AUDIÊNCIAS 1998 - AUDIÊNCIA


JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 4 de Novembro de 1998



1. «Nós porém — ensina o apóstolo Paulo — somos cidadãos do Céu e de lá esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo miserável, tornando-o conforme ao Seu corpo glorioso com o mesmo poder que Lhe permite sujeitar ao Seu domínio todas as coisas» (Ph 3,20-21).

Assim como o Espírito Santo transfigurou o corpo de Jesus Cristo quando o Pai O ressuscitou dentre os mortos, também o mesmo Espírito revestirá da glória de Cristo os nossos corpos. Escreve São Paulo: «E se o espírito d’Aquele que ressuscitou a Jesus dos mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou a Jesus Cristo dos mortos, há-de dar igualmente a vida aos vossos corpos mortais por meio do Seu Espírito, que habita em vós» (Rm 8,11).

2. Desde o início, a fé cristã na ressurreição da carne encontrou incompreensões e oposições. Toca-o com a mão o mesmo apóstolo Paulo no momento de anunciar o Evangelho no centro do Areópago de Atenas: «Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos — narram os Actos dos Apóstolos — uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: “Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez”» (Ac 17,32).

Essa dificuldade é proposta de novo também no nosso tempo. Com efeito, por um lado, também quando se crê em qualquer forma de sobrevivência para além da morte, reage-se com cepticismo à verdade da fé que esclarece este supremo interrogativo da existência, à luz da ressurreição de Jesus Cristo. Por outro lado, não falta quem percebe o fascínio de uma crença como a da ressurreição, que está radicada no humus religioso de algumas culturas orientais (cf. Tertio millennio adveniente TMA 9).

A revelação cristã não se contenta com um vago sentimento de sobrevivência, embora aprecie a intuição de imortalidade que é expressa na doutrina de alguns grandes pesquisadores de Deus. Podemos, além disso, admitir que a ideia de uma reencarnação é suscitada pelo intenso desejo de imortalidade e pela percepção da existência humana como «prova» em vista de um fim último, bem como da necessidade de uma purificação plena para chegar à comunhão com Deus. A reencarnação, contudo, não garante a identidade única e singular de toda a criatura humana como objecto do pessoal amor de Deus, nem a integridade do ser humano como «espírito encarnado».

3. O testemunho do Novo Testamento sublinha, antes de tudo, o realismo da ressurreição também corporal de Jesus Cristo. Os Apóstolos afirmam explicitamente, baseando-se na experiência por eles vivida nas aparições do Senhor ressuscitado, que «Deus O ressuscitou ao terceiro dia e Lhe permitiu manifestar-Se... às testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois da Sua ressurreição dos mortos» (Ac 10,40-41). Também o quarto Evangelho ressalta este realismo, quando, por exemplo, nos narra o episódio do apóstolo Tomé que é convidado por Jesus a colocar o dedo no lugar dos cravos e a mão no lado trespassado do Senhor (cf. Jo Jn 20,24-29). Assim também, na aparição à margem do lago de Tiberíades, quando Jesus ressuscitado «tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe» (Jn 21,13).

Esse realismo das aparições testemunha que Jesus ressuscitou com o Seu corpo e, com este corpo, vive junto do Pai. Trata-se, contudo, de um corpo glorioso, já não sujeito às leis do espaço e do tempo, transfigurado na glória do Pai. Em Cristo ressuscitado é manifestada aquela fase escatológica à qual, um dia, são chamados a chegar todos aqueles que acolheram a Sua redenção, precedidos pela Virgem Santa que «terminado o curso da vida terrena, foi elevada à glória do céu em corpo e alma» (Pio XII, Const. Apost. Munificentissimus Deus, 1/11/1959, DS 3903 cf. Lumen gentium LG 59).

4. Tendo como ponto de referência o relato da criação narrado pelo livro do Génesis e interpretando a ressurreição de Jesus como a «nova criação», o apóstolo Paulo pode então afirmar: «O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente: o último Adão é um espírito vivificante» (1Co 15,45). A realidade glorificada de Cristo, com efeito, através da efusão do Espírito Santo, é participada de modo misterioso, mas real, também a todos aqueles que n’Ele crêem.

