Discursos João Paulo II 1998 - 2 de Abril de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À COMISSÃO NACIONAL ITALIANA


DA RENOVAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO


4 de Abril de 1998





1. Saúdo-vos cordialmente, queridos responsáveis da Renovação no Espírito da Itália e, através de vós, saúdo todas as comunidades carismáticas italianas, dirigindo um pensamento afectuoso às que participarão no solene Congresso sobre o Espírito Santo, por vós organizado em Rimini de 30 de Abril a 3 de Maio próximos.

Encontramo-nos no ano que, no âmbito da preparação para o Grande Jubileu, foi dedicado ao Espírito Santo, a fim de convidar os cristãos a redescobrir a presença e as obras maravilhosas do Espírito na história da salvação, na vida da Igreja, no mundo e na vida de cada discípulo de Cristo. Este é um ano que vós, membros da Renovação, sois chamados a viver com especial intensidade e empenho.

O movimento carismático católico é um dos numerosos frutos do Concílio Vaticano II que, como um novo Pentecostes, suscitou na vida da Igreja um extraordinário florescimento de agregações e movimentos, particularmente sensíveis à acção do Espírito. Como não dar graças pelos preciosos frutos espirituais que a Renovação gerou na vida da Igreja e de tantas pessoas? Quantos fiéis leigos – homens e mulheres, jovens, adultos e anciãos – puderam experimentar na própria vida o maravilhoso poder do Espírito e dos seus dons! Quantas pessoas redescobriram a fé, o gosto da oração, a força e a beleza da Palavra de Deus, traduzindo tudo isto num generoso serviço à missão da Igreja! Quantas vidas mudaram de maneira radical! Por tudo isto hoje, juntamente convosco, desejo louvar e agradecer ao Espírito Santo.

2. Sois um movimento eclesial. Portanto, na vossa vida devem encontrar expressão todos aqueles critérios de eclesialidade acerca dos quais escrevi na Christifideles laici (cf. n. 30), especialmente a fiel adesão ao Magistério eclesial, a filial obediência aos Pastores e o espírito de serviço em relação às Igrejas locais e paroquiais.

A este propósito, tomei conhecimento de que recentemente o Conselho Permanente da Conferência Episcopal Italiana aprovou o Estatuto do vosso movimento e quis apresentar a Renovação como «experiência confortadora de vida cristã, merecedora de ser assinalada pela fervorosa animação de numerosas comunidades eclesiais». São palavras bastante eloquentes, que confirmam que escolhestes a vida da comunhão e da estreita colaboração com os Pastores. E, no mundo de hoje, confundido por um relativismo e um subjectivismo extremos, esta é a garantia mais sólida para permanecer fiéis à Verdade.

Uma das tarefas mais urgentes da Igreja de hoje é a formação dos fiéis leigos. «A formação dos fiéis leigos tem como objectivo fundamental a descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade cada vez maior para vivê-la no cumprimento da própria missão» (Ibidem, 58).

Por conseguinte, ela deve ser uma das vossas prioridades. No mundo secularizado de hoje, que propõe modelos de vida sem valores espirituais, esta é uma tarefa urgente como nunca. A fé esmorece quando se limita ao costume, ao hábito, à experiência meramente emotiva. Ela deve ser cultivada, ajudada a crescer, tanto a nível pessoal como comunitário. Sei que a Renovação se prodigaliza para responder a esta necessidade, procurando formas e modalidades sempre novas e mais adequadas às exigências do homem de hoje. Agradeço-vos quanto fazeis e peço-vos que persevereis no vosso empenho.

3. Queridos Irmãos e Irmãs, acolhei nos vossos corações o Espírito Santo com a mesma docilidade da Virgem Maria. Deixai-vos maravilhar sempre por Deus e evitai receber os seus dons de maneira trivial. Oxalá o Espírito, Mestre interior, vos conforte na fé e vos torne cada vez mais conformes com Cristo. Neste mundo, com frequência permeado de tristeza e de incerteza, tende a audácia de colaborar com o Espírito numa nova e grande efusão de amor e de esperança em toda a humanidade.

Faço votos por que o vosso Congresso de Rimini, neste ano dedicado ao Espírito Santo, se torne pedra miliar do vosso caminho rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000. O fogo do Espírito Santo se acenda no coração de quantos nele participarão!

