Discursos João Paulo II 1998 - 30 de Novembro de 1998

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


À SUA SANTIDADE BARTOLOMEU I


ARCEBISPO DE CONSTANTINOPLA


E PATRIARCA ECUMÉNICO






A Sua Santidade BARTOLOMEU I
Arcebispo de Constantinopla Patriarca Ecuménico

«Paz aos irmãos, bem como caridade, acompanhada de fé da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo» (Ep 6,23).

A festa do Apóstolo Santo André, irmão de São Pedro, que as nossas Igrejas celebram no mesmo dia, constitui para mim uma nova e feliz ocasião para enviar a saudação fraterna a Sua Santidade, ao santo Sínodo e a todos os fiéis do Patriarcado Ecuménico.

A Delegação que enviei para esta jubilosa circunstância unir-se-á a todos vós na oração para invocar, com o hino deste dia, a intercessão de Santo André, «o primeiro que foi chamado, o irmão do Príncipe dos Apóstolos», para que «o Senhor Todo-poderoso conceda a paz à Igreja inteira e às nossas almas na Sua grande misericórdia» (Apolytikion).

A celebração dos Apóstolos recorda-nos o mandamento que o Senhor nos deu, de transmitirmos a todos os homens e em todos os tempos o Evangelho, «ensinando-os a cumprir tudo quanto Ele lhes tem mandado»(cf. Mt Mt 28,20).

A fé, a tradição e a missão apostólicas põem em evidência a necessidade urgente de superar as divergências e as dificuldades, que ainda nos impedem de alcançar a comunhão plena, para darmos ao mundo um testemunho visível de paz e unidade. No caminho rumo à unidade, às vezes árduo e escarpado, encontramos a força na própria oração do Senhor Jesus Cristo pela sua Igreja e no poder do Espírito Santo, que sempre vem em ajuda da nossa debilidade e nos dá a esperança. Contudo, estas mesmas dificuldades podem ser uma ocasião de crescimento espiritual e de progresso rumo à unidade.

O último domingo deste mês de Novembro, véspera da festa de Santo André, a Igreja de Roma entrará no derradeiro ano de preparação para o Jubileu do Ano 2000. O Jubileu, no qual comemoraremos a Encarnação do Verbo de Deus, Senhor e Salvador do mundo, representa um momento particular para renovar o nosso compromisso comum, de juntos anunciarmos aos homens que Jesus Cristo é o Senhor, como fizeram os Apóstolos e, com eles, os irmãos Pedro e André, apóstolos e mártires.

Com estes sentimentos de fé, caridade, comunhão e paz, asseguro a Sua Santidade o meu afecto fraterno no Senhor.

Vaticano, 25 de Novembro de 1998.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO 50° ANIVERSÁRIO


DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL


DOS DIREITOS DO HOMEM






A Sua Excelência
o Senhor Didier OPERTTI BADÁN
Presidente da 53ª sessão da Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas

É-me particularmente grato unir-me, com esta Mensagem, à celebração do quinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem por parte da Organização das Nações Unidas, depositária de um dos documentos mais preciosos e significativos da história do direito.

Faço-o também de bom grado, uma vez que, numa Constituição solene do Concílio Vaticano II, a Igreja católica não hesitou em afirmar que, compartilhando «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje», também ela pede que seja «superada e eliminada, como contrária ao desígnio de Deus [...] qualquer forma de discriminação quanto aos direitos fundamentais da pessoa» (Gaudium et spes ).

Ao proclamar um certo número de direitos fundamentais que pertencem a todos os membros da família humana, a Declaração contribuiu de maneira decisiva para o desenvolvimento do direito internacional, interpelou as legislações nacionais e permitiu a milhões de homens e mulheres viver de maneira mais digna.

Contudo, aquele que observa o mundo de hoje não pode deixar de constatar que estes direitos fundamentais proclamados, codificados e celebrados ainda são objecto de violações graves e contínuas.

Este aniversário, portanto, é para todos os Estados que de bom grado fazem referência ao texto de 1948, um apelo ao exame de consciência.

