Discursos João Paulo II 1998 - 6 de Junho de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO VII GRUPO DE BISPOS DOS ESTADOS UNIDOS


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


6 de Junho de 1998





Caros Irmãos Bispos

1. Com grande alegria no Senhor dou as boas-vindas a vós, Pastores da Igreja nos Estados de Minesota, Dacota do Norte e Dacota do Sul, por ocasião da vossa visita «ad Limina». Este ano o tema das minhas reflexões com os Bispos do vosso País, ao aproximar-se o novo Milénio, é o do dever de uma renovada evangelização para a qual o Concílio Vaticano II preparou o caminho de modo maravilhoso. Hoje, desejo reflectir sobre o laicado na vida e na missão da Igreja. A nova evangelização, que pode fazer do século XXI uma primavera do Evangelho, é uma tarefa para o inteiro Povo de Deus, mas dependerá de maneira decisiva da plena consciência que os leigos tiverem da própria vocação baptismal e da sua responsabilidade em anunciar, à sua cultura e sociedade, a Boa Nova de Jesus Cristo.

Os Padres do Concílio Vaticano II prestaram particular atenção à dignidade e à missão dos leigos, exortando «no Senhor a todos os leigos que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo, que nesta hora os convida com maior insistência, e ao impulso do Espírito Santo» (Apostolicam actuositatem AA 33). Para restabelecer o equilíbrio necessário à vida eclesial, o Concílio dedicou um capítulo extremamente exaustivo da Lumen gentium ao papel dos leigos na missão salvífica da Igreja e, além disso, desenvolveu este tema no Decreto sobre o Apostolado dos Leigos (Apostolicam actuositatem ). Com particular referência às circunstâncias contemporâneas, essa missão foi especificada de modo ainda mais concreto na Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo actual (Gaudium et spes ). Nestes e noutros documentos o Concílio procurou estender o grande florescimento do apostolado leigo que tinha caracterizado as décadas precedentes. Um número sempre maior de leigos tomara a peito as palavras entusiastas do Papa Pio XII: os fiéis leigos estão na vanguarda na vida da Igreja; para eles a Igreja é o princípio vital da sociedade humana. Por isto, são precisamente eles que devem adquirir uma consciência sempre maior não só da própria pertença à Igreja, mas também do facto de serem Igreja (cf. Discurso, 20/2/1946).

2. Foi nesse contexto de vigorosa acção laical que o Concílio pôde afirmar com clareza: «É, pois, claro a todos, que os cristãos de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (Lumen gentium LG 40); o Decreto conciliar sobre o Apostolado dos Leigos esclarece que estes são chamados a exercer o apostolado na Igreja e no mundo (cf. Apostolicam actuositatem AA 5). Os leigos, homens e mulheres, têm de facto respondido a esta chamada. Em toda a parte houve um florescimento de várias formas de participação laical na vida e na missão da Igreja. Muito foi feito para explorar de maneira mais profunda as bases teológicas da vocação e da missão dos leigos. Este desenvolvimento alcançou uma certa maturidade em 1987 no Sínodo dos Bispos sobre o papel dos leigos, com a consequente Exortação Apostólica pós-sinodal Christifideles laici, publicada a 30 de Dezembro de 1988. O Sínodo indicou modos concretos para que o rico ensinamento da Igreja sobre o estado laical pudesse ser posto ulteriormente em prática. Um dos resultados foi a instituição de vários ministérios e carismas no âmbito de uma eclesiologia de comunhão (cf. Christifideles laici CL 21). Ocupou-se do papel específico dos leigos, não como extensão ou derivação do papel clerical e hierárquico, mas em relação à verdade fundamental, segundo a qual todos os baptizados recebem a mesma graça santificante, a graça da justificação, por meio da qual cada um se torna uma «nova criatura, um filho adoptivo de Deus», «participante da natureza divina, membro de Cristo e co-herdeiro com Ele, templo do Espírito Santo» (Catecismo da Igreja Católica CEC 1265). Todos os fiéis, quer ministros ordenados quer leigos, formam juntos o único Corpo do Senhor. «Não há mais grego nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas Cristo, que é tudo em todos» (Col 3,11).