Assim, em Cristo «todos ressuscitarão com os corpos de que agora estão revestidos» (Concílio Lateranense IV: DS 801), mas este nosso corpo será transfigurado em corpo glorioso (cf. Fl Ph 3,21), em «corpo espiritual» (1Co 15,44). Paulo, na primeira Carta aos Coríntios, àqueles que lhe perguntam: «Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo voltam eles?», responde servindo-se da imagem da semente que morre para se abrir à nova vida: «O que semeias não torna vida, se primeiro não morrer. E o que semeias não é o corpo que há-de vir, mas sim um grão simples de trigo, por exemplo, ou de qualquer outra espécie (...). Assim também é a ressurreição: semeia-se na corrupção e ressuscita-se na incorrupção. Semeia-se na ignomínia e ressuscita-se na glória. Semeia-se na fraqueza, ressuscita-se na força. Semeia-se corpo natural e ressuscita-se corpo espiritual (...). É necessário que este corpo incorruptível se revista de incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista de imortalidade» (1Co 15,36-37 1Co 15,42-44 1Co 15,52).

Certamente — explica o Catecismo da Igreja Católica — o «como» isto acontecerá «ultrapassa a nossa imaginação e o nosso entendimento; só na fé se torna acessível. Mas a nossa participação na Eucaristia dá-nos já um antegozo da transfiguração do nosso corpo por Cristo» (n. 1000).

Através da Eucaristia Jesus dá-nos, sob as espécies do pão e do vinho, a Sua carne vivificada pelo Espírito Santo e que vivifica a nossa carne, a fim de nos fazer participantes, com todo o nosso ser, espírito e corpo, na Sua ressurreição e condição de glória. Ireneu de Lião ensina a esse respeito: «Assim como o pão que é fruto da terra, depois de ter sido invocada sobre ele a bênção divina, já não é pão comum, mas Eucaristia, composta de duas realidades, uma terrena e outra celeste, assim também os nossos corpos que recebem a Eucaristia já não são corruptíveis, a partir do momento que trazem em si o gérmen da ressurreição? (Adversus haereses, 4, 18, 4-5).

5. Tudo o que até aqui dissemos, sintetizando o ensinamento da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja, explica-nos porque «o Credo cristão... culmina na proclamação da ressurreição dos mortos, no fim dos tempos, e na vida eterna» (CEC 988). Com a encarnação o Verbo de Deus assumiu a condição humana (cf. Jo Jn 1,14) tornando-a partícipe, através da Sua morte e ressurreição, da Sua mesma glória de Unigénito do Pai. Mediante os dons do Espírito e da carne de Cristo glorificada na Eucaristia, Deus Pai infunde em todo o ser do homem e, de certo modo, no próprio cosmos o anélito a este destino. Como diz São Paulo: «A criação aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus; (...) e nutre a esperança de ser, também ela, libertada da servidão da corrupção para participar, livremente, da glória dos filhos de Deus» (Rm 8,19-21).



Saúdo cordialmente os peregrinos de língua portuguesa que porventura se encontrem aqui presentes na praça S. Pedro, e a todos os que me ouvem pela rádio ou pela televisão, de modo especial os portugueses e brasileiros anunciados. A todos formulo meus votos de paz e de alegria no Senhor, e invoco abundantes luzes do Espírito Consolador, para que vos inspire um amor desinteressado pelos demais e vos anime a ser solidários com os que sofrem e padecem necessidade, ao conceder-vos de coração, extensiva às vossas famílias, minha Bênção Apostólica.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 11 de Novembro de 1998



1. O Espírito Santo, efundido «sem medida» por Jesus Cristo crucificado e ressuscitado, é «Aquele que constrói o Reino de Deus no curso da história e prepara a sua plena manifestação em Jesus Cristo... que acontecerá no fim dos tempos» (Tertio millennio adveniente TMA 45). Nesta perspectiva escatológica os crentes são chamados, neste ano dedicado ao Espírito Santo, a redescobrir a virtude teologal da esperança, que, «por um lado, impele o cristão a não perder de vista a meta final que dá sentido e valor à sua existência inteira e, por outro, oferece-lhe motivações sólidas e profundas para o empenhamento quotidiano na transformação da realidade a fim de a tornar conforme ao projecto de Deus» (ibid., TMA 46).

