Discursos João Paulo II 1998 - 12 de Novembro de 1998

Sei que o vosso Pontifício Conselho tomou a peito de maneira singular as indica ções oferecidas pela Carta Apostólica Tertio millennio adveniente para o próximo ano, dedicado precisamente ao Pai. Estou grato porque quisestes fazervos intérpretes desta mensagem e promover algumas iniciativas para dar visibilidade àquela partilha dos bens, da qual a primeira comunidade apostólica oferecia testemunho comovedor.

Em particular, desejo mencionar os «100 projectos do Santo Padre». Com esta iniciativa, algumas Agências de ajuda e Dioceses mais ricas de recursos sustentaram projectos de desenvolvimento em zonas menos favorecidas da terra. Estes projectos encontram uma comum denominação nas «obras de misericórdia corporal e espiritual», que a tradição eclesial sempre ressaltou para dar consistência ao mandamento do amor e ir ao encontro do homem nas suas necessidades físicas e espirituais. Manifesta-se deste modo como a comunhão eclesial não conhece divisão de «tribo, língua, povo e nação» (Ap 5,9), e como se cuida do homem todo, alargando- se a uma visão verdadeiramente universal.

Também a iniciativa denominada «Panis caritatis» merece ser citada. Está a difundir-se na Itália e tem como finalidade primeira tornar visíveis os laços de fraternidade e de comunhão, que devem estreitar os homens entre si por causa da comum referência a Deus, Pai da humanidade inteira.

4. Todas estas iniciativas, além dos vastos e significativos programas que os organismos católicos desenvolvem em muitas Nações do mundo, manifestam que a Igreja é sensível às necessidades do homem. Ela, porém, está consciente e testemunha ao mesmo tempo que as necessidades imediatas do ser humano não estão sozinhas nem são as mais importantes. Nesse sentido Se exprime Jesus no Evangelho: «Porventura não é o corpo mais do que o vestido e a vida mais do que o alimento?» (Mt 6,25). O homem é uma criatura aberta ao transcendente e, no íntimo do seu coração, sente um anélito profundo à verdade e ao bem, que são os únicos a dar plena satisfação às suas exigências. É a fome e a sede de Deus que ainda hoje, como em todos os tempos, não se extinguem nas consciências. A Igreja sente-se chamada a fazer-se mensageira, para o homem contemporâneo, do anúncio da graça e da misericórdia dadas por Deus Pai, em Cristo Jesus. A acção do Pontifício Conselho «Cor Unum» coloca-se neste âmbito como sinal de uma salvação maior, que se refere ao homem na sua dimensão mais profunda e que se realiza na vida eterna.

Nesta perspectiva, orientada para aquela caridade «que jamais acabará» (1Co 13,8), faço votos para que no ano de 1999, vigília do Grande Jubileu, a vossa obra, tão importante para a Igreja e para o testemunho cristão no mundo de hoje, possa exprimir plena e eficazmente a sua mensagem de amor e de fraternidade. Para isto, asseguro-vos um constante apoio na oração e, de coração, concedo a todos vós a Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva a todos os que, em qualquer parte do mundo, cooperam com o vosso Dicastério ao serviço dos mais pobres e necessitados.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO ORGANIZADO


EM ROMA PELA ACADEMIA DIPLOMÁTICA INTERNACIONAL


12 de Novembro de 1998



Queridos Amigos

1. Sinto-me feliz por vos receber no final do vosso congresso sobre «Vinte anos de diplomacia sob o pontificado de João Paulo II». Desejaria agradecer, em primeiro lugar, aos organizadores deste encontro, à Academia Diplomática Internacional e ao Instituto Europeu para as Relações entre a Igreja e o Estado, bem como aos diferentes conferencistas, que apresentaram análises de conjunto das vicissitudes diplomáticas da Santa Sé ou que abordaram questões particulares relativas a determinadas situações, por vezes delicadas a nível de negociações. Esta iniciativa manifesta a atenção que dedicais à Santa Sé e à sua acção no mundo. Faço votos por que as vossas frutuosas jornadas de trabalho sejam, para numerosas pessoas, a ocasião de descobrirem e aprofundarem os diferentes aspectos da missão diplomática do Papa e da Santa Sé.

