Discursos João Paulo II 1998 - Sábado, 17 de Janeiro de 1998


Discurso na Cerimónia de Chegada, no aeroporto de Havana

21 de Janeiro de 1998


Senhor Presidente
Senhor Cardeal e Irmãos
no Episcopado
Excelentíssimas Autoridades
Membros do Corpo Diplomático
Amadíssimos Irmãos e Irmãs de Cuba

1. Dou graças a Deus, Senhor da história e dos nossos destinos, que me permitiu vir a esta terra, qualificada por Cristóvão Colombo como «a mais formosa que os olhos humanos viram». Ao chegar a esta ilha onde, já há mais de quinhentos anos, foi plantada a Cruz de Cristo — cruz zelosamente conservada hoje como um tesouro no templo paroquial de Baracoa, na extremidade oriental do País — saúdo a todos com particular emoção e grande afecto.

Chegou o feliz dia, tão longamente desejado, em que posso corresponder ao convite que os Bispos de Cuba me formularam já há algum tempo, convite que também o Senhor Presidente da República me fez e reiterou pessoalmente no Vaticano, por ocasião da sua visita no mês de Novembro de 1996. Enche-me de satisfação visitar esta Nação, estar entre vós e poder compartilhar assim algumas jornadas repletas de fé, de esperança e de amor.

2. É-me grato dirigir a minha saudação em primeiro lugar ao Senhor Presidente, Dr. Fidel Castro Ruz, que realizou o gesto de vir receber-me e a quem desejo manifestar a minha gratidão pelas suas palavras de boas-vindas. Expresso igualmente o meu reconhecimento às demais autoridades aqui presentes, assim como ao Corpo Diplomático e aos que ofereceram a sua valiosa cooperação para preparar esta Visita pastoral.

Saúdo com muito afecto os meus Irmãos no Episcopado, em particular o Senhor Cardeal Jaime Lucas Ortega y Alamino, Arcebispo de Havana, e cada um dos demais Bispos cubanos, assim como os que vieram de outros Países para participar nos actos desta Visita pastoral e assim renovar e fortalecer, como tantas vezes, os estreitos vínculos de comunhão e afecto das suas Igrejas particulares com a Igreja que está em Cuba. Nesta saudação o meu coração abre-se também com grande afecto aos queridos sacerdotes, diáconos, religiosos, religiosas, catequistas e fiéis, aos quais sou devedor no Senhor como Pastor e servidor da Igreja Universal (cf. Const. dogm. Lumen gentium LG 22). Em todos vós vejo a imagem desta Igreja local, tão amada e sempre presente no meu coração, sentindo-me muito solidário e próximo das vossas aspirações e legítimos desejos. Deus queira que esta Visita, que hoje tem início, sirva para animar todos no empenho de dedicarem o próprio esforço para alcançar essas expectativas, com o concurso de cada cubano e a ajuda do Espírito Santo. Vós sois e deveis ser os protagonistas da vossa própria história pessoal e nacional.

De igual modo saúdo cordialmente todo o povo cubano, dirigindo-me a todos sem excepção: homens e mulheres, anciãos e jovens, adolescentes e crianças; às pessoas com as quais me encontrarei e às que por diversos motivos não puderem participar nas diferentes celebrações.

3. Com esta Viagem apostólica venho, em nome do Senhor, para vos confirmar na fé, animar na esperança, estimular na caridade, a fim de compartilhar o vosso profundo espírito religioso, os vossos afãs, alegrias e sofrimentos, celebrando, como membros de uma grande família, o mistério do Amor divino e fazê-lo presente de maneira mais profunda na vida e na história deste nobre povo, sedento de Deus e de valores espirituais que a Igreja, nestes cinco séculos de presença na Ilha, não deixou de dispensar. Venho como peregrino do amor, da verdade e da esperança, com o desejo de dar um novo impulso à obra evangelizadora que, mesmo no meio de dificuldades, esta Igreja local mantém com vitalidade e dinamismo apostólico, caminhando rumo ao Terceiro Milénio cristão.