Com muita frequência, com efeito, afirma-se a tendência de alguns a escolher, com base nas próprias conveniências, um certo direito, transcurando aqueles que contrariam os seus interesses momentâneos. Outros não hesitam em isolar do seu contexto direitos particulares, para agirem melhor à sua maneira, muitas vezes confundindo liberdade com permissividade, ou para se assegurarem vantagens que têm a solidariedade humana em pouco apreço. Semelhantes atitudes ameaçam, sem dúvida, a estrutura orgânica da Declaração, que associa todo o direito a outros direitos, deveres e limites, requeridos por uma ordem social equitativa. Além disso, eles conduzem às vezes a um individualismo exacerbado que pode impelir os mais fortes a dominar os débeis e atenuar, assim, o vínculo solidamente estabelecido pelo texto, entre liberdade e justiça social. Evitemos portanto que, com o transcorrer dos anos, este texto fundamental se torne um monumento a ser admirado ou, pior ainda, um documento de arquivo!

Eis por que desejo repetir aquilo que disse durante a minha primeira visita à sede da vossa Organização, no dia 2 de Outubro de 1979: «Se as verdades e os princípios contidos neste documento viessem a ser esquecidos, transcurados, perdendo a genuína evidência de que resplandeciam no momento do nascimento doloroso, então a nobre finalidade da Organização das Nações Unidas, ou seja, a convivência entre os homens e entre as nações, poderia vir a encontrar-se diante da ameaça de uma nova ruína» (n. 9). Por conseguinte, não vos deveis maravilhar se a Santa Sé se associa de bom grado à declaração do Secretário-Geral, que afirmava recentemente que este aniversário dá a oportunidade para «se perguntar não só como a Declaração Universal dos Direitos do Homem pode proteger os nossos direitos, mas como nós podemos proteger de modo adequado a Declaração» (Discurso de Kofi Annan à Comissão dos Direitos do Homem, Genebra, 23 de Março de 1998).

A luta pelos direitos do homem constitui ainda um desafio a ser acolhido e exige perseverança e criatividade da parte de todos. Se, por exemplo, o texto de 1948 conseguiu tornar relativa uma concepção rígida da soberania do Estado, que o dispensaria de dar contas do seu comportamento em relação aos cidadãos, hoje não se pode negar que surgiram outras formas de soberania. Com efeito, hoje são muitos os actores internacionais, pessoas ou organizações, que na realidade beneficiam de uma soberania comparável à de um Estado e que influenciam de modo decisivo o destino de milhões de homens e mulheres. Seria conveniente, então, encontrar os meios adequados para estarmos seguros de que também eles aplicam os princípios da Declaração.

Além disso, há cinquenta anos o contexto político do pós-guerra não permitiu aos autores da Declaração dotá-la de uma base antropológica e de pontos de referência moral explícitos, mas eles bem sabiam que os princípios proclamados logo haveriam de perder valor se a comunidade internacional não procurasse enraizá-los nas diversas tradições nacionais, culturais e religiosas. É talvez esta a tarefa que nos compete agora, a fim de servirmos fielmente a unidade da sua visão e promovermos uma legítima pluralidade, no exercício das liberdades proclamadas por este texto, assegurando ao mesmo tempo a universalidade e a indivisibilidade dos direitos a que ele as associa.

Promover esta «concepção comum» à qual se refere o Preâmbulo da Declaração e permitir-lhe que se torne sempre mais o ponto de referência última, na qual a liberdade humana e a solidariedade entre as pessoas e as culturas se encontram e se fecundam reciprocamente: é este o desafio a acolher. Pôr em dúvida a universalidade, ou seja, a existência, de alguns princípios fundamentais, equivaleria a ameaçar todo o edifício dos direitos do homem.

Neste final do ano de 1998, vemos em torno de nós muitos irmãos e irmãs em humanidade afligidos pelas calamidades naturais, dizimados pelas doenças, prostrados na ignorância e na pobreza ou vítimas de guerras cruéis e intermináveis. Ao lado deles, outras pessoas mais providas parecem ao abrigo da precariedade e beneficiam, às vezes com ostentação, do necessário e do supérfluo. O que se tornou o direito «a uma ordem social e internacional, na qual os direitos e a liberdade enunciados nesta Declaração podem ser plenamente realizados» (art. 28) A dignidade, a liberdade e a felicidade jamais serão completas sem a solidariedade. É isto que nos ensina a história conturbada destes últimos cinquenta anos.

