Discursos João Paulo II 1998

2. Como cristãos e muçulmanos, compartilhamos a crença «no Deus único e misericordioso, [o Juiz] que há-de julgar os homens no último dia» (Lumen gentium LG 16). Embora o nosso modo de compreender este Deus único seja diversificado, contudo, assemelhamo-nos nos esforços em vista de conhecer e de fazer a Sua vontade. Esta mesma aspiração religiosa constitui um vínculo espiritual entre cristãos e muçulmanos, um laço que pode constituir uma base firme e ampla para a cooperação em muitos campos. Isto é importante onde quer que cristãos e muçulmanos vivam juntos e é particularmente relevante na Nigéria, onde cristãos e muçulmanos estão presentes em tão grande número.

Entre as importantes convicções que compartilhamos, tanto o Cristianismo como o Islão sublinham a dignidade de cada pessoa humana, criada por Deus para uma finalidade especial. Isto impele-nos a salvaguardar o valor da vida humana em todas as suas etapas e a oferecer apoio à família como unidade fundamental da sociedade. Por conseguinte, consideramos um pecado contra o Criador todos os abusos no que diz respeito aos membros mais frágeis da sociedade, de modo particular às mulheres e às crianças. Além disso, as nossas religiões põem em evidência a responsabilidade que os indivíduos têm de responder àquilo que, na consciência, julgarem que Deus deseja deles. É inquietadora a reflexão sobre o estado dos direitos humanos hoje, pois nalgumas partes do mundo as pessoas ainda são perseguidas e aprisionadas por motivos de consciência e em função das suas crenças religiosas. Como vítimas inocentes, elas constituem uma triste prova de que tem prevalecido a força — e não os princípios democráticos — de que a intenção não é servir a verdade e o bem comum, mas defender os interesses particulares a qualquer preço. Pelo contrário, ambas as nossas tradições ensinam uma ética que rejeita o individualismo que busca a sua própria satisfação, sem prestar atenção às necessidades dos outros. Acreditamos que aos olhos de Deus os recursos da terra são destinados a todos e não apenas a poucas pessoas. Estamos conscientes de que o exercício do poder e da autoridade deve ser um serviço à comunidade, e de que todas as formas de corrupção e de violência constituem uma grave ofensa contra os desígnios de Deus para a família humana.

Temos em comum um ensinamento tão vasto concernente à bondade, à verdade e à virtude que entre nós é possível uma grande compreensão e, de facto, é necessária. Na Mensagem que dirigi à Comunidade muçulmana em Kaduna, durante a minha primeira visita ao vosso país em 1982, eu disse: «Estou convicto de que se nós [cristãos e muçulmanos] nos dermos as mãos no nome de Deus, poderemos realizar muito de bom... podemos colaborar na promoção da justiça, da paz e do desenvolvimento. Tenho a sincera esperança de que a nossa solidariedade fraterna, sob a protecção de Deus, exaltará verdadeiramente o futuro da Nigéria e de toda a África» (14 de Fevereiro de 1982, ed. port. de L'Osservatore Romano de 21.II.1982, pág. 10, n. 3).

3. Em qualquer sociedade podem surgir desacordos. Por vezes, as disputas e os conflitos que deles derivam adquirem um carácter religioso. Às vezes a própria religião é utilizada sem escrúpulos, com o objectivo de provocar conflitos. A Nigéria conheceu estes conflitos, embora se deva reconhecer com gratidão que, em muitas partes do país, pessoas de diferentes tradições religiosas vivem lado a lado, em boa e pacífica vizinhança. As diferenças étnicas e culturais jamais deveriam ser usadas para justificar os conflitos. Pelo contrário, assim como as várias vozes num coro, tais diferenças podem coexistir em harmonia, contanto que haja um verdadeiro desejo de respeito recíproco. Cristãos e muçulmanos concordam que não pode haver coerção em matérias religiosas. Estamos empenhados em ensinar atitudes de abertura e respeito para com os seguidores das outras religiões. Todavia, a religião pode ser usada erroneamente e, sem dúvida, é dever dos líderes religiosos lutar para que isto não aconteça. Sobretudo, quando se comete violência em nome da religião, devemos explicar a todos que em tais circunstâncias não estamos diante da verdadeira religião. O Omnipotente não pode tolerar a destruição da própria imagem nos Seus filhos. Deste lugar no centro da África Ocidental dirijo um apelo a todos os muçulmanos, da mesma forma que exortei os meus Irmãos Bispos e todos os católicos: a amizade e cooperação sejam a nossa inspiração! Trabalhemos juntos em prol de uma nova era de solidariedade e de serviço comum, enfrentando o enorme desafio de construir um mundo melhor, mais justo e humano! Quando surgem problemas a nível local, regional ou nacional, devem-se buscar soluções através do diálogo. Não é porventura este o estilo da tradição africana? Quando os nigerianos de diferentes culturas se reúnem para rezar pelas necessidades do país — cada grupo em conformidade com a sua própria tradição — sabem que estão juntos como um povo unido. Desta forma, honram verdadeiramente o Altíssimo Senhor do céu e da terra.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À NIGÉRIA