4. No cumprimento do meu ministério, não tenho deixado de anunciar a verdade sobre Jesus Cristo, o Qual nos revelou a verdade sobre o homem, a sua missão no mundo, a grandeza do seu destino e a sua inviolável dignidade. A este respeito, o serviço ao homem é o caminho da Igreja. Venho hoje compartilhar convosco a minha profunda convicção de que a Mensagem do Evangelho conduz ao amor, à abnegação, ao sacrifício e ao perdão, de modo que se um povo percorre este caminho é um povo com esperança de um futuro melhor. Por isso, já desde os primeiros momentos da minha presença entre vós quero dizer, com a mesma força do início do meu Pontificado: «Não tenhais medo de abrir os vossos corações a Cristo», deixai que Ele entre nas vossas vidas, nas vossas famílias, na sociedade, para que assim tudo seja renovado. A Igreja repete este apelo, convocando todos sem excepção: pessoas, famílias e povos para que, seguindo fielmente Jesus Cristo, encontrem o sentido pleno das suas vidas, se ponham ao serviço dos seus semelhantes, transformem as relações familiares, de trabalho e sociais, o que redundará sempre em benefício da Pátria e da sociedade.

5. A Igreja em Cuba anunciou sempre Jesus Cristo, embora em algumas ocasiões o tenha feito com escassez de sacerdotes e em circunstâncias difíceis. Quero expressar o meu reconhecimento a tantos crentes cubanos pela sua fidelidade a Cristo, à Igreja e ao Papa, assim como pelo respeito demonstrado para com as tradições religiosas mais genuínas, aprendidas dos maiores, e pelo valor e perseverante espírito de entrega que testemunharam no meio dos seus sofrimentos e anseios. Tudo isto foi recompensado em muitas ocasiões com a solidariedade mostrada por outras comunidades eclesiais da América e do mundo inteiro. Hoje, como sempre, a Igreja em Cuba deseja poder dispor do espaço necessário para continuar a servir todos, em conformidade com a missão e o ensinamento de Jesus Cristo.

Amados filhos da Igreja católica em Cuba: bem sei quanto esperastes o momento da minha Visita, e sabeis como o desejei. Por isso, acompanho com a oração os meus melhores votos para que esta terra possa oferecer a todos uma atmosfera de liberdade, de confiança recíproca, de justiça social e de paz duradoura. Que Cuba, com todas as suas magníficas possibilidades, se abra ao mundo e o mundo se abra a Cuba, para que este povo, que como todo o homem e nação busca a verdade, trabalha para progredir e anela a concórdia e a paz, possa olhar para o futuro com esperança.

6. Com a confiança posta no Senhor e sentindo-me muito unido aos amados filhos e filhas de Cuba, agradeço de coração este caloroso acolhimento com o qual tem início a minha Visita pastoral, que recomendo à materna protecção da Santíssima Virgem da Caridade do Cobre. Abençoo todos de coração e de modo particular os pobres, os doentes, os marginalizados e todos os que sofrem no corpo ou no espírito.

Louvado seja Jesus Cristo!

Muito obrigado!



JOÃO PAULO II


Discurso no Encontro com o mundo da cultura, na Universidade de Havana


23 de Janeiro de 1998


Senhor Presidente da República, muito obrigado pela sua presença!
Senhores Cardeais e Bispos
Autoridades universitárias
Ilustres Senhoras e Senhores

1. É-me grato encontrar-me convosco neste venerável recinto da Universidade de Havana. Transmito a todos a minha afectuosa saudação e, em primeiro lugar, quero agradecer as palavras que o Senhor Cardeal Jaime Ortega y Alamino quis dirigir-me em nome de todos para me dar as boas-vindas, assim como a amável saudação do Senhor Reitor desta Universidade, que me acolheu nesta Sala Magna. Aqui estão conservados os restos mortais do grande sacerdote e patriota, o Servo de Deus Padre Félix Varela, diante dos quais rezei. Obrigado, Senhor Reitor, por me apresentar esta distinta assembleia de mulheres e homens que se prodigalizam pela promoção da cultura genuína nesta nobre nação cubana.

2. A cultura é a forma peculiar com que os homens expressam e desenvolvem os próprios relacionamentos com a criação, entre eles mesmos e com Deus, formando o conjunto de valores que caracterizam um povo e os traços que o definem. Assim compreendida, a cultura tem uma importância fundamental para a vida das nações e o cultivo dos valores humanos mais autênticos. A Igreja, que acompanha o homem no seu caminho, se abre para a vida social e busca os espaços para a sua obra evangelizadora, aproxima-se da cultura com a sua palavra e acção.

