Discursos João Paulo II 1998 - 27 de Junho de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO IX GRUPO DE BISPOS DOS ESTADOS UNIDOS


DA AMÉRICA EM VISTA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Sábado, 27 de Junho de 1998





Estimados Irmãos Bispos

1. Por ocasião da vossa visita ad Limina, dou-vos as calorosas boas-vindas, Pastores da Igreja que se encontra nos Estados do Texas, Oklahoma e Arkansas.Nos encontros que este ano já tive com os Bispos dos Estados Unidos da América, considerámos alguns dos principais aspectos da nova evangelização anunciada pelo Concílio Vaticano II, o grande evento de graça mediante o qual o Espírito Santo preparou a Igreja para entrar no terceiro milénio cristão. Uma das partes essenciais desta tarefa é a proclamação da verdade moral e as suas aplicações na vida pessoal dos cristãos e no seu empenhamento no mundo. Portanto, hoje desejo reflectir convosco acerca do vosso ministério episcopal como mestres da verdade moral e testemunhas da lei moral.

Em todas as épocas, os homens e as mulheres têm necessidade de escutar Cristo, o Bom Pastor, que os chama à fé e à conversão da vida (cf. Mc Mc 1,15). Como pastores de almas, hoje deveis ser a voz de Cristo, encorajando o vosso povo a redescobrir «a beleza da verdade, a força libertadora do amor de Deus, o valor da fidelidade incondicional a todas as exigências da lei do Senhor, mesmo nas circunstâncias mais difíceis» (Veritatis splendor VS 107). A pergunta apresentada pelo jovem rico no Evangelho – «Mestre, que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?» (Mt 19,16) – constitui um perene interrogativo humano. É proposta de uma ou de outra forma, explícita ou implicitamente, por todos os seres humanos em todas as culturas e em cada momento no drama da história. A resposta de Cristo a esta pergunta – segui-Lo fazendo a vontade do Pai – é a chave da plenitude de vida que Ele promete. A obediência aos mandamentos de Deus, longe de nos alienar da nossa humanidade, constitui uma senda que conduz à libertação genuína e à fonte da verdadeira felicidade.

Neste ano de preparação para o Grande Jubileu, dedicado ao Espírito Santo, evoquemos o facto de os nossos esforços em anunciar a Boa Nova e em ensinar a verdade moral acerca da pessoa humana serem sustentados pelo Espírito, que é o principal agente na missão da Igreja (cf. Evangelium vitae EV 64). É ao Espírito Santo que «se devem, pois, o florescimento da vida moral cristã e o testemunho da santidade na grande variedade das vocações, dos dons, das responsabilidades e das condições e situações de vida» (Veritatis splendor VS 108). Nas vossas Dioceses e paróquias, exorto-vos neste ano a dedicar um especial esforço para aumentar a consciência da poderosa actividade do Espírito no mundo, pois é através da sua graça que experimentamos «uma radical renova ção pessoal e social, capaz de assegurar justiça, solidariedade, honestidade e transparência» (Ibidem, 98).

2. Consideradas as circunstâncias da cultura contemporânea, o vosso ministério episcopal é particularmente desafiador, e complexa é a situação que estais a enfrentar como mestres da verdade moral. As vossas paróquias estão repletas de católicos ansiosos por levar uma responsável vida de esposos, pais, cidadãos, trabalhadores e profissionais. Estes homens e mulheres, com que vos encontrais diariamente no decurso da vossa missão pastoral, sabem que deveriam levar uma vida recta sob o ponto de vista moral, mas com frequência encontram dificuldades para explicar de forma exacta o que é que isto implica. Tal dificuldade reflecte outro aspecto da cultura contemporânea: o cepticismo no que concerne à existência mesma da «verdade moral» e de uma lei moral objectiva. Esta atitude é bastante prevalecente nas instituições culturais que influenciam a opinião pública e, é necessário dizê-lo, constitui um lugar-comum em muitas estruturas académicas, políticas e jurídicas do vosso País. Nesta situação, quem procura viver em conformidade com a lei moral geralmente sente a pressão da parte de forças que contradizem aquilo que, no seu próprio coração, as pessoas sabem que corresponde à verdade. E os responsáveis pelo ensino da verdade moral podem julgar que a sua tarefa é virtualmente impossível, se se considera o poder das pressões culturais externas.