Estamos a assistir ao retorno de uma autêntica teologia do laicado, baseada no Novo Testamento, no qual a Igreja, Corpo de Cristo, é o conjunto da raça eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o Povo de Deus (cf. 1P 2,9), e não uma parte dele. São Paulo recorda-nos que o crescimento do corpo depende do facto que todos os membros desempenham o próprio papel: «Praticando a verdade, cresceremos em todas as coisas pela caridade n'Aquele que é a Cabeça, o Cristo. É por Ele que o Corpo inteiro, coordenado e unido, por meio de todas as junturas, opera o seu crescimento orgânico segundo a actividade de cada uma das partes, a fim de se edificar na caridade» (Ep 4,15-16). Ao preparar-se para aquele grande evento eclesial que foi o Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII ficou tão impressionado com estas palavras, que declarou que mereciam ser gravadas nos umbrais do Concílio (cf. Discurso de Pentecostes, 5/6/1960).

Numa eclesiologia de comunhão, a estrutura hierárquica da Igreja não é uma questão de poder, mas de serviço, completamente ordenado para a santidade dos membros de Cristo. O tríplice dever de ensinar, santificar e governar, confiado a Pedro, aos Apóstolos e aos seus sucessores, «não tem em vista senão formar a Igreja nesse ideal de santidade, que já é preformado e prefigurado em Maria» (Discurso à Cúria Romana, 22/12/1987, n. 3). A dimensão mariana da Igreja é anterior à dimensão petrina ou hierárquica, «além de mais elevado e preeminente, mais rico de implicações pessoais e comunitárias para cada uma das vocações eclesiais» (ibidem).

Menciono estas verdades bem conhecidas porque em toda a parte na Igreja, e não só no vosso País, assistimos ao difundir-se de uma nova e vigorosa espiritualidade laical e à presença dos magníficos frutos do maior empenho dos leigos na vida da Igreja. Ao aproximar-se o Terceiro Milénio cristão, é de fundamental importância que o Papa e os Bispos, plenamente conscientes do próprio e particular ministério de serviço no Corpo Místico da Igreja, continuem a «criar e alimentar uma tomada de consciência mais decidida do dom e da responsabilidade que todos os fiéis leigos, e cada um deles em particular, têm na comunhão e na missão da Igreja» (Christifideles laici CL 2).

3. A renovação litúrgica que o Concílio ardentemente desejou e promoveu, concretizou-se numa participação mais assídua e intensa dos fiéis leigos nas tarefas que lhes são próprias na assembleia litúrgica. Uma participação plena, activa e consciente na liturgia deveria dar vida a um testemunho leigo mais vigoroso no mundo e não a uma confusão de papéis no âmbito da comunidade de culto. Existe uma distinção fundamental, baseada na vontade do próprio Cristo, entre o ministério ordenado, que deriva do Sacramento da Ordenação, e as funções dos leigos, fundadas nos sacramentos do Baptismo, da Confirmação e sobretudo do Matrimónio. O intento da recente Instrução interdicasterial acerca de algumas questões sobre a colabora ção dos fiéis leigos no sagrado minist ério dos sacerdotes, publicada pela Santa Sé, foi reafirmar e esclarecer as normas canónicas e disciplinares que regulam esta área, indicando as importantes directrizes a respeito dos relativos princípios teológicos e eclesiológicos. Exorto-vos a garantir que a vida litúrgica das vossas comunidades seja guiada e governada pela graça de Cristo que actua na Igreja, que o Senhor quis como comunhão hierárquica. A distinção entre o sacerdócio dos fiéis e o ministerial deve ser sempre respeitada, pois ela «pertence à forma constitutiva que Cristo imprimiu na Igreja de modo indelével» (Discurso ao Simpósio sobre a «Participação dos fiéis leigos no ministério presbiteral» 22/4/1994, n. 5).

