Discursos João Paulo II 1998 - 7 de Julho de 1998

Agradeço cordialmente a D. Carlos Amigo Vallejo, Arcebispo de Sevilha, as amáveis palavras que me dirigiu, interpretando os sentimentos de afecto e adesão de todos vós, Pastores postos à frente do Povo de Deus que vive no levante e no solo peninsular espanhol, assim como nas ilhas Baleares e Canárias. Saúdo todos vós cordialmente, os Arcebispos de Sevilha, Valença e Granada, os Bispos das respectivas dioceses sufragâneas e os Bispos Auxiliares. Como Pastor de toda a Igreja sinto a vossa proximidade e união «no vínculo da unidade, da caridade e da paz» (Lumen gentium LG 22), acompanho-vos nos vossos desvelos pastorais como servidores do Evangelho (cf. ibid., 24 e 27) e exorto-vos a «não vos cansardes de fazer o bem» (2Th 3,13).

2. O Evangelho chegou às vossas terras já no alvorecer do cristianismo, criando comunidades de fé que compartilharam a sorte da Igreja nas diversas etapas do seu itinerário quase bimilenário. Elas sentiram o calor da tradição apostólica, acolhendo com alegria a sua mensagem de salvação; contribuíram com os seus Concílios particulares para a articulação da fé e a consolidação de um estilo de vida coerente com a verdade professada; conheceram a perseguição e experimentaram a oposição dos desvios doutrinais; souberam viver no silêncio sob o predomínio de outras culturas e crenças e participaram no restabelecimento da fé, que originariamente tomava alento nos seus corações; assistiram de perto os grandes movimentos de reforma da Igreja e colaboraram no grande esforço missionário para a evangelização do Novo Mundo; por fim, viveram e estão a viver o fascinante momento actual, no qual toda a comunidade eclesial, sob o impulso dado pelo Concílio Vaticano II, se sente profundamente comprometida em viver o Evangelho de Cristo com autenticidade e em proclamá-lo com todo o seu esplendor aos homens de hoje.

As muitas vicissitudes históricas pelas quais passaram os vossos povos, forjaram a tradição das vossas gentes e criaram um rico património, que hoje podeis mostrar ao mundo em tantas obras de arte, cultura e civilização. Esta herança tem profundas raízes cristãs, cuja tradição, antiquíssima, chegou até aos nossos dias com obras literárias e monumentos, que não devem cair no esquecimento e merecem ser estudados e venerados, como dom precioso às vossas Igrejas e aos vossos povos.

Também herdastes abundantes frutos de santidade, surgidos nas mais diversas circunstâncias. Dentre eles não faltam insignes exemplos de dedicação ao ministério apostólico, que podem inspirar a vossa actividade de hoje, como Leandro e Isidoro; Pedro Pascual, Bispo mártir de Jaén, João de Ávila, padroeiro do clero espanhol, e Hernando de Talavera, monge jeronimonitano; o agostiniano Tomás de Vilanova e o sevilhano João de Ribera, Arcebispos de Valença e fundadores de diversos colégios para a formação de sacerdotes. Eu mesmo, há poucos anos, durante a minha primeira visita à Espanha, tive em Sevilha a felicidade de proclamar Beata a Irmã Ângela da Cruz, digna continuadora da tradição de dedicação e caridade cristã para com os desvalidos, que séculos atrás distinguira João de Deus e João, o Grande.

3. Quereria nesta ocasião reflectir convosco sobre alguns dos desafios mais importantes que, neste momento, vos cabe enfrentar para que as vossas comunidades eclesiais, como fizeram outrora, sejam também hoje fiéis à sua «missão de anunciar o Reino de Cristo e de Deus, de o estabelecer em todos os povos» (Lumen gentium LG 5) e de comunicar a todos a graça e a verdade de Cristo.