Termino com as palavras de São Paulo: «Este é o meu pedido: que o vosso amor cresça cada vez mais em perspicácia e sensibilidade em todas as coisas. Deste modo, podereis distinguir o que é melhor, e assim chegar íntegros e inocentes ao dia de Cristo. Estareis repletos dos frutos de justiça obtidos por meio de Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus» (Ph 1,9-11).

Espero todos vós na Praça de São Pedro no próximo dia 30 de Maio para o meu encontro com os movimentos eclesiais e as novas comunidades. Tenho a certeza de que não faltareis a um encontro tão significativo!

A todos os membros da Renovação no Espírito da Itália a minha paterna e afectuosa Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS UNIVERSITÁRIOS PARTICIPANTES


NO 31° CONGRESSO INTERNACIONAL "UNIV 98"



Terça-feira, 7 de Abril de 1998



1. Apresento a todos vós, caríssimos jovens e moças, as minhas afectuosas boas-vindas, por ocasião do vosso Congresso Internacional UNIV. Saúdo, em particular, os responsáveis e os organizadores da assembleia. Este nosso encontro realiza-se durante a Semana Santa, e a ocasião é propícia para dirigirmos, com maior atenção, o nosso olhar para o mistério pascal.

Este ano, depois, segundo da fase preparatória para o Grande Jubileu, é dedicado, como sabeis, ao Espírito Santo. Invoquemos juntos o Espírito Paráclito, para que assista os vossos trabalhos congressuais sobre o tema «Progresso humano e direitos da pessoa», e dê a todos vós a graça de serdes autênticas testemunhas de Jesus e corajosos agentes de renovação social.

Para realizar plenamente tudo isto, é preciso agir em duas vertentes ao mesmo tempo: converter-se, isto é, cancelar da própria vida o mal, melhorando a si mesmo pouco a pouco, e compartilhar com os outros os frutos da graça divina, mediante obras de solidariedade concreta. Estão aqui os pressupostos para alcançar o efectivo respeito pelos direitos de cada um.

2. Os direitos da pessoa são o elemento-chave de toda a ordem social. Reflectem as exigências objectivas e invioláveis de uma lei moral universal, que tem o seu fundamento em Deus, primeira Verdade e sumo Bem. Precisamente por isso são o fundamento e a medida de toda a organização humana, e só com base neles é que se pode construir uma sociedade digna do homem, arraigada com solidez na verdade, articulada segundo as exigências da justiça e vivificada pelo amor.

Ante as diversas formas de opressão existentes no mundo, a Igreja não duvida em denunciar com coragem as violências. Continuará a lutar pela justiça e a caridade, enquanto no mundo houver formas de injustiça; se não o fizesse, não seria fiel à missão confiada por Jesus. Quando está em jogo a pessoa, Cristo mesmo move os crentes a erguer a voz no Seu nome. No Seu nome e em todas as partes, a Igreja não deixa de recordar que a primazia da dignidade do homem sobre qualquer estrutura social é uma verdade moral que ninguém pode ignorar.

3. «Progresso humano e direitos da pessoa». Por que a Igreja se compromete com tanto vigor no campo dos direitos humanos? A resposta remete-nos a uma afirmação que me é muito querida: O homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão.

O homem é criatura de Deus, e por isso os direitos humanos têm a sua origem n'Ele, baseiam-se no desígnio da criação e entram no plano da Redenção. Poderia dizer-se, com uma expressão audaz, que os direitos do homem são também direitos de Deus. Por isso a sua tutela e promoção pertencem ao núcleo central da missão da Igreja. Ela condena todo o abuso contra a pessoa, porque sabe que é um pecado contra o Criador. A Igreja faz todo o possível para promover o autêntico desenvolvimento humano de cada homem, convencida de que o respeito pela pessoa é o caminho para um mundo melhor.