4. Como ressaltaram os Padres do Sínodo sobre os Leigos em 1987, é uma inadequada interpretação do papel dos leigos, que leva estes homens e mulheres a reservar um interesse tão forte pelos serviços e tarefas eclesiais, de tal sorte que chegam frequentemente a uma abdicação prática das suas responsabilidades específicas no mundo profissional, social, económico, cultural e político (cf. Christifideles laici CL 2). A primeira exigência da nova evangelização é o autêntico testemunho dos cristãos que vivem segundo o Evangelho: «Brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai, que está nos Céus» (Mt 5,16). Dado que os leigos estão na vanguarda da missão eclesial de evangelizar todas as áreas da actividade humana, inclusive os lugares de trabalho, o mundo da ciência e da medicina, o mundo da política e o diversificado mundo da cultura, eles devem ser bastante fortes e suficientemente formados na catequese, para «dar testemunho de como a fé cristã constitui a única resposta plenamente válida para os problemas e as esperanças que a vida põe a cada homem e a cada sociedade» (Christifideles laici CL 34). Como disse o meu predecessor Papa Paulo VI «um cristão ou punhado de cristãos que, no seio da comunidade humana em que vivem, manifestam a sua capacidade de compreensão e de acolhimento, a sua comunhão de vida e de destino com os demais, a sua solidariedade nos esforços de todos para tudo aquilo que é nobre e bom. Assim, eles irradiam, dum modo absolutamente simples e espontâneo, a sua fé em valores que estão para além dos valores correntes, e a sua esperança em qualquer coisa que se não vê e que não se seria capaz sequer de imaginar. Por força deste testemunho sem palavras, estes cristãos fazem aflorar no coração daqueles que os vêem viver, perguntas indeclináveis: por que é que eles são assim? Por que é que eles vivem daquela maneira? O que é – ou quem é – que os inspira? Por que é que eles estão connosco? Pois bem: um semelhante testemunho constitui já proclamação silenciosa, mas muito valorosa e eficaz da Boa Nova» (Evangelii nuntiandi EN 21).

Através da graça de Deus, as vossas Igrejas particulares recebem o dom de homens e de mulheres desejosos de viver uma vida plenamente cristã e de trabalhar pelo Reino de Cristo no mundo que os circunda. O Bispo não deve deixar faltar-lhes a guia pastoral. No vosso governo deveis fazer com que todos compreendam a importância da formação e da catequese para os adultos, da oração e da prática sacramental, de um empenho real pela evangelização da cultura, e da aplicação da doutrina moral e social da Igreja na vida pública e privada.

5. O sector imediato, e em muitos sentidos importantíssimo do testemunho cristão dos leigos, é constituído pelo matrimónio e pela família. Lá onde a vida familiar é forte e sadia, o sentido de comunidade e de solidariedade é também forte, e isto contribui para a promoção daquela «civilização da vida e do amor», que deve ser o objectivo de cada um. Ao contrário, lá onde a família é débil, todas as relações humanas estão expostas à instabilidade e à fragmentação. Hoje, a família está submetida a muitas pressões: «a família» encontra-se «no centro do grande combate entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre o amor e quanto a este se opõe. À família está confiado o dever de lutar sobretudo para libertar as forças do bem, cuja fonte se encontra em Cristo Redentor do homem» (Carta às Famílias LF 23). Numa época em que as definições mesmas de matrimónio e de família são postas em perigo pelas tentativas de consagrar a nível legislativo concepções alternativas e distorcidas destas comunidades humanas fundamentais, o vosso ministério deve incluir a clara proclamação da verdade do desígnio originário de Deus.

