Discursos João Paulo II 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA 59ª ASSEMBLEIA


SEMESTRAL DA R.O.A.C.O.


16 de Junho de 1998





Senhor Cardeal
Venerados Coirmãos no Episcopado e no Sacerdócio
Estimados Membros e Amigos da R.O.A.C.O.

1. Apresento a todos vós as minhas cordiais boas-vindas, por ocasião da vossa visita durante a segunda Assembleia anual da R.O.A.C.O. Saúdo, antes de tudo, o Senhor Cardeal Achille Silvestrini e agradeço-lhe as cordiais palavras, com que quis exprimir os vossos sentimentos, indicando ao mesmo tempo as múltiplas actividades em que estais empenhados.

Com ele saúdo o Secretário da Congregação para as Igrejas Orientais, o Arcebispo D. Miroslav Stefan Marusyn, a quem renovo a minha cordial felicitação pelo 50° aniversário de Ordenação sacerdotal. A minha saudação estende-se depois ao Subsecretário, Mons. Cláudio Gugerotti, a todos os Oficiais e ao Pessoal do Dicastério e, de igual modo, aos Membros e aos Amigos da R.O.A.C.O.

Ao dirigir o olhar para os territórios aos quais dedicais a vossa solicitude, não posso deixar de reafirmar os bons votos de um solução justa e pacífica das tensões emersas nas semanas passadas entre a Etiópia e a Eritreia. Digne-se o Senhor iluminar os responsáveis das Nações irmãs e todos aqueles que se esforçam, com generosidade, na busca de uma composição negociada das respectivas exigências.

2. Celebrámos há pouco, com grande alegria da Igreja inteira, a proclamação de dois novos Beatos ligados às Igrejas Orientais, os quais testemunharam com amor e coragem a sua plena fidelidade a Cristo e à Igreja católica.

Trata-se, em primeiro lugar, do Mártir Vicente Eugénio Bossilkov, Bispo e religioso passionista, beatificado a 15 de Março passado. Mensageiro intrépido da cruz de Cristo, ele é uma das inúmeras vítimas que o regime comunista ateu sacrificou, na Bulgária como noutras partes, na sua vontade de exterminar a Igreja. Hoje ele propõe-se a nós e aos filhos da Igrejas do Oriente como exemplar e luminosa figura, não só pela sua vasta cultura, mas sobretudo pelo constante anseio ecuménico e a heróica dedicação em defesa do seu rebanho, no apego à Sé de Pedro.

No monge Nimatullah Kassab Al-Hardini, da Ordem Libanesa Maronita, elevado às honras dos altares no dia 10 de Maio passado, eu quis recordar a todos o valor da vida monástica. Como tive a ocasião de dizer naquela feliz circunstância, o novo Beato é um sinal de esperança para todos os cristãos no Líbano, mas é também um convite para que aquela Nação, que tive a alegria de visitar precisamente há um ano, possa continuar a ser rica de testemunhas e de santos, propondo-se, graças à generosa inculturação da fé, como terra em que florescem a justiça, a paz e a convivência. O Beato Al-Hardini é uma ilustre testemunha do monaquismo, entendido como exemplaridade de vida baptismal. Espero que ele seja para os jovens e as jovens das Igrejas católicas orientais um encorajamento a recuperarem a sua identidade, a viverem plenamente a riqueza das suas tradições, a haurirem com sabedoria da Liturgia divina e da contemplação a força do Mistério que salva.

3. Escrevi na Orientale lumen: «Quando Deus chama de uma forma total como na vida monástica, então a pessoa pode atingir o ponto mais elevado de tudo aquilo que a sensibilidade, cultura e espiritualidade são capazes de exprimir... Para as Igrejas Orientais o monaquismo constituiu uma experiência essencial e que ainda hoje floresce nelas, logo que termina a perseguição e os corações podem elevar-se livremente para os céus» (n. 9).

Faço votos por que esta exemplaridade constitua uma referência válida para todos os seminaristas, os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, que também em Roma se estão a preparar, no discernimento vocacional, para as suas tarefas eclesiais e para os quais a Congregação para as Igrejas Orientais muito dedica das suas energias.