21-23 DE MARÇO DE 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO ENCONTRO

COM OS BISPOS DA NIGÉRIA


: Abuja, Nigéria

Segunda-feira, 23 de Março de 1998



Meus caros Irmãos no Episcopado!

1. O eco da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África, celebrado há cerca de quatro anos, é ainda forte em vós. O Sínodo representou um momento de reflexão fecunda e repleta de graça sobre a força e a debilidade da comunidade católica, que continua a crescer e a desenvolver-se neste Continente. Os Padres examinaram durante longo tempo e em toda a sua complexidade aquilo que a Igreja é chamada a fazer, à luz da actual situação. Com constante confiança nas promessas de Deus, e apesar das dificuldades presentes em muitos Países, eles reafirmaram a determinação da Igreja de revigorar em todos os africanos a esperança numa verdadeira libertação (cf. Ecclesia in Africa ).

Dado que estais a empenhar-vos neste objectivo, dirijo-vos hoje esta mensagem e ponho no centro do meu discurso as palavras de encorajamento e de graça escritas, há quase dois mil anos, pelo Apóstolo Paulo ao seu «filho predilecto», Timóteo: «Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria» (2Tm 1,7). Caros Irmãos, o vosso ministério — individualmente para com os fiéis das vossas Dioceses ou colectivamente para com a nação no seu conjunto — manifesta já o sinal deste espírito, e desejo sustentar a vossa coragem e firmeza a fim de que permaneçam sempre os traços característicos da proclamação da salvação oferecida em Jesus Cristo. Isto é tanto mais necessário quanto mais se aproxima o novo Milénio, o tempo de graça, a «hora da África» (Ecclesia in Africa ). Compete-vos continuar na guia corajosa e decidida, a fim de que a Igreja na Nigéria seja capaz de enfrentar os desafios da nova evangelização neste momento da vossa história.

Não posso exprimir de maneira adequada a minha alegria e gratidão por me ter sido concedido retornar à Nigéria e celebrar neste abençoado País a Beatificação do Padre Cipriano Michael Iwene Tansi. Agradeço ao Arcebispo Obiefuna a gentileza e o calor das palavras com que, em nome de todos vós, me deu as boas-vindas. Por minha parte saúdo-vos, Bispos da Nigéria, e, mediante vós, todos os membros das Igrejas locais. Assegurai aos vossos sacerdotes, religiosos e leigos — sobretudo aos doentes, aos anciãos, às crianças e aos jovens — o meu afecto e a minha estima. «Graça, misericórdia e paz da parte de Deus e da de nosso Senhor Jesus Cristo» (2Tm 1,2).

2. Na obra de evangelização a Igreja deve superar muitos obstáculos, mas não se deixa desanimar. Antes, ela continua a dar eloquentes testemunhos do seu Senhor, não só através da solicitude espiritual para com os próprios filhos, mas também mediante o empenho em servir a sociedade nigeriana no seu conjunto. De facto, a sua força ultrapassa todos os seus recursos humanos — «Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza» (2Tm 1,7) — e por isso tem confiança no facto que das sementes que lança à terra, Deus tirará uma colheita abundante. Na verdade, a palavra de Deus não se deixa acorrentar (cf. 2Tm 2,9), e torna-se cada vez mais evidente que não é a nós, mas ao «Senhor da messe» (Lc 10,2), que a glória é devida.