Acolhamos, pois, esta preciosa herança e sobretudo tornemo-la fecunda para a felicidade de todos e para a honra de cada um de nós!

Ao orar com fervor a fim de que aumentem a fraternidade e a concórdia entre os povos que representais, invoco sobre todos a abundância das Bênçãos de Deus.

Vaticano, 30 de Novembro de 1998.

                                                                           Dezembro de 1998 

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DE PAPUA-NOVA GUINÉ


E DAS ILHAS SALOMÃO


OR OCASIÃO DA VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


1 de Dezembro de 1998





Caros Irmãos Bispos

1. Com o encorajamento que está em Cristo Jesus (cf. Fl Ph 2,1), saúdo-vos, Bispos que em Papua-Nova Guiné e nas Ilhas Salomão velais pela «casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade » (1Tm 3,15). Estais aqui presentes, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, junto dos túmulos dos Apóstolos, onde evocamos a grande verdade da Páscoa, isto é, que da Cruz de Jesus Cristo brota a alegria da nova vida. Nestes dias da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, reflectis sobre a novidade da vida em Cristo, Luz das Nações, e sobre a responsabilidade que, como sucessores dos Apóstolos, tendes de comunicar essa vida às pessoas confiadas à vossa solicitude pastoral. Oro para que este seja um tempo de renovação espiritual para cada um de vós, com a graça e a força do Espírito Santo.

A vossa presença recorda-nos a notável história da plantatio Ecclesiae na Melanésia. Transcorreram pouco mais de trinta anos desde que ali foram erigidas as primeiras Dioceses e, entretanto, a história, tanto antes como a partir daquele momento, é feita de testemunho e trabalho heróico, em primeiro lugar por parte dos sacerdotes missionários, dos religiosos e das religiosas, que deixaram tudo para anunciar Cristo e servir os povos da vossa região. Unidos na fé, eles chegaram de muitos Países diferentes e de diversos Institutos, e lançaram uma semente no coração dos vossos povos, a qual produzirá uma colheita eterna. Alguns morreram como mártires e por este sacrifício todos nós damos glória a Deus, que «enxugará toda a lágrima dos seus olhos» (Ap 7,17). Contudo, não foram só os missionários estrangeiros que ofereceram a própria vida por Cristo; há também a figura inesquecível do Beato Peter ToRot, primícias da fé das vossas terras, oferecidas agora à Igreja no mundo inteiro, como exemplo de fidelidade a Deus.

2. O crescimento espiritual das vossas Igrejas particulares dá alegria a todos nós. Entretanto, vós falais também das dificuldades no meio das quais vivem os fiéis que Deus vos confiou. Existem os desastres naturais, o mais recente dos quais, o maremoto em West Sepik, foi um dos mais devastadores, matando milhares de pessoas e deixando ao País uma enorme tarefa de reconstrução material e humana. Mais uma vez invoco a solidariedade da Igreja para com aqueles que foram atingidos e renovo o apelo à comunidade mundial, para que ofereça a assistência que ainda é urgentemente necessária.

Podemos fazer pouco para prevenir os desastres naturais, mas há outros sofrimentos causados pelos seres humanos e, portanto, sujeitos ao controle humano. Nos vossos relatórios mencionais uma crescente onda de violência e divisão, que torna difícil edificar uma sociedade assente sobre a ideia e a prática do bem comum. Talvez a guerra em Bougainville tenha acabado, mas as feridas permanecem e o processo de cura será longo e complexo. A ameaça da delinquência tem-se tornado mais irreprimível e grave, em particular nas cidades. O tribalismo, com o espírito de vingança que gera, continua a ser um problema profundamente arraigado e difícil de resolver. A corrupção nas suas numerosas formas é outro tipo de violência, cujos sintomas são muitas vezes menos visíveis, mas nem por isso é menos real e destruidora. Há ainda outro tipo de violência: a violência espiritual na fragmentação das seitas religiosas, que proliferam em tempos difíceis e alimentam as expectativas e os temores das pessoas.

