Discursos João Paulo II 1998 - 5 de Dezembro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS ITALIANOS


5 de Dezembro de 1998





Ilustres Senhores!

1. É com alegria que dirijo cordiais boas-vindas a cada um de vós, vindos por ocasião da anual Assembleia de estudo da União dos Juristas Católicos Italianos. Saúdo em particular o vosso Presidente, Prof. Giuseppe Dalla Torre, e agradeço-lhe as amáveis expressões que quis dirigir-me em vosso nome. O meu pensamento dirige-se a todos os sócios da vossa Associação que, no contexto tanto académico, como forense, querem - segundo a indicação do Concílio (cf. Apostolicam actuositatem AA 7) - animar de maneira cristã a ordem temporal, através do empenho profissional na sociedade e da pesquisa nos estudos jurídicos de quanto é idóneo a favorecer o bem da pessoa e da comunidade.

O encontro hodierno reveste um carácter muito especial, pois se insere nas celebrações do quinquagésimo aniversário de fundação da União dos Juristas Católicos Italianos: com efeito, ela nasceu em 1948, no seio do Movimento dos Licenciados da Acção Católica e foi o fruto daquela grave crise de consciência, que tocou uma geração de juristas diante dos postulados ideológicos do Estado ético, que tanto na Itália como na Europa assinalaram a experiência do totalitarismo. Eles davam-se conta de quanto os requintados instrumentos jurídicos, que haviam contribuído para elaborar, serviam para condenáveis usos políticos e para o fortalecimento dos regimes totalitários. Eles tinham bem presentes, de igual modo, as conclusões trágicas e falazes a que podia chegar uma concepção puramente positivista do direito, até às graves devastações dos direitos humanos constituídas pelos campos de extermínio e também pelo terrível conflito mundial.

2. Com a fundação da vossa União, aqueles juristas quiseram responder à exigência de encontrar de novo o fundamento autêntico do direito, subtraindo este último à arbitrariedade de um uso político inspirado na lógica do mais forte. Eles viram no direito natural o sólido e autêntico fundamento da lei positiva e fizeram dessa convicção a referência constante da sua actividade científica.

Nestes cinquenta anos, a vossa Associação empenhou-se em favorecer o desenvolvimento do ordenamento jurídico em adesão à Carta constitucional italiana de 1948, e sobretudo às três directrizes fundamentais contidas na primeira parte: o princípio personalista, o princípio pluralista ordenado segundo o critério de subsidiariedade, o princípio da preexistência dos direitos da pessoa e das comunidades em relação a qualquer concessão por parte do Estado.

Olhando para essas directrizes, os sócios da União desempenharam o papel de consciência crítica na mais ampla comunidade dos juristas italianos, quer evocando os valores da Constituição todas as vezes que a experiência jurídica punha em evidência diferenças crescentes, quer encontrando naqueles valores a solução das questões novas postas pelo progresso científico e tecnológico. Nessas nobres motivações inspirou-se o denodado empenho cultural dos juristas católicos italianos contra a lei do divórcio, em 1970, e do aborto, em 1978, assim como o seu apreciável contributo sobre as temáticas da ecologia e da bioética, em tempos em que elas ainda não eram objecto de atenção por parte da cultura na Itália. Como não se congratular com o considerável e qualificado caminho por vós percorrido nestas cinco décadas?

Como não dar graças ao Senhor pela paixão e a competência com que, em meio século de história, a União dos Juristas Católicos Italianos sustentou o primado da pessoa e a instância do bem comum, diante da evolução da sociedade e da experiência jurídica?

O lema «Desde há cinquenta anos pela justiça do direito», que escolhestes para esta comemoração jubilar, traz à memória a constante fidelidade dos juristas crentes à ética e exprime o vosso renovado empenhamento em pôr-vos ao serviço de um direito inspirado nos grandes valores humanos e cristãos. Continuareis assim a oferecer à sociedade italiana e à ciência jurídica um contributo que se mostra sempre mais útil e apreciado.

3. A vossa Associação teve como constante referência a afirmação do direito natural, considerando-o fundamental para a promoção autêntica da pessoa e da sociedade.

Essa referência representa hoje um significativo ponto de contacto com a moderna doutrina jurídica, na qual existe um consenso universal sobre a temática dos direitos humanos, que encarna as antigas instâncias da doutrina do direito natural.