A Igreja deve servir o homem se quiser servir a Deus. Este é um elemento decisivo da sua fidelidade a Ele. Portanto, os cristãos devem procurar com todos os meios ao seu alcance testemunhar esta convicção na sua vida quotidiana. Sei que no vosso fórum tereis ocasião para ilustrar inúmeras iniciativas de voluntariado, que se levam a cabo em regiões do planeta, marcadas por miséria, injustiça, violência ou enfermidade. Exorto-vos a prosseguir neste esforço. Inclusive quereria convidar-vos a fazer ainda mais. Sede apóstolos do amor de Cristo, respondendo às necessidades materiais das pessoas, mas procurando satisfazer de modo especial a sede espiritual de Deus, que toda a criatura humana sente.

Eu dizia recentemente: «O mundo e o homem asfixiam-se se não se abrem a Jesus Cristo» (Homilia em Camagüey, 23/1/98). Não vos canseis de evangelizar e de vos formar na verdade de Cristo. «Ainda hoje – escrevi na minha primeira Encíclica Redemptor hominis –, depois de dois mil anos, Cristo continua a aparecer-nos como Aquele que traz ao homem a liberdade baseada na verdade, como Aquele que liberta o homem daquilo que limita, diminui e como que espedaça essa liberdade nas próprias raízes, na alma do homem, no seu coração e na sua consciência» (n. 12).

4. Aqui se insere um outro ponto, que poderíamos enunciar assim: a Igreja, mais do que sobre os direitos, insiste sobre os deveres. A consciência de cada cristão deve estar profundamente marcada pela categoria do dever. A relação com Deus, Criador e Redentor do homem, seu princípio e seu fim, possui a força de um verdadeiro e próprio vínculo.

A consciência é lugar de conquista da verdadeira liberdade, sob a condição porém que esteja disposta a reconhecer «os direitos de Deus», inscritos na sua estrutura mais profunda. Ela «é testemunho do próprio Deus, cuja voz e juízo penetram no íntimo do homem até às raízes da sua alma, chamando-o fortiter et suaviter à obediência..., o espaço santo no qual Deus fala ao homem» (Enc. Veritatis splendor VS 58). A pergunta iniludível, que deveria surgir espontânea em nós diante de Deus, é então a que foi dirigida por Paulo a Jesus, quando O encontrou pela primeira vez no caminho de Damasco: «Que hei-de fazer, Senhor?» (Ac 22,10).

Cristo pede tudo. O testemunho do amor infinito do Pai é exigente. Mas quando o Espírito Santo suscita em nós a consciência viva de sermos filhos de Deus (cf. Rm Rm 8,15), a Sua chamada não atemoriza, mas atrai com a força do amor. Quem a Ele se confia totalmente, experimenta o maravilhoso intercâmbio descrito pelo Beato Josemaria Escrivá, com estas palavras: «Meu Jesus: o que é meu é Teu, porque aquilo que é Teu é meu, e o que é meu abandono-o em Ti» (Forgia, 594).

Maria, Mãe da Igreja, ajude cada um a compreender que a generosidade da própria resposta a Deus constitui o factor decisivo para o desenvolvimento dos dons recebidos. Estai prontos, caros rapazes e moças, a fazer da vossa vida um dom a Deus e ao próximo.

Da minha parte, asseguro-vos a lembrança na oração, enquanto vos desejo com afecto boas festas pascais e de coração abençoo todos vós.



MENSAGEM DO CARDEAL ANGELO SODANO


EM NOME DO SANTO PADRE


AO CARDEAL FIORENZO ANGELINI








A Sua Eminência Reverendíssima
Card. Fiorenzo Angelini

O Santo Padre foi informado da cerimónia oficial que terá lugar em Moscovo, na próxima quarta-feita, 22 de Abril, por ocasião da solene bênção do Hospital pediátrico «Blagozenter», e confiou-me o encargo de transmitir os seus votos auspiciadores e afectuosos, em primeiro lugar a Vossa Eminência, pelo pessoal interesse para com a nova e importante estrutura, sinal concreto de caridade evangélica e de colaboração no serviço aos irmãos, sobretudo aos mais pequenos e débeis.

Sua Santidade exprime o seu total aprazimento por esta iniciativa, que verá o encontro entre a nobre vocação de quantos serão chamados a prestar aí a sua obra profissional e os pequenos enfermos, também eles revestidos de uma vocação, porque o sofrimento é vocação para o amor: para com Deus, Pai de misericórdia, e para com os outros, para com os irmãos (cf. João Paulo II, «O Evangelho do sofrimento. Recolha antológica por Leonardo Sapienza» Roma [1993], p. 106).