Faz parte deste empenho do Dicastério a instituição do Colégio São Bento, onde sacerdotes, de ritos diversos mas de língua árabe, encontram um lugar adequado para os estudos, a oração e um oportuno confronto com novas experiências pastorais. A reestruturação do precedente Seminário Ucraniano Menor na «Via Boccea», com a criação do Pontifício Instituto Ucraniano Santa Maria do Patrocínio, consentirá acolher proximamente de novo candidatos ao sacerdócio, que estão a aperfeiçoar os seus estudos nas disciplinas eclesiásticas. Também as estruturas que se estão a predispor para a formação teológica e a qualificação pastoral das religiosas orientais, que para isto são enviadas a Roma, concorrerão para responder a uma urgência já iniludível.

Exorto-vos, estimados Amigos da R.O.A.C.O., a compartilhar sempre mais com a vossa participação esta fundamental actividade de formação, expressa para com aqueles que serão os guias das Comunidades católicas no Oriente.

4. Estamos a caminhar rumo ao Grande Jubileu do Ano 2000 e o próximo ano de 1999 será consagrado à reflexão sobre o Pai celeste. Concluir-se-á, assim, esta imediata preparação para o evento jubilar que nos convida a encontrar- nos, com renovada fidelidade e aprofundada conversão, às margens do «rio» da Revelação, do cristianismo e da Igreja, que corre através da história da humanidade a partir de quanto aconteceu há dois mil anos em Nazaré e, depois, em Belém. É verdadeiramente o «rio» que, com os seus «canais», segundo a expressão do Salmo, «alegra a cidade de Deus» (46[45], 5).

A atitude dos cristãos para com a Terra Santa desenvolveu-se de modo análogo ao da história da oração litúrgica da Igreja: assim como o ano litúrgico distribuiu gradualmente em dias diversos quanto já estava contido no Domingo, Páscoa da semana, assim também os lugares onde viveu e actuou o nosso Salvador se tornaram os traços de um singular itinerário espiritual, que ajuda a repercorrer os passos de Deus, que Se fez homem e vítima de amor para a salva ção do mundo.

A ajuda e o apoio à Terra Santa não são apenas em função da recordação dos lugares e tempos em que viveu o Senhor Jesus: eles têm em vista sobretudo alimentar nos fiéis uma atitude espiritual que, naquele que a vive com intensidade interior, se traduz num caminho de fé rumo àquele ápice de toda a experiência cristã, que o Apóstolo das gentes exprime nas palavras: «Mihi vivere Christus est».

5. Sei que através das competências de cada Agência, a Congregação para as Igrejas Orientais, juntamente com a Custódia da Terra Santa, realiza uma actividade de síntese e recordação da caridade de todos. A vós está confiada a tarefa de estar presentes, em nome da cristandade, na sustentação da vida eclesial e no socorro às necessidades socioculturais daqueles lugares, que são caros ao coração de quantos crêem no Verbo de Deus encarnado. Renovo a vós, e por vosso intermédio à Igreja inteira espalhada pelo mundo, o convite a manter alto o empenho ao serviço da Terra de nosso Salvador.

Acompanhe-vos neste vosso trabalho a constante assistência divina e a materna protecção da Virgem de Nazaré. Também eu estou junto de vós e, de coração, concedo-vos a minha Bênção, que de bom grado faço extensiva às Obras que aqui representais e a todos os destinatários da vossa actividade.



DISCURSO DO SANTO PADRE

AOS PEREGRINOS DA DIOCESE DE PRZEMYSL

(POLÓNIA)


18 de Junho de 1998





1. Apresento cordiais boas-vindas a vós reunidos na Sala Paulo VI em tão grande número. De modo particular saúdo o Arcebispo D. Józef, vosso Pastor, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu no início deste encontro. Saúdo também o Bispo Auxiliar, D. Stefan, que está aqui connosco, assim como os representantes do clero, das Ordens religiosas, dos alunos do Seminário Maior e de todos os fiéis da Igreja de Przemysl e da terra de Podkarpacie, por mim bem conhecida e tão querida ao meu coração. Em espírito uno-me também aos Bispos Eméritos, D. Ignacy e D. Boleslaw, e deste lugar quero enviar-lhes hoje a minha saudação e a certeza da oração. Dirijo as minhas boas-vindas também aos representantes das Autoridades provinciais e das cidades de Przemysl e de Krosno.