Preocupação comum dos juristas é dar hoje plena efectividade aos direitos humanos, diante das suas graves violações, que se registram em diversas partes do mundo, apesar das solenes afirmações de princípio. Mas se faltar um amplo e universal consenso sobre o seu fundamento esse propósito corre o perigo de conseguir êxitos modestos ou de confundir direitos autênticos com reivindicações subjectivas e egoístas. Resulta, portanto, louvável e meritório o vosso esforço pela afirmação de uma sadia doutrina do direito natural, que constitui a única garantia para fundar, de maneira certa e absoluta, os direitos humanos.

4. A Assembleia que estais a celebrar nestes dias tem por tema: «A solidariedade entre ética e direito». Na perspectiva do novo milénio, quisestes como que individualizar na temática da solidariedade o resultado lógico da reflexão sobre o direito natural, realizada há cinquenta anos pela vossa Associação.

Trata-se de um argumento mais do que nunca importante, intimamente conexo com o do direito natural: com efeito, na dimensão da solidariedade exprime-se um direito que não é instrumento arbitrário nas mãos do mais forte, mas um seguro meio de justiça.

Formulo votos por que essas temáticas, destinadas a orientar a pesquisa dos Juristas católicos, contribuam para contrastar de maneira eficaz concepções individualistas, que desvirtuam o direito positivo reduzindo-o a mera explicitação das pretensões pessoais, sem ter em conta as exigências de justiça e dos deveres de solidariedade.

Com estes votos, confio cada um de vós e o vosso trabalho à materna protecção da Sedes Sapientiae e invoco a constante assistência divina, enquanto, em penhor dos favores celestes, de coração concedo a todos a Bênção Apostólica.



ORAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


NA SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO


8 de Dezembro de 1998



1. Ó Maria!
Eis-nos de novo aos teus pés,
no dia em que celebramos
a tua Imaculada Conceição,
e suplicamos-Te,
como filha predilecta do Pai,
para que, durante
este último ano de preparação
para o Grande Jubileu do Ano 2000,
nos ensine a caminhar unidos
rumo à casa paterna,
para da inteira humanidade
formarmos um só família.

2. Ó Maria!
Desde o primeiro instante da existência
foste preservada do pecado original,
em virtude dos méritos de Jesus,
de Quem deverias tornar-te a Mãe.
Sobre Ti o pecado e a morte
não tiveram poder.
Desde o momento mesmo
em que foste concebida,
gozaste do singular privilégio de ser repleta
da graça do teu Filho bendito,
para seres santa como Ele é santo.
Por isto o mensageiro celeste,
enviado para te anunciar o desígnio divino,
dirigiu-se a Ti saudando-Te:
«Alegra-Te, cheia de graça» (Lc 1,28).
Sim, ó Maria, tu és a cheia de graça,
a Imaculada Conceição.
Em Ti cumpriu-se a promessa
feita aos nossos primeiros pais,
primordial evangelho de esperança,
na hora trágica da queda:
«Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a dela» (Gn 3,15).
A tua estirpe, ó Maria,
é o Filho bendito do teu seio, Jesus,
Cordeiro imaculado que tomou sobre Si
o pecado do mundo, o nosso pecado.
O teu Filho, ó Mãe, preservou-Te,
para oferecer a todos os homens
o dom da salvação.
Por isto, de geração em geração,
os remidos não cessam de Te repetir
as palavras do Anjo:
«Alegra-Te, cheia de graça,
o Senhor está contigo» (Lc 1,28).

3. Ó Maria!
Do Oriente ao Ocidente, desde o início,
o Povo de Deus professa com fé
que Tu és a toda pura,
a toda santa, a Mãe excelsa do Redentor.
Atestam-no unânimes os Padres da Igreja,
proclamam-no os pastores, os teólogos
e os maiores confessores da fé.
Em 1854, depois, o meu venerado predecessor,
o Pontífice Pio IX, reconheceu oficialmente
a verdade deste teu privilégio.
Como perene memória daquele evento,
foi erigida aqui,
no coração de Roma, esta Coluna,
de onde tu velas materna sobre a Cidade.
A partir de então,
cada ano, nesta tua festa solene,
a Igreja e a cidade de Roma com o seu Bispo
vêm aqui, à «Piazza di Spagna», honrar-Te,
sinal de esperança segura
para todos os homens.
Com este anual acto de veneração
nós professamos querer retornar
ao desígnio originário e eterno
do nosso Criador e Pai,
e repetimos com o apóstolo Paulo:
«Bendito seja o Deus
e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo...
Foi assim que n'Ele nos escolheu
antes da constituição do mundo,
para sermos santos e imaculados
diante dos Seus olhos» (Ep 1,3-4).