2. São Paulo sublinha o vínculo íntimo e profundo que existe entre o dom do Espírito Santo e a virtude da esperança. «A esperança – diz ele na Carta aos Romanos – não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido» (5, 5). Sim: precisamente o dom do Espírito Santo, ao colmar o nosso coração do amor de Deus e ao tornar-nos, em Jesus Cristo, filhos do Pai (cf. Ga 4,6), suscita em nós a esperança certa que nada «poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor» (Rm 8,39).

Por este motivo, o Deus que Se revelou na «plenitude dos tempos» em Jesus Cristo é verdadeiramente «o Deus da esperança», que enche de alegria e paz os crentes, fazendo-os abundar «na esperança pela virtude do Espírito Santo» (Rm 15,13). Por isso, os cristãos são chamados a ser no mundo testemunhas desta jubilosa esperança, «sempre prontos a responder a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança» (1P 3,15).

3. A esperança cristã realiza plenamente a esperança suscitada por Deus no povo de Israel, e que encontra a própria origem e o próprio modelo em Abraão, o qual, «contra o que podia esperar, acreditou que havia de ser pai de muitas nações» (Rm 4,18). Ratificada na aliança estabelecida pelo Senhor, através de Moisés, com o Seu povo, a esperança de Israel foi reacendida continuamente, no curso dos séculos, pela pregação dos profetas. Ela, por fim, concentrou-se na promessa da efusão escatológica do Espírito de Deus sobre o Messias e sobre todo o povo (cf. Is 11,2 Ez 36,27 Ga 3,1-2).

Em Jesus se cumpre esta promessa. Ele não é apenas a testemunha da esperança que se abre diante de quem se torna Seu discípulo. Ele mesmo é, na Sua pessoa e na Sua obra de salvação, «a nossa esperança» (1Tm 1,1), pois anuncia e actua o Reino de Deus. A «magna charta» deste Reino é constituída pelas bem-aventuranças (cf. Mt 5,3-12). «As bem-aventuranças elevam a nossa esperança para o Céu, como nova terra prometida e traçam-lhe o caminho através das provações que esperam os discípulos de Jesus» (Catecismo da Igreja Católica CEC 1820).

4. Constituído Cristo e Senhor na Páscoa (cf. Ac 2,36) Jesus torna-Se «espírito vivificante» (1Co 15,45), e os crentes, baptizados n’Ele com a água e o Espírito (cf. Jo Jn 3,5), são «regenerados para uma esperança viva» (1P 1,3). Agora, o dom da salvação, por meio do Espírito Santo é o penhor e a garantia (cf. 2Co 1,21-22 Ep 1,13-14), da plena comunhão com Deus à qual Cristo nos conduz. O Espírito Santo – lê-se na Carta a Tito – foi «derramado sobre nós abundantemente por Jesus Cristo, nosso Salvador, a fim de que, justificados pela Sua graça, sejamos herdeiros da vida eterna, conforme a nossa esperança» (Tt 3,6-7).

5. Também segundo os Padres da Igreja, é o Espírito Santo «o dom que nos concede a esperança perfeita» (Santo Hilário de Poitiers, De Trinitate, II, 1). Diz São Paulo, com efeito: «atesta em união com o nosso espírito que somos filhos de Deus; filhos e igualmente herdeiros – herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo» (Rm 8,16-17).