Houve momentos análogos no curso da história bimilenária da Igreja. Contudo, a actual crise cultural tem características distintas, que atribuem uma verdadeira urgência à vossa tarefa de mestres morais. Tal urgência diz respeito tanto à transmissão da verdade moral contida no Evangelho e no Magistério da Igreja, quanto ao futuro da sociedade como estilo de vida democrático.

Como deveríamos definir esta crise da cultura moral? Podemos vislumbrar a sua primeira fase naquilo que o Cardeal John Henry Newman escreveu na sua Carta ao Duque de Norfolk: «Neste século [a consciência] foi substituída por uma imitação, da qual os dezoito séculos precedentes jamais ouviram falar, e não a poderiam ter confundido com essa, se a tivessem conhecido. Trata-se do direito à obstinação». Aquilo que era verdadeiro no século XIX de Newman, é-o ainda mais hoje. Forças culturalmente poderosas insistem que os direitos da consciência são violados pela própria ideia da existência de uma lei moral inscrita na nossa humanidade, que podemos conhecer reflectindo acerca da nossa natureza e das nossas acções, e que nos impõe determinadas obrigações, porque nós as reconhecemos como universalmente verdadeiras e vinculantes. Diz-se com frequência que isto é uma ab-rogação da liberdade. Todavia, de que conceito de «liberdade» se trata? É a liberdade simplesmente uma asserção da minha vontade – «deveriam-me permitir fazer isto porque escolho fazê-lo»? Ou a liberdade é o direito de fazer o que devo, de aderir livremente àquilo que é bom e verdadeiro (cf. Homilia em Baltimore, 8 de Outubro de 1995, em ed. port. de L'Osservatore Romano de 21.X.1995, nn. 6-8, pág. 5)?

Sob um ponto de vista superficial, a noção de liberdade como autonomia pessoal é atraente; corroborada por intelectuais, meios de comunicação, legisladores e tribunais, ela torna-se uma poderosa força cultural. Todavia, em última análise, destrói o bem pessoal dos indivíduos e o bem comum da sociedade. Em virtude do seu foco unilateral na vontade autónoma do indivíduo como o único princípio organizador da vida pública, a «liberdade-como-autonomia» dissolve os vínculos da obrigação entre homens e mulheres, pais e filhos, fortes e frágeis, maiorias e minorias. O resultado é a ruptura da sociedade civil e uma vida pública em que, consequentemente, os únicos actores são os indivíduos autónomos e o Estado. Como o século XX nos deve ter ensinado, isto constitui uma premissa certa para a tirania.

3. Na sua raiz, a crise contemporânea da cultura moral constitui uma crise da compreensão da natureza da pessoa humana. Como pastores e mestres da Igreja de Cristo, recordais às pessoas que a grandeza dos seres humanos se fundamenta precisamente no facto de serem criaturas de um Deus amoroso, que lhes deu a capacidade de conhecer o bem e de o escolher, e que enviou o seu Filho a fim de que fosse a derradeira e insuperável testemunha da verdade acerca da condição humana: «Em Cristo e por Cristo, Deus revelou-se plenamente à humanidade e aproximou-se definitivamente dela; e, ao mesmo tempo, em Cristo e por Cristo, o homem adquiriu plena consciência da sua dignidade, da sua elevação, do valor transcendente da própria humanidade e do sentido da sua existência» (Redemptor hominis RH 11). Em Cristo, nós sabemos que «o bem da pessoa consiste em existir na Verdade e em fazer a Verdade» (Discurso aos participantes no Congresso Internacional de Teologia Moral, 10 de Abril de 1986, em ed. port. de L'Osservatore Romano de 20 de Abril de 1986, n. 1, pág. 10).

Nesta antropologia cristã, a nobreza dos homens e das mulheres está não simplesmente na capacidade de escolherem, mas na capacidade de escolherem com sabedoria e de viverem em conformidade com a opção do que é bom. Entre todas as criaturas visíveis, somente a pessoa humana escolhe de maneira reflectida. Apenas a pessoa humana pode discernir entre o bem e o mal e dar razões que justifiquem tal discernimento. Só os seres humanos podem realizar sacrifícios em vista do que é bom e verdadeiro. Eis o motivo por que, através da história cristã, o mártir permanece o paradigma do discipulado: o mártir vive da maneira mais radical o relacionamento entre a verdade, a liberdade e a bondade.