4. Ó Maria!
Tu és a testemunha desta originária eleição.
Guia-nos, ó Mãe, que conheces o Caminho!
A Ti, Imaculada Conceição,
neste dia se confia o Povo de Deus
e a inteira cidade de Roma.
Proteje-nos sempre e guia-nos a todos
pelos caminhos da santidade.

Louvámos com o cântico esta Mãe na Liturgia da Palavra. Contemplámos as maravilhas do Senhor. Na Liturgia de hoje, a primeira palavra do hino era «Tota Pulchra es Maria»: és toda bela, ó Maria.

Eis que, diante desta beleza, estamos a pensar talvez nas palavras do grande escritor russo Fjodor Dostoevskij, o qual escreveu que a beleza pode salvar o mundo: a tua beleza, ó Maria, que se exprime na Imaculada Conceição.

A Ti confiamos a nossa cidade. Seja a «Tota Pulchra» a guiar-nos através do Grande Jubileu do Ano 2000, rumo ao futuro, com toda a esperança, porque Tu, ó Maria, és a Mãe da esperança.

Louvado seja Jesus Cristo!

Concluamos esta celebração contemplativa: contemplámos as vossas maravilhas, ó Senhor. Sim, a «Tota Pulchra» deve salvar o mundo, no mistério da sua Imaculada Conceição.

Louvado seja Jesus Cristo!



MENSAGEM DO DO PAPA JOÃO PAULO II


PARA O INÍCIO DA CAMPANHA


DA FRATERNIDADE NO BRASIL






Caríssimos Irmãos e Irmãs do Brasil!

«O Reino dos céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu a contratar operários para a sua vinha» (Mt 20,1). 1. Com estas palavras da Sagrada Escritura, desejo unir-me a toda a Igreja que está no Brasil, para dar início à Campanha da Fraternidade deste ano, que tem como tema: «A Fraternidade e o Desemprego». Caminhamos decididamente em direção ao Jubileu do Ano 2000 e, nesta perspectiva, volto a «afirmar que o empenho pela justiça e pela paz num mundo como o nosso, marcado por tantos conflitos e por intoleráveis desigualdades sociais e econômicas, é um aspecto qualificante da preparação e da celebração do Jubileu» (TMA 51).

2. Certamente, poder trabalhar na vinha do Senhor é um dom divino. Esta visão da posse definitiva do Reino celestial, apresentada na parábola dos operários da vinha, não exclui, antes reforça a necessidade de compreender o direito ao trabalho neste mundo. A Quaresma, como momento forte de conversão a Deus, mediante a penitência e a oração, é ocasião de reflexão e de propósitos para que todos os homens e mulheres de boa vontade se sintam protagonistas «da "ci- vilização do amor" fundada sobre os valores universais de paz, solidariedade, justiça e liberdade, que encontrem em Cristo a sua plena atuação» (TMA 52). O pão é «fruto da terra e do trabalho do homem», mas o fenômeno mundial desconcertante do desemprego e do subemprego, deve interpelar cada vez mais a consciência de todos os cristãos, diante da angustiosa questão proposta pela Campanha da Fraternidade: «Sem trabalho... por quê?» (cf. Sollicitudo rei socialis SRS 18).

3. Ao fazer votos por que não se deixem de empregar todos os meios disponíveis, já sugeridos por mim, para aliviar o drama do desemprego, na celebração do Dia Mundial da Paz deste ano (cf. n. 8), invoco abundantes luzes do Alto e a bênção para todos os que me escutam.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

Vaticano, 8 de dezembro de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA AUSTRÁLIA POR OCASIÃO


DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


14 de Dezembro de 1998





Caro Cardeal Clancy
Queridos Irmãos Bispos!