Os actos celebrados nas sedes metropolitanas das vossas Províncias eclesiásticas durante a minha mencionada visita à Espanha têm, de certo modo, um significado emblemático, válido também para hoje, e cujo interesse ultrapassa os limites locais em que tiveram lugar. Em Valença ordenei um grande número de sacerdotes, em Granada tive um encontro com os educadores na fé, e em Sevilha beatifiquei, como eu disse, a Irmã Ângela da Cruz, exemplo de caridade cristã. Estes factos destacam os aspectos essenciais, que caracterizam a Igreja de todos os tempos como comunidade que se reúne em torno de Cristo vivo e celebra a Sua presença, que proclama o Evangelho a todos os povos e o infunde no mais íntimo dos seus corações, e que se distingue pelo seu decidido e incondicional amor aos irmãos (cf. Act Ac 2,42-45 Jn 13,35).

4. A reforma litúrgica foi um dos frutos mais visíveis e que, com maior entusiasmo, foram acolhidos pelo Povo de Deus. Nele devemos ver não só o afã de mudança, que parece caracterizar a nossa época, ou o legítimo desejo de adaptar a celebração dos mistérios sagrados à sensibilidade e cultura dos nossos dias. Atrás deste fenómeno esconde-se, na realidade, a aspiração dos crentes a viverem e expressarem a sua mais profunda e autêntica identidade de discípulos reunidos em torno de Cristo, presente no meio deles de maneira inigualável através da sua Palavra e dos sacramentos, especialmente a Eucaristia (cf. Sacrosanctum Concilium SC 7). Desta maneira, não só se constrói sobre base firme e duradoura o edifício da fé (cf. Lc Lc 6,48), mas toda a comunidade cristã torna-se consciente de que deve celebrar o mistério de Cristo, Salvador do género humano, e que o deve anunciar e dar a conhecer abertamente aos homens de hoje, vencendo a tentação, sentida às vezes dentro e fora do seu seio, de atribuir à Igreja outras identidades e interesses. Com efeito, a Igreja vive mais daquilo que recebe do seu Senhor do que daquilo que pode fazer apenas com as suas forças. Também neste aspecto devemos reconhecer com o Apóstolo: «prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo» (2Co 12,9).

Por isso, num ambiente que às vezes tende a trivializar as convicções mais profundas, é particularmente importante educar os fiéis para que sintam a necessidade interior de se aproximarem com frequência, a fim de receber os sacramentos, de participar de modo activo nas celebrações litúrgicas e de se reunir aos domingos com os outros irmãos, para celebrarem a Páscoa do Senhor no sacramento da Nova Aliança. Para isto, a ninguém há-de faltar o apoio da inteira comunidade cristã. A esse respeito, é útil recordar que, de modo particular, corresponde aos Bispos a preocupação «que o domingo seja reconhecido por todos os fiéis, santificado e celebrado como verdadeiro "dia do Senhor", no qual a Igreja se reúne para renovar a memória do Seu mistério pascal com a escuta da Palavra de Deus, a oferta do sacrifício do Senhor, a santificação do dia mediante a oração, as obras de caridade e a abstenção do trabalho» (S. Congregação para os Bispos, Ecclesiae imago, Directório para o ministério pastoral dos Bispos, 29 de Fevereiro de 1973, n. 86).

5. Constato com satisfação como vós, juntamente com os outros Bispos da Espanha, procurais iluminar a partir do Evangelho todos os âmbitos da vida do homem e da sociedade, sem excluir a dimensão moral e social. Este aspecto do vosso ministério que, embora com grande prudência e sensibilidade, devereis exercer sempre sem temor, deve chegar ao coração mesmo das pessoas, de maneira que cada crente possa experimentar a força transformadora da fé na sua vida quotidiana, expressá-la com autenticidade e dar testemunho dela com eficácia.

A Igreja, que considerou sempre a formação dos fiéis como uma das tarefas mais essenciais da sua actividade, está também consciente da sua importância decisiva nalguns momentos em que as circunstâncias mudam com vertiginosa rapidez, apresentando cada dia novos interrogativos, aos quais a fé dos crentes se deve opor. Como eu disse em Granada, «uma minoria de idade cristã e eclesial não pode suportar as investidas de uma sociedade secularizada de maneira crescente» (Homilia na celebração da Palavra com os educadores na fé, Granada, 5.XI.1982, n. 3).