O Sumo Pontífice dirige um pensamento de cordiais bons votos a todos os que colaboraram nesta obra: o Núncio Apostólico e agora Cardeal Francesco Colasuonno, o actual Representante Pontifício na Federação Russa, D. John Bukovsky, D. Tadeusz Kondrusiewicz, Administrador Apostólico para a Rússia Europeia. Apresenta de igual modo uma deferente saudação às ilustres Autoridades políticas, civis e religiosas da Cidade de Moscovo, presentes no acto oficial juntamente com Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e leigos. Por fim, dirige um profundo agradecimento e bons votos às mestranças e aos operários de várias nacionalidades que ali trabalharam durante mais de cinco anos, aos numerosos benfeitores e patrocinadores; e faz chegar as suas fervorosas congratulações ao voluntariado, aos «Malteser-Hilfsdienst» da Alemanha e, entre eles, sobretudo aos da diocese de Ausburgo, que oferecerão a sua assistência na orientação do Hospital.

A presença de um centro especializado de cura também é símbolo de progresso social e espiritual, encorajamento à solidariedade e convite à esperança. E ao recordar que no mistério pascal, mistério de Cruz e de glória, a vida vence a morte e a Cruz é fonte de serenidade e de paz, de conforto e de audácia apostólica (cf. ibid., p. 107), Sua Santidade, ao invocar sobre Vossa Eminência e sobre cada uma das pessoas e instituições mencionadas a abundância dos dons do Espírito Santo e a protecção da Virgem Maria, de bom grado concede a implorada Bênção Apostólica, garantindo a sua participação em união de oração.

Feliz por incluir a minha pessoal e cordial saudação, renovo a Vossa Eminência sentimentos de distinto obséquio e estima.



Vaticano, 9 de Abril de 1998.


Angelo Card. SODANO

Secretário de Estado


NO FIM DA «VIA-SACRA»


(Sexta-Feira, 10 de Abril de 1998)


1. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

«Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único» (Jn 3,16). O Filho eterno de Deus, que assumiu a nossa natureza humana por obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, fez-Se obediente ao Pai até à morte e morte de cruz» (cf. Fil Ph 2,8) para a salvação do mundo. Todos os dias, a Igreja medita o mistério supremo da Encarnação salvífica e da morte redentora do Filho de Deus, que Se imolou por nós sobre a cruz.

Hoje, Sexta-Feira Santa, detêmo-nos a contemplá-lo com maior ardor. Ao cair da noite, viemos aqui ao Coliseu, para com a piedosa prática da Via Sacra, seguirmos as etapas da via dolorosa de Cristo até ao dramático epílogo da Sua morte.

Subir em espírito ao Gólgota, onde Jesus foi crucificado e rendeu o espírito, assume um significado particular aqui, entre as ruínas da Roma imperial, especialmente neste lugar ligado ao sacrifício de tantos mártires cristãos.

2. O nosso espírito, neste momento, volta a lembrar o que foi narrado na História Sagrada antiga, para nela encontrar figuras e prenúncios da morte do Senhor. Como não evocar, por exemplo, o itinerário de Abraão até o monte Moriah? É justo recordar este grande patriarca, que S. Paulo chama «pai de todos os crentes» (Rm 4,11-12). Ele é o depositário das promessas divinas da Antiga Aliança, e a sua existência humana prefigura também momentos da paixão de Jesus.

Ao monte Moriah (cf. Gn Gn 22,2), evocação simbólica do monte onde o Filho do Homem haveria de ser morto na cruz, Abraão subiu com o filho Isaac, o filho da promessa, para oferecê-lo em holocausto. Deus tinha-lhe pedido o sacrifício daquele único filho, pelo qual tinha aguardado longamente e sem nunca perder a esperança. Quando se prepara para imolar o filho, o próprio Abraão, de certo modo, faz-se «obediente até à morte»: morte do filho, e morte espiritual do pai.

Este gesto, embora se tenha resumido a uma prova de obediência e fidelidade, visto que o anjo do Senhor segurou a mão do patriarca e não permitiu que Isaac fosse morto (cf. Gn Gn 22,12-13), constitui um significativo prenúncio do sacrifício definitivo de Jesus.

