Discursos João Paulo II 1998 - 17 de Março de 1998

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


À ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DO PONTIFÍCIO CONSELHO


PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS






À Assembleia Plenária
do Pontifício Conselho
para as Comunicações Sociais

1. Este é um ano significativo para o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, porque se celebra o 50° aniversário da criação, pelo Papa Pio XII, da Pontifícia Comissão para os Filmes Educativos e Religiosos. Durante os anos após o Concílio Vaticano II a Comissão constituiu um sinal claro da implicação crescente da Igreja no mundo das comunicações sociais e do seu reconhecimento da imensa influência dos meios de comunicação modernos na vida da sociedade. Por fim, há dez anos, com a promulgação da Constituição Apostólica Pastor Bonus, a Comissão foi elevada à categoria de Pontifício Conselho. Cada ano deste itinerário correspondeu não só ao momento sempre mais importante da revolução das comunicações, mas também ao reconhecimento crescente, por parte da Igreja, do papel da mídia na sua missão, como instrumento e campo de evangelização.

Ao cumprimentar-vos, estendo esta saudação a todos aqueles que representais, às numerosas pessoas que trabalharam ao longo dos anos na Pontifícia Comissão e agora o fazem no Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Saúdo com especial afecto o Cardeal Andrzej Deskur, vosso Presidente Emérito, que foi protagonista em grande parte da história do Conselho, e o Arcebispo John P. Foley, cuja dedicação todos vós conheceis.

2. Nos últimos anos, a revolução das comunicações continuou o seu rápido progresso. De facto, hoje enfrentamos um imenso desafio, dado que a tecnologia com frequência parece mover-se com tal velocidade, que já não podemos controlar aonde nos pode levar. Contudo, também estamos num tempo muito promissor, visto que a tecnologia das comunicações pode ajudar a derrubar barreiras e criar novos vínculos de comunhão e novas formas de oportunidade num mundo onde a solidariedade humana é o caminho rumo ao futuro. A Igreja está convicta de que as comunicações modernas, ao permitirem um grande fluxo de informações e um maior sentido de solidariedade entre todos os membros da família humana, podem dar uma contribuição significativa ao progresso espiritual da humanidade e, desse modo, à difusão do Reino de Deus (cf. Inter mirifica IM 2).

Numa situação tão complexa como a das comunicações actuais, fazem falta um cuidadoso discernimento e uma educação efectiva, baseada sempre no reconhecimento da prioridade da ética sobre a tecnologia, a primazia da pessoa sobre as coisas e a superioridade do espiritual sobre o material (cf. Redemptor hominis RH 16). A vossa Assembleia Plenária deste ano considerou o tema da ética nas comunicações um assunto de crescente urgência, visto que os meios de comunicação estão a exercer uma influência cada vez maior na vida de todos os povos do mundo. O recente documento do Conselho, sobre «Ética na publicidade», dá uma contribuição concreta a este discernimento, pois, por um lado, mostra o imenso potencial da publicidade para apoiar «uma concorrência honesta e eticamente responsável, que acelera o crescimento económico ao serviço dum autêntico progresso humano» (n. 5; cf. L'Osservatore Romano, ed. port. de 12/4/97, pág. 5) e, por outro, chama a atenção sobre os seus possíveis abusos e o seu impacto na vida da sociedade. Espero que este documento se torne útil para promover a reflexão e o diálogo entre os profissionais da comunicação, com o objectivo de dar uma contribuição responsável e construtiva à educação dos utentes e, portanto, à promoção do bem comum da sociedade.

3. Neste ano, durante o qual a Igreja reflecte sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo como preparação para a celebração do Grande Jubileu do Ano 2000, o nosso pensamento dirige-se espontaneamente à tarefa da nova evangelização que o Espírito Santo inspira e sustenta. Visto que esta evangelização deve ser «nova no seu entusiasmo, nos seus métodos, na sua expressão» (Discurso à XIX Assembleia Geral do CELAM, em Porto Príncipe, 9 de Março de 1983; cf. L'Osservatore Romano, ed. port. de 20/3/1983, pág. 15), ela não pode deixar de recorrer aos meios de comunicação social mais modernos e efectivos. A mensagem de salvação, confiada à Igreja para que a proclame «até aos confins da terra» (Ac 1,8), deve conservar todo o seu vigor e toda a sua atracção quando se dirige a cada nova geração e encontra uma expressão criativa em cada meio.