Ao mesmo tempo, contudo, a importância e a credibilidade da proclamação da Boa Nova por parte da Igreja estão estritamente ligadas à credibilidade dos seus mensageiros (cf. Ecclesia in Africa ). Por este motivo, todos os que são chamados ao «ministério da reconciliação» (2Co 5,18) — tanto Bispos como sacerdotes — devem mostrar de modo claro e inequívoco que acreditam firmemente naquilo que anunciam. Com as palavras do meu predecessor, o Papa Paulo VI: «O testemunho da vida tornou-se uma condição essencial para a eficácia profunda da pregação. Sob este ângulo somos, até certo ponto, responsáveis pelo avanço do Evangelho que nós proclamamos» (Evangelii nuntiandi EN 76).

3. A Nigéria tem uma das mais numerosas populações católicas da África e o número dos crentes está em contínuo crescimento. Este é um sinal da vitalidade e da crescente maturidade desta Igreja local. Particularmente promissor a respeito disso é o aumento das vocações ao sacerdócio e à vida religiosa. Dado que os sacerdotes são os vossos principais colaboradores no desempenho da missão apostólica da Igreja, é essencial que o vosso relacionamento com eles seja caracterizado pela unidade, fraternidade e apreço dos seus talentos. Quantos, através da Ordem Sagrada, foram configurados com Cristo, o Bom Pastor, devem compartilhar esta atitude de completo dom de si pela salvação do rebanho e pela difusão do Evangelho. Viver a vida sacerdotal requer uma profunda formação espiritual e sobretudo um empenho numa contínua conversão pessoal. A vossa vida e a dos vossos sacerdotes deveriam reflectir o espírito da pobreza evangélica e o desapego das coisas e das atitudes do mundo. O celibato, como completo dom de si ao Senhor e à sua Igreja, deve ser atentamente tutelado, e toda a atitude que possa dar escândalo deve ser propriamente evitada e, quando for necessário, corrigida.

Com mais de três mil seminaristas actualmente em formação nos Seminários Maiores interdiocesanos existentes, estais a projectar abrir outros; isto consentir-vos-á garantir de modo mais idóneo a justa formação dos candidatos ao sacerdócio. Além disso, também os Seminários Maiores para os religiosos estão a dar bons frutos e a crescer, ainda que o número aumente, entretanto, continua de vital importância fornecer uma guia e orientação atentas na selecção e na preparação de quantos são chamados ao ministério sacerdotal na Igreja. Estai certos de que, se os vossos Seminários se conformarem aos requisitos fundamentais do programa de formação sacerdotal da Igreja — sobretudo aquele apresentado no Decreto conciliar Optatam totius e na Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis — eles produzirão frutos excelentes para as gerações futuras.

4. Há poucos meses, a Conferência Episcopal da Nigéria concluiu o seu Plano Pastoral Nacional, um instrumento que será muito importante para dar impulso e orientação à nova evangelização. Ao pordes em prática este Plano, devereis constantemente avaliar a sua eficácia e conferir-lhe as modificações necessárias, a fim de enfrentar as diversas necessidades pastorais das Igrejas particulares. Nenhum plano pastoral verdadeiramente nacional pode deixar de considerar de que modo as diferentes etnias e culturas se podem harmonizar num espírito de genuína colaboração e comunhão eclesial. O vosso apoio conjunto a projectos pastorais, como o Instituto Católico da África Ocidental, representa um dos modos para superar essas diferenças. Desejo encorajar-vos a fazer da Conferência Episcopal um eficaz instrumento de sempre maior unidade, solidariedade e acção conjunta por parte das quarenta e cinco diversas Jurisdições Eclesiásticas da Nigéria. Dado que o número das vocações ao sacerdócio e à vida religiosa está a aumentar, encorajo-vos a promover vocações missionárias e a facilitar o apostolado dos sacerdotes e dos religiosos, chamados ao empenho missionário fora das próprias Dioceses e também da Nigéria. Estes são alguns dos desafios que a Igreja na Nigéria deve enfrentar, uma Igreja que agora se tornou adulta. Sim, o cristianismo «está literalmente semeado nesta terra abençoada» (Ecclesia in Africa ); a África tornou-se «nova pátria de Cristo» (ibid., 56) e os africanos são agora missionários uns para os outros.