A Igreja católica não se identifica com qualquer cultura em particular, mas aproxima-se de todas elas com espírito aberto. Ao propor com respeito a sua própria visão do homem e dos valores, ela contribui para a crescente humanização da sociedade. Na evangelização da cultura, é Cristo mesmo que actua através da sua Igreja, dado que com a sua Encarnação «entra na cultura» e «traz para cada cultura histórica o dom da purificação e da plenitude» (Conclusões de Santo Domingo, 228)

«Todas as culturas são um esforço de reflexão sobre o mistério do mundo e, em particular, sobre o mistério do homem: é uma maneira de dar expressão à dimensão transcendente da vida humana» (Discurso por ocasião do 50º Aniversário da Organização das Nações Unidas, 5 de Outubro de 1995, ed. port. de L'Osservatore Romano de 14.X.95, pág. 4, n. 9). Respeitando e promovendo a cultura, a Igreja respeita e promove o homem: o homem que se esforça por tornar a sua vida mais humana, aproximando-a do mistério escondido de Deus, ainda que seja às apalpadelas. Toda a cultura tem um íntimo núcleo de convicções religiosas e de valores morais, que constitui como que a sua «alma»; é ali que Cristo quer chegar com a força purificadora da sua graça. A evangelização da cultura é como que uma elevação da sua «alma religiosa», que lhe infunde um dinamismo novo e poderoso, o dinamismo do Espírito Santo, que a leva à máxima actualização das suas potencialidades humanas. Em Cristo, toda a cultura se sente profundamente respeitada, valorizada e amada; porque toda a cultura, no mais autêntico de si mesma, está sempre aberta aos tesouros da Redenção.

3. Em virtude da sua história e situação geográfica, Cuba tem uma cultura própria, cuja formação recebeu diversas influências: a hispânica, que trouxe o catolicismo; a africana, cuja religiosidade foi permeada pelo cristianismo; a dos diferentes grupos de imigrantes; e a propriamente americana. É justo recordar a influência que o Seminário de São Carlos e Santo Ambrósio de Havana teve no desenvolvimento da cultura nacional, sob a influência de figuras como José Agustín Caballero, chamado Martí, «pai dos pobres e da nossa filosofia», e o Padre Félix Varela, verdadeiro pai da cultura cubana. A superficialidade ou o anticlericalismo de alguns sectores naquela época não são genuinamente representativos daquilo que tem sido a verdadeira idiossincrasia deste povo, que na sua história considerou a fé católica como fonte dos ricos valores cubanos que, juntamente com as expressões típicas, as canções populares, as controvérsias camponesas e o adagiário popular, tem uma profunda matriz cristã, que hoje é uma riqueza e uma realidade constitutiva da nação.

4. Ilustre filho desta terra é o Padre Félix Varela y Morales, por muitos considerado como pedra fundamental da nacionalidade cubana. Na sua pessoa, ele mesmo é a melhor síntese que podemos encontrar entre fé cristã e cultura cubana. Exemplar sacerdote havanês e patriota indiscutível, foi um pensador insigne que renovou na Cuba do século XIX os métodos pedagógicos e os conteúdos do ensino filosófico, jurídico, científico e teológico. Mestre de gerações de cubanos, ensinou que para assumir de modo responsável a existência, é preciso aprender em primeiro lugar a difícil arte de pensar correctamente e com a própria cabeça. Ele foi o primeiro a falar de independência nestas terras. Falou também de democracia, considerando-a como o projecto político mais harmonioso com a natureza humana, ressaltando ao mesmo tempo as exigências que dela derivam. Entre estas exigências, ressaltava duas: a necesssidade de pessoas educadas para a liberdade e a responsabilidade, com um projecto ético forjado no seu interior, que assumam o melhor da herança da civilização e os perenes valores transcendentais, para serem assim capazes de empreender tarefas decisivas ao serviço da comunidade; e, em segundo lugar, que as relações humanas, bem como o estilo de convivência social, favoreçam os devidos espaços onde cada pessoa possa, com os necessários respeito e solidariedade, desempenhar o papel histórico que lhe corresponde para dinamizar o Estado de Direito, garantia essencial de toda a convivência humana que quiser considerar-se democrática.