1. Saúdo-vos calorosamente, Bispos da Austrália, com as palavras do Apóstolo Pedro: «Paz a todos vós que estais em Jesus Cristo» (1P 5,14). A vossa visita «ad Limina» realiza-se contemporaneamente com a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Oceânia, por ocasião da qual, entre as alegrias e os anseios do vosso serviço sacerdotal, entrastes no colloquium fraternitatis com os vossos Irmãos Bispos da Nova Zelândia, de Papua-Nova Guiné, das Ilhas Salomão e de toda a região do Pacífico, sobre a centralidade de Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida dos povos do vosso continente. Os representantes da vossa Conferência encontraram-se com vários responsáveis dos Dicastérios da Santa Sé, para discutir aspectos do vosso ministério na situação particular da Igreja no vosso País. Desejo encorajar-vos a olhar para as forças profundas da comunidade católica na Austrália que, no meio de mudanças muitas vezes desconcertantes, continua a escutar a Palavra de Deus e a produzir abundantes frutos de santidade e de serviço evangélico.

2. Os vossos encontros com algumas Congregações da Cúria Romana estiveram centrados sobre as questões da doutrina e da moral, da liturgia, do papel do Bispo, da evangelização e da missão, do sacerdócio, da vida religiosa e da educação católica. Em cada uma destas áreas, a vossa responsabilidade pessoal de Bispos é absolutamente vital e será o tema fundamental destas breves reflexões.

A partir do Concílio Vaticano II, a figura do Bispo diocesano emergiu com novo vigor e nova clareza. Com os vossos Irmãos Bispos, e em união com o Sucessor de Pedro, recebestes por obra do Espírito Santo a tarefa de cuidar da Igreja de Deus, a esposa adquirida com o preço do sangue do Filho Unigénito, o Senhor Jesus Cristo (cf. Act Ac 20,28).

Os Bispos são «a fonte visível e o fundamento da unidade nas suas Igrejas particulares», precisamente como o Sucessor de Pedro é «a fonte perpétua e visível da unidade» de todos os Bispos e, com eles, de todo o conjunto dos fiéis. Dado que as Igrejas particulares, presididas pelos respectivos Bispos, representam uma porção do Povo de Deus confiada ao governo pastoral dos Bispos, elas não são completas em si mesmas, mas existem em e através da comunhão com a Igreja una, santa, católica e apostólica. Por este motivo, «todos os Bispos devem, com efeito, promover e defender a unidade da fé e a disciplina comum de toda a Igreja» (Lumen gentium LG 23). Cada Bispo, portanto, é chamado a assumir a plena responsabilidade, opondo-se de maneira resoluta a tudo o que pode prejudicar a fé que foi transmitida (cf. 1Co 4,7). A fim de que o seu ministério de santificar, ensinar e governar seja deveras eficaz, é óbvio que o estilo de vida de um Bispo tem de ser irrepreensível: deve lutar abertamente pela santidade e, com generosidade e sem hesitações, consagrar-se ao serviço do Evangelho.

3. Ainda recentemente, a comunidade católica na Austrália experimentou uma notável expansão. A vossa história é marcada por uma grande instituição, edificada em breve tempo não obstante os recursos limitados. Dioceses, paróquias, comunidades religiosas, escolas, seminários, organizações de todo o género surgiram como testemunho da força da fé católica no vosso País e da imensa generosidade de quantos a levaram ali. Agora, parece que este impulso está a diminuir e que a Igreja na Austrália se encontra diante de uma situação complexa, que exige um atento discernimento por parte dos Bispos e uma resposta confiante e séria de todos os católicos. O interrogativo fundamental refere-se à relação entre a Igreja e o mundo. Essa relação foi fundamental para o Concílio Vaticano II e, após mais de trinta anos, continua tal para a vida da Igreja. A resposta que dermos a este interrogativo determinará a resposta que daremos a uma gama de outros importantes e concretos interrogativos. A progressiva secularização da sociedade comporta a tendência a fazer obscurecer os confins entre a Igreja e o mundo. Alguns aspectos da cultura dominante podem condicionar a comunidade cristã de uma maneira que o Evangelho não permite. Às vezes falta a vontade de enfrentar as premissas culturais, como o Evangelho exige. Isto muitas vezes é acompanhado por uma abordagem acrítica do problema do mal moral e pela relutância a reconhecer a realidade do pecado e a necessidade do perdão. Esta atitude encarna uma visão muito optimista da modernidade, juntamente com uma certa inquietação em relação à Cruz e às suas implicações para a vida dos cristãos. Com muita facilidade se esquece do passado, e o presente é de tal modo ressaltado que o sentido do sobrenatural se enfraquece. Um alterado respeito pelo pluralismo conduz a um relativismo, que põe em dúvida as verdades ensinadas pela fé e acessíveis à razão humana; isto, por sua vez, leva à confusão acerca da essência da liberdade autêntica.