Viestes a Roma, aos Túmulos dos Santos Apóstolos, como peregrinos, para consolidar a vossa fé e aprender a dar testemunho de Cristo. Seguis as pegadas dos primeiros cristãos que, com o martírio, selaram a sua fidelidade ao Evangelho precisamente nesta Cidade. O encontro hodierno traz-me à mente os dois dias da minha permanência em Dukla e em Krosno, por ocasião da minha visita do ano passado à vossa arquidiocese. Foi comovente o retorno, após tantos anos, aos homens e aos lugares que conheço tão bem, tendo-os antes frequentado numerosas vezes. A terra de Bieszczady encantava-me sempre com a sua extraordinária beleza que, no âmbito natural, é o reflexo da proximidade de Deus. Conservo no profundo do meu coração os momentos da nossa comum oração. Hoje trazeis-me convosco, num certo sentido, uma pequena parte da nossa Pátria, e antes de tudo a recordação de João de Dukla, «este grande tesouro da vossa terra», que a Providência me concedeu proclamar Santo da Igreja universal, precisamente em Krosno.

2. «Alegrai-vos, justos, no Senhor» (Sl 97[96], 12).

Na Liturgia da palavra prevista para hoje, o Salmista exorta-nos à alegria. Temos esta alegria, porque connosco est á Cristo ressuscitado e o seu poder salvífico. Alegramo-nos porque está connosco o Espírito Santo, que desceu sobre os Apóstolos no dia do Pentecostes (cf. Act Ac 2,1-13). É Ele que anima a Igreja, que abre os corações e as mentes dos homens à verdade divina. Essa alegria tem a sua fonte na nossa fé, na consciência de sermos filhos de Deus, remidos com o Sangue de Cristo. Contudo, devemos sempre recordar que a fé é um dom de Deus e por ele somos responsáveis.

Hoje, numa época de grandes transformações, a Polónia tem necessidade de homens de fé viva, com o olhar fixo em Deus, verdadeiros apóstolos do bem, da verdade e do amor, que preparam as vias da nova evangelização na Nação inteira. A exemplo dos vossos Padroeiros: S. João de Dukla e o Beato Józef Sebastian Pelczar, ligados à terra de Bieszczady, segui com coragem Cristo pelos caminhos que Ele mesmo vos indica. Edificai, portanto, o futuro feliz da Pátria em espírito de respeito pela tradição e fiéis às suas raízes cristãs. Sede dignas testemunhas da sua história ultramilenária. A fidelidade a Deus é sempre criativa. Desce ao profundo e, ao mesmo tempo, abre-se aos novos desafios e aos novos sinais do tempo.

3. Numerosas e diversificadas são as vias da nova evangelização. Ao longo destas vias guia-nos o Espírito Santo, acompanhando-nos com a Sua luz e com a Sua força. Com alegria tenho conhecimento de que na vossa Arquidiocese se está a animar o apostolado dos leigos. Este encontra a sua expressão num grande empenho nos trabalhos do Sínodo Diocesano, através do qual desejais enriquecer a fé e conhecer a doutrina da Igreja, no concreto das condições actuais e locais. Soube que nas paróquias trabalham os grupos sinodais, que aprofundam os importantes problemas religiosos. Sabemos, com efeito, como é grande o papel que desenvolve a catequese na consolidação da fé e em torná-la amadurecida. A fé é um valor estritamente pessoal, a ser procurado e vivido. Quanto, porém, depende isto também da família, da escola e do ambiente social! Por isso uma inserção activa nos trabalhos do Sínodo ajudar-vos-á a compreender melhor, a viver e a enriquecer na comunidade da Igreja a vossa fé.

Alegro-me porque se está a desenvolver o movimento da oração mariana nos grupos do Rosário Vivo. Encorajo todos a essa oração: as crianças, os jovens, as pessoas idosas e os doentes. O Rosário é uma oração da qual a Igreja tem necessidade constante e também cada um de vós. Dir-vos-ei?que esta é uma oração que amo tanto e peço que vos recordeis de mim quando a recitardes.