A este propósito, é um sinal muito positivo o facto de os meios de comunicação social serem considerados mais que simples instrumentos. São em si mesmos um mundo, «uma cultura e uma civilização» (Ecclesia in Africa ), que a Igreja também é chamada a evangelizar. Por isso, a questão da implicação da Igreja no mundo das comunicações sociais converte-se em parte da sua missão, buscando uma verdadeira inculturação (cf. Redemptoris missio RMi 37). Ao mesmo tempo, o mundo das comunicações sociais não constitui um sector isolado; ao influir as diversas culturas, ele permanece profundamente inserido nestas culturas. Portanto, a pregação do Evangelho deve não só ser inculturada no mundo das comunicações sociais, mas também encarnar-se nele e, através dele, na variedade de culturas antigas e modernas, às quais os actuais meios de comunicação estão a abrir uma porta.

4. Para darem esse testemunho, todos os crentes em Cristo necessitam um novo zelo, que só pode vir de uma fé mais ardente. Oxalá neste ano do Espírito Santo sejais fortalecidos no vosso compromisso de fazer do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais um instrumento de evangelização, tão importante para a Igreja que, por sua natureza, é missionária e existe com a finalidade de evangelizar.

Maria, Mãe da Igreja, vos sustente nos vossos esforços por comunicar Cristo ao mundo. Com gratidão pelo vosso serviço ao Evangelho, concedo a todos a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 20 de Março de 1998.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL PENITENCIÁRIO-MOR,


À PENITENCIARIA APOSTÓLICA


E AOS RELIGIOSOS PENITENCIEIROS DE ROMA








Ao venerado Irmão WILLIAM W. BAUM
Penitenciário-Mor

1. Dou graças ao Senhor porque, também neste ano de 1998, consagrado à meditação e à invocação do Espírito Santo em preparação para o Grande Jubileu, me concede a graça de me dirigir com esta Mensagem a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, aos Prelados e Oficiais da Penitenciaria Apostólica, aos Religiosos Frades Menores, Menores Conventuais, Dominicanos e Beneditinos, que exercem a tarefa de Penitencieiros respectivamente nas Arquibasílicas Lateranense, Vaticana, Santa Maria Maior e São Paulo fora dos Muros, assim como àqueles de várias Ordens, Penitencieiros Extraordinários nas mesmas basílicas, bem como aos jovens sacerdotes e candidatos à já próxima Ordenação sacerdotal, os quais aproveitaram o curso sobre o foro interno, organizado e realizado pela Penitenciaria com crescente sucesso de adesões.

O meu vivo agradecimento eleva-se ao Senhor, Pai das misericórdias, com as palavras da Liturgia: «Gratias agimus tibi propter magnam gloriam tuam». Louvamos e agradecemos ao Senhor porque Ele tudo opera para a Sua glória, à qual a Sua santidade não pode renunciar: «Gloriam meam alteri non dabo» (Is 48,11), e com isto mesmo tudo dispõe para a nossa salvação: «Propter nos homines et propter nostram salutem».

A vontade salvífica de Deus, que é esplendor da Sua glória, actua-se de modo privilegiado no ministério do sacramento da Reconciliação, que é o objecto principal do serviço quotidiano prestado pela Penitenciaria e pelos Padres Penitencieiros, e é o serviço iminente para o qual, sob o aspecto do foro interno, os nossos caros jovens levitas aprofundaram a sua preparação no recordado curso anual .

Em virtude da representação que eles exprimem na variedade das origens, das funções e das destinações, a minha reflexão, que mais uma vez terá como tema o sacramento da misericórdia, dirige-se não só a eles, mas intencionalmente a todos os sacerdotes da Igreja, como ministros, e a todos os fiéis, como beneficiários, do perdão na confissão sacramental.