Ensinando a verdade moral acerca da pessoa humana e testemunhando a lei moral inscrita no coração humano, os Bispos da Igreja salvaguardam e promovem, não reivindicações arbitrárias apresentadas pela Igreja, mas verdades essenciais e, consequentemente, o bem dos indivíduos e o bem comum da sociedade.

4. Se a dignidade da pessoa humana como sujeito moral se fundamenta na capacidade de conhecer e escolher o que é verdadeiramente bom, então a questão da consciência torna-se ainda mais clarividente. O respeito pelos direitos da consciência está profundamente arraigado na vossa cultura nacional, que em parte foi forjada por emigrantes que partiram para o Novo Mundo a fim de reivindicar as suas convicções religiosas e morais diante da perseguição. A histórica admiração da sociedade norte-americana pelos homens e mulheres de consciência constitui o fundamento sobre o qual hoje podeis ensinar a verdade acerca da consciência.

A Igreja honra a consciência como «santuário» da pessoa humana: ali, os homens e as mulheres encontram-se «a sós com Deus», cuja voz ecoa nas profundidades dos seus corações, exortando- os a amar e a evitar o mal (cf. Gaudium et spes GS 16). A consciência é aquele lugar interior em que «o homem descobre a existência de uma lei que ele não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer» (Ibidem). Desta forma, a dignidade é diminuída quando se afirma, como reivindicam os paladinos da radical autonomia individual, que a consciência é uma capacidade global independente, exclusivamente pessoal, de determinar o que constitui o bem e o mal (cf. Dominum et vivificantem DEV 43).

Todos devem agir em conformidade com a consciência. Todavia, a consciência não é absolutamente independente nem infalível nos seus juízos; se o fosse, a consciência reduzir-se-ia à mera asserção da vontade pessoal. Deste modo, é precisamente a salvaguarda da dignidade da consciência e da pessoa humana a ensinar que as consciências devem ser formadas de maneira a poderem discernir o que na realidade corresponde ou não à «lei divina, eterna, objectiva e universal» que a inteligência humana é capaz de descobrir na ordem do ser (cf. Dignitatis humanae, DH 3 cf. também Veritatis splendor VS 60). Em virtude da natureza da consciência, a admoestação a obedecer-lhe sempre deve ser imediatamente seguida pelo interrogativo se aquilo que a nossa consciência nos sugere é verdadeiro ou falso. Se deixarmos de proceder a este necessário esclarecimento, a consciência – em vez de ser aquele lugar sacrossanto em que Deus nos revela o nosso bem verídico – torna-se uma força destruidora da nossa verdadeira humanidade e de todos os nossos relacionamentos (cf. Audiência geral de 17 de Agosto de 1983, n. 3).

Como Bispos, deveis ensinar que a liberdade de consciência nunca é a liberdade «da» verdade, mas sempre e somente a liberdade «na» verdade. Este entendimento da consciência e da sua relação com a liberdade deveria elucidar determinados aspectos da questão do dissentimento em relação ao magistério da Igreja. Mediante a vontade de Cristo mesmo e o poder vivificador do Espírito Santo, a Igreja é preservada na verdade e «a sua missão é anunciar e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e ao mesmo tempo declarar e confirmar, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que fluem da própria natureza humana» (Dignitatis humanae DH 14). Quando a Igreja ensina, por exemplo, que o aborto, a esterilização ou a eutanásia são sempre moralmente inadmissíveis, ela dá expressão à lei moral universal inscrita no coração humano e, consequentemente, ensina algo de vinculante para a consciência de cada um. A sua proibição absoluta que tais práticas sejam levadas a cabo em centros católicos de assistência à saúde é simplesmente um acto de fidelidade à lei de Deus. Como Bispos, deveis recordar a todas as pessoas interessadas – administrações hospitalares e pessoal médico – que qualquer inobservância em relação a esta proibição constitui um pecado grave e uma fonte de escândalo (Para as esterilizações, cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Quaecumque sterilizatio, 13 de Março de 1975 AAS [1976], PP 738-740). Deve-se salientar que esta e outras instâncias análogas não são a imposição de uma série externa de critérios concernentes à violação da liberdade. Pelo contrário, o ensinamento da Igreja acerca da verdade moral «manifesta as verdades que [a consciência] já deveria possuir» (Veritatis splendor VS 64), e são estas verdades que nos tornam livres, no profundo significado da liberdade humana, atribuindo à nossa humanidade a sua nobreza genuína.