Tudo isto causa incerteza sobre o contributo peculiar que a Igreja é chamada a oferecer ao mundo.

Ao falar do diálogo da Igreja com o mundo, o Papa Paulo VI usou a expressão colloquium salutis; não só diálogo por amor a ele, mas um diálogo que encontra a sua fonte na Verdade que liberta e salva. O colloquium salutis exige que a Igreja seja diferente precisamente por amor ao diálogo. A fonte inexaurível dessa diversidade é a força do mistério pascal, que proclamamos e comungamos. É no mistério pascal que descobrimos a verdade absoluta e universal - a verdade sobre Deus e sobre a pessoa humana - que foi confiada à Igreja a qual, por sua vez, a oferece aos homens e mulheres de todas as épocas. Nós, Bispos, nunca devemos perder a confiança no chamamento que recebemos a uma humilde e tenaz diakonia dessa verdade. A fé e a missão apostólica que recebemos impõem-nos a obrigação solene de transmitir a verdade a todos os níveis do nosso ministério.

4. Visto que o Bispo é «o administrador da graça do supremo sacerdócio» (Lumen gentium LG 26), o seu serviço à verdade tem uma aplicação específica e primária na vida litúrgica da sua Diocese. Ele deve fazer tudo o que for necessário para assegurar que a liturgia, através da qual «se actua a obra da nossa redenção» (Sacrosanctum concilium SC 2), permaneça fiel à sua mais íntima natureza: louvor e adoração do Pai Eterno (cf. ibid., 7). É particularmente importante que o Bispo ofereça um sadio ensinamento da teologia litúrgica e da espiritualidade nos seminários e instituições similares. Deve também velar pela criação dos recursos de que a sua Diocese tem necessidade, tais como sacerdotes, diáconos e leigos instruídos propriamente para ela, comissões actuantes e grupos de trabalho para a promoção da liturgia, da música e arte litúrgicas, e para a construção e manutenção de igrejas que, com o seu estilo e os seus adornos, estejam em estreita harmonia com os valores fundamentais da tradição católica. Além disso, quer entre os membros do clero quer entre os leigos, devem existir instrumentos idóneos para a formação permanente e para uma catequese constante acerca do significado mais profundo das várias celebrações litúrgicas. Em muitos casos, servirá de ajuda unir os próprios recursos aos das Dioceses vizinhas ou, em todo o caso, aos existentes em toda a nação. Tais medidas não deveriam reduzir a tarefa do Bispo de ordenar, promover e tutelar a vida litúrgica da Igreja particular (cf. Vicesimus quintus annus, 21).

Visto que o sacrifício da Missa é «fonte e centro de toda a vida cristã» (Lumen gentium LG 11), encorajo-vos a exortar os sacerdotes e os leigos a quererem fazer sacrifícios concretos, a fim de que a Missa dominical seja celebrada e seguida. As precedentes gerações de católicos da Austrália demonstraram a profundidade da sua fé, através do alto respeito pela Eucaristia e pelos outros Sacramentos. Esse espírito é parte integrante da vida católica e da nossa tradição espiritual que deve ser reafirmada.