O vosso Congresso insere-se no âmbito da celebração do vigésimo aniversário de pontificado do Papa, que neste momento vos recebe. Quisestes reflectir sobre a importante e original dimensão do seu ministério pastoral, que constitui a sua participação activa na vida diplomática. O Papa é o Servo dos servos de Deus, servo do Deus da história, que criou o mundo para nele colocar o ser humano, não para o abandonar ao seu destino, mas conduzi-lo à sua plena realização; ele é também servo do homem.

O Senhor comunicou à Igreja o seu amor pelo homem. Eis por que, segundo uma longa tradição e de acordo com os princípios internacionais, o Servo dos servos de Deus exerce a sua missão diplomática como um serviço concreto à humanidade, no âmbito do seu ministério pastoral. A Santa Sé deseja também oferecer a todos os homens e a todos os povos um contributo específico, a fim de os ajudar a realizar cada vez melhor o seu destino, na paz e na concórdia, em vista do bem comum e do desenvolvimento integral das pessoas e dos povos.

2. O vosso Congresso tomou em consideração vinte anos de fim de século e de milénio, durante os quais se verificaram numerosas mudanças, sinal do profundo desejo de viver na liberdade, por vezes adquirida com o alto preço de inúmeros sofrimentos, mas também sinal duma profunda inquietude e duma viva esperança.

Por vezes precursora e actriz, noutras ocasiões limitando-se a acompanhar e a aprovar as mudanças feitas, a própria diplomacia vive um período de transição. Nos nossos dias, ela já não enfrenta os inimigos mas, a partir das oportunidades comuns, dedica-se a assinalar os desafios da mundialização e a eliminar as ameaças que não cessam de surgir em escala mundial. De facto, os diplomatas de hoje, já não se devem ocupar em primeiro lugar de questões concernentes à soberania territorial, às fronteiras e ao território, mesmo se em algumas regiões estes problemas ainda não foram resolvidos. Os novos factores de desestabilização são representados pela pobreza extrema, desequilíbrios sociais, tensões étnicas, degradação do meio-ambiente, falta de democracia e de respeito pelos direitos do homem, enquanto os factores de integração já não se podem basear simplesmente num equilíbrio de forças, na dissuasão nuclear ou militar, nem sequer no entendimento entre governos.

3. Compreende-se melhor que a única finalidade da diplomacia pontifícia é promover, expandir em toda a terra e defender a dignidade do homem e de todas as formas de convivência humana, que podem ser a família, o lugar de trabalho, a escola, a comunidade local, a vida regional, nacional ou até internacional. Ela participa de maneira activa, de acordo com as modalidades que lhe são próprias, na interpretação sob forma jurídica daqueles valores e ideais sem os quais a sociedade estaria em discórdia. Mas sobretudo, ela empenha-se para que o consenso acerca dos princípios fundamentais se possa concretizar na vida nacional e internacional. Ela trabalha convicta de que, para garantir a segurança e a estabilidade das pessoas e dos povos, se consiga aplicar os diferentes aspectos do direito humanitário a todos os povos sem distinção - também no âmbito da segurança - de acordo com o princípio da justiça distributiva. Em todas as partes do mundo, a Igreja tem o dever de fazer ouvir a sua voz, a fim de que a voz dos pobres seja escutada por todos como um apelo fundamental à partilha e à solidariedade. A solicitude do Sucessor de Pedro, e das Igrejas locais espalhadas pelo mundo, tem em vista o bem espiritual, moral e material de todos. A via diplomática baseia-se nos princípios éticos que põem a pessoa humana no centro das análises e das decisões, e que reconhecem a dignidade de todos os seres humanos e de qualquer povo, pois eles têm o direito inalienável a uma vida digna, em função da sua própria natureza. Já tive ocasião de recordar que, «se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a acção política, então as ideias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder» ou interesses de parte (Centesimus annus CA 46).