3. A situação reflecte uma certa crise das tradições da vossa cultura, com o consequente enfraquecimento das estruturas e das instituições que conferiram às sociedades tradicionais a sua estabilidade e lhes transmitiram os valores de onde estas hauriram a própria vida. Prioritária entre estas é a família, que nos últimos tempos tem sido atacada e é sempre a primeira a manifestar os sintomas do mal-estar social. Há também o difundido desemprego que deixa muitos jovens frustrados e irados, com escassa estima de si mesmos e pouca esperança no futuro. Contudo, nenhum destes males vos é desconhecido, caros Irmãos: com efeito, são precisamente estas as aflições das pessoas que todos os dias levais a Cristo na oração e sobre as quais reflectis durante o Sínodo. Numa situação cultural tão diversificada como a vossa, nunca é fácil superar as divisões e contrastar a violência; contudo, a promoção da harmonia e de uma cultura centrada no bem comum está profundamente ligada à verdade do Evangelho, e requer a vossa sábia e enérgica guia espiritual.

Diante da violência e da divisão há sempre a tentação de se responder do mesmo modo, e é precisamente esta a lógica que está a criar muitos dos problemas que agora afligem o vosso povo. Hoje, a violência e a divisão parecem ser fortes e vitoriosas. Todavia, o Evangelho de Cristo crucificado insiste no facto de que elas são sempre debilidades e derrotas. São Paulo fala da lógica da Cruz em toda a sua força paradoxal: «Quando me sinto fraco, então é que sou forte» (2Co 12,10). Para Papua- Nova Guiné e para as Ilhas Salomão, Cristo é a força autêntica e a vitória verdadeira, a vitória da graça sobre o pecado, e do amor sobre tudo o que divide as pessoas.

4. A primeira fase da evangelização das vossas terras foi lenta e exigiu grandes sacrifícios; o mesmo vale para a nova fase que agora se está a desenvolver. O actual período de evangelização requer que se preste grande atenção à catequese e à educação, se se quiser assegurar que as raízes do Evangelho aprofundem deveras no bom terreno do «campo de Deus» (1Co 3,9). Esta tarefa implica um esforço especial, em particular nas três áreas que estão estreitamente ligadas entre si: a família, os jovens e os responsáveis da comunidade.

As famílias têm necessidade de um maior apoio nas situações em que estão sob pressão, e essa ajuda implica não só a assistência em tempos de crise, mas também uma sustentada educação para os valores e as práticas, que criam a visão católica de matrimónio e de vida familiar. Outrora, não obstante a persistência da poligamia, os valores e as práticas tradicionais das vossas culturas asseguravam uma certa estabilidade das famílias, mas agora, sobretudo nas cidades, já não é assim; e isto pode causar um vazio que torna a família instável e, portanto, ameaça a base mesma da sociedade. Neste tempo sois chamados a envidar um grande esforço educativo em benefício da célula primária da sociedade humana. Esta deve ser uma educação que inicia nas escolas, tem um momento culminante na preparação para o matrimónio e continua durante a inteira vida conjugal e, em particular, em conexão com a iniciação cristã dos filhos. Nesta tarefa, as instituições da escola católica e da paróquia conservam uma importância fundamental.

5. Aos jovens é preciso ensinar não só a serem «um sucesso» mas também a viverem uma vida autenticamente cristã: de graça e santidade, na sua relação com Deus, e de verdade e amor em todos os relacionamentos humanos. A figura do Beato Peter ToRot demonstrou claramente que isto é possível. É preciso fazer com que os jovens percebam que têm um papel e uma responsabilidade na vida da Igreja. Deveriam ser conduzidos gradualmente ao sadio conhecimento de quanto a Igreja ensina - da sua fé e doutrina moral - em particular a propósito do bem comum. Deviam aprender o valor supremo da vida humana e da absoluta dignidade da pessoa, de modo a encorajar uma justa estima de si. Seria necessário ensiná-los a orar, a fim de poderem depositar a própria esperança em Deus e não em algo efémero. Dever-se-ia fazer tudo isto de maneira a terem em conta não só as aspirações universais do coração humano, mas também as particulares exigências culturais dos vossos jovens.

Desta formação brotarão as vocações ao sacerdócio e à vida religiosa, das quais as vossas Dioceses têm necessidade hoje mais do que nunca, sobretudo agora que está a iniciar a segunda fase da evangelização das vossas sociedades e diminui o número dos missionários estrangeiros. A tarefa pode parecer desanimadora, mas «o amor de Cristo nos constrange» (2Co 5,14). Tudo o que fazeis pela educação dos jovens de Papua-Nova Guiné e das Ilhas Salomão é de imenso valor para eles, para a Igreja e para a inteira sociedade.