2. A partir do ano de 1981, quando pela primeira vez recebi colegialmente a Penitenciaria e os Padres Penitencieiros (a partir de 1990 uniram-se os participantes no curso sobre o foro interno), considerei progressivamente o sacramento da Penitência sob vários aspectos em si mesmo, nas suas leis, constitutivas e disciplinares, nos efeitos propriamente sacramentais e nos ascéticos, nos empenhos de expiação e de reparação que dele derivam para os fiéis. Examinei depois a tarefa dos sacerdotes como ministros do sacramento, evocando a sublimidade da sua missão, as suas prerrogativas, os seus deveres de grande preparação cultural, de generosidade em oferecerem-se, sobretudo de caridade acolhedora, de sabedoria e mansidão, virtudes todas premiadas pela exultação espiritual devida à santidade do seu ofício. Tratei, por fim, dos fiéis como usufrutuários do sacramento, sob o aspecto das convicções e disposições, com as quais se devem aproximar do próprio sacramento, quer como forma habitual do seu mundo moral, quer como atitude actual ao recebê-lo, a fim de que ele seja válido e em grande medida frutuoso.

Esta desejada insistência sobre o mesmo tema indica, já em si, como o sacramento da Reconciliação goza de grande estima, em razão do seu ofício de mediadores em Cristo entre Deus e os homens, por parte do Sumo Pontífice e dos seus irmãos no sacerdócio, Bispos e presbíteros.

Hoje é oportuno considerar as finalidades próprias, que a Igreja quer perseguir e que os fiéis devem propor-se ao receberem o sacramento da Penitência; com elas, ou sobretudo como especificações particularmente gratificantes dessas finalidades essenciais do sacramento, os benefícios de harmonia interior que derivam da graça; por fim, certos resultados entendidos de maneira subjectiva por quem recebe ou administra o sacramento (ou a eles sugeridos por autores, os quais não devem servir de texto), que estão fora da dinâmica sobrenatural que lhe é própria, induzindo também às vezes no rito, que deve ser essencial e exclusivamente religioso, modalidades que o desnaturalizam e o desconsagram.

3. Com razão o sacramento da Penitência recebeu dos Padres e dos Teólogos, juntamente com outras denominações, a de secunda tabula post naufragium, segunda em relação ao Baptismo. O naufrágio, do qual o Baptismo e a Penitência nos salvam, é o pecado. O Baptismo cancela a culpa original e, se recebido em idade adulta, cancela também os pecados pessoais e a inteira pena a eles devida. O sacramento da Penitência está destinado a cancelar os pecados pessoais, cometidos depois do Baptismo: antes de tudo os mortais, e por conseguinte os veniais. Os pecados mortais, se o penitente cometeu mais que um, não podem ser remetidos senão todos simultaneamente. Com efeito, a remissão do pecado grave consiste na infusão da graça santificante perdida, e a graça é incompatível com os pecados graves, todos e cada um individualmente. Diversa é a consideração a ser feita para os pecados veniais, que não comportam a perda da graça e, por isso, podem coexistir com o estado de graça, e portanto não ser remetidos por defeito de suficiente detestação dos mesmos no penitente, ainda que fossem remetidos, mediante a absolvição sacramental, pecados mortais que, por hipótese, ele tivesse cometido. Obviamente, os fiéis que se aproximam do sacramento da Penitência desejam também a remissão da pena temporal, devida ao pecado, embora não necessariamente tenham no momento a explícita consideração dessa pena. Deve-se recordar, a respeito disso, a verdade de fé do Purgatório, no qual se expiam as penas restantes depois da passagem para a outra vida. Mas o sacramento da Penitência contém em si mesmo, precisamente porque infunde ou aumenta a graça sobrenatural, a virtude de estimular os fiéis ao fervor da caridade, às consequentes obras boas, e à piedosa aceitação dos sofrimentos da vida, que mereçam a remissão também das penas temporais.