Não é aceitável que se mantenham indefinidamente desigualdades entre os continentes, por motivos políticos e económicos, e é dever dos diplomatas e dos dirigentes das Nações empenharem-se por que os aspectos éticos sejam privilegiados no processo decisório, a todos os níveis. Deste ponto de vista, os diplomatas, que estão em contacto com as realidades quotidianas vividas pelos povos que eles descobrem e que aprendem a conhecer e a amar, devem dar a conhecer a aflição de pessoas e povos desesperados devido a situações que os oprimem, pois estas estão relacionadas com os sistemas internacionais, cada vez mais duros para os países em vias de desenvolvimento.

A Santa Sé realiza, como é normal, a sua própria actividade diplomática junto dos Governos, das Organizações internacionais, dos centros de decisão que se multiplicam na sociedade actual e, ao mesmo tempo, dirige-se a todos os protagonistas da vida internacional, indivíduos ou grupos, a fim de suscitar o consenso, a boa vontade e a colaboração no que diz respeito às grandes causas do homem.

Em particular, a diplomacia pontifícia baseia-se na unidade que existe no interior da Igreja católica, presente em quase todos os países do mundo. A comunhão que garante as relações entre as diferentes Igrejas locais e o Bispo de Roma, dado que se trata dum princípio eclesiológico imprescritível, é também uma riqueza internacional.

Ao agradecer o vosso contributo à reflexão sobre os critérios que guiam a diplomacia da Sé Apostólica, através das vossas pesquisas e da documentação proposta, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, bem como a todos os vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO CAPÍTULO GERAL


DA CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS DE SANTA ISABEL


14 de Novembro de 1998





Caríssimas Irmãs!

1. A todas vós as minhas boas-vindas e o agradecimento cordial por esta visita, com a qual quisestes testemunhar generosa e profunda fidelidade à Pessoa e ao Magistério do Sucessor de Pedro, no decurso do vosso vigésimo primeiro Capítulo Geral. Desejo dirigir uma particular saudação à Madre Margarida Wisniewska, a quem apresento também as minhas felicitações pela reeleição a Superiora- Geral: possa com a ajuda de Deus continuar a guiar as Coirmãs com competência e sabedoria, rumo à fidelidade sempre mais intensa ao carisma originário e a novas metas de generoso serviço em prol dos mais pobres.

O meu pensamento estende-se, além de às Capitulares, à inteira Família religiosa das Irmãs de Santa Isabel, que em numerosas Nações do mundo são, com dedicação admirável, especial sinal da ternura de Deus para com os irmãos necessitados e doentes, oferecendo um testemunho concreto do mistério da Igreja, virgem, esposa e mãe. Desejo também encorajar os membros da Comunidade Apostólica de Santa Isabel que, vivendo intensamente a sua consagração baptismal, compartilham o carisma e a missão da Congregação, tornando presente com a vida e o trabalho o amor misericordioso de Deus.

A vossa Congregação nasceu da fé e do coração de quatro mulheres da cidadezinha polaca de Nysa, então pertencente à Alemanha, que em 1842 diante das necessidades dos mais indigentes se sentiram chamadas a doar-se com cora- ção indiviso a Cristo, para despender todas as suas energias ao serviço do seu Reino de amor.

Neste seu propósito elas, referindo-se ao ícone do bom samaritano e pondo-se sob a especial protecção do Coração Santíssimo de Jesus, tomaram como modelo uma mulher repleta de amor por Deus e pelos necessitados do seu tempo, Santa Isabel da Hungria, a quem quiseram como especial padroeira do Instituto que surgia.