A existência cristã cresce e amadurece até à sua plenitude, a partir daquele «já» da salvação que é a vida como filhos de Deus em Cristo, participada a nós pelo Espírito Santo. Da experiência deste dom, ela aspira com esperança confiante ao «ainda não» e ao «ainda mais», que Deus nos prometeu e nos dará no fim dos tempos. Como de facto argumenta São Paulo, se alguém é realmente filho, então ele é também herdeiro de tudo aquilo que pertence ao Pai com Cristo, o «Primogénito de muitos irmãos» (Rm 8,29). «Tudo quanto o Pai tem é Meu», afirma Jesus (Jn 16,15). Por este motivo, Ele, ao comunicar-nos o seu Espírito, torna-nos partícipes da herança do Pai e dá-nos desde agora o penhor e as primícias. Essa realidade divina é a inexaurível fonte da esperança cristã.

6. A doutrina da Igreja concebe a esperança como uma das três virtudes teologais, efundidas por Deus por meio do Espírito Santo no coração dos crentes. Ela é aquela virtude «pela qual desejamos o Reino dos Céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo» (CEC 1817).

Ao dom da esperança «há-de ser prestada uma particular atenção, especialmente no nosso tempo, em que muitos homens – também não poucos cristãos – se debatem entre a ilusão e o mito de uma capacidade infinita de auto-redenção e realização de si, e a tentação do pessimismo na experiência das frequentes desilusões e derrotas» (Audiência geral, 3/7/91, em L’Osserv. Rom. ed de 7/7/91, pág. 12).

Muitos perigos parecem incumbir sobre o futuro da humanidade e inúmeras incertezas pesam sobre os destinos pessoais, e não raro sentimo-nos incapazes de os enfrentar. Também a crise do sentido do existir e o enigma do sofrimento e da morte voltam com insistência a bater à porta do coração dos nossos contemporâneos.

A mensagem de esperança que vem de Jesus Cristo ilumina este horizonte denso de incertezas e de pessimismo. A esperança sustenta-nos e protege no bom combate da fé (cf. Rm Rm 12,12), Ela é alimentada na oração, de modo muito particular no «Pai-Nosso», «resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar» (CEC 1820).

7. Hoje não basta despertar a esperança na interioridade da consciência de cada um; é preciso «cruzar juntos o limiar da esperança».

A esperança, de facto, tem essencialmente – como teremos oportunidade de aprofundar – também uma dimensão comunitária e social, de tal forma que aquilo que o Apóstolo diz em sentido próprio e directo em relação à Igreja, pode ser em sentido lato aplicado à vocação da inteira humanidade: «Há um só corpo e um só Espírito, como existe uma só esperança no chamamento que recebestes» (Ep 4,4).

Saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa e de modo especial os brasileiros aqui presentes, invocando as consolações e luzes do Espírito de Deus para que, vencidos pessimismos e desilusões da vida, possam cruzar, juntamente com os seres queridos, o limiar da esperança. Como penhor destes votos e preces, sobre todos desça a minha Bênção.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 18 de Novembro de 1998



Caríssimos Irmãos e Irmãs de língua portuguesa:

Já tive oportunidade de escrever, no marco da preparação para o grande Jubileu do Ano 2000, que é necessário valorizar «os sinais de esperança presentes neste epílogo de século», não obstante as sombras que frequentemente se escondem aos nossos olhos (cf. TMA TMA 46). O progresso da técnica, sobretudo da medicina; o desenvolvimento dos meios de comunicação; a atitude de maior responsabilidade face ao ecossistema e, de modo especial, os esforços por restabelecer a paz e a justiça onde quer que sejam violadas, constituem autênticos sinais de esperança no caminho da humanidade. Peço a Deus que, aquela «civilização do amor», preconizada pelo meu venerável predecessor, o Papa Paulo VI, baseada no «Deus que é caridade» (cf. 1Jn 4,8), reine na família humana e inspire os mais nobres sentimentos de fraternidade universal.

Dou minha boas-vindas a quantos participam nesta Audiência. A todos desejo felicidades, com abundantes favores de graças celestes. Em particular, saúdo os peregrinos e visitantes vindos do Brasil; faço votos por que, desta visita a Roma e deste encontro, leveis revigorada a fé e a esperança na assistência do Espírito Santo que dá a vida, presente e actuante na Eucaristia, na Igreja e nos corações em graça de Deus. Com a minha Bênção Apostólica, extensiva aos vossos familiares.



JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 25 de Novembro de 1998



Os sinais de esperança presentes na Igreja

1. Na catequese precedente detivemo-nos sobre os «sinais de esperança» presentes no nosso mundo. Hoje, queremos continuar a reflexão considerando alguns «sinais de esperança» presentes na Igreja, para que as comunidades cristãs saibam sempre melhor acolhê-los e valorizá-los. Com efeito, eles são suscitados pela acção do Espírito Santo que, ao longo do curso dos séculos, «pela força do Evangelho rejuvenesce a Igreja e a renova continuamente e a leva à união perfeita com o seu Esposo» (Lumen gentium LG 4).

Entre os acontecimentos eclesiais que marcaram amplamente o nosso século, o primeiro lugar compete ao Concílio Ecuménico Vaticano II. Graças a ele, a Igreja extraiu do seu tesouro «coisas novas e coisas antigas» (cf. Mt Mt 13,52), e experimentou de certo modo a graça de um renovado Pentecostes (cf. Discurso de João XXIII, Mensagens e Colóquios V [1962/1963], pág. 29). Considerando bem, os sinais de esperança que animam hoje a missão da Igreja estão estritamente ligados a esta efusão abundante do Espírito Santo que a Igreja experimentou na preparação, celebração e aplicação do Concílio Vaticano II.

2. A escuta daquilo que «o Espírito diz à Igreja e às Igrejas» (Tertio millennio adveniente TMA 23 cf. Ap Ap 2,7 ss), manifesta-se no acolhimento dos carismas que Ele distribui com abundância. A sua redescoberta e valorização tem incrementado uma comunhão mais viva entre as várias vocações do Povo de Deus, assim como um jubiloso e renovado impulso de evangelização.

Em particular, o Espírito Santo impele hoje a Igreja a promover a vocação e a missão dos fiéis leigos. A sua participação e co-responsabilidade na vida da comunidade cristã e a sua multiforme presença de apostolado e de serviço na sociedade induzem-nos a aguardar com esperança, no alvorecer do terceiro Milénio, uma epifania madura e fecunda do laicado. Uma análoga expectativa refere-se ao papel que a mulher é chamada a assumir. Como na sociedade civil, também na Igreja está a revelar-se sempre melhor o «génio feminino», que é preciso reconhecer sempre mais nas formas apropriadas à vocação da mulher, em conformidade com o desígnio de Deus.

Além disso, não podemos esquecer que um dos dons concedidos pelo Espírito ao nosso tempo é o florescimento dos movimentos eclesiais, que desde o início do meu Pontificado continuo a indicar como motivo de esperança para a Igreja e para a sociedade. Eles «são um sinal da liberdade de formas, nas quais se realiza a única Igreja, e representam uma novidade segura, que ainda espera ser adequadamente compreendida em toda a sua eficácia positiva para o Reino de Deus, em actuação no presente da história» (L’Osserv. Rom. 7/10/84, pág. Rm 4).

3. O nosso século viu depois germinar e crescer a semente do movimento ecuménico, no qual o Espírito Santo envolveu os membros das diversas Igrejas e comunidades eclesiais a procurarem as vias do diálogo, para o restabelecimento da plena unidade.

Em particular, graças ao Vaticano II, a busca da unidade e a preocupação ecuménica foram adquiridas como «uma dimensão necessária de toda a vida da Igreja» e um empenho prioritário, para o qual a Igreja católica «quer contribuir com todas as suas possibilidades» (L’Osserv. Rom. 7/7/85, pág. Rm 5). O diálogo da verdade, precedido e acompanhado pelo diálogo da caridade, está pouco a pouco adquirindo notáveis resultados. Além disso, fortaleceu-se a consciência de que a verdadeira alma do movimento para a recomposição da unidade dos cristãos é o ecumenismo espiritual, ou seja, a conversão do coração, a oração e a santidade da vida (cf. Unitatis redintegratio UR 8).