3. Diz o Evangelista S. João: o Pai eterno amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único (cf. Jo Jn 3,16). O mesmo diz o Apóstolo S. Paulo: «por nós, o Filho fez-Se obediente até à morte e morte de cruz» (cf Ph 2,8). A mão dos carrascos não foi detida pelo anjo, quando foi sacrificado o Filho de Deus.

E todavia , no Getsémani, o Filho tinha rezado que, se fosse possível, afastasse d'Ele o cálice da paixão, mas exprimindo, logo a seguir, a plena disponibilidade para que se cumprisse a vontade do Pai (cf. Mt Mt 26,39). Obediente por nosso amor, o Filho ofereceu-Se em sacrifício, cumprindo a obra da redenção. Hoje, todos nós somos testemunhas deste mistério desconcertante.

4. Detenhamo-nos em silêncio no Gólgota. Aos pés da Cruz está Maria, Mater dolorosa: esta mulher, com o coração despedaçado pela dor, mas disposta a aceitar a morte do Filho. A Mãe dolorosa reconhece e acolhe no holocausto de Jesus o desígnio do Pai em favor da redenção do mundo. D'Ela lembra o Concílio Vaticano II: «Avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união com seu Filho até à cruz. Junto desta esteve, não sem desígnio de Deus (cf. Jo Jn 19,25), padecendo acerbamente com o seu Filho único, e associando-se com coração de mãe ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima que d'Ela nascera; finalmente, Jesus Cristo, agonizante na cruz, deu-a por mãe ao discípulo, com estas palavras: mulher, eis aí o teu filho (cf. Jo Jn 19,26-27) (Lumen gentium, LG 58).

Maria foi dada como Mãe a todos nós, chamados a seguir fielmente os passos do Filho, que por nós Se fez obediente até à morte e morte de cruz: «Christus factus est pro nobis oboediens usque ad mortem, mortem autem crucis» (Ant. da Semana Santa; cf. Fil Ph 2,8).

4. Entrámos já pela noite dentro. Ao contemplar Jesus Cristo morto sobre a Cruz, vêm ao pensamento tantas injustiças e sofrimentos que prolongam a Sua paixão nos diversos os cantos da terra. Penso nos lugares onde o homem é ofendido e humilhado, ferido e explorado. Cristo continua a sofrer e a morrer em toda a pessoa marcada pelo ódio e pela violência, ou marginalizada pelo egoísmo e pela indiferença. Na face dos «excluídos da vida» desenha-se o perfil do rosto de Cristo, que morre sobre a cruz. Ave, Crux, spes unica! Também hoje, brota da Cruz a esperança para todos.

Homens e mulheres do nosso tempo, levantai o olhar para Aquele que foi trespassado! Por amor, deu a Sua vida por nós. Fiel e dócil à vontade do Pai, Ele serve-nos de exemplo e de estímulo. Precisamente por esta Sua obediência filial, o Pai «O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome» (Ph 2,9).

Possa toda língua proclamar «que Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai»! (cf. ibid. 2,11).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO MOVIMENTO DE "SHÖNSTATT-FAMILIENBUND"


17 de Abril de 1998





Queridos Irmãos e Irmãs!

1. Acolho-vos cordialmente no Palácio Apostólico e asseguro-vos ter correspondido à vossa oração para que este encontro fosse realizado. Fazeis pela terceira vez uma peregrinação a Roma como Schönstatt-Familienbund. Neste ano, os dias que transcorreis junto dos túmulos dos Apóstolos devem constituir uma etapa importante do caminho espiritual que nos conduz ao limiar do Terceiro Milénio.

2. Encontro-me hoje entre numerosas famílias. Circundam-me diversas gerações, pais e filhos, jovens e adultos. A vossa presença demonstra-me que a família vive! A vossa vital comunidade demonstra, mais do que muitos discursos, que hoje existem numerosos casais e famílias cristãs bem sucedidos. Como consequência, cresce a consciência da necessidade de instaurar relações entre cada uma das famílias, para uma recíproca ajuda espiritual e material. Precisamente o Schönstatt-Familienbund é um exemplo eloquente do facto que famílias cada vez mais numerosas descobrem a própria vocação eclesial e a própria responsabilidade pela edificação de uma sociedade mais justa.