As vossas Dioceses podem contar de modo particular com o testemunho e a obra dos muitos religiosos e religiosas que, dando-se livremente, muito contribuem para a vida e o vigor das vossas comunidades. A sua especial consagração ao Senhor torna-os idóneos para dar um testemunho particularmente eficaz do amor de Deus pelo Seu povo e a fazer deles sinais vivos da verdade que «o reino de Deus está perto» (Mc 1,15). Eles representam um elemento integral da vida e da missão da Igreja na Nigéria: jamais deixeis faltar para com eles a vossa atenção e a vossa solicitude paterna; estai próximos deles e cuidai do seu carisma, dom extraordinário do Senhor.

A este ponto é oportuno exprimir apreço pelo crescente empenho dos fiéis leigos na tarefa de promover o Reino de Deus neste País. Com efeito, a força do testemunho evangélico da Igreja dependerá cada vez mais da formação de um laicado activo, que o torna idóneo para levar o espírito de Cristo aos ambientes políticos, sociais e culturais, e para oferecer uma colaboração sempre mais competente na planificação e actuação das iniciativas pastorais. As vossas Igrejas particulares são também abençoadas por catequistas e «evangelizadores», que se empenham com zelo na tarefa de anunciar Cristo e de fazer conhecer as Suas vias aos irmãos e irmãs. Além disso, as qualidades específicas das associações de apostolado leigo e dos grupos de oração, contanto que evitem com cuidado todo o exclusivismo, representam uma força vital para o crescimento das vossas comunidades de fé.

5. A Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África considerou a evangelização das famílias uma prioridade essencial, uma vez que é através delas que a família africana é evangelizada (cf. Ecclesia in Africa ). Além disso, o matrimónio e a vida familiar são as vias normais de santidade para a maior parte dos fiéis confiados à vossa solicitude. Por este motivo, os vossos incessantes esforços por levar os casais a descobrirem a verdade, a beleza e a riqueza da graça ínsita na sua nova vida comum em Cristo, permanecem parte essencial das vossas responsabilidades pastorais e o modo mais seguro para garantir uma autêntica inculturação do Evangelho.

De igual modo, aos jovens, que representam o futuro da Igreja e da nação, devem ser dadas ajuda e assistência, a fim de superarem os obstáculos que lhes poderiam impedir o crescimento: o analfabetismo, o desemprego, a indolência e a droga. Um modo excelente para enfrentar este desafio é exortar os próprios jovens a tornarem-se evangelizadores dos seus coetâneos — porque ninguém o pode fazer melhor do que eles. Os jovens devem ser ajudados a descobrir muito cedo o valor do dom de si, que é um factor essencial para a consecução da maturidade pessoal. Desejo acrescentar que deveis ser particularmente solícitos em fazer todo o possível, a fim de que a juventude nigeriana — sobretudo as moças e as adolescentes — seja protegida da eventualidade de se tornar vítima de explorações sem escrúpulos, que muitas vezes a obrigam a formas de escravidão particularmente degradantes, com consequências trágicas e devastadoras.

Os Padres sinodais fizeram, além disso, apelo à Igreja na África para que se empenhe de maneira activa no processo de inculturação, respeitando os dois importantes critérios da compatibilidade com a mensagem cristã e da comunhão com a Igreja universal (cf. Ecclesia in Africa ). Encorajo-vos, portanto, a fazer todo o possível — do ponto de vista litúrgico, teológico e administrativo — a fim de que o vosso povo se sinta sempre mais em casa na Igreja e a Igreja cada vez mais em casa com o vosso povo. Será necessário fazer pesquisas sobre a Religião e a Cultura Tradicionais Africanas, e saber discernir e vigiar com cautela. Que o Espírito Santo vos guie nestes esforços!

6. Os membros das Igrejas particulares, confiados à vossa solicitude, são cidadãos de uma nação que agora deve enfrentar diversos desafios importantes na tentativa de efectuar transformações políticas e sociais. Neste contexto, adquire um significado ainda maior o vosso papel de guias da comunidade católica, guias que reconheçam a oportunidade e necessidade de um diálogo construtivo com todos os sectores da sociedade, sobre as justas e sólidas bases da vida social. Esse diálogo, enquanto procura manter abertos todos os canais de comunicação com paciência e boa vontade, não vos impede de expor, abertamente e com respeito, as convicções da Igreja, sobretudo as que concernem a temas importantes, como a justiça e a imparcialidade para todos os cidadãos, o respeito pelos direitos humanos, a liberdade religiosa e a objectiva verdade moral que se devem reflectir na legislação civil.