A Igreja na Polónia deposita grandes esperanças na Acção Católica, que se está a desenvolver também na vossa Arquidiocese. A sua tarefa principal é assumir e incentivar várias iniciativas apostólicas. Hoje há uma grande necessidade de aprofundar o conhecimento da doutrina social da Igreja, mas também de aprofundar a espiritualidade cristã, que leva de modo natural a um ligame mais estreito com Deus e com a Igreja. Convém que as iniciativas concretas sejam precedidas pela oração e reflexão. Durante os encontros formativos que organizais, pedi ao Espírito Santo que vos assista no discernimento das vias para actuar o Evangelho nos ambientes de trabalho, nas famílias e nas comunidades paroquiais. O mundo de hoje espera corajosas testemunhas da fé, que com a sua vida mostrem a santidade e ajudem os outros atender para ela.

4. Meus caros, mais uma vez quero repetir as palavras pronunciadas em Krosno durante a canonização do Beato João de Dukla: «Esta terra (de Bieszczady), com efeito, deu muitas testemunhas autênticas de Jesus Cristo, pessoas que depositaram plenamente a sua confiança em Deus e dedicaram a própria vida ao anúncio do Evangelho. Segui as suas pegadas! (...) "para que o mundo inteiro veja as vossas boas obras e dê glória a Deus que está nos céus" (cf. Mt Mt 5,16). A fé semeada por São João nos corações dos vossos antepassados cresça como uma árvore de santidade e "produza muito fruto e este permaneça" (cf. Jo Jn 15,5)» (10/6/1997). Este é o meu ardente desejo, que também hoje, junto do Túmulo de S. Pedro, dirijo a todos vós aqui presentes e àqueles que não puderam vir em peregrinação a Roma. Transmiti-o aos vossos entes queridos, às famílias, às paróquias, e de modo especial aos doentes, aos que sofrem e às pessoas idosas.

Deus abençoe toda a comunidade do Povo de Deus da Arquidiocese de Przemysl, e a vossa bonita terra de Bieszczady!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DOS PAÍSES BAIXOS EM VISITA


"AD LIMINA APOSTOLORUM"


: 18 de Junho de 1998



Senhor Cardeal
Caros Irmãos no Episcopado!

1. É-me grato acolher-vos nesta casa, a vós que sois os Pastores da Igreja de Cristo nos Países Baixos, por ocasião da Visita ad Limina que efectuais ao Sucessor de Pedro, «perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis» (Lumen gentium LG 23). Este tempo em Roma é para vós também um tempo de graça. É-vos assim oferecida a possibilidade de viverdes relações mais intensas. Peço ao Senhor que vos acompanhe, a fim de que os vossos encontros com os meus colaboradores dos diversos Dicastérios da Cúria Romana, e entre vós, sejam ocasiões para aprofundar e fortalecer o affectus colegialis.Possam ajudar-vos a prosseguir o vosso ministério apostólico, numa colaboração cada vez mais confiante no seio da vossa Conferência Episcopal, em torno daquele que escolhestes como Presidente, sustentando-vos nas tarefas diocesanas particulares e participando na «responsabilidade dos Bispos para com a Igreja universal e a sua missão, em comunhão afectiva e efectiva à volta de Pedro» (Discurso de encerramento da VII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 27 de Outubro de 1990, n. 3).

Vindes em peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, pilares da Igreja, para renovar a vossa esperança e o vosso dinamismo apostólico, a fim de ensinardes e anunciardes sempre mais intensamente a Boa Nova ao povo de Deus, que foi confiado à vossa solicitude pastoral. Peço ao Espírito Santo que vos mantenha firmes na fé, a fim de que, no difícil período que atravessa a Igreja no vosso País, possais exercer com zelo e confiança o episcopado e a autoridade como um serviço à unidade e à comunhão. Agradeço ao Senhor Cardeal Adrianus Johannes Simonis, vosso Presidente, as suas palavras que puseram em evidência alguns aspectos salientes da vida social e eclesial nos Países Baixos.

2. Nos vossos relatórios quinquenais, tornastes-me partícipe das vossas principais preocupações a respeito do ministério sacerdotal, que no vosso País ainda passa por uma profunda crise de identidade. Sei que no vosso coração os sacerdotes diocesanos ocupam um lugar especial, pois «a fim de pastorearem uma parte do rebanho do Senhor... eles constituem, por isso, um só presbitério e uma só família, de que o Bispo é o pai» (Christus Dominus CD 28). Antes de tudo, peço-vos que transmitais aos sacerdotes das vossas Dioceses a expressão do meu afecto confiante e o meu encorajamento para o ministério que eles assumem com solicitude. Rendo homenagem ao seu incansável empenho e aos esforços que fazem em situações muitas vezes difíceis. Apesar do seu número exíguo e das tarefas cada vez mais desfibrantes, aceitam levar o peso de cada dia e exercer com paixão o ministério que Cristo e a sua Igreja lhes confiam.