6. Uma boa educação exige bons mestres e este é o motivo por que a forma- ção dos responsáveis da Igreja - sacerdotes, religiosos e catequistas - é tão importante para as vossas Igrejas particulares. Nos seminários e nas casas religiosas de formação é preciso fazer todo o possível para assegurar a melhor introdução na vida sacerdotal e religiosa, recorrendo aos recursos da Igreja universal e às riquezas das culturas locais. Na minha recente Encíclica Fides et ratio, esclareci que sem uma sólida formação intelectual a fé cai rapidamente no mito e na superstição, que sempre são terreno fértil para a violência e a divisão. A fé tem necessidade da obra da razão se quiser criar uma cultura de respeito pela vida e a dignidade humana, de justiça e solidariedade nas questões humanas, e de empenho pelo bem comum. Se isto é verdade na formação inicial, é também verdade na educação permanente, necessária para sustentar os sacerdotes e os religiosos no meio de todas as pressões que sofrem. Hoje, em todas as culturas os sacerdotes e os religiosos têm necessidade de uma formação para a vida inteira, adaptada de modo adequado às diversas fases do seu caminho. Ela é particularmente requerida quando certos elementos da cultura popular tornam difícil a manutenção permanente do compromisso no celibato.

7. Caros Irmãos, nós ensinamos principalmente mediante o nosso testemunho: quem e o que somos é decisivo. Isto é sumamente verdadeiro no que diz respeito ao Bispo, mas é-o também para todos aqueles que ensinam em nome de Cristo - pais, sacerdotes, professores, catequistas, responsáveis pela juventude. Os santos e os mártires são os grandes mestres da Igreja, pois oferecem o testemunho que não admite comparações: ensinam através do dom total de si, mediante o próprio sangue. Talvez a história da Igreja em Papua-Nova Guiné e nas Ilhas Salomão seja breve, mas a lista dos seus mártires é longa. Alguns deles são muito conhecidos, outros menos. Não devem ser esquecidos porque são as supremas testemunhas da sabedoria da Cruz de Jesus Cristo (cf. 1Co 1,18-25). Que os seus nomes sejam recordados e as suas histórias contadas com compreensão e alegria renovadas, enquanto a Igreja avança rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000! Estes homens e mulheres são não só a maior glória do vosso passado, mas também a mais segura garantia do vosso futuro. Com o mesmo espírito, exorto-vos a encorajar e a sustentar a vida contemplativa nas vossas Igrejas particulares. Todos os que percorrem o caminho da contemplação na vida monástica, vivem uma espécie de martírio e, com o seu silêncio e a sua oblação, ensinam aquilo que agora é particularmente necessário.

A tarefa da Igreja em Papua-Nova Guiné e nas Ilhas Salomão é vasta e complexa, mas na nossa debilidade o Espírito Santo socorre-nos (cf. Rm Rm 8,26), atingindo as profundezas do nosso coração e renovando-nos. Que o fogo do Seu amor no coração dos fiéis transforme todo o sofrimento em alegria e inspire o grande hino de louvor, que é sempre o cântico da Igreja. A Mãe de Cristo, Estrela do Mar e Estrela da Evangelização, vele sobre vós e vos guie no caminho com o vosso povo rumo aos céus da paz, que Deus preparou para os seus. Em penhor da infinita alegria em Cristo, que é sempre «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6), de coração concedo-vos a minha Bênção Apostólica, a vós, aos vossos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À CONFERÊNCIA EPISCOPAL DO PACÍFICO


EM VISITA «AL LIMINA APOSTOLORUM»


5 de Dezembro de 1998





Eminência Caros Irmãos Bispos!

1. «O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam acerca do Verbo da vida» (1Jn 1,1) - este é o nosso tema.