3. Deus tem um desígnio para cada pessoa individualmente e também para a família. Neste desígnio divino a família encontra não só a sua identidade, ou seja, aquilo que ela «é», mas também a própria missão, isto é, o que ela pode e deve «fazer». Segundo a vontade de Deus a família está estruturada como «íntima comunidade de vida e de amor» (Concílio Vaticano II, Gaudium et spes GS 48). Ela é chamada a tornar-se cada vez mais aquilo que é, uma comunidade de vida e de amor. Por isto, a decisão de uma pessoa viver unida a outra e em família é uma resposta à chamada pessoal de Deus. É uma verdadeira e própria chamada que implica uma missão.

4. Numa família que corresponde ao desígnio de Deus, o homem recebe como que a experiência duma comunidade vital, na qual cada um é responsável pelo outro. Na família vigora a lei da comunhão e da reciprocidade: homem e mulher, pais e filhos, irmãos e irmãs consideram-se reciprocamente como dons de Deus e transmitem um ao outro a vida e o amor. Na família os sadios e os doentes estão próximos. Os jovens e os adultos ajudam-se mutuamente. Procura-se colaborar na solução dos problemas. O indivíduo percebe-se na sua unicidade e, ao mesmo tempo, sente-se ligado aos outros mediante a relação que tem com eles. Visto que cada um está e se reconhece unido na comunidade da família, esta última torna-se o terreno privilegiado no qual se pode exercitar a convivência pacífica, mesmo na diversidade dos interesses. Por fim, a família é também o lugar em que, num clima de amor, cada um deve experimentar o recíproco dom de si. A «cultura da paz», à qual o mundo aspira cada vez mais, funda-se sobre a família, como eu já disse há quatro anos por ocasião do Dia Mundial da Paz, exprimindo um conceito-guia: da família nasce a paz para a família humana.

5. Tudo o que é grande tem necessidade de paciência. Esta deve aumentar. Também os casais e as famílias evoluem. Nos vossos casais e nas vossas famílias, queridos Irmãos e Irmãs, é plasmada a vossa história de salvação pessoal, na qual Deus vos acompanha ao longo de todos os caminhos, quer sejam secundários, transversais ou erróneos. Na família tem início também a vida religiosa da criança. Em poucas palavras, transmitem-se experiências fundamentais, tais como a alegria de viver, a confiança, a gratidão e a solidariedade, sobre as quais cada um desenvolverá os ensinamentos sucessivos na fé. Isto terá tanto mais êxito quanto mais a vida da família reproduzir em miniatura uma igreja. A igreja doméstica tem necessidade de formas de viver: a oração comum, uma cultura do domingo, que seja algo mais do que um dia livre, o cuidado das tradições religiosas, nas quais se esconde a sabedoria profunda, o autêntico amor pelo próximo, sem o qual o testemunho cristão permanece privado de forças.

6. Caros membros do Shönstatt-Familienbund! Exprimo-vos o meu profundo reconhecimento porque vos unis como grupos de famílias e vos sustentais reciprocamente na fé. A Mãe de Deus, sob cuja particular protecção colocastes a vossa comunidade, interceda por vós a fim de que famílias, cada vez mais numerosas, se tornem comunidades de vida e de amor. Para isto vos concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE JOVENS FRANCESES


DA ARQUIDIOCESE DE RUÃO


17 de Abril de 1998





Caros amigos

1. O Bispo de Roma sente-se feliz ao acolher-vos na sua casa, por ocasião da vossa semana de oração e de reflexão. Saúdo-vos todos com muita cordialidade, e de modo particular D. Joseph Duval, Arcebispo de Ruão, que dirige a vossa peregrinação.

Com a ajuda do Espírito Santo, quereis descobrir a Igreja de Deus que está em Roma, Igreja fundada pelos Apóstolos Pedro e Paulo. Ao colocardes-vos na esteira destas duas grandes testemunhas de Cristo, quisestes que a Igreja estivesse no centro da vossa busca espiritual. No prolongamento daquilo que os jovens do mundo inteiro viveram, no Verão passado em França, por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude, encorajo-vos vivamente a participar na edificação de comunidades cristãs fraternas e abertas aos outros.