2. Caríssimas Irmãs! Os ensinamentos e exemplos dos Santos encorajam os crentes a porem-se na via da perfeição evangélica, para anunciar com entusiasmo o Reino de Deus e testemunhar o Evangelho com uma vida totalmente doada ao Senhor. Por esse motivo, na Exortação Apostólica Vita consecrata eu recordava que «os Institutos são convidados a repropor corajosamente o espírito de iniciativa, a criatividade e a santidade dos fundadores e fundadoras, como resposta aos sinais dos tempos visíveis no mundo de hoje. Este convite é, primariamente, um apelo à perseverança no caminho da santidade, através das dificuldades materiais e espirituais que marcam as vicissitudes diárias. Mas é, também, um apelo a conseguir a competência no próprio trabalho e a cultivar uma fidelidade dinâmica à própria missão, adaptando, quando for necessário, as suas formas às novas situações e às várias necessidades, com plena docilidade à inspiração divina e ao discernimento eclesial. Contudo, há que manter viva a convicção de que a garantia de toda a renovação, que pretenda permanecer fiel à inspiração originária, está na busca de uma conformidade cada vez mais plena com o Senhor» (n. 37).

Também vós, sustentadas pela recordação sempre viva das vossas Fundadoras, nestes dias de Reunião capitular vos pusestes à escuta do Espírito Santo, para lerdes com sabedoria os sinais dos tempos e responderdes com fidelidade criativa aos desafios que vos são apresentados neste final de século e de milénio.

Conscientes de que a vida religiosa «pertence indiscutivelmente à vida e à santidade da Igreja» (Ibid., 29) e «anuncia e de certo modo antecipa o tempo futuro» (Ibid., 32), empreendestes um processo de corajosa renovação para viver de maneira mais intensa a maternidade «segundo o Espírito» (cf. Rm Rm 8,4) no cuidado dos pobres, dos doentes e dos marginalizados, na educação cristã da infância e da juventude e na formação religiosa dos adultos (cf. Carta Apost. Mulieris dignitatem MD 21).

3. «Sempre que fizestes isto a um destes Meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25,40). Nestas palavras do Senhor, individuastes a meta e o programa do vosso viver como consagradas e a motivação da actualização da vida comunitária e do empenhamento apostólico.

Com efeito, a possibilidade de uma renovada fidelidade ao carisma das origens funda-se, antes de tudo, na atenta e humilde escuta do Senhor e na capacidade de divisar nos irmãos o rosto de Jesus, servindo assim o Reino de Deus.

No decurso dos trabalhos capitulares, ressaltastes justamente uma mais viva compreensão da Palavra revelada, para que ilumine e guie a vida comunitária e a torne rica de contemplação, de significado de oblação generosa, de partilha jubilosa e de caridade recíproca.

O quotidiano confronto com as rápidas e profundas transformações que se verificam na sociedade hodierna e com uma cultura que, embora secularizada, é porém sensível ao testemunho dos crentes autênticos, impele-vos a desenvolver de modo particular a dimensão missionária, já ínsita no vosso carisma e a interrogar-vos sobre o modo de acolher esses desafios sociais e religiosos.

O anélito de maior fidelidade ao carisma das Fundadoras e de ardente empenho missionário não pode deixar de vos conduzir a um esforço de correspondência cada vez mais generosa à graça da vocação. Isto supõe uma cuidadosa formação, estendida a todas as fases da vida religiosa, com o objectivo de preparar pessoas amadurecidas e coerentes, que saibam levar a mensagem de Cristo entre as modernas pobrezas físicas e espirituais, curando as feridas e difundindo esperança. Para os doentes, os idosos, os pequeninos e quantos são atingidos por inúmeras formas de marginalização, presentes também nos Países mais avançados, as vossas comunidades sejam lugares de acolhimento e casas da misericórdia.

4. Caríssimas Irmãs! Confio cada uma de vós e a vossa inteira Família religiosa à materna protecção da Virgem Santa e formulo votos por que o Capítulo saiba fazer reviver, já no limiar de um novo milénio, o ardor e a fé das vossas Fundadoras e o empenho caridoso da vossa celeste Padroeira.

Com estes bons votos, invoco as recompensas celestes sobre as vossas pessoas, sobre o vosso serviço quotidiano e projectos de bem, assim como sobre os leigos que compartilham o vosso carisma e missão e sobre quantos encontrardes no vosso caminho, a todos concedendo de coração a Bênção Apostólica



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CONSELHO DIRECTIVO DA FEDERAÇÃO


DAS ASSOCIAÇÕES DO CLERO NA ITÁLIA


16 de Novembro de 1998

Caríssimos Irmãos

1. Bem-vindos! Por ocasião desta grata visita, dirijo a todos vós a minha cordial saudação, expressão daquele vigoroso e sentido vínculo com a Cátedra de Pedro, que sempre caracterizou a Federação das Associações do Clero na Itália. Saúdo e agradeço a todos vós com afecto, de modo particular ao vosso Presidente, que se fez intérprete dos vossos comuns sentimentos.