É de importância vital que todos os nigerianos colaborem para assegurar que as mudanças necessárias sejam feitas de maneira pacífica e sem indevidos sofrimentos para os sectores mais débeis da população. É, pois, evidente que os generosos esforços dos Pastores e dos fiéis, em estreita colaboração com os cristãos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, desempenham um papel importante em garantir uma positiva solução a este período de transição. Com efeito, como observaram os Padres do Concílio Vaticano II, uma acção comum deste tipo «exprime vivamente aquelas relações pelas quais já estão unidos entre si» os cristãos e, se todos se unem no serviço ao bem comum, «apresentam numa luz mais radiante o rosto de Cristo Servo» (Unitatis redintegratio UR 12).

7. Este clima de diálogo e de cooperação deve estender-se também aos crentes muçulmanos de boa vontade, porque também eles «imitam a fé de Abraão e vivem as exigências do Decálogo» (Ecclesia in Africa ). Hoje, ao encontrar-me convosco, Bispos católicos da Nigéria, reitero o apelo que dirigi ontem durante o meu encontro com os chefes muçulmanos: o apelo à paz, à compreensão e à mútua colaboração entre cristãos e muçulmanos. O Criador da única e grande família humana, à qual todos pertencemos, deseja que demos testemunho da imagem divina inserida em cada ser humano, respeitando cada pessoa com os próprios valores e tradições religiosas, e trabalhando juntos pelo progresso humano e o desenvolvimento a todos os níveis.

Cristãos, muçulmanos e seguidores da Religião Tradicional Africana, deveriam continuar a prosseguir a sincera busca da compreensão mútua. Isto permitirá que todos os cidadãos sejam verdadeiramente livres de trabalhar pelo bem da sociedade nigeriana, e juntos «defendam e promovam a justiça social, os bens morais e a paz e liberdade para todos os homens» (Nostra aetate NAE 3).

8. «Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sabedoria» (2Tm 1,7). É precisamente este espírito, o espírito do firme empenho em prol do Evangelho e da total confiança no amor de Deus, que vos consentirá desempenhar a missão que Deus vos confiou como Bispos. Confirmados pela fé e a esperança no poder salvífico de Jesus Cristo, estareis cada vez mais preparados para enfrentar «o desafio de serdes instrumentos da salvação nos diversos âmbitos da vida dos povos africanos» (Ecclesia in Africa ).

Estai certos de que as minhas orações vos acompanham sempre; mais uma vez, confirmo-vos o meu afecto e a minha estima. Ao confiar-vos e também todos os fiéis da Nigéria à protecção da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, invoco sobre vós «graça, misericórdia e paz da parte de Deus nosso Pai e da de nosso Senhor Jesus Cristo» (2Tm 1,2). Amém.



VIAGEM APOSTÓLICA DO SANTO PADRE À NIGÉRIA

21-23 DE MARÇO DE 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA DA NIGÉRIA

Aeroporto "Nnamdi Azikiwe" de Abuja

Segunda-feira, 23 de Março de 1998



Senhor General Sani Abacha
Venerados Irmãos no Episcopado
Autoridades Eclesiais e do Estado
Querido povo da Nigéria

1. Há mais de dezasseis anos encontrava-me sobre o asfalto do aeroporto Murtala Muhammed de Lagos, exprimindo a minha saudação de despedida ao Presidente Shehu Shagari e aos Representantes eclesiais e do Estado, depois de uma inesquecível visita pastoral à vossa Nação. Naquela data eu perguntei: «Ser-me-á possível um dia voltar à Nigéria? A Providência de Deus Omnipotente e Misericordioso disporá que eu volte para beijar o vosso solo, abraçar as vossas crianças, encorajar os vossos jovens e caminhar mais uma vez circundado pelo amor e afecto do nobre povo do vosso País?».

