa que me escutam pela rádio ou pela televisão, mormente os portugueses do grupo «Amigos de verdade». Faço votos por que esta visita a Roma, centro da catolicidade, confirme vossa fé e se traduza num testemunho estimulante de caridade na família, no trabalho e na vida social. A todos concedo de coração uma propiciadora Bênção Apostólica.







AUDIÊNCIAS 1998 - AUDIÊNCIA