5. Na preparação e celebração do próximo Grande Jubileu como tempo de conversão e de reconciliação, há amplo espaço para um grande esforço de catequese em relação ao Sacramento da Penitência. Hoje é possível e necessário superar algumas aplicações superficiais das ciências humanas no acesso à formação das consciências. A Igreja na Austrália deveria convidar os católicos a redescobrirem o mistério salvífico do amor e da misericórdia do Pai, através desta experiência humana, transformadora e profundíssima que é a confissão individual e completa e a relativa absolvição. Como ressalta o Catecismo da Igreja Católica, é o único modo ordinário graças ao qual os fiéis se reconciliam com Deus e com a Igreja (cf. n. 1484). A natureza pessoal do pecado, da conversão, do perdão e da reconciliação é o motivo por que o Segundo Rito da Penitência exige a confissão pessoal dos pecados e a absolvição individual. Por este mesmo motivo, a confissão e a absolvição gerais são apropriadas somente nos casos de grave necessidade, previstos com clareza pelas normas litúrgicas e canónicas. Como primeiros responsáveis pela vida e a disciplina da Igreja, sabereis certamente explicar aos fiéis as razões teológicas, pastorais e antropológicas da prática eclesial, segundo a qual as crianças que atingiram a idade da razão recebem o Sacramento da Penitência, antes da sua primeira sagrada Comunhão (cf. cân.914). Está em jogo o respeito pela integridade da sua relação pessoal e individual com Deus.

6. Como várias vezes foi repetido durante o actual Sínodo, existe um nexo directo entre o ministério do Bispo e a condição do sacerdócio na sua Diocese, quer quanto à escolha de candidatos idóneos quer quanto ao exercício do ministério sacerdotal. Observastes uma diminuição no número daqueles que respondem ao chamamento de Deus ao sacerd ócio e à vida religiosa, de quantos exercem o ministério activo e também a idade sempre mais avançada de quantos hoje servem a Igreja. Justamente procurastes resolver este problema pastoral, com a oração e vários programas de promoção vocacional. O facto que a carência de vocações não se verifica em toda a parte com a mesma intensidade indicaria que o ideal do empenho, do serviço e do dom incondicional de si por amor de Jesus Cristo ainda fala a muitos corações, em particular lá onde os jovens encontram sacerdotes que vivem, o mais radicalmente possível, o amor do Bom Pastor que «dá a sua vida pelas ovelhas» (Jn 10,11 Pastores dabo vobis PDV 40). Hoje, a nova geração de católicos demonstra uma notável capacidade de responder à chamada a uma vida espiritual generosa e exigente, precisamente porque percebe com rapidez que a dominante cultura egocêntrica é incapaz de satisfazer as necessidades mais profundas do coração humano. Nesta busca, ela espera ser guiada. Tem necessidade de autênticas testemunhas da mensagem evangélica.

De vários modos a diminuição do número dos sacerdotes no ministério activo é contrabalançada por uma crescente participação dos leigos na vida paroquial. Os leigos, homens e mulheres, trabalham com frequência em estreito contacto com os párocos nos sectores litúrgicos, na catequese, na administração prática da paróquia e no esforço por atrair outras pessoas à Igreja, por meio da sua obra e do seu apostolado (cf. Apostolicam actuositatem AA 10). Compete ao Bispo organizar de maneira adequada esta colaboração, em particular assegurando que o pároco não seja percebido só como um ministro entre tantos, com uma particular responsabilidade pelos sacramentos, mas cuja missão doutrinal e governo são limitados pela vontade da maioria ou de uma minoria influente.

O sentido australiano de igualdade não deve ser utilizado como pretexto para privar o pároco da autoridade e dos deveres pertencentes ao seu ofício, dando a impressão de que o sacerdócio ministerial é menos essencial para a comunidade eclesial local.

Todo o Bispo reconhece a importância da proximidade aos seus sacerdotes, pois para eles é um pai que os confirma e os corrige quando é necessário. Num clima cultural dominado pelo pensamento subjectivista e pelo relativismo moral, a transmissão da fé e a apresentação do ensino e da disciplina da Igreja devem ser motivo de grave preocupação para os Sucessores dos Apóstolos. Infelizmente, o ensinamento do Magistério debate-se com reservas e dúvidas, tendência esta que é alimentada pelo interesse dos meios de comunicação social quanto à divergência, ou, nalguns casos, pela intenção de utilizar os mass media como um estratagema para constringir a Igreja a mudanças que ela não pode efectuar. A tarefa do Bispo não consiste em sair vencedor das disputas, mas em conquistar almas para Cristo, não em empenhar-se em disputas ideológicas, mas em encorajar uma luta espiritual em nome da verdade, não em preocupar-se pelo próprio êxito ou promoção, mas em proclamar e defender o Evangelho.