Com particular intensidade durante estes dias da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, dirigimos o nosso pensamento ao Verbo da vida, Jesus Cristo, que nos chamou a ser Pastores do Seu povo e, no Seu nome, a pregar o Evangelho da salvação até aos confins da terra. Também a vossa visita «ad limina Apostolorum» significa, num certo sentido, confiar-Lhe a vossa missão entre os povos do Pacífico. Ao saudar-vos, membros da Conferência Episcopal do Pacífico, presto glória a Deus porque nas ilhas do mar ouvimos o cântico de louvor no nome do Senhor (cf. Is Is 24,15-16).

Durante a vossa visista «ad Limina» ides para além do tempo, quando orais junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e reconheceis o vínculo de fé que vos liga, a vós e ao vosso povo, ao testemunho do seu Evangelho; e o próprio espaço desaparece quando chegais ao coração da Igreja para visitar o Sucessor de Pedro. Vindes representar um complexo tecido de raças, culturas e línguas; contudo, a diversidade é transcendida na nossa comunhão no Corpo de Cristo, a Igreja.

2. A história da evangelização nos vossos Países não é longa, mas já é rica dos frutos da santidade, da justiça e da paz que só o Evangelho pode produzir. Sois testemunhas da obra heróica dos missionários que plantaram a semente da fé no coração do vosso povo. Eles são os homens e as mulheres, sacerdotes e religiosos que, ao escutarem a chamada de Cristo e ao abandonarem aquilo que era naturalmente seu, trouxeram esta mensagem aos povos que representais. Pregaram no Seu nome e a pregação deles não se difundiu «somente com palavras, mas também com poder, com o Espírito Santo e com convicção» (1Th 1,5). Pregaram com o testemunho da sua vida, alguns também com a própria morte. Foi sobretudo este sacrifício, inserido no mistério pascal da morte e da ressurreição do Senhor, que abriu o coração humano à paz do Espírito Santo. Agora são necessários novos desenvolvimentos na evangelização, mas os sacrifícios dos primeiros missionários e, em particular, de mártires como São Pedro Chanel e o Beato Diego de São Vitores, não devem ser esquecidos. Com efeito, ao aproximarmo-nos do Grande Jubileu do Ano 2000, devemos evocar e narrar a sua história com gratidão e alegria sinceras.

3. Viveis actualmente nos vossos diversos Países um período de mudança profunda. A recente fase pós-colonial da vossa história já foi superada. A independência já não é uma experiência nova, ainda que o fortalecimento da liberdade e dos direitos civis permaneça uma tarefa urgente. Os vossos povos estão perturbados pelas dificuldades de alcançar o desenvolvimento e o bem-estar a que aspiram, sobretudo hoje, enquanto na região Ásia-Pacífico surgiu, de modo inesperado, uma instabilidade económica e também política. Houve um tempo em que os oceanos mantinham as vossas sociedades isoladas, mas estes mesmos oceanos tornaram-se agora vias que trazem outras culturas, que se fundiram com a vossa. O rápido desenvolvimento das comunicações conduz a um processo de globalização cultural, que já exerce um grande impacto sobre as vossas sociedades. Alguns efeitos são positivos, outros, porém, são sem dúvida negativos. Numa semelhante situação, os Pastores da Igreja devem demonstrar sabedoria no seu discernimento e de coragem nas suas decisões.

É paradoxal que o processo para uma maior unificação, prometido pela globalização, conduza às vezes a divisões e a perdas de identidade. Em vez de promover um espírito de cooperação e de solidariedade, isto pode gerar uma atitude de «salve-se quem puder» no interior das nações e entre elas. Isto pode significar a exploração das nações mais débeis por parte das mais fortes; pode também significar a corrupção que separa os chefes do povo ao qual devem servir; por fim, pode desencadear conflitos entre interesses divergentes, de maneira a tornar impossível organizar a sociedade baseada no bem comum. A voz dos Bispos deve manifestar-se claramente a favor do espírito de cooperação e de solidariedade, o único que pode garantir o bem-estar dos vossos povos.

Para a Igreja que está nas nações do Pacífico, nenhuma tarefa é hoje mais necessária do que a nova evangelização, para responder às necessidades das circunstâncias presentes, que mudam rapidamente. A nova evangelização constitui a próxima etapa da plantatio Ecclesiae nas vossas ilhas, e exige que o Evangelho seja anunciado de modo novo no seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão (cf. Veritatis splendor VS 106). Isto não quer dizer que os modos de agir dos primeiros missionários não tenham sido bem concebidos e aplicados; ao contrário, naquele tempo estavam concebidos e aplicados de maneira magnífica. Contudo, a mutável situação que hoje deveis enfrentar apresenta novos desafios, o que não requererá menos imaginação nem menos coragem do que aquelas demonstradas pelos missionários. A tarefa pode parecer enorme, caros Irmãos, mas «Aquele que vos chama é fiel; Ele o realizará!» (1Th 5,24).