Vós, Pastores numa terra que deu à Igreja e à sociedade exímias figuras no campo da educação, sabeis muito bem que, tanto na vida como na fé, nunca se termina de aprender, razão por que é preciso fomentar continuamente a formação cristã, não só das crianças e dos jovens, mas também dos adultos e das famílias, de cada pessoa e dos grupos, segundo o seu próprio carisma e vocação, sem esquecer os próprios educadores e sacerdotes, que também peregrinam neste mundo como permanentes discípulos do Senhor.

A estes sois devedores de modo particular, porque são os vossos mais imediatos colaboradores na missão pastoral. Eles necessitarão de vós em muitas ocasiões, em especial nos primeiros anos do seu ministério, não só como mestres e guias na atenção ao Povo de Deus, mas também como pais a quem se confiam as próprias aspirações e dificuldades, recebendo deles compreensão e encorajamento para desempenhar o ministério sacerdotal. Aprenderão de vós, por sua vez, a sentir-se próximos das necessidades e preocupações dos fiéis, aos quais devem dedicar-se como verdadeiros pastores que conhecem cada um pelo seu nome (cf. Jo Jn 10,3).

6. A criatividade, a delicada sensibilidade e a rica capacidade expressiva das vossas gentes é um facto positivo no momento de as encaminhar para o encontro com Deus, mistério indizível que com frequência se torna acessível através de imagens, gestos e sinais. Sei bem que este aspecto da religiosidade popular ocupa um lugar importante na vossa solicitude pastoral e encorajo-vos a continuar os vossos esforços com a finalidade de que, como na pedagogia divina, as palavras acompanhem os gestos, a fim de se manifestarem de modo mais claro a presença e a vontade de Deus (cf. Dei Verbum DV 2). É importante, com efeito, que a expressão religiosa sirva para aprofundar na fé, e esta ilumine todos os aspectos da vida dos crentes, tornando-os cada dia mais conscientes de deverem crescer como pedras vivas que constróem o templo de Deus neste mundo (cf. 1P 2,5). Por isso, deve-se procurar que todo o grupo eclesial, como as Irmandades e Confrarias, sejam âmbitos propícios para a formação cristã dos seus membros e canal da sua plena integração na vida da comunidade eclesial, participando na celebração dos sacramentos, sobretudo da Eucaristia, estando unidos aos seus Pastores, colaborando com eles no contexto da pastoral de conjunto e promovendo incessantemente o compromisso e solidariedade, que é característico de uma comunidade deveras cristã e fraterna. Com efeito, o mesmo Concílio Vaticano II recordou quais são os objectivos da educação cristã: fazer com que todo o baptizado chegue a adorar a Deus Pai em espírito e verdade, antes de tudo na acção litúrgica, viva segundo o homem novo em justiça e santidade, contribua para o crescimento do Corpo Místico, dê testemunho da sua esperança e promova os mais apreciados valores do homem e da sociedade (cf. Gravissimum educationis GE 2). Deste modo podemos esperar que os fiéis leigos, aos quais se reconhecem o seu valor e plena dignidade na Igreja, assumam também um maior compromisso nas tarefas próprias de uma comunidade cristã que vive intensamente o Evangelho, o anuncia com coragem e leva os seus valores a todos os âmbitos da existência humana, pessoal e social.

7. Nos planos de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000 vós, Bispos espanhóis, acolhestes plenamente o objectivo indicado para os cristãos de todo o mundo, no qual se inclui «o acolhimento do próximo, especialmente do mais necessitado» (Tertio millennio adveniente, TMA 42). Esta é uma das grandes preocupações da Igreja nos nossos dias e compete a muitos de vós de maneira particular, porque comprovastes entre as vossas populações os efeitos devastadores de uma concepção do homem «apenas como produtor e consumidor de mercadorias ou então como objecto da administração do Estado» (Centesimus annus CA 49). À difícil situação dos homens do campo ou do mar, acrescentaram-se outras mais recentes e não menos dramáticas, de maneira que, como o bom samaritano (cf. Lc Lc 10, 29ss.), a Igreja encontra no seu caminho também o desempregado, o jovem com a esperança desiludida, posto na trivialidade ou devastado pela droga, o emigrante que chega de outras terras, mulheres desprezadas, crianças sem amparo e homens privados da sua dignidade. Não deixeis que nenhum dos vossos fiéis e comunidades permaneça insensível diante destas realidades, que são um apelo constante de atenção ante tantas proclamações como se fazem numa sociedade que parece sentir-se satisfeita e recompensada pelos seus êxitos. É necessário dar testemunho convincente de Cristo, que veio «para anunciar a Boa Nova aos pobres e proclamar o ano de graça do Senhor» (cf. Lc Lc 4,18-19), com palavras e obras, que não deixem nada por pretender, desde a caridade «de urgência» naqueles casos em que for necessário, às reformas de carácter mais institucional que vão criando um tecido social mais justo e solidário.