7. É necessário anunciar a verdade com clareza, amor e confiança, pois a verdade que proclamamos pertence a Cristo e é, de facto, a verdade a que todos anelam, independentemente de quanto possam parecer privados de interesse ou contrários a ela. O nosso colloquium salutis só produzirá bons resultados se o Espírito Santo respirar através do nosso ser e se tornar a nossa voz. Neste momento de comunhão, portanto, invoquemos aquele mesmo Espírito Santo «cuja vinda é suave», como diz São Cirilo de Jerusalém «cujo fardo é tão leve... pois Ele vem para salvar, curar, ensinar, advertir, fortalecer, exortar e iluminar a mente» (Catequese, XVI, 16). Recomendo às vossas orações e reflexões, à vossa responsabilidade e acção, o documento que sintetiza os vossos encontros com os vários Dicastérios da Santa Sé. Todos nós sabemos que o tríplice múnus episcopal de ensinar, santificar e governar é difícil e muitas vezes pesado, e que implica o sofrimento e a Cruz. Contudo, como o próprio Documento afirma: «do mistério da Cruz aprendemos uma sabedoria que transcende a nossa debilidade e os nossos limites: aprendemos que em Cristo a verdade e o amor são uma só coisa, e n'Ele encontramos o significado da nossa vocação» (n. 17).

É sobretudo a Mãe do Redentor que, com o seu Magnificat repleto de Espírito, nos leva a louvar a Deus que nos chamou «das trevas para a Sua Luz admirável» (1P 2,9). Que Maria, Auxílio dos cristãos, vele sobre o vosso País e o seu povo! Em penhor das graças e da paz n'Aquele que é sempre «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6), concedo de coração a minha Bênção Apostólica a vós, aos sacerdotes, aos religiosos e aos leigos que vivem na Austrália.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À DELEGAÇÃO DO EPISCOPADO


E DO GOVERNO DA REPÚBLICA DA CROÁCIA


15 de Dezembro de 1998



Senhor Vice-Primeiro-Ministro
Distintas Autoridades
Venerados Irmãos no Episcopado
Ilustres Senhores

Por ocasião da troca dos documentos de ratificação do Acordo entre a Santa Sé e a República da Croácia acerca de questões económicas, que teve lugar ontem neste Palácio Apostólico, vós quisestes exprimir ao Papa sentimentos de devoção e de reconhecimento. Agradeço-vos de coração. Obrigado, depois, por terdes recordado a minha segunda Visita Apostólica à Croácia, que permanece profundamente impressa no meu coração. Pela intercessão do Beato Cardeal Alojzije Stepinac, peço ao Senhor que essa Visita continue a produzir muitos frutos, para o bem de todos os membros da querida Nação croata.

Saúdo de bom grado a vossa Delegação, guiada pelo Dr. Jure Radiae, Vice-Primeiro-Ministro e Presidente da Comissão Estatal para as Relações com as comunidades religiosas. Depois, dirijo uma cordial saudação aos representantes da Conferência Episcopal Croata, presidida por Sua Excelência Reverendíssima o Senhor D. Josip Bozaniae, Arcebispo de Zagrábia.

Com o Acordo sobre as questões económicas, felizmente alcançado entre a Santa Sé e a República da Croácia, procurou-se reparar as injustiças causadas no passado pelo confisco dos bens eclesiásticos e desejou-se fornecer à Igreja Católica os meios necessários para desempenhar a sua actividade pastoral. A Igreja sempre reivindicou o direito de possuir e administrar bens materiais. Ela, porém, não pede privilégios nesse sector, mas a possibilidade de usar os meios à sua disposição para uma tríplice finalidade: «organizar o culto divino, cuidar do conveniente sustento do clero e dos demais ministros, praticar obras de sagrado apostolado e de caridade, principalmente em favor dos pobres» (cân. 1254 §2 do ). Observei com satisfação que essa finalidade indicada no Código de Direito Canónico, está bem presente também no texto do Acordo.

Ele representa também um desafio para a Igreja e para o Estado. A Igreja Católica deverá reflectir, entre outras coisas, sobre o modo adequado do sustento do clero, segundo as indicações do Concílio Vaticano II, esforçando-se por um apoio justo e digno aos seus ministros (cf. Presbyterorum ordinis PO 20-22). Ela deverá, depois, reorganizar e potenciar a própria actividade de índole social e caritativa. Por sua parte, o Estado deverá ressarcir as injustiças do passado e, reconhecendo o valor de utilidade social do trabalho da Igreja, tornar possível a sua actividade, tender a mitigar as necessidades dos irmãos menos afortunados, que devem ser objecto de particular e concorde cuidado do Estado e da Igreja.