Visto que a família cristã é a «igreja doméstica», os cônjuges devem ser ajudados a relacionar de modo concreto a própria vida familiar com a missão e a vida da Igreja (cf. Familiaris consortio FC 49). A paróquia deveria ser a «família das famílias» contribuindo com todos os meios possíveis para alimentar a vida espiritual dos pais e dos filhos, através da oração, da Palavra de Deus, dos Sacramentos e do testemunho de santidade e de caridade. Os Bispos e os sacerdotes deveriam ser desejosos de ajudar e encorajar de todos os modos as famílias, e oferecer o próprio apoio aos grupos e às associações que promovem a vida familiar. É importante que a Igreja local satisfaça as necessidades de pessoas que vivem em situações problemáticas, mas a planificação pastoral deveria também prestar adequada atenção às necessidades das famílias comuns, que procuram viver a própria vocação. Estas famílias são a espinha dorsal da sociedade e a esperança da Igreja: os principais promotores da vida familiar cristã são os esposos e as próprias famílias, que têm a particular responsabilidade de se porem ao serviço de outros esposos e de outras famílias.

6. Neste ano comemora-se o trigésimo aniversário da publicação da Encíclica Humanae vitae, do meu predecessor Papa Paulo VI. A verdade sobre a sexualidade humana e o ensinamento da Igreja sobre a santidade da vida humana e a paternidade e maternidade responsáveis, devem ser apresentados à luz da evolução teológica, que se verificou depois da publicação desse documento, e à luz das experiências de cônjuges que têm seguido este ensinamento de maneira fiel. Muitos casais puderam experimentar como os métodos naturais de planificação familiar promovem o respeito recíproco, encorajam a ternura entre os esposos e contribuem para o desenvolvimento de uma autêntica liberdade interior (cf. Catecismo da Igreja Católica CEC 2370 Humanae vitae, 21). A sua experiência merece ser compartilhada, porque é a confirmação viva da verdade ministrada pela Humanae vitae. Além disso, cresce a consciência dos graves danos causados às relações matrimoniais pelo recurso aos métodos artificiais de contracepção que, impedindo inevitavelmente o dom total de si, intrínseco ao acto conjugal, anula o seu significado procriador e enfraquece o seu significado unitivo (cf. Evangelium vitae EV 13).

Com coragem e compaixão, os Bispos, os sacerdotes e os leigos católicos devem captar a oportunidade para propor aos filhos e filhas da Igreja, e à sociedade inteira, a verdade sobre o dom especial representado pela sexualidade humana. As falsas promessas da «revolução sexual» manifestam-se agora dolorosamente no sofrimento humano, causado pela taxa de divórcios sem precedentes, pela praga do aborto e pelos seus efeitos duradouros sobre aqueles que por ele são envolvidos. Todavia, o ensinamento do Magistério, o desenvolvimento da «teologia do corpo» e a experiência dos cônjuges católicos deram aos católicos nos Estados Unidos uma oportunidade única, poderosa e convincente de levar a verdade sobre a sexualidade humana a uma sociedade, que dela tem extrema necessidade.

7. A realidade multicultural da sociedade americana é uma fonte de enriquecimento para a Igreja, mas lança também desafios à acção pastoral. Muitas dioceses, por causa da imigração passada e ainda em curso, se caracterizam por uma forte presença hispânica. Os fiéis hispânicos trazem à Igreja local os seus dons particulares, não último dos quais a vitalidade da sua fé e o profundo sentido dos valores familiares. Eles enfrentam também enormes dificuldades e vós estais a fazer grandes esforços, a fim de que haja sacerdotes e outras pessoas adequadamente formadas para oferecer a solicitude pastoral e os serviços necessários às famílias e às comunidades das minorias. Diante do proselitismo extremamente activo de outros grupos religiosos, a instrução na fé, a edificação de comunidades vitais, a atenção para com as necessidades das famílias e dos jovens, a promoção da oração pessoal familiar, uma vida litúrgica e espiritual concentrada na Eucaristia e na autêntica devoção mariana são todos elementos essenciais (cf. Discurso aos Hispânicos na Praça Nossa Senhora de Guadalupe, em Santo António, 13/9/1987).

Os fiéis hispânicos deveriam ser capazes de perceber que o seu lugar natural, a sua morada espiritual, está no centro da comunidade católica.