O Padre Varela estava consciente de que, no seu tempo, a independência era um ideal ainda inatingível; por isso, dedicou-se à formação de pessoas, homens de consciência, que não fossem soberbos com os débeis, nem fracos com os poderosos. Exilado em Nova Iorque, fez uso dos instrumentos que estavam ao seu alcance: a correspondência pessoal, a imprensa e aquilo que poderíamos considerar a sua obra máxima, as Cartas a Elpídio, sobre a impiedade, a superstição e o fanatismo nas suas relações com a sociedade, verdadeiro monumento de ensinamento moral, que constitui a sua preciosa herança à juventude cubana. Durante os últimos trinta anos da sua vida, afastado da cátedra cubana, continuou a ensinar à distância, gerando deste modo uma escola de pensamento, um estilo de convivência social e uma atitude para com a pátria que, também hoje, devem iluminar todos os cubanos.

A vida inteira do Padre Varela inspirou-se numa profunda espiritualidade cristã. Esta constitui a sua motivação mais forte, o manancial das suas virtudes, a raiz do seu compromisso com a Igreja e com Cuba: buscar a glória de Deus em tudo. Isto levou-o a crer na força do pequeno, na eficácia das sementes da verdade, na conveniência de que as transformações se realizassem com a devida gradualidade, até chegar às grandes e autênticas reformas. Quando se encontrava no final do seu caminho, alguns momentos antes de fechar os olhos para a luz deste mundo e de os abrir para a Luz inextinguível, cumpriu a promessa que sempre fizera: «Guiado pela tocha da fé, caminho rumo ao túmulo em cuja borda espero fazer, com a graça divina e com o último suspiro, uma profissão da minha fé firme e um voto ardoroso pela prosperidade da minha pátria» (Cartas a Elpídio, tomo I, carta 6, pág. 182).

5. Esta é a herança que o Padre Varela deixou. O bem da sua pátria continua a necessitar da luz sem ocaso, que é Cristo. Cristo é o caminho que guia o homem para a plenitude das suas dimensões, o caminho que leva a uma sociedade mais justa, livre, humana e solidária. O amor a Cristo e a Cuba, que iluminou a vida do Padre Varela, está na raiz mais profunda da cultura cubana. Recordai-vos da tocha que aparece no escudo desta Casa de estudos: não é apenas memória, mas também projecto. Os propósitos e as origens desta Universidade, a sua trajectória e a sua herança, assinalam a sua vocação de ser mãe de sabedoria e de liberdade, inspiradora de fé e de justiça, crisol em que se fundem ciência e consciência, mestra de universalidade e de espírito cubano.

A tocha acesa pelo Padre Varela, que haveria de iluminar a história do povo cubano, foi recolhida logo depois da sua morte por esta personalidade relevante da nação que é José Martí: escritor e mestre no sentido mais pleno da palavra, profundamente democrático e independentista, patriota, amigo leal até mesmo daqueles que não compartilhavam o seu programa político. Ele foi sobretudo um homem de luz, coerente com os seus valores éticos e animado por uma espiritualidade de raiz eminentemente cristã. É considerado como um continuador do pensamento do Padre Varela, a quem chamava «o santo cubano».

6. Nesta Universidade conservam-se os restos mortais do Padre Varela, como um dos seus tesouros mais preciosos. Em toda a parte em Cuba são visíveis os monumentos que a veneração dos cubanos levantou a José Martí. Estou convencido de que este povo herdou as virtudes humanas de matriz cristã de ambos estes homens, pois todos os cubanos compartilham solidariamente o seu legado cultural. Em Cuba pode-se falar de um fecundo diálogo cultural, que é garantia de um crescimento mais harmonioso e de um incremento de iniciativas e de criatividade da sociedade civil. Neste país, a maior parte dos artífices da cultura – católicos e não-católicos, crentes e não-crentes – são homens de diálogo, capazes de propor e de escutar. Encorajo-vos a continuar os vossos esforços no sentido de encontrar uma síntese com que todos os cubanos possam identificar-se; a buscar o modo de consolidar uma identidade cubana harmoniosa, que possa integrar no seu seio as múltiplas tradições nacionais. Se estiver aberta à Verdade, a cultura cubana garantirá a sua identidade nacional e fá-la-á crescer em humanidade.

A Igreja e as instituições culturais da nação devem encontrar-se no diálogo e, assim, cooperar para o desenvolvimento da cultura cubana. Ambas possuem um caminho e uma finalidade comuns: servir o homem, cultivar todas as dimensões do seu espírito e fecundar a partir de dentro todas as suas relações comunitárias e sociais. As iniciativas já existentes neste sentido devem encontrar apoio e continuidade numa pastoral para a cultura, em diálogo permanente com pessoas e instituições do âmbito intelectual.