Conheço as actividades que levais a cabo em benefício de uma boa parte do clero que vive e actua na Itália. Procurais ir ao encontro das esperanças e das preocupações que, a vários níveis, se referem à vida espiritual, pastoral, social, jurídica e económica de presbíteros e diáconos. Portanto, grande é o vosso serviço no seio de cada uma das dioceses e no tecido conectivo de toda a Igreja que está na Itália.

Estou feliz por isto e uno-me a vós, enquanto dou graças ao Senhor que ama os seus ministros com singular predilecção e que precisamente a eles indicou a atitude do serviço recíproco como modelo a testemunhar e a anunciar a todos os cristãos e ao mundo inteiro.

2. Ao mesmo tempo, quereria encorajar-vos a perseverar no compromisso já prodigalizado, intensificando os esforços, coordenando as intervenções e superando eventuais obstáculos e desencorajamentos.

Sede conscientes de que a vossa acção redunda em benefício da inteira Comunidade eclesial, hoje chamada a responder a inéditos e multíplices desafios. No que concerne à vossa missão específica ao serviço do clero, três emergências parecem-me de grande relevo.

Em primeiro lugar, o trabalho do diálogo na época da indiferença, de modo especial com os coirmãos, com o próprio Bispo, com as comunidades, com quem está distante e com quem quer que esteja em dificuldade.

À indispensável presença de um diálogo profícuo une-se a exigência de uma colaboração constante, que é busca de um caminho comum entre ministros ordenados e leigos, para a realização do Reino de Deus no mundo.

Além disso, neste caminho torna-se cada vez mais necessária aquela que, na época da inflação das palavras, com frequência é definida como a concretitude dos sinais. Isto é, trata-se de construir, através da humildade dos gestos, uma real e tangível relação de amizade e partilha.

3. Dilectos Irmãos no Sacerdócio, o Senhor vos ajude e ilumine com o poder do seu Espírito, a fim de poderdes assistir a Federação das Associações do Clero na Itália a responder a estas instâncias com abertura de mente e de coração.

Com esta finalidade, invoco também a assistência de Maria, Mãe da Igreja e, enquanto vos asseguro uma constante lembrança na oração, é de bom grado que concedo a Bênção Apostólica a vós aqui presentes e a todos aqueles que fazem parte da vossa Associação.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO ACTO ACADÉMICO


REALIZADO NA SEDE ROMANA


DA LIVRE UNIVERSIDADE INTERNACIONAL


DE ESTUDOS SOCIAIS - GUIDO CARLI (LUISS)


17 de Novembro de 1998







Senhor Presidente
Magnífico Reitor
Ilustres Hóspedes e Professores
Gentil pessoal técnico-administrativo
Caríssimos estudantes!

1. É para mim motivo de grande alegria encontrar neste dia a comunidade universitária da LUISS - Guido Carli, com os Membros do Senado Académico e do Conselho de Administração. Obrigado pelo vosso convite.

Agradeço ao Presidente, ao Magnífico Reitor e ao jovem estudante as palavras de saudação que me dirigiram em nome da inteira Universidade. Saúdo o Cardeal Vigário, o Ministro para a Universidade e a Pesquisa científica e aos Reitores das Universidades romanas, que com a sua presença honram este nosso encontro.

A visita hodierna adquire um particular significado, pois precede imediatamente a abertura do ano missionário, que a Igreja de Roma dedica ao anúncio do Evangelho nos ambientes de vida e de trabalho da cidade.

As palavras do apóstolo Paulo, há pouco pronunciadas, sugeriram-nos o autêntico significado da Missão da cidade. Ela é um gesto de amor da comunidade cristã de Roma para com os homens e as mulheres que vivem na cidade, e um convite a deixar-se guiar pelo Evangelho para promover em toda a parte os grandes valores humanos e civis.