Sob este aspecto, com o sacramento da Penitência estão intimamente conexas a verdade de fé e a praxe das indulgências. Com efeito, a indulgência é a remissão diante de Deus da pena temporal pelos pecados já remetidos quanto à culpa. O fiel, devidamente disposto e segundo determinadas condições, adquire-a mediante a Igreja, a qual, como ministra da redenção, com autoridade concede e aplica o tesouro das satisfações de Cristo e dos santos (C.D.C., cân. 993). Graças a Deus, lá onde a vida cristã é vivida de maneira intensa, os fiéis gostam das indulgências e piedosamente usam-nas. E porque a obtenção da indulgência plenária requer em primeiro lugar o total desapego do afecto ao pecado por parte da alma, de modo admirável elas e o sacramento da Penitência integram-se naquela finalidade essencial, e primeira, que é a destruição do pecado, a qual, como foi dito acima, se identifica em concreto com a infusão ou o aumento da graça santificante.

A respeito disso, o meu pensamento, ou melhor, o pensamento de toda a Igreja, eleva-se com gratidão ao Sumo Pontífice Paulo VI, de venerada memória, que na Constituição Apostólica Indulgentiarum doctrina, insigne monumento do Magistério, aprofundou o tema das indulgências e, com viva sensibilidade pastoral, lhe inovou a disciplina.

Deste modo, a recordação e a invocação do Espírito Santo, com as quais abri estas minhas palavras, foram intencionais, em relação não só ao Grande Jubileu, mas também ao tema aqui desenvolvido: com efeito, é admirável efeito do Espírito Santo, que habita em nós, a destruição do pecado e a santidade: «... mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus (1Co 6,11); «A esperança não nos deixa confundidos porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido» (Rm 5,5). A Igreja, portanto, proclama e administra o perdão de Deus no sacramento da Penitência, a fim de que nos fiéis se actue a vontade divina, que é a nossa santificação: «Esta é a vontade de Deus: A vossa santificação» (1Th 4,3).

4. A glória de Deus que, no que se refere aos homens, se identifica com a salvação eterna deles, foi anunciada pelos anjos no Natal do Senhor como intimamente conexa com a paz: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados» (Lc 2,14), e Jesus, no supremo testamento da Última Ceia, deixou como herança definitiva a Sua paz: «Deixo-vos a paz, a Minha paz vou dou. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turve o vosso coração nem se atemorize» (Jn 14,27); «Digo-vos isto para que a Minha alegria esteja em vós e o vosso gozo seja completo» (ibid., 15, 11). O sacramento da Penitência, pelo facto mesmo de infundir ou aumentar a graça, oferece o dom da paz. O rito litúrgico da absolvição sacramental, com feliz inovação na fórmula em uso hoje, e desde 1973, põe em relevo de maneira explícita este dom divino da paz: «Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de Seu Filho, reconciliou o mundo Consigo e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz».

A este propósito, isto é, para bem entender a natureza desta paz, é necessário recordar que a harmonia entre a alma e o corpo, entre a vontade do espírito e as paixões, foi turvada intimamente em consequência da culpa original e dos pecados pessoais, de maneira que muitas vezes em nós há uma luta dramática: «Efectivamente, o bem que eu quero, não o faço, mas o mal que não quero é que pratico... Sinto prazer na lei de Deus, de acordo com o homem interior. Mas vejo outra lei nos meus membros, a lutar contra a lei da minha razão e a reter-me cativo na lei do pecado, que se encontra nos meus membros» (Rm 7,19 Rm 7,22-23). Mas este conflito não exclui a paz profunda na alma da pessoa: «Graças sejam dadas a Deus, por Jesus Cristo, Nosso Senhor! Sou eu mesmo que, pela razão, me submeto à lei de Deus» (Rm 7,25).