Ao formular os melhores votos por uma correcta aplicação do Acordo, em benefício de inúmeras pessoas, de coração concedo-vos, a vós e à inteira Croácia, a Bênção Apostólica, que acompanho com os mais ardentes votos de Bom Natal. Louvados sejam Jesus e Maria!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS NOVOS EMBAIXADORES DA GUIANA,


NIGÉRIA, QUIRGUISTÃO E MONOGÓLIA


JUNTO À SANTA SÉ


17 de Dezembro de 1998



Excelências

1. É com alegria que vos recebo no momento em que apresentais as Cartas que vos acreditam como Embaixadores extraordinários e plenipotenciários das vossas Nações junto da Santa Sé: a Guiana, da qual recebo pela primeira vez o representante, a Nigéria, o Quirguistão e a Mongólia. Nesta ocasião, saúdo os Responsáveis de cada um dos vossos Países, bem como os vossos concidadãos. Agradeço profundamente aos vossos Chefes de Estado as mensagens que me dirigiram e ficar-vos-ia grato se lhes exprimísseis os meus deferentes sentimentos e os melhores votos pelas suas pessoas e pela alta missão ao serviço dos seus povos.

2. Na Bula de proclamação do Grande Jubileu, recordei a necessidade de «criar uma nova cultura de solidariedade e cooperação internacionais» (n. 12). De facto, é indispensável que, no alvorecer do Terceiro Milénio, a humanidade se empenhe decididamente neste caminho, a fim de que todos os povos conheçam uma nova esperança, numa sociedade cada vez mais equitativa.

Nesta perspectiva, renovo o meu desejo de que se reexamine o problema da dívida que pesa sobre numerosos Países pobres; isto impede que eles realizem progressos significativos em benefício do bem-estar das suas populações e leva a situações de violência muitas vezes incontroláveis. Contudo, é bom agir também com vigor nas causas do endividamento, sobretudo reduzindo as despesas inúteis e excessivas, retribuindo de maneira mais equitativa os Países produtores e fazendo com que os fundos da solidariedade internacional cheguem efectivamente às populações a que se destinam.

3. Neste ano no qual se celebra o quinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, presto homenagem aos progressos da busca de maior justiça e liberdade entre os homens e nas sociedades. Os mesmos direitos já são reconhecidos formalmente a todas as pessoas e povos. Enganá-los tornou-se para qualquer consciência um atentado intolerável à dignidade humana. Contudo, trágicas situações de injustiça, de pobreza extrema e de violação dos direitos humanos ainda são uma chaga aberta no lado da humanidade. Manifestam-se nos nossos dias novas formas de escravidão, fruto duma cultura da morte, que privam da sua liberdade e marginalizam muitos homens, mulheres e crianças. Os responsáveis das nações têm o dever de se empenhar incansavelmente a fim de fazerem desaparecer estas chagas que desvalorizam e subjugam o homem, para estabelecer relações sociais que permitam a cada um viver de forma digna e no respeito da sua natureza de filho de Deus.

4. Por fim, renovo o meu fervoroso desejo de ver instaurada em toda a parte uma paz duradoura, sobretudo no continente africano. Os combates que ainda se verificam ali só podem aumentar o espírito de ódio e de vingança entre as nações e os grupos humanos que as constituem. Desta forma, a paz é de novo ameaçada no Médio Oriente. A reconciliação, fundada no diálogo, a justiça e o direito de cada um e de todos os povos de viver na segurança e o reconhecimento das suas características, são mais do que nunca urgentes. Compete de modo particular à comunidade internacional promover aquelas soluções que levam à concórdia e à renovação da vida em sociedade e assumir as próprias responsabilidades, para evitar desvios que tornariam as populações vítimas inocentes.

5. Faço votos por que a missão que iniciais hoje junto da Santa Sé vos proporcione numerosas ocasiões para descobrir a vida e as preocupações da Igreja universal. Invoco sobre vós, as vossas famílias, os vossos colaboradores e as Nações que representais abundantes Bênçãos divinas.





Discursos João Paulo II 1998 - 5 de Dezembro de 1998