2. O ensinamento de Paulo é, além disso, iluminante para a vida da Universidade, pois exorta a procurar na caridade as razões últimas do seu ser e do seu agir.

Com efeito, a instrução universitária, nascida do coração da Igreja, caracterizou-se nos séculos pela cultivo do saber e pela assídua busca da verdade ao serviço do bem do homem.

A investigação científica, feita de fatigosa e diuturna aplicação, de entusiasmo e de audácia intelectual, interessa os âmbitos de antiga frequentação científica e também aqueles mais recentes, entre os quais sobressaem as disciplinas económicas e sociais, tão fortemente entrelaçadas com o viver quotidiano e as ordens da sociedade «global».

Ela nunca pode ignorar a dimensão humanista, que investe a Universidade no plano do aprofundamento do saber, da sua transmissão adequada e da sua insubstituível missão educativa. Com efeito, a Universidade coloca-se no sulco daquela caritas intellectualis, na qual o saber e a experiência da descoberta científica, assim como da inspiração artística, se tornam dons que se comunicam como energia propulsora. A fé cristã reconhece nisto a verdadeira sabedoria, dom do Espírito Santo (cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 45, a. 3).

Na formação universitária, a caritas intellectualis estabelece, além disso, significativas relações interpessoais que oferecem a cada um a possibilidade de exprimir em plenitude a própria e única identidade e de pôr ao serviço desse objectivo os instrumentos para o exercício da profissão.

3. O perfil académico da actividade universitária exige atenção à vida da cidade, para tornar a profissão científica autêntica missão e serviço ao progresso do homem todo e de todos os homens. Esta atenção deve ser integrada com formas significativas daquela comunhão intelectual e espiritual entre discípulos e mestres, que é a nota distintiva da universidade medieval.

As exigências de uma especialização sempre mais articulada e a dispersão das várias instituições universitárias no tecido da cidade nem sempre favorecem essa comunhão intelectual e vital que, contudo, pode encontrar interessante instrumento nas modernas e renovadas tecnologias, que abrem vias de interconexão e comunicação, até ontem inimagináveis.

A necessária conexão, depois, entre exigências económicas e profissionais nunca deve ofuscar o objectivo principal do ensino, que tem em vista criar sobretudo mestres de vida. De igual modo, a correlação entre realidade universitária e mundo da economia e da empresa, em si mesma legítima e com frequência fecunda, não pode estar condicionada por uma visão simplesmente pragmática que, no final, resultaria redutiva e estéril. Antes, ela deve deixar-se guiar por critérios marcados pela concepção cristã da pessoa e da comunidade, tais que fortaleçam e exaltem, também no nosso tempo, o valor cultural e social da Universidade.

4. Há depois outra anotação importante, que me é grato propor. Na Encíclica Fides et ratio ressaltei a profunda «ligação entre o conhecimento da fé e o da razão» (n. 16): por força desta ligação, a palavra da fé, iluminando e orientando o caminho da razão, não permite que o dom da inteligência se curve sobre si mesmo, incerto e derrotado, dentro dum horizonte onde tudo é reduzido a mera opinião (cf. ibid., 5). Sustenta-o, ao contrário, e impele-o continuamente a levantar os olhos, até encontrar os próprios confins do mistério, núcleo gerador e energia propulsora de toda a autêntica cultura, onde o fragmento se faz revelador de um Tudo que o transcende. Com efeito, «cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela verdade plena que se há-de manifestar na última revelação de Deus» (ibid., 2).

Consciente disto, a Igreja na Itália está empenhada desde há alguns anos na elaboração de um projecto cultural que, a partir dos valores cristãos, pretende oferecer um ulterior contributo à renovação do tecido social e cultural da Nação. Desse modo, a fé cristã quer dar resposta aos interrogativos que agitam o coração do homem e guiar os seus passos, para que, enquanto nos encaminhamos para cruzar o limiar do terceiro milénio, se reavive a esperança e se fortaleça a solidariedade entre os homens.