O tempo da Páscoa é o tempo favorável para redescobrir que o vosso baptismo vos faz participar da vida nova de Cristo, como membros activos da sua Igreja. O Ressuscitado convida todos vós a pôr-vos no Seu seguimento pelo caminho da santidade. Progredi com confiança pelos caminhos da vida, nos quais Ele vem ao vosso encontro, ao vos mostrardes assíduos na escuta da sua Palavra, fiéis à comunhão fraterna, à Eucaristia e à oração (cf. Act Ac 3,42)! Deste modo haveis de pôr em prática o compromisso do vosso baptismo.

2. Neste ano consagrado ao Espírito Santo, muitos dentre vós receberão amanhã o sacramento da Confirmação. Seja ele para todos vós a ocasião de tomar uma consciência mais viva do lugar do Espírito na vida da Igreja e de cada cristão. É Ele que faz crescer na existência dos homens os gérmens da salvação definitiva que há-de vir no fim dos tempos. É ainda Ele que faz a unidade de todos, graças aos dons complementares concedidos a cada um, a qual constitui a riqueza da Igreja.

3. Ao longo deste tempo privilegiado de peregrinação, convido-vos a pedir ao Senhor que vos esclareça sobre a vossa própria vocação. Cada um de vós é chamado a encontrar o seu lugar na Igreja. Alguns são convidados por Cristo a segui-l'O de maneira mais particular, através do sacerdócio ministerial ou da vida consagrada. Não tenhais medo de Lhe responder com generosidade! Caros amigos, na oferta da vossa vida para o serviço de Deus e dos homens, encontrareis a felicidade e o desenvolvimento pleno de todo o vosso ser!

4. Junto dos túmulos de Pedro e do Apóstolo das Gentes, que os vossos corações se abram também às dimensões da missão universal da Igreja. É para o meio do mundo que sois enviados a fim de viver o vosso baptismo, em todos reconhecendo irmãos e irmãs a serem amados. Como recordei muitas vezes seguindo o Concílio Vaticano II, a humanidade forma uma única família, e para a salvação de todos Deus enviou o seu Filho a partilhar a nossa existência. No momento em que celebramos a ressurreição do Senhor, que o Espírito Santo vos guie para fazer de vós testemunhas ardorosas da mensagem de salvação de Cristo sempre vivo!

5. Caros amigos, confio-vos à intercessão materna de Maria, a quem gostamos de implorar sob o título de Mãe da Igreja: Ela vos ajude a reencontrar o seu Filho, para caminhardes no Seu seguimento! De todo o coração, dou-vos a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO CATÓLICA


INTERNACIONAL DAS INSTITUIÇÕES


DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO (A.C.I.S.E.)


18 de Abril de 1998





Ilustres Senhores Gentis Senhoras!

1. Muito me alegra este encontro, que me oferece a oportunidade para enfrentar um tema importante como o do empenho educativo, para cuja reflexão estais reunidos neste Congresso, com a participação de inúmeros peritos nessa fundamental matéria.

Dirijo a todos a minha saudação cordial, com um particular pensamento de gratidão ao Prof. Giuseppe Dalla Torre que, ao interpretar os sentimentos dos Colegas, ilustrou de maneira eficaz os trabalhos do vosso Congresso.

A «educabilidade» é, sem dúvida, uma dimensão que caracteriza o homem e põe em relevo a sua riqueza psicológica, que é tal que lhe consente um progresso perfectivo sem limites. O facto de poder dirigir-me esta manhã não só a educadores, mas a teóricos da educação, leva-me a fazer referência a alguns aspectos menos previstos deste argumento complexo, que tanto relevo reveste na vicissitude de todo o ser humano.

2. Quereria deter-me a reflectir convosco sobre o complexo tema da investigação neste âmbito delicado. A vossa investigação tem regras precisas e próprias, as quais contudo alcançam escassamente o carácter objectivo. O termo que melhor as exprime e as sintetiza poderia ser o de «seriedade»: a investigação no campo educativo deve ser conduzida com uma seriedade que não se limite à simples correcção dos meios, ao carácter exaustivo das análises ou à fidelidade no acesso às fontes. Seriedade significa sobretudo resoluta e consciente responsabilidade pessoal no uso dos métodos disponíveis neste campo.