Nestes momentos da história as vossas Igrejas estão chamadas a ser o umbral de uma Europa, na qual se perfilam novos cenários sociais e políticos, o que lhes confere a grande responsabilidade de serem também porta de acolhimento para outros povos e de darem exemplo de generosidade, sabendo partilhar de maneira fraterna o plano com aqueles que chegam às vossas terras em busca de uma nova esperança.

8. Quero concluir este colóquio fraterno, pedindo-vos que leveis a minha saudação afectuosa a todos os membros das vossas Igrejas particulares: aos sacerdotes e às comunidades religiosas, aos catequistas e cristãos comprometidos no apostolado, aos jovens e aos pais, aos anciãos, aos doentes e aos que sofrem. Deus queira que as raízes cristãs dos vossos povos infundam em todos uma esperança viva e um dinamismo novo, que os leve a superar as dificuldades do momento presente e assegure um porvir de crescente progresso espiritual e humano. De maneira especial, dizei aos vossos sacerdotes, às pessoas consagradas, aos demais agentes de pastoral e seminaristas, que o Papa lhes agradece os seus trabalhos pelo Senhor e pela causa do Evangelho, e que espera e tem confiança na sua fidelidade.

À Virgem Maria, nossa mãe celestial, que os vossos povos adornam e é invocada com tanto fervor pelas vossas gentes, confio as vossas pessoas e intenções pastorais, para que ?eveis a cabo a tarefa de uma nova evangelização que prepare os corações para a vinda do Senhor.

Com estes sentimentos acompanha-vos a minha oração e, com afecto, concedo-vos a Bênção Apostólica.



                                                                       Agosto de 1998

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO 650° ANIVERSÁRIO DA MORTE

DO BEATO BERNARDO TOLOMEI FUNDADOR


DOS OLIVETANOS






Ao Reverendíssimo Padre MICHELÂNGELO RICCARDO M. TIRIBILLI
Abade-Geral da Congregação Beneditina Olivetana

1. Celebra-se neste ano o 650° aniversário da morte do Beato Bernardo Tolomei, apaixonado «pesquisador de Deus» (Regula Benedictina 58, 7), que essa Congregação monástica se apresta para comemorar com alegria. Nesta fausta data, é-me grato dirigir-lhe, Reverendíssimo Padre, e à inteira Congregação monástica dos Olivetanos, a minha saudação de bons votos, unindo-me de bom grado ao comum hino de louvor e de reconhecimento ao Senhor pelo dom à sua Igreja, de tão insigne testemunha do Evangelho.

Por coincidência providencial, esta comemoração é realizada no segundo ano de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, dedicado ao Espírito Santo. A figura luminosa do Beato Bernardo, criador de «escolas do serviço de Deus» (Regula Benedictina, Prol. 45), é um exemplo singular da presença e da acção do Espírito Santo, fonte da múltipla variedade dos carismas de que vive a Esposa de Cristo.

Com abundância, no coração do Beato Bernardo «foi derramado o amor de Deus pelo Espírito Santo» (Rm 5,5), que o tornou assim sinal do Senhor ressuscitado. Graças a isto ele pôde sobressair «na vocação a que Deus o chamou, para a maior santidade da Igreja e para a maior glória da Trindade» (Const. dogm. Lumen gentium LG 47), como indica de maneira significativa o nome de Monte Oliveto, por ele dado ao deserto de Accona. Bernardo, «nada antepondo ao amor de Cristo» (Regula Benedictina 4, 21; cf. 72, 11), inseriu-se com fidelidade dinâmica naquela ininterrupta tradição que comprovou a nobreza, a beleza e a fecundidade da espiritualidade beneditina.