5. Confio estas minhas reflexões particularmente a vós, que trabalhais nesta Universidade, a fim de poderdes contribuir para o seu crescimento espiritual e cultural. Desejo, além disso, agradecer-vos a colaboração na preparação do Jubileu dos professores universitários, que se realizará em Setembro do ano 2000, e a generosa disponibilidade a hospedar um dos congressos previstos por essa manifestação.

O meu pensamento dirige-se, de modo especial, a vós, caros estudantes. Acolhei com generosidade a via da caridade intelectual, para serdes promotores de uma autêntica renovação social, capaz de contrastar as graves formas de injustiça que ameaçam a vida dos homens. Amai o vosso estudo, sede humildes em aprender e prontos para pôr ao serviço de todos as competências adquiridas nos anos preciosos do vosso itinerário universitário.

Acompanhe todos vós a abundante Bênção de Deus, que invoco sobre cada um de vós.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NUM CONGRESSO


INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE O CINEMA


19 de Novembro de 1998





Senhor Cardeal
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Senhores e Senhoras!

1. Tenho a alegria de me encontrar convosco, por ocasião do Congresso Internacional de Estudos dedicado ao tema: «Arte, vida e representação cinematográfica. Sentido estético, exigências espirituais e instâncias culturais». A cada um de vós dirijo as minhas cordiais boas-vindas.

Saúdo e agradeço de modo particular ao Cardeal Paul Poupard as amáveis palavras que me dirigiu em vosso nome. Exprimo, além disso, o meu apreço aos membros do Pontifício Conselho para a Cultura e do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais que, em colaboração com a Entidade do Espectáculo, reuniram estudiosos e apaixonados de cinema, prosseguindo uma interessante iniciativa, já positivamente experimentada no ano passado. Estas intensas jornadas proporcionam-vos ocasião para reflectirdes, com a ajuda de peritos, cineastas, encenadores e críticos de arte e especialistas das técnicas de comunicação, sobre a linguagem do cinema, não raro elevado a nível de verdadeira e própria arte, para o qual a Igreja olha com crescente atenção e interesse.

Congratulo-me convosco que, para enfrentardes essas temáticas e responderdes de maneira adequada aos desafios da cultura contemporânea, unistes os recursos e as competências dos vossos Dicastérios, a fim de oferecerdes juntos uma significativa contribuição ao comum empenho de evangelização, especialmente na perspectiva do próximo milénio. Aos promotores e organizadores, aos relatores e participantes, assim como a quantos estão empenhados no âmbito da cultura, do cinema, das comunicações e das artes, dirigem-se os meus mais ardentes votos de profícua actividade.

2. No ano passado, ao receber os participantes no Congresso sobre «Cinema, veículo de espiritualidade e de cultura », eu ressaltava que esta moderna forma de comunicação e de cultura - se for bem pensada, produzida e difundida - pode «contribuir para o crescimento de um verdadeiro humanismo» (L'Osservatore Romano, ed. port. de 20/12/97, pág. 20). Alegro-me ao ver que, prosseguindo nesta esteira, o encontro deste ano é consagrado ao cinema e ao valor da vida.

Nestes dias, com efeito, detivestes-vos a reflectir sobre o cinema como meio adequado para defender a dignidade do homem e o valor da vida. Quanto a isto, é mais do que nunca oportuna a exortação dos Bispos italianos «Comunicar a vida», dirigida aos crentes e a todas as pessoas de boa vontade por ocasião do vigésimo Dia pela vida. Ela foi proposta dentro do «Projecto cultural orientado em sentido cristão», que a Comunidade eclesial está a aprofundar no limiar do Terceiro Milénio. Nesse projecto não pode faltar a contribuição do cinema; antes, ele assume um papel de primeiro plano, uma vez que constitui o ponto de encontro entre o mundo das comunicações sociais e outras formas culturais. Pensamos em quanto o cinema pode influir de modo positivo ou negativo na opinião pública e nas consciências, sobretudo dos jovens. A vida humana possui uma própria sacralidade, que sempre deve ser defendida e promovida. Ela é dom sublime de Deus. Eis um desafio a ser assumido por todos com responsabilidade, para tornar o cinema um meio expressivo adequado a apresentar o valor da vida, no respeito pela dignidade da pessoa.