O mesmo se deveria dizer a respeito dos membros da comunidade afro-americana, que constituem também eles uma presença vital em todas as vossas Igrejas. O seu amor pela Palavra de Deus é uma bênção especial a conservar. Os Estados Unidos realizaram grandes progressos ao libertar-se dos preconceitos raciais, mas é necessário fazer esforços constantes a fim de que os católicos negros participem plenamente na vida da Igreja.

Nas vossas Dioceses, como noutras partes dos Estados Unidos, há nativos americanos, orgulhosos descendentes dos povos originários do vosso País. Encorajo os vossos esforços em ordem a oferecer-lhes uma solicitude espiritual, a sustentá-los enquanto lutam para conservar as boas e nobres tradições da sua cultura e a estar ao lado deles para evitar os efeitos negativos da marginalização, pela qual têm sofrido há tanto tempo. Na única Igreja de Cristo encontram lugar todas as culturas e todas as raças.

8. Por fim, desejo exprimir-vos a grande alegria que experimentei no final da semana passada, na Praça de São Pedro, por ocasião do Encontro com muitíssimos leigos dos vários movimentos e das diversas comunidades eclesiais, que representam um dom providencial do Espírito Santo à Igreja do nosso tempo. Estes movimentos e estas comunidades compartilham um forte empenho em prol da vida espiritual e do impulso missionário. Como instrumentos de conversão e de autêntico testemunho evangélico, prestam um serviço magnífico ajudando os membros da Igreja a responderem à chamada universal à santidade e à sua vocação de transformar as realidades terrenas, à luz dos valores evangélicos de vida, liberdade e amor. Eles representam uma fonte autêntica de renovação e de evangelização e, por este motivo, deveriam ocupar um lugar importante no vosso discernimento e nos vossos planos pastorais.

Uma extraordinária e surpreendente nova primavera para a Igreja florescerá da fé dinâmica, da esperança viva e da caridade activa dos leigos, homens e mulheres, que abrem o próprio coração à presença doadora de vida do Espírito Santo. Como Bispos, a nossa missão consiste em ensinar, santificar e governar no nome de Cristo, procurando sempre tornar fecundos os dons e as qualidades dos fiéis a nós confiados. Exorto-vos a encorajar todos a ocuparem o próprio lugar na Igreja e a tornarem-se sempre mais pessoalmente responsáveis da sua missão. Dedicai uma atenção particular ao fortalecimento da vida familiar, como condição essencial do bem-estar dos indivíduos e da sociedade! Utilizai os recursos espirituais das várias culturas presentes na Igreja nos Estados Unidos e orientai-os para uma autêntica renovação de todo o povo de Deus! Ao confiar o vosso ministério episcopal à intercessão de Maria, Auxílio dos Cristãos, oro pelos sacerdotes, os religiosos e os leigos das vossas Dioceses e, de coração, concedo a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PAIS DAS ESCOLAS CATÓLICAS ITALIANAS


Sábado, 6 de Junho de 1998





Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É-me particularmente grato encontrar-me com a vossa delegação, aqui vinda em representação da inteira Associação de Pais das Escolas Católicas. Dirijo a minha saudação ao Presidente, Dr. Stefano Versari, a quem agradeço as cordiais palavras que quis expressar-me em nome dos presentes. A vossa Associação põe-se ao serviço da família e da escola católica, promovendo os valores da educação integral, da liberdade e do diálogo, valores fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade autenticamente democrática.

A família e a escola católica: eis duas realidades sociais, para as quais é muito frequente a solicitude da Igreja. Poder-se-ia dizer que a vossa Associação constitui como que uma síntese dessas realidades, propondo-se garantir às jovens gerações as condições necessárias para crescer e maturar na vida espiritual, cultural e civil.

Nos últimos vinte anos a Associação contribuiu na Itália, de modo considerável, para superar uma longa história de esquecimento da escola católica e para pôr à atenção do mundo político e da opinião pública o problema da liberdade da educação. Estou certo que a recente aprovação dos novos Estatutos por parte da Conferência Episcopal Italiana favorecer á ainda mais esse vosso empenho, sobretudo orientado para a formação dos pais.