Há quase dois mil anos, São Paulo exortou-nos «a não nos conformarmos com este mundo», mas a vivermos a verdadeira liberdade que é a obediência à vontade de Deus (cf. Rm Rm 12,2). Ao ensinardes a verdade sobre a consciência e a sua relação intrínseca com a verdade moral, estareis a desafiar uma das grandes forças do mundo contemporâneo. Mas, ao mesmo tempo, estareis a prestar um enorme serviço ao mundo moderno, recordando-lhe o único fundamento capaz de sustentar a cultura da liberdade: aquilo a que os Fundadores da vossa nação chamaram de verdades «auto-evidentes».

5. A partir desta perspectiva, deveria ser claro que a Igreja aborda problemáticas da vida pública não por razões pol íticas, mas como servidora da verdade sobre a pessoa humana, paladina da dignidade do homem e promotora da liberdade humana. Uma sociedade ou cultura que quiser sobreviver não pode declarar que a dimensão espiritual do homem é irrelevante para a vida pública. As culturas desenvolvem-se como estilos de abordagem das mais profundas experiências da existência humana: amor, nascimento, amizade, trabalho e morte. Cada uma destas experiências apresenta a questão de Deus de maneira singular: «No centro de cada cultura está o comportamento que o homem assume diante do mistério maior: o mistério de Deus» (Centesimus annus CA 24). Os católicos norte-americanos, juntamente com os outros cristãos e todos os fiéis, têm a responsabilidade de garantir que o mistério de Deus e a verdade sobre a humanidade que se revela no mesmo mistério de Deus não sejam abolidos da vida pública.

Isto é particularmente importante para as sociedades democráticas, visto que uma das verdades contidas no mistério da nossa criação por parte de Deus é que a pessoa humana deve ser «o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais» (Gaudium et spes GS 25). A nossa dignidade intrínseca e os nossos direitos fundamentais inalienáveis não são o resultado de uma convenção social: eles precedem todas as convenções sociais e fundamentam as normas que determinam a validade das mesmas. A história do século XX constitui uma clarividente admoestação dos males que se tornam evidentes quando os seres humanos são reduzidos à condição de objectos a serem manipulados pelos poderosos, em vista do lucro egoísta ou por motivos ideológicos. Ao proclamardes a verdade segundo a qual Deus deu aos homens e mulheres uma dignidade inestimável e direitos inalienáveis desde o momento da concepção, ajudais a reconstruir as bases morais de uma genuína cultura da liberdade, capaz de sustentar as instituições autónomas que servem o bem comum.

6. O facto de inúmeros católicos nos Estados Unidos estarem envolvidos na vida política constitui um tributo à Igreja e à abertura da sociedade norte-americana. Como pastores e mestres, a vossa responsabilidade no que concerne aos funcionários públicos católicos é de lhes recordar a herança da reflexão sobre a lei moral, a sociedade e a democracia, que eles deveriam tornar manifesta no seu trabalho.

O vosso país orgulha-se de ser uma democracia realizada, mas a própria democracia constitui uma aventura moral, uma provação contínua da capacidade que o povo tem de se governar de maneira a servir o bem comum e o bem de cada cidadão. A sobrevivência de uma particular democracia depende não só das suas instituições, mas cada vez mais do espírito que inspira e permeia os seus procedimentos nos campos legislativo, administrativo e jurídico. Com efeito, o futuro da democracia depende de uma cultura capaz de formar homens e mulheres preparados para defender determinadas verdades e valores. Ele está em perigo quando a política e a jurisprudência são desvirtuadas de qualquer conexão com a lei moral, inscrita no coração do homem.

Se não houver padrões objectivos mediante os quais ajudar a discernir entre as diferentes concepções do bem pessoal e do bem comum, então a política democrática reduz-se a uma mera corrida ao poder. Se as leis constitucionais e estatutárias não tiverem em conta a lei moral objectiva, as primeiras vítimas são a justiça e a equidade, porque se tornam questões de opinião pessoal. Os católicos que ocupam lugares de responsabilidade na vida pública prestam um serviço particularmente importante à sociedade quando defendem as normas morais objectivas, como «o fundamento inabalável e a sólida garantia de uma justa e pacífica convivência humana e, portanto, de uma verdadeira democracia » (Veritatis splendor VS 96), pois é através da nossa obrigação comum a estas normas morais que conhecemos e podemos defender a igualdade de todos os cidadãos «irmanados nos direitos e deveres » (Ibidem).