Peregrino numa nação como a vossa, com a riqueza de uma herança mestiça e cristã, faço votos por que no porvir os cubanos alcancem uma civilização da justiça e da solidariedade, da liberdade e da verdade, uma civilização do amor e da paz que, como dizia o Padre Varela, «constitua o fundamento do grande edifício da nossa felicidade». Por isso, permiti-me pôr de novo nas mãos da juventude cubana aquela herança, sempre necessária e actual, do Pai da cultura cubana; aquela missão que o Padre Varela recomendou aos seus discípulos: «Dizei-lhes que eles são a doce esperança da pátria e que não há pátria sem virtude, nem virtude com impiedade».



JOÃO PAULO II


Discurso no Encontro com o mundo do sofrimento, no Santuário de S. Lázaro, no Rincón


: 24 de janeiro de 1998


Amadíssimos Irmãos e Irmãs!

1. Durante a minha visita a esta nobre terra não podia faltar um encontro com o mundo do sofrimento, porque Cristo está muito próximo de todos os que sofrem. Saúdo-vos com muito afecto, queridos enfermos, acolhidos no vizinho Hospital Doutor Guillermo Fernández Hernández-Baquero, que hoje encheis este santuário de São Lázaro, o amigo do Senhor. Em vós, desejo também saudar os demais enfermos de Cuba, os idosos que se encontram sozinhos e quantos padecem no corpo ou no espírito. Com as minhas palavras e o meu afecto desejo estar próximo de todos, segundo a exortação do Senhor: «adoeci e visitastes-Me» (Mt 25,36). Acompanhe-vos também o carinho do Papa, a solidariedade da Igreja e o calor fraterno dos homens e mulheres de boa vontade. Saúdo as Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo, que trabalham neste centro, e através delas saúdo as demais almas consagradas que, pertencentes a diversos Institutos religiosos, trabalham com amor noutros lugares desta formosa Ilha, a fim de aliviar os sofrimentos de todas as pessoas necessitadas. A comunidade eclesial está-vos muito grata, pois assim contribuis nesta missão concreta a partir do vosso particular carisma, visto que o Evangelho se «torna efectivo através da caridade, que é glória da Igreja e sinal da sua fidelidade ao Senhor» (Vita consecrata, VC 82).

Desejo também saudar os médicos, os enfermeiros e o pessoal auxiliar, que com competência e dedicação utilizam os recursos da ciência para aliviar o sofrimento e a dor. A Igreja estima o vosso trabalho porque, animado pelo espírito de serviço e de solidariedade para com o próximo, recorda a obra de Jesus, o Qual «curou todos os que estavam enfermos» (Mt 8,16). Conheço os grandes esforços que estão a ser feitos em Cuba no campo da saúde, apesar das limitações económicas que o País vive.

2. Venho como peregrino da verdade e da esperança a este Santuário de São Lázaro, como testemunha, na própria carne, do significado e valor que o sofrimento tem, quando é acolhido aproximando-se confiadamente a Deus, «rico em misericórdia». Este lugar é sagrado para os cubanos, porque experimentam aqui a graça daqueles que se dirigem com fé a Cristo, com a mesma certeza de São Paulo: «tudo posso n'Aquele que me dá força» (Ph 4,13). Podemos repetir aqui as palavras com que Marta, irmã de Lázaro, expressou a Jesus Cristo a sua total confiança, obtendo deste modo o milagre da ressurreição do seu irmão: «Mas também sei... que tudo quanto pedires a Deus, Deus To concederá» (Jn 11,22). E as palavras com que em seguida confessou: «Sim Senhor, creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo» (Jn 11,27).

3. Queridos irmãos, todo o ser humano experimenta, duma ou doutra forma, a dor e o sofrimento na própria vida, e não pode deixar de se interrogar acerca deles. A dor é um mistério, muitas vezes imperscrutável para a razão. Faz parte do mistério da pessoa humana, que só se esclarece em Jesus Cristo, o Qual revela ao homem a sua própria identidade. Unicamente n'Ele podemos encontrar o sentido ao que é humano.