Repeti aquela súplica e aqueles votos muitas vezes nos últimos anos. Agora posso agradecer a Deus, porque as minhas súplicas foram atendidas e me foi concedido realizar esta breve mas frutuosa visita de retorno ao vosso amado País. Asseguro todos de que, assim como conservo com afecto a memória da minha precedente visita, também estes poucos dias terão um lugar especial no meu coração.

2. Agora chegou de novo o momento da despedida. Agradeço a Sua Excelência o Chefe do Estado, e ao seu disponível grupo de Oficiais e Funcionários do Governo, o cordial acolhimento e sinceras boas-vindas. Agradeço a vós, Bispos católicos da Nigéria, e a todos os sacerdotes, religiosos e fiéis leigos que participaram com tanta alegria na beatificação do Padre Cipriano Michael Iwene Tansi e nos outros momentos da minha breve permanência entre vós.

Agradeço aos pilotos e aos motoristas, aos adidos da segurança e guardiães da paz, aos homens e mulheres dos meios de comunicação, que dedicaram o seu tempo e as suas capacidades para fazer desta visita um sucesso.

Renovo estima e gratidão aos representantes das outras Igrejas cristãs e Comunidades eclesiais, que participaram nestes acontecimentos. Ao aproximar-se o Terceiro Milénio, a nossa amizade e a colaboração ecuménicas devem tornar-se cada vez mais intensas; uma atitude de confiança e respeito deve distinguir todos os seguidores de Cristo, enquanto caminhamos ao longo da via duma compreensão e dum apoio recíprocos cada vez maiores!

Manifesto também o meu agradecimento aos membros da Comunidade muçulmana pela sua presença e participação. Rezo a fim de que o empenho dos cristãos e dos muçulmanos por criar vínculos de conhecimento e de respeito recíprocos cresça e dê frutos, de maneira que todos os que crêem no único Deus possam trabalhar juntos pelo bem da sociedade, na Nigéria e no mundo.

Desejo, de igual modo, dirigir particulares palavras de estima aos seguidores da Religião Tradicional Africana e garantir-lhes que a Igreja Católica, através dos seus esforços para inculturar o Evangelho, procura evidenciar os elementos positivos da herança religiosa e cultural da África e de edificar a partir deles.

3. Queridos Irmãos e Irmãs católicos, conheço e constatei de novo o desejo que tendes de colaborar com os vossos concidadãos para uma maior justiça e uma vida melhor para vós e para os vossos filhos. Para a vossa Nação chegou o momento de reunir as suas riquezas materiais e as energias espirituais, de modo que tudo o que é causa de divisão possa ser posto de lado e substituído com a unidade, a solidariedade e a paz. Ainda são muitas as dificuldades a enfrentar, e não se deve subestimar o duro trabalho que é preciso fazer. Não estais sozinhos neste importante empreendimento: o Papa está convosco, a Igreja católica está ao vosso lado e o próprio Deus vos dará a força e a coragem para construir um futuro luminoso e duradouro, baseado no respeito da dignidade e dos direitos de cada ser humano.

Há dezasseis anos, quando me despedi de vós, dirigi as últimas palavras às crianças da Nigéria, recordando-lhes que são amadas por Deus e que reflectem o Seu amor. Aquelas crianças agora cresceram e, provavelmente, algumas delas têm filhos; contudo a mensagem que deixo hoje é a mesma de há dezasseis anos. As crianças e os jovens da África devem ser protegidos dos horrores e das atrocidades suportados por milhares de vítimas inocentes, obrigadas a tornarem-se refugiadas, abandonadas à fome ou impiedosamente raptadas, maltratadas, escravizadas e mortas. Todos devem empenhar-se em favor de um mundo no qual nenhuma criança seja privada da paz e da segurança, de uma vida familiar estável, do direito de crescer sem temores nem ansiedades.

4. Desejo que saibais que a Nigéria e todos os nigerianos estarão sempre presentes nas minhas orações. Deus Omnipotente, Senhor da história, dar-vos-á a sabedoria e a perseverança necessárias para continuardes com coragem a obra de desenvolvimento e de paz. O vosso País possui os recursos para remover os obstáculos no caminho do progresso e para edificar uma sociedade justa e harmoniosa. Desejo também renovar o apelo, já várias vezes dirigido à Comunidade internacional, para que não ignore as necessidades da África, mas coopere convosco e, num espírito de crescente colaboração, apoie todos os esforços que se destinam a garantir o progresso e o crescimento pacífico do Continente. Todos os nigerianos devem poder sentir-se orgulhosos da sua Nação; todos devem participar na edificação do futuro. É este o pedido que dirijo a Deus Omnipotente para vós!