É, pois, legítimo que os fiéis, no sacramento da Penitência, procurem também instaurar aquele processo interior que leva, nos limites possíveis à nossa condição de viandantes, à progressiva assimilação do próprio estado psicológico àquela paz interior, que consiste na conformidade com a vontade de Deus. Com efeito, a certeza racional Š que não pode ser certeza de fé, como ensina o Concílio Tridentino – do nosso estado de graça, se não elimina os dissídios interiores, torna-os toleráveis, e antes, quando se alcança a santidade, desejáveis. Não é por nada que São Francisco de Assis dizia: «É tão grande o bem que espero, que me delicio de toda a pena». Nesta mesma ordem de ideias, entre os efeitos do sacramento da Penitência, que justamente os fiéis podem esperar e desejar, há o de uma mitigação dos impulsos passionais, de uma correcção de defeitos lógicos e emotivos (como no caso dos escrupulosos), de aprimoramento de todo o nosso livre agir, por efeito da caridade sobrenatural restaurada e crescente. Em muitas partes, como recordei num meu discurso anterior, estes efeitos, próprios mas secundários, do sacramento da Penitência, estão ligados também à capacidade e à virtude do sacerdote confessor.

5. É pelo contrário expectativa injustificada a de quem quereria transformar o sacramento da Penitência em psicanálise ou psicoterapia. O confessionário não é e nem pode ser uma alternativa ao estudo do psicanalista ou do psicoterapeuta. Nem do sacramento da Penitência se pode esperar a cura de situações de carácter puramente patológico. O confessor não é alguém que cura nem sequer um médico no sentido técnico da palavra; antes, se por acaso o estado do penitente parece exigir curas médicas, não seja o confessor a enfrentar o problema, mas remeta o penitente a competentes e honestos profissionais. De maneira análoga, embora a iluminação das consciências exija o esclarecimento das ideias sobre o conteúdo próprio dos mandamentos de Deus, o sacramento da Penitência não é nem deve ser o lugar da explicação dos mistérios da vida. Sobre estes temas vejam-se as Normae quaedam de agendi ratione confessariorum circa sextum Decalogi praeceptum, emanadas a 16 de Maio de 1943 pela então Suprema Congregação do Santo Ofício, agora Congregação para a Doutrina da Fé, as quais, ainda que tão distantes no tempo, permanecem actualíssimas. De modo análogo, não só por causa do sigilo sacramental, mas também pela necessária distinção entre o foro sacramental e a responsabilidade jurídica e pedagógica dos formadores para o sacerdócio e para a vida religiosa, o estado de consciência revelado na confissão não pode nem deve ser transferido para a sede decisória canónica do discernimento vocacional; mas, como é claro, ao confessor dos candidatos ao sacerdócio incumbe a gravíssima obrigação de dissuadir, com toda a energia, de prosseguirem rumo a ele aqueles que na confissão demonstram estar privados das virtudes necessárias (o que vale no caso em relação à posse da castidade, indispensável para o compromisso celibatário) ou do necessário equilíbrio psicológico, ou, por fim, da suficiente maturidade de juízo.

6. O período quaresmal que vivemos recorda-nos a queda e prepara-nos para a ressurreição: o sacramento da Penitência socorre os que caíram e dá-lhes a ressurreição para a vida eterna, cujo penhor a alma em estado de graça possui desde agora. Nesta perspectiva de salvação integral deve ser concebido o sacramento da Penitência, dom de graça, dom de santidade, dom de vida.

A humilde consciência de ter sido para os fiéis mediador destas misericórdias do Senhor, é para nós sacerdotes, já avançados nos anos, motivo de imensa gratidão a Ele, que Se dignou fazer-nos Seus instrumentos vivos. A espera do cumprimento desta mesma sublime missão seja para vós, jovens esperanças da Igreja, estímulo à adequada preparação cultural e ascética, e atracção à suprema generosidade para com o vosso próximo ministério. Não sem razão se diz que poderia bastar mesmo uma só Missa celebrada santamente para realizar de maneira completa uma vocação sacerdotal. De igual modo se possa dizer, caros jovens, que a vossa caridade, oferecida aos fiéis no sacramento da Reconciliação, seja a plenitude e a alegria do vosso futuro.

Em penhor da graça do Senhor, que fecunde estes votos e esta confiança, de coração vos concedo a Bênção Apostólica.

Vaticano, 20 de Março de 1998.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NUM CONGRESSO


SOBRE A EDUCAÇÃO PRÉ-NATAL






Ilustres Senhores
Gentis Senhoras!