4. A evangelização requer um esforço notável por parte dos vossos Países, esforço que, na primeira fase da sua história, foi realizado pelos missionários. Não será, porém, o mesmo para a nova fase. Como Sucessores dos Apóstolos, vós, Bispos, sois os primeiros agentes de evangelização; os vossos colaboradores mais directos são os sacerdotes e os religiosos, aqueles que são missionários como os autóctones que Deus chama no seio das vossas comunidades. Os leigos estão, mais do que nunca, prontos a desempenhar um papel decisivo nesta nova fase de evangelização, respondendo à sua vocação particular no contexto da natureza polifónica e hieráquica da Igreja. Desejo, portanto, reflectir brevemente convosco sobre alguns aspectos da relação entre Bispos, sacerdotes e leigos.

O papel do Bispo, enquanto primeiro agente de evangelização, faz dele o primeiro servidor da comunhão. Este serviço tem diversas implicações, mas nenhuma é tão importante como o fortalecimento dos vínculos da graça, da cooperação e da amizade entre o Bispo e os seus sacerdotes. Isto pode ser difícil, tendo-se em conta o facto que na administração quotidiana das Dioceses e das paróquias, nem sempre é fácil encontrar o tempo e a energia requeridos pela edificação da comunhão. Entretanto, é essencial que seja assim. Além disso, nalgumas culturas, costumes tradicionais e sistemas de governo podem influenciar o exercício do poder por parte do Bispo, tendendo a fazer dele uma figura distante e não um pai, sempre desejoso e capaz de escutar os seus sacerdotes e o seu povo. Às vezes é necessário que o Bispo, no seu modo de governar, vá ao encontro da cultura, com a clara compreensão - tão importante para a nova evangelização - de que a inculturação da fé não significa dever conferir à cultura um carácter absoluto, a ponto de não a poder pôr em discussão ou avigorar algum elemento.

5. Métodos de liderança que sublinham o privilégio em vez do serviço, criam sempre problemas no relacionamento entre sacerdotes e leigos. Por isto é importante que os seminários e as casas de formação ensinem um tipo de liderança, que seja plenamente orientado para o serviço e cumule os candidatos do mesmo zelo de anunciar o Evangelho que observamos nos primeiros missionários. Isto requererá um vigoroso impulso para a espiritualidade da Cruz, o dom total de si, que só se adquire com dificuldade, mas sem o qual o ministério sacerdotal se torna uma forma de serviço a si mesmo e de autoglorificação. Nos seus anos de preparação, os candidatos à ordenação sacerdotal devem compreender a verdade, isto é, que esta oblação é a única via para uma vida sacerdotal verdadeiramente satisfatória, que é a condição essencial para uma existência de alegria duradoura. Sem ela, a vida sacerdotal pode tornar-se amarga e insatisfeita e levar a comportamentos destruidores. É um sinal de esperança que na parte do mundo em que viveis actualmente haja um bom número de vocações; é importante que estes candidatos sejam formados para se tornarem autênticos servidores de Cristo e da Igreja, que saibam agir em harmonia e em obediência ao Bispo e em estreita colaboração com os religiosos e os fiéis leigos. O papel dos leigos

6. Nos últimos anos, os leigos assumiram cada vez maiores responsabilidades no seio da comunidade eclesial, não só porque os sacerdotes nem sempre estão disponíveis, mas também porque é a obra do Espírito Santo. Contudo, às vezes, a responsabilidade laical foi ressaltada dum modo que a põe em contraste com o ministério sacerdotal. A verdade é que a liderança sacerdotal e a responsabilidade laical são complementares: lá onde a responsabilidade laical é exercida de maneira correcta, o ministério sacerdotal emerge em toda a sua riqueza e vice-versa. As duas vocações devem ser cuidadosamente distinguidas, mas não separadas, de maneira que possam trabalhar juntas naquela profunda harmonia que a natureza da Igreja, dada por Deus, presume. As vocações sacerdotais florescem em situações em que sacerdotes e leigos cooperam, a fim de se enriquecerem reciprocamente.