Deus abençoe a Nigéria e todos os nigerianos! Deus sustente todos os povos da África!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DA RATIFICAÇÃO DA CONCORDATA


ENTRE A SANTA SÉ E A REPÚBLICA DA POLÓNIA


25 de Março de 1998





Há pouco, no Palácio Apostólico, teve lugar a troca dos Documentos de ratificação. Apresento a minha cordial saudação ao Senhor Cardeal Primaz, ao Senhor Presidente do Conselho de Ministros e aos Representantes das Supremas Autoridades da República da Polónia, que vieram ao Vaticano nesta circunstância. Saúdo também o Núncio Apostólico na Polónia e o Senhor Embaixador da República da Polónia junto da Santa Sé. Foram pronunciados também os discursos, os quais agradeço.

Concluiu-se hoje o processo da ratificação da Concordata entre a Santa Sé e a República da Polónia, cujo texto foi assinado a 28 de Julho de 1993. Quero recordar que o conteúdo deste importante Documento constitui o fruto do trabalho de muitos anos, iniciado há tempos por uma apropriada Comissão composta dos representantes do Episcopado e das autoridades da Polónia de então. Mais tarde, numa nova situação sócio-política do nosso País, as negociações foram conduzidas pelas delegações respectivamente da Santa Sé e do Governo da República da Polónia. Exprimo, pois, o meu agradecimento a todos aqueles que com eficácia trabalharam na preparação do texto da presente Concordata. O seu esforço, a competência e o empenho perseverante fizeram com que a ideia deste Acordo internacional se maturasse lentamente, assumindo formas concretas. Agradeço também a todos os que colaboraram na directa redacção e formulação da versão definitiva da Concordata. Não posso deixar de mencionar aqui as dificuldades concernentes à ratificação, os esforços e as intervenções de muitos, a fim de levarem a cabo a obra que tinha sido iniciada. Já temos atrás de nós esse caminho, por isto estamos gratos a Deus e aos homens.

Hoje tem início uma nova etapa, que eu definiria normal, nas relações recíprocas entre a Santa Sé e a República da Polónia: estas, de agora em diante, serão reguladas pelo Acordo concordatário. Teve-se de esperar isto durante cinquenta anos. Neste contexto, não se pode esquecer o sistema de governo totalitário imposto na Polónia, quando a nossa Nação foi submetida a muitas humilhações, a muitas injustiças e limitações da liberdade. Procurava-se eliminar a Igreja da vida social e tornar difícil a sua actividade, submetendo-a a sistemáticas perseguições. Todas as dolorosas experiências ligadas com aqueles anos constituem uma parte da nossa história do período pós-guerra.

Durante a cerimónia da assinatura da Concordata, em Julho de 1993, o Prof. Krysztof Skubiszewski, Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, disse entre outras coisas: «A Sé Apostólica que existe há dois mil anos e o milenário Estado Polaco unem-se de novo entre si nesta mais do que antiga e experimentada forma jurídica, que é a Concordata. Este é um retorno, porque unimos aquilo que tinha sido rompido. Mas, antes de tudo, é o traçado dum caminho que seguiremos». Destas palavras resulta que a Concordata é um desafio para todos aqueles a quem está a peito o futuro da Polónia e que se sentem responsáveis pelo seu destino. É uma grande oportunidade e uma grande tarefa para as gerações presentes e futuras.