1. Sinto-me feliz em vos acolher por ocasião do Congresso sobre os «Fundamentos Biológicos e Psicológicos da Educação Pré-natal», no qual participais. Dirijo a cada um de vós a minha cordial saudação, com um particular pensamento de apreço aos promotores do encontro, entre os quais os responsáveis do «Movimento pela Vida», admirável iniciativa de espíritos generosos, que ao longo destes anos foi recolhendo crescentes consentimentos.

É confortador encontrar no actual panorama científico numerosos pesquisadores que, reconhecendo a plena dignidade do nascituro, exploram as vias de uma nova disciplina, a educação pré-natal. Esta é uma maravilhosa e meritória pesquisa: inclinar-se diante do filho que ainda se encontra no seio materno, não só para constatar e observar o seu crescimento físico e ouvir o coração da criança, mas também para investigar as suas emoções e registar os sinais de desenvolvimento da sua psique. Nesta investigação há um implícito tributo de respeito à pessoa, na qual já palpita o espírito imortal e se manifesta a imagem do Criador.

2. É justo que a criança seja posta no centro da atenção das ciências humanas, e não só das biológicas, desde o início do seu caminho temporal no seio materno. Por conseguinte, queridos Congressistas, o vosso empenho tem sem dúvida um valor no âmbito das ciências experimentais, mas tem tam- bém um significado antropológico e moral. O vosso interesse, de facto, superando o mero organicismo e a consideração dos aspectos físico-funcionais, que conservam contudo a sua importância, dirige-se ao interior do novo ser, que vive no seio materno.

A vossa óptica é, por assim dizer, perspéctica: tendes em conta o sucessivo desenvolvimento da criança – a sua infância, a adolescência, a idade adulta – para captar as conexões psicológicas que existem entre aquelas fases da existência e os seus inícios no seio materno, e para sugerir aos pais o comportamento mais apropriado a fim de garantir o harmónico princípio do processo.

A história do indivíduo, depois do nascimento, depende sem dúvida dos cuidados físicos e médicos que recebe. Mas grande influência sobre ela exercem também a serenidade, a intensidade e a riqueza das emoções sentidas durante a vida pré-natal. Esta linha de investigação pré-natal deve ser, por conseguinte, considerada da maior importância.

Nesta perspectiva, é de igual modo fundamental relevar a conexão que existe entre o desenvolvimento da psicologia do nascituro e o contexto da vida familiar que se move em seu redor. A harmonia dos cônjuges, o calor do lar, a serenidade da vida quotidiana repercutem-se na sua psicologia, favorecendo o seu desabrochar harmonioso: não são apenas os genes que transmitem as características hereditárias dos pais, mas também as repercussões das suas vicissitudes espirituais e emocionais.

3. É bom constatar que a medicina e a psicologia, com os seus respectivos recursos, podem pôr-se ao serviço da vida do nascituro e do seu progressivo desenvolvimento. Enquanto algumas orientações de pesquisa e de intervenção experimental, hoje, correm o risco de esquecer o mistério da pessoa presente na vida que desabrocha no seio da mãe, vós propondes-vos desenvolver os vossos estudos partindo deste pressuposto. De facto, sabeis que a desventura mais grave para a humanidade é perder o significado do valor da vida humana desde o seu exórdio.

Conhecer a vida em cada uma das suas dimensões, a fim de a respeitar e promover em todo o seu desenvolvimento e mistério: eis o horizonte que vos guia e que hoje desejais reconfirmar diante do Sucessor de Pedro. Neste contexto, faço votos por que todos os que se ocupam da distribuição dos meios económicos destinados à investigação, saibam distinguir entre programas que defendem a vida e programas que ofendem a sua integridade ou lhe comprometem a existência.

Compete em particular aos investigadores católicos a tarefa de fazer convergir os seus esforços para os objectivos mais nobres que a ciência pode servir. A este respeito, escrevi na Carta Encíclica Evangelium vitae: «Também os intelectuais muito podem fazer para construir uma nova cultura da vida humana. Responsabilidade particular cabe aos intelectuais católicos, chamados a estarem activamente presentes nas sedes privilegiadas da elaboração cultural, ou seja, no mundo da escola e das universidades, nos ambientes da investigação científica e técnica, nos lugares da criação artística e da reflexão humanista» (n. 98).