Para encontrar continuamente e conservar a alegria da missão, é importante, antes de tudo, que os ministros do Senhor revigorem a sua vida espiritual, em particular através da oração quotidiana, «remédio da salvação» (São Paulino de Nola, Lettere 34, 10) e mediante o encontro íntimo com o Senhor na Eucaristia, que estão no centro da jornada sacerdotal (cf. Princípios e normas da Liturgia das Horas, n. 1). Do mesmo modo, a recepção regular do sacramento da Reconciliação, que restabelece o pecador na graça e restitui a amizade com Deus, ajuda o sacerdote a transmitir o perdão aos seus irmãos. São alimentos indispensáveis para os discípulos de Cristo e, ainda mais, para quantos recebem a tarefa de conduzir e santificar o povo cristão. Desejo insistir também sobre a necessidade de celebrar dignamente a Liturgia das Horas, que contribui «para fazer crescer o povo do Senhor, através da misteriosa fecundidade apostólica» (Apresentação geral da Liturgia das Horas, n. 18), e sobre o tempo da oração quotidiana. Através delas, o sacerdote reaviva em si o dom de Deus, prepara-se para a missão, forja a sua identidade sacerdotal e edifica a Igreja. É de facto diante de Deus que o sacerdote toma consciência da chamada que recebeu e renova a sua disponibilidade para uma missão particular, que lhe foi confiada pelo Bispo por parte do Senhor, manifestando assim a sua disponibilidade à obra do Espírito Santo, que faz crescer todas as acções (cf. 1Co 3,7).

Os sacerdotes são chamados a ser testemunhas jubilosas de Cristo, através do seu ensinamento e do testemunho de uma vida recta, em sintonia com o compromisso assumido no dia da sua ordenação. Eles são para vós «filhos e amigos» (Christus Dominus CD 16 cf. Jo Jn 15,15). Deveis estar atentos às suas necessidades espirituais e intelectuais, recordando-lhes que, embora vivam no meio dos homens e tenham em conta a modernidade, como todos os fiéis, eles não devem tomar como modelo o mundo presente, mas conformar a própria vida à palavra que anunciam e aos sacramentos que celebram (cf. Rm Rm 12,2 Presbyterorum ordinis PO 3); manifestarão assim «o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira Igreja» (Sacrosanctum Concilium SC 2). Encorajai-os a orar pessoalmente e a sustentar-se de modo recíproco neste âmbito. Convidaios também a aprofundar sempre os seus conhecimentos teológicos, necessários à vida espiritual e pastoral. Com efeito, como poderão anunciar o Evangelho e «ser dispensadores duma vida diferente da terrena» (Presbyterorum ordinis PO 3), se não permanecerem próximos do coração de Cristo, como o Apóstolo que Ele amava, e se não se dedicarem, atrav és da formação permanente, a uma verdadeira compreensão da fé?

3. Encorajo os sacerdotes a revigorarem a sua fraternidade sacerdotal, de modo especial entre as gerações, antes de tudo através da oração comum que modifica as relações recíprocas e permite sustentar-se na missão, e mediante o diálogo, a amizade e a partilha das tarefas pastorais. Esta é uma riqueza incomparável do sacerdócio. Da vossa parte, preocupai-vos por favorecer a colaboração harmoniosa de todos, que não pode deixar de contribuir para fortalecer o dinamismo da Igreja. É necessário que todos, sacerdotes e leigos, prestem atenção particular aos jovens sacerdotes, para os ajudar nas suas primeiras funções ministeriais, mesmo quando o seu modo de considerar o sacerdócio não corresponde exactamente àquele vivido pelos seus predecessores. A realidade do presbitério e da Igreja ultrapassa os métodos e as práticas pastorais particulares.

O meu pensamento dirige-se aos sacerdotes idosos. Juntamente com eles, dou graças por aquilo que realizaram com fidelidade. Possam aceitar, até que as forças lhes permitam, prosseguir um ministério auxiliar, acompanhando com os seus conselhos fraternos e com a sabedoria devida à sua experiência, aqueles que, mais jovens, recebem legitimamente pesadas responsabilidades eclesiais! O serviço de Cristo não pode de modo algum ser comparado a um trabalho profissional e terminar nas mesmas condições deste.