«O sofrimento — como escrevi na Carta Apostólica Salvifici doloris — não pode ser transformado e mudado por uma graça que aja do exterior, mas sim por uma graça interior... Entretanto, este processo interior não se realiza sempre da mesma maneira... Cristo, de facto, não responde directamente e não responde de modo abstracto a esta pergunta humana sobre o sentido do sofrimento. O homem percebe a Sua resposta salvífica à medida que se vai tornando ele próprio participante dos sofrimentos de Cristo. A resposta que lhe chega mediante essa participação é... um apelo. "Segue-Me!". Participa com o teu sofrimento nesta obra da salvação do mundo, que se realiza por meio do meu próprio sofrimento. Por meio da minha Cruz» (n. 26).

Eis o verdadeiro sentido e o valor do sofrimento, das dores físicas, morais e espirituais. Eis a Boa Nova que vos desejo comunicar. À pergunta humana, o Senhor responde com uma chamada, com uma vocação especial que, como tal, tem a sua base no amor. Cristo não vem até nós com explicações e razões para nos tranquilizar ou desorientar. Pelo contrário, diz-nos: Venham Comigo. Sigam-Me no caminho da Cruz. «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-Me» (Lc 9,23). Jesus Cristo foi o primeiro no caminho da Cruz; Ele foi o primeiro a sofrer. Não nos impele ao sofrimento, mas partilha-o connosco e deseja que tenhamos vida, e a tenhamos em abundância (cf. Jo Jn 10,10).

O sofrimento transforma-se, quando vivemos pessoalmente a proximidade e a solidariedade de Deus vivo: «eu sei que o meu Redentor vive e... finalmente... verei a Deus» (Jn 19,25-26). Com esta certeza adquire-se a paz interior, e desta alegria espiritual, serena e profunda, que brota do «Evangelho do sofrimento», adquire-se a consciência da grandeza e da dignidade do homem que sofre generosamente e oferece o seu sofrimento «como hóstia viva, santa e agradável a Deus» (Rm 12,1).Desta maneira, quem sofre deixa de ser um peso para os outros e, com o seu sofrimento, contribui para a salvação do próximo.

O sofrimento não é só de carácter físico, como pode ser a enfermidade. Existe também o sofrimento da alma, como o que padecem os segregados, os perseguidos, os encarcerados por diversos delitos ou por razões de consciência, por ideias pacíficas mas discordantes. Estes sofrem o isolamento e uma pena pela qual a sua consciência não os condena, enquanto desejam incorporar-se na vida activa, com espaços onde possam expressar e propor as suas opiniões com respeito e tolerância. Faço votos por que sejam promovidos esforços em vista da reinserção social da população encarcerada. Este é um gesto de grande humanidade e é semente de reconciliação, que honra as autoridades que o promovem, e também fortalece a convivência pacífica no País. A todos os encarcerados e às suas famílias, que sofrem a separação e desejam reencontrar-se com eles, envio a minha cordial saudação, animando-os a não se deixarem vencer pelo pessimismo ou pelo desencorajamento.

Queridos irmãos: os cubanos precisam da força interior, da paz profunda e da alegria que brota do «Evangelho do sofrimento». Ofereçam-no de modo generoso para que Cuba «veja a Deus de perto», ou seja, para que caminhe à luz do seu Rosto até ao Reino eterno e universal, para que cada cubano, desde o mais profundo do seu ser, possa dizer: «eu sei que o meu Redentor vive» (Jn 19,25). Esse Redentor é Jesus Cristo, Nosso Senhor.

4. A dimensão cristã do sofrimento não se limita apenas ao seu significado profundo e ao seu carácter redentor. O sofrimento chama ao amor, isto é, gera solidariedade, entrega, generosidade nos que sofrem e em quantos se sentem chamados a assisti-los e a ajudá-los nas suas dores. A parábola do Bom Samaritano (cf. Lc Lc 10, 29ss.), que o Evangelho da solidariedade para com o próximo que sofre nos apresenta, «tornou-se uma das componentes essenciais da cultura moral e da civilização universalmente humana» (Salvifici doloris, 29). De facto, nesta parábola Jesus ensina-nos que o próximo é todo aquele que encontramos no nosso caminho, ferido e necessitado de socorro, o qual se deve ajudar nos males que o afligem, com os meios adequados, ocupando-se dele até ao seu completo restabelecimento. A família, a escola e as outras instituições educativas, mesmo que seja apenas por motivos humanitários, devem trabalhar com perseverança, a fim de despertar e aperfeiçoar essa sensibilidade para com o próximo e o seu sofrimento, do qual a figura do samaritano é um símbolo. A eloquência da parábola do Bom Samaritano, bem como de todo o Evangelho, em concreto é esta: o homem deve sentir-se pessoalmente chamado a testemunhar o amor no sofrimento. «As instituições são muito importantes e indispensáveis; no entanto, nenhuma instituição, só por si, pode substituir o coração humano, a compaixão humana, o amor humano, a iniciativa humana, quando se trata de ir ao encontro do sofrimento de outrem» (Ibidem, 29).