4. Renovo aos crentes o convite a colaborar com ânimo aberto com os colegas do mundo científico, a fim de desenvolver a pesquisa sobre os componentes físicos, psicológicos e espirituais da vida humana desde o seu alvorecer. Qualquer pessoa que seja sensível à defesa e à promoção da vida, sobretudo se é frágil e indefesa, não pode contentar-se da proclamação, mesmo se é justa e sacrossanta, do direito à vida, mas deve sentir-se empenhada na elaboração de uma cultura cientificamente fundada «através da produção de contributos sérios, documentados e capazes de se imporem pelos seus méritos ao respeito e interesse de todos» (Ibidem).

Em conclusão, a vitória será da verdade, porque Deus está do seu lado. Não é Ele porventura o Deus da verdade e o Senhor da vida?

Por conseguinte, exorto-vos a continuar os vossos estudos com rigor exemplar. O Senhor não deixará de vos acompanhar com a sua graça no trabalho quotidiano, que dedicais ao serviço dum futuro melhor e cheio de vida.

Com estes votos, ao invocar sobre vós e as vossas actividades a protecção da Virgem Maria, Sede da Sabedoria e Mãe do Verbo Encarnado, concedo-vos de coração a minha Bênção apostólica.



Vaticano, 20 de Março de 1998.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À NIGÉRIA

21-23 DE MARÇO DE 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE BOAS-VINDAS À NIGÉRIA

Aeroporto "Nnamdi Azikiwe" de Abuja

Sábado, 21 de Março de 1998



Excelentíssimo Chefe do Estado, General Sani Abacha
Autoridades do Governo,
Meus Irmãos Bispos Estimados
Irmãos e Irmãs em Jesus Cristo
Querido Povo da Nigéria

1. É com profunda gratidão que glorifico a divina Providência por me ter concedido a graça de retornar a vós e de pisar uma vez mais esta abençoada terra! A vós, que vos reunistes aqui para me receber, e a todos os filhos e filhas da Nigéria, transmito as minhas sinceras saudações de amor e paz.

Dirijo uma especial palavra de gratidão aos meus Irmãos Bispos pelo seu convite, ao Chefe do Estado e aos outros Responsáveis e Autoridades do Governo por terem tornado possível esta Visita. Considero a presença de todos hoje aqui um sinal de amizade e uma manifestação do vosso desejo de trabalhar juntos para servir o bem-estar da inteira Nação.

2. Venho à Nigéria como amigo, como alguém que está profundamente preocupado pelo destino do vosso país e da África em geral. A principal finalidade da minha visita é celebrar, juntamente com a Comunidade católica, a Beatificação do Padre Cipriano Michael Iwene Tansi, o primeiro nigeriano na história da Igreja a ser oficialmente proclamado «Beato».

A celebração desta Beatificação na própria terra onde o Padre Tansi nasceu e exerceu o seu ministério sacerdotal honra toda a Nação. Ela dá a todos os nigerianos uma oportunidade para ponderar sobre a direcção e a reflexão que a vida do Padre Tansi oferece à sociedade contemporânea. Nele, e em todas as pessoas que consagram completamente a própria vida ao serviço do próximo, revela-se a vereda ao longo da qual os nigerianos deveriam caminhar rumo a um porvir mais luminoso para o seu país. O testemunho oferecido pelo Padre Tansi é importante nesta hora da história da Nigéria, um momento que exige esforços honestos e conjuntos em vista de fomentar a harmonia e a unidade nacional, garantir o respeito pela vida humana e pelos direitos do homem, promover a justiça e o desenvolvimento, combater o desemprego, dar esperança aos pobres e a quem sofre, resolver os conflitos mediante o diálogo e instaurar uma solidariedade verdadeira e duradoura entre todos os sectores da sociedade.