Um clima de relativismo moral é incompatível com a democracia. Este género de cultura não pode responder a interrogativos fundamentais para uma comunidade política democrática: «Por que eu deveria considerar os meus compatriotas iguais a mim?»; «por que eu deveria defender os direitos do próximo? »; «por que eu deveria trabalhar pelo bem comum?». Se as verdades morais não podem ser publicamente reconhecidas como tais, a democracia torna-se impossível (cf. ibid., 101). Desta forma, desejo encorajar-vos a continuar a abordar clara e efectivamente as quest ões morais fundamentais que hoje se apresentam ao homem. O interesse com que muitos dos vossos documentos têm sido recebidos pela sociedade inteira constitui uma indicação de que estais a oferecer uma guia muito necessária quando recordais a todos, e de modo especial aos cidadãos e aos líderes políticos católicos, o vínculo essencial que existe entre a liberdade e a verdade.

7. Prezados Irmãos Bispos, um tempo de «crise» é um tempo de oportunidade e também de perigo. Isto é certamente verdadeiro hoje no caso da crise da cultura moral no mundo desenvolvido. A exortação do Concílio Vaticano II ao Povo de Deus, a dar testemunho da verdade sobre a pessoa humana entre as alegrias e as esperanças, os sofrimentos e as dores do mundo contemporâneo, constitui um chamado a todos nós, para um empenhamento pessoal no efectivo pastoreio episcopal na nova evangelização. Ao centralizardes a atenção dos fiéis e de todos os vossos concidadãos nas opções morais extremamente sérias que se lhes apresentam, haveis de contribuir para concretizar a renovação da bondade moral, da solidariedade e da liberdade genuína de que os Estados Unidos e o mundo têm urgente necessidade. Ao confiar o vosso ministério, os sacerdotes, os religiosos e os leigos das vossas Dioceses à protecção de Maria, Padroeira dos Estados Unidos sob o sublime título da sua Imaculada Conceição, concedo-vos cordialmente a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS RECRUTAS DA GUARDA SUÍÇA


Sábado, 27 de Junho de 1998





Senhor Coronel
Reverendo Capelão
Caros amigos da Guarda Suíça

1. Na ocasião do juramento dos novos recrutas da Pontifícia Guarda Suíça, é-me grato acolher-vos na casa do Sucessor de Pedro. Apresento os meus calorosos agradecimentos ao Coronel Roland Buchs, que assegurou a interinidade, num período difícil, com grande dedicação. Desde agora exprimo os meus cordiais sentimentos ao novo Comandante, Coronel Pius Segmüller, e ao novo Comandante auxiliar, Tenente-Coronel Elman Theodor Mäder, que aceitaram servir no Corpo da Guarda Suíça e assumiram imediatamente as suas funções. Agradeço também às Autoridades suíças terem favorecido estas nomeações. Formulo os melhores votos aos Oficiais, aos Suboficiais e a todos os membros da ilustre Corporação, que desempenham com coragem, fidelidade e lealdade a sua missão ao serviço da Santa Sé.

Não podemos esquecer hoje aqueles que nos deixaram recentemente, no decurso da tragédia que para todos nós permanece uma fonte de sofrimento, mas que é também um apelo a permanecer fiéis ao Senhor e a prestar atenção a quantos nos circundam.

A grande família da Guarda Suíça deve continuar a sua missão: a sua história e a sua generosidade são um testemunho aos olhos dos católicos e do conjunto das nações.

2. Dirijo uma saudação de boas-vindas a todos os pais, e também aos amigos e parentes, que aqui vieram e participam neste juramento para assegurar aos jovens recrutas o seu amor e afecto. Agradeço a estas pessoas a sua presença, sinal do vínculo que une os católicos suíços à Igreja e mais ainda à Sé de Pedro.

Caros jovens, no decurso do vosso serviço vivereis um tempo extraordinário, uma vez que participareis no Grande Jubileu do Ano 2000. Este período ser á uma ocasião particular a fim de vos preparardes para plasmar o vosso futuro de homens e de cristãos. O vosso desejo de servir a Igreja hoje e de dedicar alguns anos da vida para proteger o Papa, exprime a vossa disponibilidade a percorrer o caminho ao lado de Jesus Cristo cada dia da vossa vida e a permanecer vigilantes na oração e na fraternidade. Apesar dos ónus às vezes pesados do vosso serviço, desejo que ele possa revigorar a vossa fé e o vosso amor pela Igreja. Deveis sustentar-vos reciprocamente com confiança e escutar os vossos irmãos; este é um dever que cada um de vós tem para com os próprios companheiros.