Isto refere-se aos sofrimentos físicos, mas também é válido quando se trata dos numerosos sofrimentos morais e da alma. Por isso, quando uma pessoa sofre na sua alma, ou quando a alma de uma nação sofre, essa dor deve convocar à solidariedade, à justiça, à edificação da civilização da verdade e do amor. Um sinal eloquente dessa vontade de amor diante do sofrimento e da morte, do cárcere ou da solidão, das divisões familiares forçadas ou da emigração que separa as famílias, deve ser que cada organismo social, cada instituição pública bem como todas as pessoas que têm responsabilidades neste âmbito da saúde, da atenção aos necessitados e da reeducação dos presos, respeite e faça respeitar os direitos dos enfermos, dos marginalizados, dos detidos e das suas famílias, numa palavra, os direitos de todo o homem que sofre. Neste sentido, a Pastoral da saúde e a penitenciária devem encontrar os espaços para realizar a sua missão ao serviço dos enfermos, dos presos e das suas famílias.

A indiferença diante do sofrimento humano, a passividade perante as causas que provocam os sofrimentos deste mundo e os remédios improvisados que não contribuem para sanar em profundidade as feridas das pessoas e dos povos, são faltas graves de omissão, ante as quais todo o homem de boa vontade se deve converter e escutar o brado de quem sofre.

5. Queridos irmãos e irmãs, nos momentos difíceis da nossa vida pessoal, familiar ou social, as palavras de Jesus ajudam-nos na prova: «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice; todavia, não seja como Eu quero, mas, como Tu queres» (Mt 26,39). O pobre que sofre encontra na fé a força de Cristo que lhe diz, através de Paulo: «Basta-te a Minha graça» (2Co 12,9). Nenhum sofrimento se perde, nenhuma dor se torna inútil: Deus recebe-os todos, como acolheu o sofrimento do Seu Filho, Jesus Cristo.

Aos pés da cruz, com os braços abertos e o coração trespassado está a nossa Mãe, a Virgem Maria, Nossa Senhora das Dores e da Esperança, que nos recebe no seu seio materno repleto de graça e de piedade. Ela é o caminho seguro para Cristo, nossa paz, nossa vida e nossa ressurreição. Maria, Mãe de quem sofre, piedade daquele que morre, caloroso conforto para o desanimado: olha para os teus filhos cubanos que atravessam a dura prova do sofrimento e mostra-lhes Jesus, fruto bendito do teu ventre! Amém.



JOÃO PAULO II


Mensagem no Encontro Ecuménico, na Nunciatura Apostólica



1. Neste significativo dia, é-me muito grato receber-vos, representantes do Conselho de Igrejas de Cuba e de diversas confissões cristãs, acompanhados de alguns líderes da Comunidade judaica, que participam no mesmo Conselho como observadores. Saúdo-vos a todos com grande afecto e asseguro-vos a alegria que me dá este encontro com quem compartilha a fé no Deus vivo e verdadeiro. O ambiente propício faz-nos dizer desde o princípio: «Como é bom, como é agradável viverem os irmãos em unidade!» (Ps 132,1).

Vim a este País como mensageiro da esperança e da verdade, para dar alento e confirmar na fé os Pastores e fiéis das diversas dioceses desta Nação (cf. Lc Lc 22,32), mas desejei também que a minha saudação chegasse a todos os cubanos, como sinal concreto do amor infinito de Deus para com todos os homens. Nesta visita a Cuba — como costumo fazer nas minhas viagens apostólicas — não podia faltar este encontro convosco, para compartilhar os afãs pela restauração da unidade entre todos os cristãos e estreitar a colaboração para o progresso integral do povo cubano, tendo em conta os valores espirituais e transcendentes da fé. Isto é possível graças à comum esperança nas promessas de salvação, que Deus nos fez e manifestou em Cristo Jesus, Salvador do género humano.