A atenção à dimensão formativa resulta, com efeito, particularmente urgente, porque a vós é pedido não só reivindicar direitos, mas sobretudo participar de maneira criativa e construtiva na vida da escola católica, em âmbito eclesial, educativo e social.

2. A vossa é uma associação eclesial. Essa característica exige que a obra por ela desenvolvida, embora se cumpra prioritariamente no âmbito educativo, jamais perca de vista o anúncio salvífico e a missão evangelizadora da Igreja. A participação na vida da comunidade cristã ajuda os pais crentes a cumprirem plenamente a sua tarefa educativa, fazendo da sua família uma «pequena igreja», chamada a testemunhar os valores do Reino de Deus nas instituições humanas.

Na comunidade eclesial os pais, ao experimentarem a superabundante riqueza dos dons do Espírito Santo, serão capazes de se abrir às perspectivas do Evangelho e às necessidades da humanidade e, graças a um sereno discernimento comunitário, poderão empenhar-se em serviços específicos em benefício do crescimento integral das novas gerações.

Na Carta às Famílias eu recordava que os pais são «os primeiros e principais educadores dos próprios filhos» e que tendo «neste campo uma competência fundamental... eles partilham a sua missão educadora com outras pessoas e instituições, tais como a Igreja e o Estado; todavia, isto deve verificar-se sempre na correcta aplicação do princípio de subsidiariedade», isto é, no respeito da diversidade das tarefas e das responsabilidades (n. 16). Os problemas que investem as estruturas escolares, o mal-estar dos alunos e os sinais de separação entre a escola e a sociedade encontram muitas vezes os pais despreparados e perplexos. A respeito disso, resulta mais que nunca profícuo o papel das associações de pais, que os ajudam a exercer a responsabilidade educativa e a realizar uma colaboração construtiva com a instituição escolar. Na escola católica essa colaboração funda-se sobre o projecto educativo inspirado de maneira cristã, que permite aos pais verificar as suas opções e à institui ção escolar definir sempre melhor a própria identidade e a proposta cultural e pedagógica. É necessário, portanto, que a escola católica dedique particular cuidado à formação dos pais, a fim de que eles possam adquirir consciência das suas tarefas e competências específicas. A presença organizada dos pais no seio da escola católica constitui um elemento fundamental para a plena realização do seu projecto formativo.

3. Os pais são portadores da sensibilidade e das expectativas presentes na sociedade; eles são como que a ponte natural entre a escola católica e a realidade circunstante. Portanto, é tarefa sua apresentar à escola as instâncias relativas às orientações a oferecer aos seus filhos, e compartilhar com o corpo docente aquelas intervenções formativas específicas, para as quais a família é chamada a concorrer de maneira responsável.

A característica de «ponte» entre escola e sociedade exige, além disso, que os pais e as suas associações levem à atenção dos políticos os problemas que concernem à educação dos filhos e à escola católica, intervindo nas mudanças em curso na sociedade e na definição dos projectos de reformas do sistema escolar italiano.

Neste contexto, renovo os votos por que se chegue quanto antes a aprovar também na Itália uma lei paritária, que reconheça, como em muitos outros Países da Europa e do mundo, o precioso serviço prestado pela escola católica e garanta aos pais a plena liberdade de escola de orientação educativa para os próprios filhos.

Caros pais, as escolas frequentadas pelos vossos filhos surgiram do carisma e da intuição muitas vezes profética de homens e mulheres, que deixaram na Igreja uma esteira luminosa de santidade. Desejo-vos que a redescoberta das maravilhas operadas pelo Espírito Santo nas suas vidas vos sustente no quotidiano esforço de orientar os vossos filhos para os perenes valores do Evangelho e para a pessoa viva de Cristo. Faço votos, depois, por que a escola católica saiba acolher e valorizar o vosso carisma de pais.