4. Desejo também recordar o papel importante do sacerdote na catequese e no ensinamento da fé, em todas as fases da vida dos fiéis e na sua descoberta dos sacramentos; ele deve preocupar-se com organizar uma pastoral dinâmica para os jovens. Guiar as crianças e os jovens no seu caminho rumo ao Senhor é uma missão muito importante, que envolve o futuro deles como homens e cristãos. Sobre o ensinamento da fé edifica-se a comunidade cristã local. É importante, pois, que os sacerdotes, sobretudo os aptos para este aspecto essencial da missão da Igreja pelas suas competências teológicas e pastorais, apoiem os catequistas e colaborem com eles. Compete-vos prosseguir a elaboração de novos percursos catequéticos sérios, com grande solicitude pedagógica e atenção particular à cultura específica do vosso País, a fim de oferecer aos sacerdotes e aos leigos os instrumentos de que precisam e os manuais necessários a um ensinamento devotado à fé da Igreja. Nesse sentido o Catecismo da Igreja Católica oferece as normas doutrinais de referência. Exorto, pois, os sacerdotes e os leigos a empenharem-se de modo renovado neste serviço aos jovens, a fim de fazer com que eles encontrem a pessoa de Cristo. Descobrirão aquilo que Cristo realiza no coração das crianças, depositando nele aquela semente de vida eterna que continua presente durante a inteira existência. A respeito disso, para conservar a convicção da essencialidade da sua acção, os educadores devem recordar-se sempre da frase do Cardeal John Henry Newman, que exprimia aquilo que o tinha impressionado na sua infância: «Não discernimos a presen ça de Deus no momento em que está connosco, mas só depois, quando olhamos atrás, para aquilo que passou e foi resolvido » (Parochial and plain Sermons IV, 17).

5. Para a Igreja de amanhã, os Bispos devem estar sempre particularmente atentos à formação dos seminaristas. Para isto tivestes de reorganizar os vossos Semin ários. Alguns de vós realizaram grandes esforços para criar novos Seminários diocesanos. Continuai a atribuir grande importância à pastoral das vocações, na qual todos os fiéis devem participar. Como poderão os jovens descobrir a chamada de Cristo, se a Igreja não a transmitir, por meio dos sacerdotes e dos leigos, e se não mostrar a felicidade que se prova em servir o Senhor? Vigiai também sobre o discernimento dos candidatos e o seu progressivo amadurecimento humano: conheceis as dificuldades pessoais e familiares que os jovens têm atravessado no decurso das últimas décadas. É preciso, então, acompanhá-los no seu crescimento espiritual e eclesial, a fim de poderem empenhar-se com a liberdade interior e o equilíbrio humano requeridos pelo ministério sacerdotal. Estai portanto atentos à qualidade da formação espiritual e dos programas de formação intelectual – filosófica, teológica e moral –, para que os futuros sacerdotes estejam aptos a anunciar o Evangelho, num mundo em que as tendências subjectivas e a exposição exclusivamente científica substituem com frequência uma sadia antropologia e procuram fornecer razões de vida, independentemente da fé em Deus. Poderão assim responder de modo pertinente às questões debatidas na opinião pública e às afirmações que tendem a confundir verdade e sinceridade. As sábias regras fornecidas pela Ratio institutionis sacerdotalis são particularmente úteis para a estruturação da formação para o ministério. Numa sociedade em que a vida cristã e o celibato são muitas vezes considerados obstáculos ao desenvolvimento da pessoa, é útil formar os jovens para a ascese e o domínio de si, fontes de equilíbrio interior. As famílias podem preocupar-se ao ver os seus filhos ou as suas filhas deixar tudo para seguirem Cristo; é, então, necessário educá-las «acerca das motivações evangélicas, espirituais e pastorais próprias do celibato sacerdotal, de maneira que ajudem os presbíteros com a amizade, a compreensão e a colaboração» (Pastores dabo vobis PDV 50). Possa o conjunto da comunidade eclesial mostrar a grandeza e a bondade do dom de si no celibato escolhido de modo livre por amor do Senhor, «valor profundamente conexo com a ordenação sagrada» (Ibidem, n. 50), como a vossa Conferência Episcopal também recordou numa Carta Pastoral em Março de 1992! Isto não diminui de modo algum a vida laical e o matrimónio.