2. Hoje, festa da conversão de São Paulo, o Apóstolo que foi «alcançado por Jesus Cristo» (Ph 3,12), que dedicou a partir de então as suas energias a anunciar o Evangelho a todas as nações, termina a Semana de Oração pela unidade dos cristãos, que este ano celebrámos sob o lema «O Espírito vem em ajuda da nossa fraqueza» (Rm 8,26). Com esta iniciativa, que começou há já muitos anos e que adquiriu uma crescente importância, não só se pretende chamar a atenção de todos os cristãos sobre o valor do movimento ecuménico, mas também ressaltar de maneira prática e inequívoca as bases sobre as quais se devem fundar todas as suas actividades.

Esta circunstância oferece-me a oportunidade de reafirmar, nesta terra marcada pela fé cristã, o irrevogável compromisso da Igreja de não retroceder na sua aspiração à plena unidade dos discípulos de Cristo, repetindo constantemente com Ele: «Pai, que todos sejam um só» (Jn 17,21), e obedecendo assim à Sua vontade. Isto não deve faltar em parte alguma da Igreja, qualquer que seja a situação sociológica em que se encontre. É verdade que cada nação conta com a sua própria cultura e história religiosa e que as actividades ecuménicas têm, por isso, nos diversos lugares, características distintas e peculiares, mas acima de tudo é muito importante que sejam sempre fraternas as relações entre todos os que compartilham a sua fé em Deus. Nenhuma contingência histórica, nem condicionamento ideológico ou cultura deveriam enfraquecer essas relações, cujo centro e fim devem ser unicamente o serviço à unidade querida por Jesus Cristo.

Somos conscientes de que o retorno a uma comunhão plena exige amor, coragem e esperança, os quais surgem da oração perseverante, que é a fonte de todo o compromisso verdadeiramente inspirado pelo Senhor. Por meio da oração se favorecem a purificação dos corações e a conversão interior, necessárias para reconhecer a acção do Espírito Santo como guia das pessoas, da Igreja e da história, ao mesmo tempo que se fomenta a concórdia que transforma as nossas vontades e as torna dóceis às Suas inspirações. Deste modo, cultiva-se também uma fé cada vez mais viva. É o Espírito que tem guiado o movimento ecuménico e ao mesmo Espírito se devem atribuir os notáveis progressos alcançados, superando aqueles tempos em que as relações entre as comunidades estavam marcadas por uma indiferença mútua, que nalguns lugares resultava inclusive em aberta hostilidade.

3. A intensa dedicação à causa da unidade de todos os cristãos é um dos sinais de esperança presentes neste final de século (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 46). Ele é aplicável também aos cristãos de Cuba, chamados não só a prosseguir o diálogo com espírito de respeito, mas a colaborar de mútuo acordo em projectos comuns, que ajudem toda a população a progredir na paz e a crescer nos valores essenciais do Evangelho, que dignificam a pessoa humana e tornam mais justa e solidária a convivência. Todos nós somos chamados a manter um quotidiano diálogo da caridade, que frutificará no diálogo da verdade, oferecendo à sociedade cubana a imagem autêntica de Cristo, e favorecendo o conhecimento da Sua missão redentora pela salvação de todos os homens.

4. Quero dirigir também uma saudação particular à Comunidade judaica aqui representada. A sua presença é prova eloquente do diálogo fraterno orientado para um melhor conhecimento entre judeus e cristãos, que por parte dos católicos foi promovido pelo Concílio Vaticano II e continua a difundir-se cada vez mais. Convosco compartilhamos um património espiritual comum, que afunda as suas raízes nas Sagradas Escrituras. Que Deus, Criador e Salvador, sustente os esforços que se fazem para caminharmos juntos. Que alentados pela Palavra divina progridamos no culto e no amor ardente a Ele, e que isto se prolongue numa acção eficaz em favor de cada homem.

5. Para concluir, quero agradecer a vossa presença neste encontro, ao mesmo tempo que peço a Deus que abençoe cada um de vós e as vossas Comunidades; que vos guarde nos vossos caminhos para anunciar o seu Nome aos irmãos; vos faça ver o Seu rosto no meio da sociedade que servis e vos conceda a paz em todas as vossas actividades.


Discursos João Paulo II 1998 - Sábado, 17 de Janeiro de 1998