Com estes votos, confio-vos à protecção da Virgem Maria e de São José, modelos dos pais cristãos, e ao encorajar- vos a prosseguir no vosso louvável serviço à escola católica, abençoo todos vós com afecto. Redescobrir os valores humanos inatos que ninguém pode destruir



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO VIII CENTENÁRIO


DA APROVAÇÃO DA REGRA DA ORDEM


DA SANTÍSSIMA TRINDADE


(TRINITÁRIOS)






Ao Rev.do Padre JOSÉ HERNÁNDEZ SÁNCHEZ
Ministro-Geral da Ordem da Santíssima Trindade

1. A benemérita Ordem dos Trinitários recorda neste ano o VIII centenário da aprovação da própria Regra de vida. Foi de facto em 1198 que, com a Bula «Operante divinae dispositionis clementia » de 17 de Dezembro, o meu Predecessor Inocêncio III, acolhendo de bom grado os desejos do Frei João da Mata, confirmava o documento fundamental que instituía na Igreja uma Fraternidade, com a finalidade de resgatar quantos se encontravam encarcerados por causa da fé em Cristo.

Uno-me de bom grado à alegria de todos vós por esta feliz comemoração. Antes de tudo saúdo-o, Reverendíssimo Ministro-Geral e, enquanto renovo a expressão do apreço da Santa Sé pela actividade apostólica realizada por essa Ordem e pela inteira Família Trinitária, formulo os bons votos por que o evento jubilar seja, para todos aqueles que seguem as pegadas de São João da Mata, motivo e ocasião para uma renovada fidelidade ao próprio carisma, bebendo das revigorantes fontes da espiritualidade das origens.

2. Esta fausta celebração jubilar inscreve-se providencialmente no caminho de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, que comemorará a encarnação do Filho de Deus, que veio «trazer a Boa Nova aos que sofrem, a curar os de coração despedaçado, a anunciar a amnistia aos cativos e a liberdade aos prisioneiros; a proclamar um ano de graças da parte do Senhor» (Is 61,1-2).

A vossa Ordem fez da libertação dos oprimidos e do amor pelos pobres um traço qualificante da própria missão na Igreja e no mundo, seguindo com fidelidade o santo Fundador que, ao obedecer a uma chamada interior, se sentiu impelido a trabalhar pela salvação dos escravos cristãos e pelo serviço humilde e generoso aos pobres, como testemunho de louvor e alegria à Santíssima Trindade.

Com a Ordem Trinitária a cristandade instaurou um contacto humanitário com o mundo do Islão; antes, o próprio Inoc êncio III apresentou a chefes do mundo muçulmano a obra redentora e libertadora do vosso Instituto, inaugurando assim um diálogo que tinha como objecto a prática das obras de misericórdia (cf. Arq. Vat. Reg. Vat., vol. 4, fol. 148rv, an. II, n. 9).

À distância de oito séculos, tão singular carisma continua a propor-se como extraordinariamente actual no hodierno contexto social multicultural, marcado por tensões e desafios às vezes também dramáticos. Ele empenha os Trinitários a determinarem, com coragem e audácia missionária, vias sempre novas de evangelização e de promoção humana, assim como o fez João da Mata ao longo de toda a sua existência.

Ele «procurava incansavelmente a vontade de Deus». Durante a sua primeira Santa Missa, no momento da consagração, teve a visão de Cristo Redentor que segurava nas mãos dois escravos – um branco e outro negro – aos quais oferecia a liberdade redentora. Isto acontecia no ano de 1193. O evento, fixado num mosaico artístico por volta do ano de 1210, é ainda agora visível no portal da casa de S. Tomás em Fórmia, concedida por Inocêncio III ao próprio Fundador. Desta inspiração divina brotou nele o desejo de se ocupar dos escravos.

Para reflectir sobre a revelação e maturar o seu projecto, o Frei João retirou-se para a solidão de Cerfroid, onde encontrou Félix de Valois e outros eremitas. Com a ajuda deles e a dos Bispos de Meaux e de Paris e do Abade de São Víctor, elaborou e experimentou a Regra Trinitária, que em 1198 submeteu à aprovação do Sucessor de Pedro.