O ano de 1989 registrou substanciais mudanças sociais e políticas na Europa Central. A Polónia, juntamente com os outros Países desta região, entrou no caminho do pluralismo, tornando-se de novo um Estado democrático. Este processo, contudo, ainda não terminou, pois as feridas que permanecem nos corações e nas mentes dos homens não se cicatrizam tão rapidamente. É enorme a devastação, especialmente no campo ético. A sociedade polaca tem necessidade de renovação moral, de um ponderado programa de reestruturação do Estado, no espírito de solidariedade e de respeito pela dignidade da pessoa humana. Falei a respeito disto no discurso aos Bispos polacos por ocasião da visita «ad limina Apostolorum». Encontramo-nos diante de novos perigos e novos desafios, como consequência da mudada situação sócio-política. É, pois, necessária a colaboração de todos os homens de boa vontade, de todos aqueles que se interessam pelo destino da nossa Pátria; é necessária a ajuda da Igreja. Ela é, diria, indispensável neste processo de construção do futuro, para colocar os fundamentos de um Estado democrático, no qual cada um se sinta à vontade e seguro, onde sejam tutelados os fundamentais valores humanos e cristãos, onde a solicitude pelo bem comum ocupe um lugar de primeiro plano.

Desejaria fazer notar em particular uma afirmação da Concordata, que de modo muito claro diz que «o Estado garante à Igreja Católica, sem distinção dos ritos, o livre e público exercício da sua missão» (art. 5). Não se trata aqui de privilegiar de algum modo a Igreja, ou de a favorecer, mas apenas de uma justa compreensão da sua missão e do seu papel na vida pública. A Igreja esteve sempre com a Nação e os seus destinos jamais lhe foram indiferentes. Ela aprofundou incessantemente e com perseverança a autoconsciência da nossa Nação, impregnando-a de forças sobrenaturais. A Igreja permanece ininterruptamente na Nação há dez séculos – ninguém nem nada conseguiu separá-la dela, nem destruir este vínculo espiritual: nem os invasores, nem as crueldades da última guerra, nem a ideologia marxista. A Igreja sempre desempenhou a tarefa de unir e integrar os Polacos no nome da Cruz de Cristo e do Evangelho. Consolidou o vínculo social e formou a unidade espiritual.

Essa presença da Igreja é expressa também na cooperação com o Estado. O Concílio Vaticano II, na Constituição Gaudium et spes, diz que a comunidade política e a Igreja «embora por títulos diversos, ambas servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor cultivarem entre si uma sã cooperação» (n. 76). A razão fundamental da colaboração da Igreja e do Estado é o bem da pessoa humana. Essa cooperação deve tutelar e garantir os direitos do homem. Uma Igreja que goza a liberdade quer ser um aliado do Estado «na colaboração em prol da promoção do homem e do bem comum», como diz o art. 1 da Concordata. A Igreja proclamou sempre e proclama que o homem é o valor mais importante sobre a terra. Ele é a primeira via sobre a qual deve caminhar a Igreja, no desempenho da própria missão. Essa via foi-lhe traçada pelo próprio Cristo, e falei a respeito disso em várias ocasiões. A Concordata define de modo jurídico este particular papel da Igreja. Indica também que «o desenvolvimento de uma sociedade livre e democrática está fundado sobre o respeito pela dignidade da pessoa humana e dos seus direitos» (Preâmbulo). Ela recorda assim os princípios fundamentais pelos quais se deveriam deixar guiar um Estado democrático e o seu futuro desenvolvimento. Na Encíclica Redemptor hominis, escrevi: «Os direitos do poder não podem ser entendidos de outro modo que não seja sobre a base do respeito pelos direitos objectivos e invioláveis do homem. Aquele bem comum que a autoridade no Estado serve, será plenamente realizado somente quando todos os cidadãos estiverem seguros dos seus direitos. (...) É assim que o princípio dos direitos do homem afecta profundamente o sector da justiça social e se torna padrão para a sua fundamental verificação na vida dos Organismos políticos» (n. 17). Neste contexto, notamos um claro e inegável contributo da Concordata no processo das transformações, a que estão submetidos actualmente o nosso País e o particular papel que este Acordo deverá desempenhar no futuro.

Faço votos por que a Concordata sirva do melhor modo possível para as boas e frutuosas relações entre a Santa Sé e a República da Polónia, e como consequência entre o Estado e a Igreja católica na Polónia. Que ele contribua para a consolidação do vínculo social e da unidade e para o desenvolvimento espiritual e material da sociedade, com base no princípio do respeito recíproco, da solidariedade e cooperação. Que ele aprofunde a responsabilidade recíproca pelos destinos da Pátria, que é a nossa casa comum.

Neste espírito abençoo de coração todos os meus Compatriotas.




Discursos João Paulo II 1998