Basta algum aceno rápido: na avaliação dos resultados operativos da vossa investigação os tempos são improgramáveis; as verificações negativas não são, infelizmente, imediatas, de maneira que se possa intervir e reparar; as verificações positivas revelam-se tais só depois que as variáveis fizeram o seu curso. Como não reconhecer, à luz destas múltiplas incógnitas, a exigência de uma singular «seriedade» no pesquisador que enfrenta um estudo tão problemático?

Na peculiaridade da vossa pesquisa é central a adequação da abordagem do objecto, constituída pelo mistério do homem com os seus valores históricos e metastóricos. A abordagem deverá ser tal que consinta o pleno desabrochar do espírito humano, que traz em si também a capacidade de se abrir à transcendência.

3. A seriedade no desenvolvimento da investigação impõe também que se resista ao fascínio da adopção de parâmetros restritos ou de formas científicas desapropriadas ao objecto. Quando versa sobre o homem e o desenvolvimento das suas capacidades de aperfeiçoamento, embora entre dificuldades de condicionamentos de todo o tipo, a pesquisa não pode abaixar o próprio tom, nem consentir atalhos mortificantes.

Vós sabeis, aliás, que estais «empenhados», não só na investigação sobre a pessoa, mas também no esforço de serdes vós mesmos pessoas bem sucedidas. A vossa investigação, de facto, não é solitária: desenvolve-se e exprime-se na co-presença das componentes da realidade universitária: professores e estudantes. Nos exórdios da Academia um singular modo de conviver era considerado momento alto do processo educativo: era banco de prova também para a autenticidade humana do mestre, enquanto ao discípulo era dada a ocasião para divisar, «encarnados» nele, valores e ideais com os quais entrar numa sinergia corroborante.

Todo aquele que se dedica ao estudo teórico ou à aplicação prática da missão educativa, não pode deixar de se sentir empenhado em propor em si uma humanidade bem sucedida, para se tornar assim uma pessoa da qual transparece o esplendor do humano, uma pessoa que, com o seu testemunho de vida antes ainda que com a sua cultura, envolva outros na plena realização de si.

4. Dois obstáculos, em particular, podem deter ou desviar o esforço educativo. Antes de tudo, existe o perigo de finalizar a investigação ao sucesso efémero. Se isto é sempre inconveniente, com maior intensidade se torna quando se trata da verdade sobre o homem, o seu viver e o seu morrer, a sua alegria e a sua dor. Aqui não se podem admitir de modo algum concessões oportunistas nem atitudes utilitaristas. A investigação sobre o homem tem sempre algo de sagrado, que lhe proibe qualquer instrumentalização.

Outro perigo do qual é necessário precaver-se, é constituído pelo fascínio fatal do poder. O olho interior é incapaz de perceber o profundo valor do humano e de respeitar a sua sacralidade misteriosa, se é ofuscado pelo brilho do poder: para ser compreendido, o homem deve ser avizinhado com real atitude de serviço. Não se pode servir o homem e ser escravo da sedução do poder. Daí resultaria desatenção ao ser humano, precisamente lá onde se diz que se quer investigar o seu valor, para estimular as actuações que melhor correspondem à qualidade do viver pessoal e do viver associado.

5. Ilustres Senhores e gentis Senhoras, o serviço atento ao homem, o empenho quotidiano para que progressivamente ele ponha em prática o desígnio que traz em si, é missão árdua, por vezes até mesmo impopular, mas é o meio para assegurar o espaço no qual o eterno que existe no homem possa encontrar a sua expansão adequada.

A missão educativa comporta sempre um serviço exigente, duro e rigoroso. Ter escolhido este âmbito de estudo e esta profissão é, portanto, empenho nobre e digno do máximo apreço. De bom grado aproveito esta ocasião para vos exprimir toda a minha estima e, ao dirigir-vos o meu mais cordial encorajamento a perseverar não obstante as dificuldades na tarefa assumida, desejo assegurar-vos da minha especial oração para que não vos falte do Alto a ajuda necessária.

Acompanho estes votos com uma especial Bênção, que faço extensiva também a todos aqueles a quem se dirigem as vossas solicitudes de estudo e de ensinamento.




Discursos João Paulo II 1998 - 2 de Abril de 1998