4. Entre os outros numerosos sinais de esperança, quereria por fim mencionar «o espaço dado ao diálogo com as religiões e com a cultura contemporânea» (Tertio millennio adveniente TMA 46).

Quanto ao primeiro, basta recordar o alcance profético pouco a pouco assumido pela declaração do Concílio Vaticano II Nostra aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs. Múltiplas experiências de encontro e de diálogo, a vários níveis, foram realizadas e estão a realizar-se em todas as partes do mundo, entre expoentes das diversas religiões. Em particular é-nos grato evocar os grandes passos dados avante no diálogo com os judeus, os nossos «irmãos maiores».

É um grande sinal de esperança para a humanidade o facto que as religiões se abrem com confiança ao diálogo e percebem a urgência de unir os próprios esforços, para dar uma alma ao progresso e contribuir no empenho moral dos povos. A fé na acção incessante do Espírito faz-nos esperar que, também através desta via de recíproca atenção e estima, se possa realizar para todos a abertura a Cristo, a Luz verdadeira, que «a todo o homem ilumina» (Jn 1,9).

No que se refere ao diálogo com a cultura, está a revelar-se de providencial eficácia a orientação formulada pelo Vaticano II: «Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja como realidade social da história e seu fermento, assim também a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género humano» (Gaudium et spes GS 44). Os contactos realizados neste campo já superaram preconceitos injustificados. Também a nova atenção reservada por várias correntes culturais do nosso tempo à experiência religiosa e, em particular, ao cristianismo, impele-nos a prosseguir com tenacidade o caminho empreendido na direcção de um renovado encontro entre o Evangelho e a cultura.

5. Nestes múltiplos sinais de esperança, não podemos deixar de reconhecer a acção do Espírito de Deus. Mas, em plena dependência e comunhão com Ele, é-me grato divisar neles também o papel de Maria, «modelada pelo próprio Espírito Santo que d’Ela fez uma nova criatura» (Lumen gentium LG 56). Ela intercede maternalmente pela Igreja e impele-a pela via da santidade e da docilidade ao Paráclito. No alvorecer do novo milénio, divisamos com alegria o emergir daquele «perfil mariano» da Igreja (cf. Insegnamenti X/3 [1987], pág. 1483), que compendia em si o conteúdo mais profundo da renovação conciliar.
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Queridos Irmãos e Irmãs,

Na missão eclesial, aparecem hoje vários sinais de esperança, ligados intimamente com aquela abundante efusão do Espírito Santo (como se fosse um novo Pentecostes), que a Igreja experimentou na preparação, celebração e aplicação do Concílio Vaticano II. Eis alguns desses sinais: a descoberta e valorização dos carismas que o mesmo Espírito distribui e faz germinar numa acção mais madura e fecunda do laicado, numa maior afirmação da mulher fazendo colorir a vida com o seu «génio feminino», e num prodigioso florescimento dos movimentos eclesiais. Tudo isto modelado pela figura de Maria, que maternalmente intercede pela Igreja e a atrai pelo caminho da santidade e da docilidade ao Espírito Paráclito. Ao alvorecer do novo milénio, vemos sobressair este «perfil mariano» da Igreja, no qual se resume o conteúdo mais profundo da renovação conciliar.

A minha saudação de paz e bênção para todos os peregrinos de língua portuguesa, nomeadamente o grupo de visitantes brasileiros e os portugueses da paróquia da Várzea de Lafões, cuja padroeira é Nossa Senhora da Expectação. Está para começar o Advento, e eu desejo-vos que vivais este tempo como a Virgem Mãe na feliz expectativa do Salvador que vem. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

É-me grato dirigir a todos vós a minha cordial saudação, caros jovens da Escola de Alunos Sargentos e Brigadeiros de Velletri e militares da Marinha de Espézia. Bem-vindos e obrigado pela vossa agradável visita.