3. O juramento deste dia constitui para mim uma renovada ocasião para exprimir a mais intensa gratidão a todos os membros do Corpo da Pontifícia Guarda Suíça, pela sua fidelidade ao Sucessor de Pedro e pela atenção com que vigiam sobre a ordem e a segurança dentro dos muros da Cidade do Vaticano, assim como em Castel Gandolfo e em qualquer lugar onde o Papa se encontre. Sei, caríssimos, que cuidais de acolher com cortesia e gentileza os peregrinos que, pouco a pouco, se tornam cada vez mais numerosos com a aproximação do terceiro milénio; desse modo ofereceis um importante testemunho do coração acolhedor do Vaticano e da Igreja. Peço ao Senhor que vos recompense pelo precioso serviço e cumule também os vossos familiares dos Seus favores celestes.

Com estes sentimentos, concedo a todos de coração uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À DELEGAÇÃO DO PATRIARCADO


ECUMÉNICO DE CONSTANTINOPLA


: 28 de Junho de 1998





Queridos Irmãos em Cristo

Dou-vos as cordiais boas-vindas, Delegados do Patriarcado Ecuménico, que viestes a Roma para participar na solene Celebração Eucarística, que assinala a festividade dos Apóstolos Pedro e Paulo. Durante um determinado número de anos, este intercâmbio fraterno tem reunido representantes da Igreja, que deve o seu início ao apostolado dos Santos Pedro e Paulo aqui em Roma, e da Igreja que faz remontar a sua origem a Santo André.

Os dois irmãos Apóstolos Pedro e André, Padroeiros respectivamente da Igreja que está em Roma e da Igreja de Constantinopla, recorda à mente a vocação recebida do Senhor, a proclamar a Boa Notícia do Reino: «Jesus andava à beira do mar da Galileia, quando viu dois irmãos: Simão, também chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam eles lançando a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse-lhes: "Segui-Me e farei de vós pescadores de homens!"» (Mt 4,18-19).

Esta é a misteriosa vocação prefigurada na sua condição de pescadores, que agora adquire um significado novo e superior. Jesus mesmo oferece o exemplo perfeito da missão apostólica: «Jesus andava por toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino e curando toda a espécie de doença e enfermidade do povo » (Mt 4,23).

Esta é a missão perene dos discípulos do Senhor em todas as épocas e em cada um dos lugares: a proclamação do Reino e a cura dos males que afligem o Povo de Deus. Ao aproximarmo-nos do Terceiro Milénio, o Espírito faz com que compreendamos a urgência de uma dedica ção mais intensa a esta missão. E o testemunho da unidade dos cristãos torna- se ainda mais imperativo: «Para que todos sejam um... a fim de que o mundo acredite que Tu me enviaste» (Jn 17,21). Nesta perspectiva, é com alegria que recordo a Declaração Comum assinada por Sua Santidade Bartolomeu I e por mim, na qual exortámos os católicos e os ortodoxos «a percorrerem juntos esta peregrinação rumo ao Jubileu». Expressámos a nossa comum convicção de que «a reflexão, a oração, o diálogo, o perdão recíproco e o amor fraterno nos hão-de aproximar uns dos outros no Senhor, ajudando-nos a compreender melhor a sua vontade para a Igreja e a humanidade».

A vossa presença no meio de nós, para a solenidade dos Apóstolos Pedro e Paulo, constitui um sinal clarividente do nosso comum desejo de empreender este caminho na caridade fraterna e no amor pela verdade, confiando em Jesus Cristo, o único Senhor e Salvador do mundo. Peço que transmitais a Sua Santidade o Patriarca Ecuménico a certeza da minha cordial saudação e fraterna considera ção. Oxalá Deus, que iniciou a boa obra, a complete.

Amém.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO III ENCONTRO INTERNACIONAL DE SACERDOTES


A REALIZAR-SE NO MÉXICO (7-12 DE JULHO)








Queridos Irmãos no Sacerdócio!

1. É-me grato enviar-vos uma cordial saudação, quando participais no III Encontro Internacional de Sacerdotes, que tem lugar aos pés da Virgem de Guadalupe, na sua Basílica de Tepeyac (México), como numa terceira etapa de peregrinação espiritual rumo à Porta Santa do Grande Jubileu do Ano 2000, depois das precedentes que se realizaram nos Santuários marianos de Fátima (Portugal) e Yamoussoukro (Costa do Marfim).