Numa época de mudanças radicais, com todas as incertezas que isto comporta, é importante como nunca que a Igreja prepare mulheres e homens leigos para assumirem papéis de liderança na sociedade, que promovam o bem comum (cf. Christifideles laici, CL 42-43). As vossas Igrejas particulares são sempre mais abençoadas pela presença de homens e de mulheres, que desempenham um papel activo na liturgia, na catequese e noutras formas de serviço cristão. Isto é motivo de grande satisfação, mas não basta. O particular contributo laical na obra do Evangelho deve conseguir interessar aqueles vastos sectores da vida e da cultura humanas, que superam os confins da comunidade eclesial numa sociedade sempre mais secularizada.

Em particular, a partir do Concílio Vaticano II, o Magistério sublinhou com coerência o carisma secular da vocação laical (cf. Lumen gentium LG 31 Evangelii nuntiandi EN 70 Christifideles laici, EN 17). Isto significa que o campo principal da obra de evangelização dos leigos é o mundo secular da família, do trabalho, da política, da cultura, da vida profissional e intelectual. A eficácia com que realizarem esta obra determinará a eficácia da nova fase de evangelização do Pacífico.

Formar os leigos para esta tarefa requer uma atenção unânime no que se refere à teologia da vocação laical e à doutrina social da Igreja, em particular àqueles valores e princípios que forjam a compreensão católica da lei natural e do bem comum. Todos os cristãos deveriam possuir um sentido inabalável do supremo valor da vida humana, da dignidade inalienável da pessoa humana e da importância singular da família, como célula primária da sociedade. O abandono destes pontos de referência moral é o fulcro da secularização destruidora. Visto que são abandonados só quando Deus é excluído do mundo e do coração humano, é preciso ensinar aos leigos um modo de orar, que os abra sempre mais ao mistério da providência amorosa de Deus em todos os aspectos da vida. É necessário um grande esforço também no campo da educação, com todas as instituições educativas das vossas Igrejas particulares, que contribuem para a formação cristã dos jovens. Essa educação, longe de agravar a erosão daquilo que existe de positivo nos modos tradicionais de viver das vossas sociedades, promoverá os valores que eles encarnam e levará àquela convergência entre as tradições do Pacífico e a doutrina católica, que a inculturação do Evangelho exige.

7. As Igrejas a que presidis no amor de Cristo, fazem parte do mundo da Oceânia, um nome que sugere que tenha sido a água, a grande distância do Oceano Pacífico, que determinou a vossa história e cultura. Entretanto, há uma água de tipo diferente, a do Baptismo, que revela a vossa identidade a um nível mais profundo. Os cristãos do Pacífico foram sepultados com Cristo no Baptismo e com Ele ressurgiram para a vida nova (cf. Rm Rm 6,4). Que o Espírito Santo actue de novo profundamente no vosso coração, caros Irmãos, e no coração do vosso povo, de maneira que, ao celebrar o Grande Jubileu do Ano 2000 e ao entrar no novo milénio, toda a Igreja no Pacífico «entre no oceano de luz da Trindade» (Carta aos Sacerdotes 1998, n. 7). A renovação espiritual que deverá acompanhar o Jubileu, fornecerá as energias necessárias à evangelização e à tarefa missionária que deveis enfrentar, ao apostolado de catequese e à formação cristã, à defesa da vida e da dignidade humanas, e à aplicação da doutrina social católica às questões políticas, económicas e culturais. Que Maria, Estrela do Mar e Estrela da Evangelização, vos conduza ao porto seguro onde «não haverá mais noite e não precisarão de lâmpadas nem da luz do Sol, porque o Senhor Deus os iluminará e eles reinarão pelos séculos dos séculos» (Ap 22,5). No amor de Jesus Cristo que é «o caminho, a verdade e a vida» (Jn 14,6), concedo de coração a Bênção Apostólica a vós, aos sacerdotes, aos religiosos e aos leigos das vossas terras.




Discursos João Paulo II 1998 - 30 de Novembro de 1998