2. A sua extraordinária experiência de Cristo morto e ressuscitado foi «experiência do Espírito, vivida e transmitida» (Mutuae relationes, 11) à Congregação monástica por ele fundada, que hoje está difundida em muitos Países do mundo.

Ao aproximar-se já do Terceiro Milénio da era cristã, a Família espiritual Beneditina Olivetana, projectada com esperança para o futuro, quer consolidar com coragem a própria vocação ao serviço do Evangelho. Ela percebe a urgência de «prestar humilde e ao mesmo tempo nobre serviço à divina Majestade » (Decr. Perfectae caritatis PC 9), aceitando com alegria «o bem da obediência» (Regula Benedictina 71, 1), «vivendo o amor fraterno» (ibid. 72, 8), progredindo na «conversão dos costumes» (ibid. 7).

Precisamente com uma celebração do «Opus Dei», cuidada e rica de intensidade contemplativa, embora no meio de tantas provações, durante os séculos os Monges Olivetanos souberam tornar as suas comunidades, sempre mais lugares de silêncio, de paz, de fraternidade e de sensibilidade ecuménica. Os mosteiros olivetanos tornaram-se deste modo testemunho eloquente de comunhão, morada hospitaleira para aqueles que procuram Deus e as realidades espirituais, escola de fé e laboratórios de estudo, de diálogo e de cultura.

3. O 650° aniversário da morte do Beato Bernardo constitui, portanto, uma oportuna circunstância para evidenciar com vigor renovado a actualidade do carisma dessa Ordem. Recordando o radical testemunho de vida monástica do Fundador, não será difícil fazer emergir as razões das opções a ele sugeridas pela situação do monaquismo do seu tempo, e por ele postas em prática ao fundar uma nova Congregação beneditina, que se diferencia das outras por «uma estrutura própria, em virtude da qual os Monges professam nas mãos do Abade-Geral ou de um seu delegado e, embora vivam nos vários mosteiros, estão de tal modo unidos à Arquiabadia do Monte Oliveto, que formam uma só família por vínculo, não só de caridade, mas também jurídico» (Constituições Olivetanas, 1).

Sei que a atenção a esta sua «releitura» da Regra de São Bento será objecto de reflexão e de discernimento no vosso iminente Capítulo Geral, verificação importante da vossa identidade carismática. Faço votos de coração por que, graças ao empenho e à colaboração de todos, a memória histórica das vossas origens se torne memória viva, que imprima novo impulso ao vosso apostolado.

Visto que é preciso distinguir o carisma das formas contingentes em que ele foi expresso no passado, será oportuno fazer-lhe uma revisão equilibrada e realista, baseada nos princípios da subsidiariedade e da complementaridade, já contemplados pelas vossas Constituições, mas que talvez esperem novos esclarecimentos para aderir melhor à situação hodierna da vossa Congregação.

4. Damos graças ao Senhor porque nos mais de seis séculos de vida a vossa Congregação experimentou como a divina Providência tem guiado os Monges nos caminhos da autêntica perfeição religiosa. Em particular, a Congregação soube manter sempre vivo aquele característico apostolado monástico que é a hospitalidade, oferecendo «um acolhimento solícito» (Regula Benedictina 53, 3) àqueles que sentem a necessidade de um espaço ideal para se reconciliar consigo mesmos, com os outros e com Deus. É importante que os Monges sejam para os seus hóspedes testemunhas da virtude teologal da esperança, ajudando-os assim no empenho quotidiano de transformar a história segundo o projecto de Deus.

Os meus votos cordiais são por que, na fiel observância das Constituições, a legítima diversidade de cada mosteiro alimente a riqueza espiritual daquilo a que a tradição olivetana chama «unum Corpus». Essa tradição faz da vossa Congregação um ágape fraterno de comunidades e está na origem daquele singular vínculo entre monges e mosteiros, que bem caracteriza a vossa Família contemplativa.

Nesse sentido, os Padres capitulares serão chamados a procurar adequadas modalidades para exprimir, com formas actualizadas, esta irrenunciável característica da sua identidade monástica, quer com base na actual realidade da Congregação, que já se tornou internacional, quer devido à situação histórica e eclesial profundamente mudada, na qual eles são chamados a torná-la presente.