No coração do Sucessor de Pedro tendes um lugar muito especial. Ao pensar em vós, vêm à minha mente as igrejas e capelas onde celebrais, as habitações onde residis, os lugares que percorreis, as acções com que plasmais o vosso ministério entre as crianças, os jovens, os adultos, as famílias e demais grupos para lhes dispensar os tesouros de Deus. Nesta ocasião quero renovar o meu afecto e a minha estima a cada um de vós que, desde os lugares habituais onde exerceis o ministério sacerdotal, empreendestes essa peregrinação para renovar os vínculos de comunhão de vida, a dimensão missionária da vossa actividade, a catolicidade dos próprios horizontes e, ao mesmo tempo, animar-vos mutuamente para uma nova evangelização cada vez mais incisiva e unitária, expressando assim, também dum modo muito eloquente, a nova fraternidade que entre vós nasce, graças ao Sacramento da Ordem. A respeito disso, alegra-me saber que, graças a um fundo de solidariedade constituído entre vós mesmos, se facilitou a presença de sacerdotes provenientes de Países com dificuldades económicas.

Estou agradecido à Congregação para o Clero, ao seu Prefeito, o Senhor Cardeal Dario Castrillón Hoyos, ao Secretário D. Csaba Ternyák, e aos organizadores dos trabalhos levados a cabo para assegurar o bom êxito deste Encontro. De igual modo, agradeço a presença dos Senhores Cardeais e Bispos que, com a sua participação, deram uma clara demonstração de estima e amor para com os sacerdotes.

2. Vós, queridos Irmãos, que fostes marcados por um carácter indelével que confere ao vosso ser uma identidade sacerdotal específica e vos configura de maneira particular com Cristo Cabeça, estais chamados a apresentar-vos diante dos homens e mulheres do nosso tempo como imagens vivas do Senhor e supremo Pastor de todos os fiéis. Assim vos hão-de ver aqueles com quem vos encontrardes no caminho ao longo da vida sacerdotal, como magnificamente se lê no texto guadalupense do Nican Nopoua, quando refere o que a Santíssima Virgem disse a Juan Diego: «Escuta, meu filho, Juanito, para onde te diriges? », e ele respondeu-lhe: «Minha Senhora, Rainha, minha Jovenzinha, ali chegarei, à tua pequenina casa de México Tlatilolco, para seguir as coisas de Deus que nos são dadas e ensinadas por aqueles que são as imagens de Nosso Senhor: os nossos Sacerdotes » (22 e 23).

Sabemos bem que todos os baptizados participam no sacerdócio de Cristo, mas o sacerdócio comum e o ministerial, ainda que estejam ordenados um ao outro, diferem essencialmente e não só em grau (cf. Lumen gentium, LG 10). O mesmo Senhor, para que todos os fiéis formem um só corpo, no qual cada um dos membros desenvolve tarefas ordenadamente diversas e complementares, constituiu alguns como ministros, dotando-lhes do poder sagrado que deriva da Ordenação (cf. Presbyterorum ordinis PO 2).

Em virtude do selo de Cristo que trazeis impresso, convertestes-vos em propriedade de Deus com um título exclusivo para, de corpo e alma, vos ocupardes de prolongar a missão de anunciar a presença do Reino de Deus entre os homens. Esta é uma realidade que deveis ter sempre presente, recordando que Cristo chamou os primeiros Apóstolos «para andarem com Ele e para os enviar a pregar» (Mc 3,13). Envia-os no Seu nome, com o poder da Palavra salvadora e a força do Espírito, e por isso pode dizerlhes claramente: «Quem vos recebe, a Mim recebe» (Mt 10,40).

3. O carácter sacramental capacita-vos para prosseguir a missão de Cristo, anunciando a Boa Nova. Por meio de vós, Ele continua a guiar e a conservar o próprio rebanho e, com as acções sagradas que realizais, oferece o Seu sacrifício redentor, perdoa os pecados e distribui a Sua graça. Vós actualizais a missão do divino Mestre e fostes escolhidos, desde a eternidade, para ser constituídos em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, como prolongação viva do ministério de Cristo (cf. Hb He 5,1). São João Crisóstomo, ao referir-se ao sacerdote, escreve: «Se Deus não agisse por meio dele, tu não terias sido baptizado, não participarias nos mistérios, não terias sido abençoado; isto é, não serias cristão» (Hom. in 2Tm 2,2 2Tm 2,4).