3. A Santíssima Trindade, fonte, modelo e finalidade da inteira existência: eis o coração da vossa espiritualidade. A vossa Regra inicia, com efeito, com as palavras «No nome da santa e indivisa Trindade», pondo em evidência como a fé neste Mistério fundamental penetra a inteira existência de quem, como o vosso Fundador, escolhe seguir de maneira radical o Filho de Deus. Desta fonte inexaurível de amor brota a vossa missão em favor dos escravos e dos pobres que vós, com toda a razão, viveis como um prolongamento da acção redentora de Cristo.

A contemplação dos mistérios da Trindade e da Redenção alimenta e orienta o vosso ministério apostólico, impelindo-vos a compartilhar cada dom espiritual e material recebido, até fazer da vida uma oblação de amor para o resgate das vítimas de todas as escravidões materiais e espirituais.

Oxalá cada uma das vossas obras seja um cenáculo de louvor a Deus Uno e Trino e um centro de gratuita doação aos irmãos.

4. A história plurissecular da Ordem testemunha que a vossa missão é sempre actual, apesar do mudar das situações sociais e políticas. Os exemplos de santidade e de martírio, que enriquecem a vossa Família religiosa, são a comprovação da validade do vosso carisma. É tarefa dos actuais discípulos de São João da Mata e de Félix de Valois fazerem-se anunciadores do Mistério trinitário no nosso mundo socorrendo, como modernos apóstolos de libertação para o homem contemporâneo, aquele que corre o perigo de permanecer prisioneiro de escravidões menos visíveis mas não menos trágicas e opressivas.

Estamos na vigília de um novo milénio cristão: esta perspectiva constitua um ulterior encorajamento para vós, a fim de fazerdes resplandecer entre os homens de hoje o rosto misericordioso de Deus, que nos foi revelado na encarna ção de Cristo. Sereis assim corajosos defensores da dignidade de todo o ser humano. A esta vossa tarefa una-se a inteira Família dos Trinitários nas suas diversas componentes – Monjas, Irmãs, Instituto Secular, Ordem Secular, Laicado – traduzindo em concreto empenho eclesial a reflexão sobre o específico carisma trinitário, desenvolvida nestes anos à luz do Concílio Vaticano II.

Ser epifania de Cristo Redentor entre os homens de hoje, testemunhas críveis através das quais Deus age e revela o Seu amor misericordioso e redentor: eis ainda a vossa missão. Com esta finalidade prestais um serviço de misericórdia e de redenção aos excluídos e oprimidos da nossa sociedade e, de modo particular, aos perseguidos ou discriminados por causa da fé religiosa, da fidelidade à própria consciência ou aos valores do Evangelho. A vossa acção será eficaz na medida em que seguirdes as pegadas de Jesus, fazendo delas o vosso estilo de vida no constante empenho de anunciar a cada homem a alegre e libertadora «boa nova» do Reino.

5. Reverendíssimo Ministro-Geral, os discípulos de São João da Mata nos oito séculos transcorridos sintetizaram a sua espiritualidade e a sua acção apostólica no lema: Gloria Tibi Trinitas et captivis libertas. Nos complexos cenários da sociedade contemporânea, este lema continue a guiar o vosso ministério e a vossa actividade. Sustente-vos uma constante e fervorosa oração, graças à qual possais beber nas inexauríveis reservas de luz e de amor presentes nos abismos insondáveis da vida trinitária.

Esteja ao vosso lado a Virgem Maria, Tabernáculo da Santíssima Trindade, e implore ao seu Filho divino abundantes graças e consolações espirituais para cada membro da vossa grande Família espiritual.

Com estes sentimentos, asseguro para cada um a minha afectuosa recordação junto do altar do Senhor e a todos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 7 de Junho de 1998, Solenidade da Santíssima Trindade, vigésimo ano de Pontificado.




Discursos João Paulo II 1998 - 6 de Junho de 1998