6. Ainda que sejam pouco numerosos na maior parte das vossas Dioceses, os fiéis leigos activos na vida pastoral assumem múltiplos empenhos, em união com os Pastores da Igreja, os Bispos, os sacerdotes e os diáconos que, enquanto ministros ordenados, têm a tarefa de instruir e governar o povo de Deus, em nome de Cristo Cabeça (cf. C.D.C., cân. 1008). Contente pelo profundo sensus Ecclesiae, desejo prestar homenagem ao trabalho dos homens e mulheres que desempenham funções importantes nos diversos sectores da vida eclesial, sobretudo na animação litúrgica e no acompanhamento dos grupos de jovens. Muitos de vós me mostraram a sua solicitude em desenvolver a pastoral conjugal e familiar, para enfrentar as ideologias que têm em vista destruir a célula fundamental da sociedade e as tendências subjectivas e extremamente liberais em matéria sexual, que não cessam de se desenvolver. Encorajo de bom grado os cristãos que assumem responsabilidades na preparação para o matrimónio e no apoio aos casais e às famílias em dificuldade, aderindo plenamente ao ensinamento da Igreja. Levai a todos os fiéis das vossas Dioceses as minhas saudações afectuosas e o meu encorajamento a continuarem a ser parte activa da missão única da Igreja (cf. Christifideles laici CL 25). Neste contexto, as tarefas, os carismas, as vocações e os serviços são diversos e complementares. É essencial que as comunidades cristãs reconheçam o papel dos sacerdotes, em particular as suas funções litúrgicas e sacramentais, no respeito das normas em vigor.

O reconhecimento da especificidade de cada vocação é o sinal da maturidade cristã e da consciência que os fiéis têm da própria vocação e das suas funções específicas, «que têm o seu fundamento sacramental no Baptismo e na Confirmação, bem como, para muitos deles, no Matrimónio» (Ibidem, n. 23). Com efeito, não se pode pensar na acção dos leigos como numa substituição da missão particular dos ministros ordenados. É necessário, portanto, prestar atenção ao papel dos leigos no seio da comunidade cristã e nas realidades humanas. A respeito disso, poderia ser oportuno meditar aquilo que afirmou o Concílio Vaticano II, no capítulo IV da Constituição Lumen gentium (cf. nn. 30 e 38), concernente ao papel dos leigos na Igreja. A sua união com Cristo no corpo eclesial leva-os a exercer as próprias acções específicas para o anúncio do Evangelho e o crescimento do povo de Deus, tomando parte activa em particular na vida da comunidade cristã e da cidade e desempenhando a própria missão de animação cristã das realidades temporais (cf. ibidem, n. 31; Apostolicam actuositatem AA 7). Nesta perspectiva é tarefa dos Pastores oferecer-lhes uma formação séria, em vista do cumprimento dos seus empenhos.

7. Não tenhais medo de recordar aos leigos que o seu serviço se funda sobre uma vida espiritual séria. Sublinhastes o interesse crescente dos fiéis pelos tempos de retiro nos mosteiros e por um acompanhamento espiritual. Constatastes também com alegria o aumento do número dos Baptismos e das Confirmações de adultos. Convidai o povo cristão a beber incessantemente nas fontes da vida, através da participação na Eucaristia dominical que é alimento para o caminho, tornando Cristo realmente presente mediante o seu Corpo e o seu Sangue (cf. Catecismo da Igreja Católica CEC 1375); presidida pelo sacerdote «em nome e na pessoa de Cristo, Cabeça e Pastor» (Pastores dabo vobis PDV 15), a Missa edifica a comunidade cristã. A propósito disso, o povo cristão deve incessantemente tomar consciência da importância da paróquia como centro da vida eclesial local. Convidai também os fiéis a aproximarem-se de maneira mais regular do sacramento da Penitência, que permite descobrir o dom de Deus e os torna misericordiosos para com os irmãos. A confissão «ajuda-nos a formar a nossa consciência, a lutar contra as más inclinações, a deixar-se curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito» (Catecismo da Igreja Católica CEC 1458).