Tendes consciência d'Aquele que vos enviou e conserva a missão que recebestes. Ressoam em vós as palavras de Jesus: «Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós» (Jn 20,21). Sois, portanto, os responsáveis da nova evangelização desde os postos de vanguarda e para isto fostes dotados do poder, da autoridade e da dignidade que vos permitem continuar a obra de Jesus Cristo.

Diante das dificuldades que tendes de enfrentar, jamais duvideis que o Espírito, o Paráclito, será o vosso defensor e advogado e vos dará forças para superar todos os obstáculos. Por isso, prossegui confiantes com segurança no Seu poder e experimentai o alívio e o descanso na oração frequente e prolongada. A oração unifica a vida do sacerdote, tantas vezes em perigo de dispersão pela multiplicidade de tarefas a serem realizadas, e confere autenticidade ao que fazeis, pois faz brotar do Coração de Cristo os sentimentos que animam o vosso trabalho. Não tenhais medo de lhe dedicar tempo e energias, mas antes procurai ser homens de oração assídua, saboreando o silêncio contemplativo e a celebração devota e diária da Eucaristia e da Liturgia das Horas, que a Igreja vos confiou para o bem de todo o Corpo de Cristo. A oração do sacerdote é também uma exigência do seu ministério pastoral, pois as comunidades cristãs se enriquecem com o testemunho do sacerdote orante que, com a sua palavra e a sua vida, anuncia o mistério de Deus.

4. A vossa missão, queridos Irmãos, está revestida de grande dignidade, e isto há-de impelir-vos a entregar-vos ao cuidado dos fiéis com solicitude e generosidade, a exemplo do Bom Pastor. É confortador o número de sacerdotes que, com abnegação, dedicam a sua vida ao serviço de Deus e dos irmãos. O povo santo de Deus ama-vos, valoriza os vossos sacrifícios, agradece a vossa dedicação e serviço pastoral. Que as incompreensões ou receios, e às vezes até perseguições de diversos tipos que marcam a vida de alguns, não diminuam o ardor da vossa abnegação e o zelo que prodigalizais no vosso santo ministério (cf. Rm Rm 8,37). Não tenhais medo, pois estais no lugar de Jesus, vencedor do mundo e das insídias do mal. Conservai o ardor dos primeiros anos do sacerd ócio, sem cair no desânimo, sustentando-vos mutuamente, fortes na fraternidade sacerdotal que brota do mesmo Sacramento.

5. Três são os lemas que vão presidir os trabalhos deste Encontro: «Converter-se para converter», «Em comunhão para promover a comunhão», «Com a Virgem Maria para a missão». Mediante a reflexão e o estudo orientado nessa direcção poderse-ão alcançar bons resultados e, de modo especial, intensificar a preparação para a entrada, já próxima, na Porta Santa do Grande Jubileu que «celebrará a Encarnação e a vinda do Filho de Deus ao mundo, mistério de salvação para todo o género humano» (Tertio millennio adveniente, TMA 44), plenitude dos tempos (cf. Gl Ga 4,4).

Desejo ardentemente que, ao concluirdes este Encontro, regresseis aos vossos lugares de missão enriquecidos com uma magnífica experiência de fraternidade sacerdotal e desejosos de transmitir, nos vossos presbitérios diocesanos e nas comunidades que servis, um renovado dinamismo apostólico que favoreça a evangelização, tendo como ponto de referência três pilares que caracterizam a vida religiosa das terras latino-americanas, que vos acolheram nestes dias: a Eucaristia, «fonte e ápice de toda a evangeliza ção» (Presbyterorum ordinis PO 5); a comunhão eclesial, fruto da presença de Jesus Cristo (cf. Lumen gentium LG 4); e a Santíssima Virgem, Mãe da Igreja.

A Ela, que da sua imagem gravada no manto de Juan Diego é venerada pelos povos nesse Continente com o título de Guadalupe e «é a primeira evangelizadora da América» (Carta Os caminhos do Evangelho, n. 34), confio os trabalhos do Encontro e, enquanto Lhe peço que continue a guiar os vossos passos e a fecundar as vossas tarefas evangelizadoras, concedo-vos de coração uma especial Bênção Apostólica.

Vaticano, 29 de Junho de 1998, Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo




Discursos João Paulo II 1998 - 27 de Junho de 1998