3. A violência não cessa de causar grande sofrimento e tormento para determinados povos da África. Ao chegar à África Ocidental, os meus pensamentos dirigem-se para o povo da Serra Leoa, que sofreu muitíssimo nos últimos tempos. Todos nós devemos esperar que, com a assistência contínua dos responsáveis pela paz na África, o restabelecimento da ordem constitucional e da liberdade democrática abra o caminho para um novo período de reconstrução e desenvolvimento.

A propósito disto, reconheço devidamente as contribuições oferecidas pela Nigéria e por outros países, em vista de resolver esta difícil situação. Em particular, desejo expressar a minha sincera gratidão a todos aqueles que cooperaram na bem sucedida operação de socorro no Centro pastoral católico em Makeni.

Desejo também encorajar o Povo da Libéria, no momento em que sai duma situação de trágico conflito e trabalha para reconstruir a sua nação. A justiça e a paz constituem o caminho do desenvolvimento e do progresso. Deus revigore aqueles que percorrem este caminho ao serviço da comunidade humana.

4. Estimados amigos nigerianos, no vosso próprio país, todos vós sois chamados a recorrer à vossa sabedoria e experiência na árdua e urgente tarefa de edificação de uma sociedade que respeite todos os seus membros, na dignidade, nos direitos e nas liberdades. Isto exige uma atitude de reconciliação e requer que o Governo e os cidadãos desta terra estejam firmemente empenhados em dar o melhor de si mesmos para o bem de todos. O desafio que se vos apresenta é grande, mas a vossa capacidade e determinação em enfrentá-lo são ainda maiores.

A vida e o testemunho do Padre Tansi recordam-nos a afirmação do Evangelho: «Felizes os que promovem a paz!» (Mt 5,9). Felizes todos os que, na Nigéria e alhures na África, trabalham pela paz genuína. Felizes aos olhos de Deus os que se empenham por guiar o continente africano rumo a uma nova fase de estabilidade, reconciliação, desenvolvimento e progresso.

O bom êxito definitivo nesta empresa virá do Omnipotente, Senhor da vida e da história humana. Convicto de que Ele vos auxiliará na obra que se vos apresenta, faço minhas as palavras do Salmista: «Javé fortifica o seu povo, Javé abençoa o seu povo com a paz!» (Ps 29,11).

Ao iniciar esta Visita, exprimo a minha profunda estima e afecto por todos os nigerianos. Encontrar-me-ia de bom grado com cada um de vós! Deus esteja próximo de cada filho e filha desta querida terra.

Deus abençoe a Nigéria!



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À NIGÉRIA

21-23 DE MARÇO DE 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO ENCONTRO

COM OS LÍDERES RELIGIOSOS MUÇULMANOS


: Domingo, 22 de Março de 1998



Alteza Real o Sultão de Sokoto,
Altezas Reais os Emires,
Ilustres Autoridades Muçulmanas

1. Embora a minha permanência na Nigéria seja bastante breve, não quis realizá-la sem este importante encontro com os mais altos representantes do Islão neste país. Permiti-me expressar-vos o meu agradecimento por terdes aceite o convite a vir aqui nesta noite; aprecio profundamente esta oportunidade de saudar, mediante vós, a inteira Comunidade muçulmana na Nigéria. Estou grato a Sua Alteza Real pelas suas amáveis palavras, expressas também em nome de Suas Altezas aqui presentes e, por minha vez, dirijo-vos uma saudação de Paz, a paz que tem a sua verdadeira fonte em Deus, entre cujos «Maravilhosos Nomes», em conformidade com a vossa tradição, está al-Salam, Paz.

Como bem sabeis, o motivo da minha visita é proclamar solenemente a santidade de um filho deste país, Padre Cipriano Michael Iwene Tansi. Ele foi declarado um modelo de religioso que amou os outros e se sacrificou por eles. O exemplo de pessoas que levam vidas santas ensina-nos não só a praticar o respeito e a compreensão mútuos, mas a ser modelos de bondade, reconciliação e colaboração, para além dos limites étnicos e religiosos, para o bem de todo o país e a maior glória de Deus.


Discursos João Paulo II 1998 - 17 de Março de 1998