8. Nos vossos relatórios quinquenais, tornastes-me partícipe das vossas vivas preocupações a respeito do futuro do Ensino católico, cuja missão compreende a formação humana, moral e espiritual dos jovens. Isto constitui o seu carácter verdadeiramente católico. É importante fazer todo o possível a fim de que a Igreja, forte das suas tradições e da sua experiência, possa prosseguir o seu itinerário educativo específico. Compete às Autoridades legítimas, num diálogo confiante com os responsáveis eclesiais, oferecer aos pais a possibilidade de exercer com liberdade a tarefa educativa, escolhendo os institutos escolares que julgam corresponder aos seus valores e que, naturalmente, desejam que sejam transmitidos aos seus filhos. Quereria também ressaltar o papel eminente das Universidades católicas nos âmbitos intelectual, científico e técnico. Qualquer que seja a matéria, os professores devem esforçar-se por comunicar aos alunos os valores antropológicos e morais católicos; no seio desses institutos, os teólogos têm a tarefa insigne de explicar a profundidade dos mistérios divinos, através dum ensino fiel do dogma cristão e da moral, fundado sobre a Revelação e o Magistério, e mediante o diálogo com as outras disciplinas universitárias (cf. Dei Verbum DV 10 Congregação para a Doutrina da Fé, Instruções sobre a vocação eclesial do teólogo CDF 24 , 24 de Maio de CDF 1990). Em particular compete-lhes recordar, oportuna e inoportunamente, os princípios fundamentais do respeito pela vida humana. Portanto, requer-se deles uma total fidelidade ao Magistério, pois «ensinam no nome da Igreja» (Pastores dabo vobis PDV 67). O ensino teológico não pode, portanto, limitar-se a uma simples reflexão pessoal; ele está ao serviço da verdade e da comunhão. Um teólogo que, no seu ensino, não está em sintonia com o Magistério, não pode senão causar dano à Universidade, desviando os fiéis e ferindo a Igreja.

9. Expressastes-me as vossas inquietudes por aquilo que concerne ao futuro da vida religiosa no vosso País, por causa da falta de vocações e da elevação da idade dos membros dos diversos Institutos. Confio-vos, antes de tudo, a tarefa de dizer aos religiosos e às religiosas que ainda hoje a Igreja, com confiança e esperança, conta de modo particular com eles, convidando-os a transmitir, sem cessar, o apelo do Senhor a viver com coragem e fidelidade os conselhos evangélicos e a não abandonar muito rapidamente os âmbitos essenciais da vida pastoral, em particular o da educação, que permite transmitir aos jovens os valores humanos e cristãos, mas também o da saúde, da assistência às pessoas idosas e aos pobres. Possam os responsáveis dos Institutos religiosos, em relação com os Bispos, continuar a ter parte activa na vida pastoral. Apresentai as minhas calorosas saudações também aos Institutos de vida contemplativa. Eles desempenham um papel fundamental, pois «oferecem assim à comunidade eclesial um testemunho singular do amor da Igreja pelo seu Senhor, e contribuem... para o crescimento do Povo de Deus» (Vita consecrata VC 8). As suas casas de acolhimento e de retiro espiritual são preciosas para os Pastores e os fiéis, que podem assim, na solidão e no silêncio, encontrar um tempo de repouso e de regeneração interior junto do Senhor, para desempenhar depois de maneira renovada as suas funções. Num período em que as vocações se estão a tornar mais raras, é importante que toda a Igreja reconheça melhor o valor da vida consagrada.

10. Neste ano dedicado ao Espírito Santo, em cujo decurso todos somos convidados a preparar-nos para o Grande Jubileu, a Igreja renova incessantemente a sua oração Àquele que o Senhor prometeu e deu aos seus Apóstolos, para que guie e edifique o Corpo místico de Cristo. Se permanecermos fiéis à missão recebida, poderemos estar certos de que Deus jamais abandonará o Seu povo e lhe dará a Sua graça e os meios para lhe assegurar a missão no mundo. Com fé na solicitude divina, confio-vos à intercessão dos Santos da vossa terra e à da Virgem Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, à qual devemos sempre recorrer como nossa protectora e guia. Concedo de todo o coração a minha Bênção Apostólica a vós, aos sacerdotes, diáconos, seminaristas, religiosos, religiosas e leigos das vossas Dioceses.




Discursos João Paulo II 1998