3. O cinema pode dar e fazer muito a respeito disso. Testemunham-no de maneira eloquente as três películas que escolhestes para este vosso encontro. Desde o seu surgir, o grande écran - como há pouco foi recordado pelo Cardeal Poupard - é o espelho da alma humana que está em constante busca de Deus, muitas vezes até sem o saber. Entre efeitos especiais e imagens surpreendentes, ele sabe explorar de maneira profunda o universo do ser humano. Sabe fixar nas imagens a vida e o seu mistério. Quando depois alcança os vértices da poesia, unificando e harmonizando várias artes - literatura, representação cénica, música e recitação - pode tornar- se fonte de admiração interior e de profunda meditação.

Por este motivo, a liberdade criativa do autor, facilitada por meios tecnológicos de vanguarda, é chamada hoje a ser veículo de transmissão duma mensagem positiva, que faça constante referência à vida, a Deus e à dignidade do homem.

A cultura e os seus campos de pesquisa, as comunicações sociais e as suas implicações vastas e complexas, as artes e o seu fascínio que tornam a vida rica e aberta à beleza e à verdade de Deus, estão no centro da missão da Igreja, em cujo coração está o homem na sua relação constitutiva e vital com Deus, nas suas relações com os próprios semelhantes e com a inteira realidade criada.

A Igreja, por isso, considera o cinema como uma peculiar expressão artística do Ano 2000 e encoraja-o na sua função pedagógica, cultural e pastoral. Para as sequências filmadas confluem criatividade e progresso técnico, inteligência e reflexão, fantasia e realidade, sonho e sentimentos. O cinema constitui um instrumento fascinante para transmitir a perene mensagem da vida e para descrever as suas extraordinárias maravilhas. Ao mesmo tempo, pode tornar-se forte e eficaz linguagem para estigmatizar as violências e as prepotências. Deste modo ele ensina e denuncia, conserva a memória do passado, faz-se consciência viva do presente e encoraja a pesquisa para um futuro melhor.

4. A técnica cinematográfica, porém, nunca deve prevalecer sobre o homem e sobre a vida, subjugando-os à criação artística. O progresso científico abriu ao cinema horizontes inesperados até há algum tempo, permitindo que as imagens superarem, no bem e no mal, os outros produtos da inventiva humana e capturando a atenção e a admiração do espectador. Ao mesmo tempo, tentado a pôr-se como fim em si mesmo, o cinema acabou às vezes por perder o contacto com a realidade e com os valores positivos da vida. Quantas vezes as imagens aniquilam o ser humano, deturpando e anulando a sua humanidade e tornando- se veículo de degradação, em vez de crescimento!

Vós sois os primeiros a estar conscientes disto: o cinema não pode exprimir- se plenamente a si mesmo sem uma clara e constante referência aos valores morais e às finalidades para as quais nasceu. A quantos estão empenhados neste campo compete explorar, com competência e experiência, o sentido positivo da cinematografia, ajudando os cenógrafos, produtores e actores a tornarem-se, com o seu génio e a sua fantasia, arautos de civilização e de paz, de esperança e de solidariedade; numa palavra, arautos de autêntica humanidade.

De coração faço votos por que os operadores do mundo do cinema se sintam investidos da grande tarefa de promover um humanismo autêntico. Convido os cristãos a serem com eles co-responsáveis nesta vasta cooperação artística e profissional, na tutela e promoção dos verdadeiros valores da existência humana. É este um serviço precioso que eles prestam à obra da nova evangelização, em vista do Terceiro Milénio. Para tanto, invoco sobre as vossas pessoas e sobre a vossa actividade a abundância dos dons do Espírito Santo. E em penhor da minha estima e do meu afecto, é-me grato conceder-vos, a vós aqui presentes bem como aos vossos colaboradores e às vossas famílias, uma especial Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1998 - 12 de Novembro de 1998