Saúdo o Ordinário Militar, D. Giuseppe Mani; dirijo um respeitoso pensamento aos Oficiais e Suboficiais que vos acompanham. Uma saudação ainda aos queridos Capelães militares, sacerdotes e guias das vossas comunidades. Nesta circunstância, formulo a todos os votos mais cordiais de poderdes fazer da vossa vida um autêntico e constante encontro com Cristo.

O Evangelho mostra-nos que entre os militares e Jesus houve contactos muito significativos. Pensamos, por exemplo, nas palavras que todas as vezes repetimos no momento da santa Comunhão: «Não sou digno...». Elas são de um centurião romano, que assim expressou a sua fé, a sua admiração por Jesus Cristo, a sua profunda humildade e a sua premente súplica pela cura do servo (cf. Mt Mt 8,8 Lc 7,8). Lemos depois nos Actos dos Apóstolos que o primeiro convertido sob a influência do Espírito Santo - convertido não judeu, mas pagão - foi um centurião romano, de nome Cornélio (cf. Act Ac 10,1-48).

Caros jovens, encorajo-vos a unir também vós uma sempre mais convicta vida de fé com a vossa experiência militar, alimentando-a com o recurso frequente à oração. Asseguro-vos a minha lembrança junto do Senhor e, de coração, abençoo-vos.



                                                                          Dezembro de 1998

JOÃO PAULO II

AUDIÊNCIA

Quarta-feira 2 de Dezembro de 1998



1. O Espírito Santo é a fonte da «esperança que não nos deixa confundidos» (Rm 5,5). Nesta luz, depois de ter examinado alguns dos «sinais de esperança» presentes no nosso tempo, hoje queremos aprofundar o significado da esperança cristã no tempo de expectativa e de preparação do advento do Reino de Deus em Cristo, no fim dos tempos. A respeito disso, como sublinhei na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente, é preciso recordar que «a atitude fundamental da esperança, por um lado impele o cristão a não perder de vista a meta final que dá sentido e valor à sua existência inteira, e por outro oferece-lhe motivações sólidas e profundas para o empenhamento quotidiano na transformação da realidade a fim de a tornar conforme ao projecto de Deus» (n. 46).

2. A esperança do advento definitivo do Reino de Deus, assim como o empenho de transformação do mundo à luz do Evangelho, têm na realidade uma única e mesma fonte no dom escatológico do Espírito Santo. «Penhor da nossa herança, enquanto esperamos a completa redenção» (Ep 1,14), Ele suscita o ardente desejo da vida plena e definitiva com Cristo, e ao mesmo tempo infunde em nós a força para difundirmos em toda a terra o fermento do Reino de Deus.

Trata-se, de algum modo, de uma actuação antecipada do Reino de Deus entre os homens, graças à ressurreição de Cristo. N’Ele, Verbo encarnado, morto e ressuscitado por nós, o Céu desceu à terra e a terra, na sua humanidade glorificada, subiu ao Céu. Jesus ressuscitado está presente no meio do Seu povo e no coração da história humana. Por meio do Espírito Santo, Ele reveste de Si aqueles que na fé e na caridade se abrem a Ele, antes, transfigura-os progressivamente, tornando-os partícipes da Sua própria existência glorificada. Eles já vivem e agem no mundo com o olhar sempre fixo na meta final: «Se, pois, ressuscitastes com Cristo – exorta São Paulo – buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus» (CL 3,1-4). Os crentes, portanto, são chamados a ser no mundo testemunhas da ressurreição de Cristo e, ao mesmo tempo, construtores de uma sociedade nova.

3. O sinal sacramental por excelência das últimas realidades, já antecipadas e actualizadas na Igreja, é a Eucaristia. Nela, o Espírito, invocado na epíclese, «transubstancia» a realidade sensível do pão e do vinho na nova realidade do Corpo e Sangue de Cristo. Na Eucaristia o Senhor ressuscitado está realmente presente e, n’Ele, a humanidade e o universo assumem o selo da nova criação. Na Eucaristia são pregustadas as realidades definitivas e o mundo começa a ser aquilo que será por ocasião do advento final do Senhor.

A Eucaristia, ápice da vida cristã, plasma não só a existência pessoal do cristão, mas também a vida da comunidade eclesial e, de algum modo, da sociedade inteira. Com efeito, o povo de Deus recebe da Eucaristia aquela energia divina que o solicita a viver profundamente a comunhão de amor, significada e realizada pela participação na única mesa. Daí resulta o impulso a compartilhar, em espírito de fraternidade, também os bens materiais, orientando-os para a edificação do Reino de Deus (cf. Act Ac 2,42-45). A Igreja torna-se deste modo «pão repartido» para o mundo: para as pessoas, no meio das quais ela vive, especialmente para os mais necessitados. A celebração eucarística é a fonte das diversas obras de caridade e de ajuda recíproca, da acção missionária e das várias formas de testemunho cristão, através das quais o mundo é ajudado a acolher a vocação da Igreja segundo o desígnio de Deus.

Além disso, ao manter viva a vocação a não se conformar com a mentalidade do mundo presente e a viver na expectativa de Cristo «até que Ele venha», a Eucaristia ensina ao povo de Deus a via para purificar e aperfeiçoar as actividades humanas, imergindo-as no mistério pascal da cruz e ressurreição.

4. Compreende-se, assim, o verdadeiro significado da esperança cristã. Orientando os nossos olhos para «os novos céus e a nova terra», onde a justiça terá morada estável (cf. 2P 3,13), ela «não deve enfraquecer, mas antes activar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do mundo futuro» (Gaudium et spes GS 39).

O anúncio de esperança oferecido pela comunidade cristã, em particular, deve impregnar como fermento de ressurreição o empenho cultural, social, económico e político dos fiéis leigos.

Se é verdade que se deve distinguir com cuidado o progresso terreno do desenvolvimento do Reino de Deus (cf. ibid.), é de igual modo verdade que no Reino de Deus, completado no fim dos tempos, «permanecerá a caridade com os seus frutos (cf. 1Co 13,8 CL 3,14)» (ibid.). Isto significa que tudo o que é realizado na caridade de Cristo, antecipa a ressurreição final e o advento do Reino de Deus.

5. A espiritualidade do cristão aparece assim na sua verdadeira luz: ela não é uma espiritualidade de fuga ou rejeição do mundo, mas nem sequer se reduz a uma simples actividade de ordem temporal. Penetrada pelo Espírito da vida efundido pelo Ressuscitado, ela é uma espiritualidade de transfiguração do mundo e de esperança na vinda do Reino de Deus.

Graças a ela, os cristãos podem descobrir que as realizações do pensamento e da arte, da ciência e da técnica, quando são vividas no espírito do Evangelho, testemunham o expandir-se do Espírito de Deus em todas as realidades terrenas. Deste modo, não só na oração, mas também na fadiga quotidiana despendida para a preparação do Reino de Deus na história, faz-se ouvir a voz do Espírito e da esposa que invocam: «Vem!... Vem, Senhor Jesus» (Ap 22,17 Ap 22,20). É a estupenda conclusão do Apocalipse e, pode-se dizer, o selo cristão da história.



Queridos Irmãos e Irmãs,

A espiritualidade do cristão não é uma espiritualidade de fuga nem de rejeição do mundo, mas antes de transfiguração do mundo e de esperança na vinda do Reino de Deus. Na verdade, se há que distinguir cuidadosamente o progresso terreno do crescimento do Reino de Deus, sabemos também que, quando este se cumprir plenamente no fim dos tempos, nele permanecerá a caridade com os seus frutos. Isto significa que tudo aquilo que for feito na caridade de Cristo antecipa a ressurreição final e o advento do Reino de Deus.

Amados peregrinos de língua portuguesa, queridos brasileiros, sede benvindos! Quando Deus precisou de vir à terra, serviu-Lhe de passagem a Virgem Imaculada. Viveu como todas as mulheres do seu tempo, mas, na sua vida simples de todos os dias, Maria deu livre trânsito a Deus. Fazei como Ela: dai a Deus livre trânsito na vossa vida, e sereis abençoados!



AUDIÊNCIAS 1998 - AUDIÊNCIA