O Espírito Santo reavive em cada membro o dom específico que Deus confiou à vossa Família contemplativa, com uma sábia e prudente reformulação das intenções que guiaram o Beato Bernardo na origem da fundação.

5. Invoco sobre todos os Monges olivetanos a protecção materna de Maria, cujo nome resplandece na denominação oficial da vossa Família religiosa, chamada precisamente Congregação Beneditina de Santa Maria do Monte Oliveto. A Ela, peregrina na fé, peço que guie os vossos passos rumo ao Terceiro Milénio, continuando a infundir na Congregação os dons de fecundidade espiritual, que lhe caracterizaram o passado glorioso e continuarão, disto estou certo, a marcar também o seu futuro.

Com estes votos, enquanto invoco sobre a Congregação a protecção celeste de Nossa Senhora e do Beato Bernardo Tolomei, com afecto concedo-lhe, Reverendíssimo Padre, uma especial Bênção Apostólica, que faço extensiva aos Coirmãos Monges olivetanos e a quantos recorrem ao vosso quotidiano ministério religioso e espiritual.

Castel Gandolfo, 1 de Agosto de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO FINAL DO CONCERTO


DA «PHILHARMONIA HUNGARICA»


Domingo, 2 de Agosto de 1998





Excelências Ilustres
Senhores e Senhoras

Escutei com interesse as composições musicais de Félix Mendelssohn e de Zoltán Kodály, que a Philharmonia Hungarica acabou de executar durante esta interessante tarde musical, organizada pela Academia Musicae pro Mundo Uno, de Roma.

Agradeço em primeiro lugar ao Maestro Ervin Acél, Director estável da Orquestra Sinfónica de Szeged, ao violinista Stefan Milenkovich e ao conjunto dos músicos a competência e o talento com que alegraram o nosso espírito. Depois, o meu pensamento reconhecido dirige-se ao Maestro Giuseppe Juhar e à Doutora Monika Ryba-Juhar, respectivamente Presidente e Directora artística da Academia Musicae pro Mundo Uno.

Além disso, saúdo cordialmente os hóspedes que aqui vieram e exprimo-lhes sentimentos de gratidão por terem querido honrar, com a sua presença, este encontro musical no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo.

Na interpretação dos textos que nos foram oferecidos, parecem transparecer toda a força e todo o pathos da alma nacional húngara, tão rica de sentimento e todavia tão sóbria e nobre, aberta ao diálogo com as outras culturas.

Em virtude do carácter mesmo da sua linguagem universal, a música tem a capacidade de favorecer o encontro entre culturas diferentes, tornando-se veículo de uma frutuosa permuta de dons que frequentemente enriquece mais quem oferece do que quem recebe. Ela eleva o espírito a sentimentos nobres e sinceros e, mediante a harmonia das notas e do diálogo dos instrumentos, pode levar à contemplação da suprema e eterna beleza de Deus.

Formulo cordiais votos por que cada execução musical seja uma ocasião de interior enriquecimento espiritual e motivo de fraterno entendimento entre as pessoas e as Nações.

Acompanho estes sentimentos com uma especial Bênção, que de bom grado concedo aos presentes e às suas respectivas famílias, em penhor de abundantes graças celestiais.

Estou grato por este belo concerto.

Boa-noite a todos!



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL CAMILLO RUINI PARA A ABERTURA


DA «ORAÇÃO QUOTIDIANA PELA ITÁLIA»


EM LORETO






Ao Venerável Irmão Cardeal CAMILLO RUINI
Presidente da Conferência Episcopal Italiana

É com alegria que tomei conhecimento do facto que, a partir do próximo dia 8 de Setembro, Festa da Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria, se retomará a Oração Quotidiana pela Itália na Casa Santa de Loreto e será acendida a Lâmpada da Itália, que arderá como um símbolo da invocação do povo italiano.

A Grande Oração pela Itália teve início em 1994, quando a constante solicitude que nutro pela dilecta Nação italiana me impeliu a convidar a fazer elevar incessantemente a Deus uma oração na Igreja (cf. Act Ac 12,3), a fim de obter a graça da conversão dos corações, condição indispensável para construir uma convivência mais justa e solidária. No dia 10 de Dezembro desse mesmo ano, aos pés da Virgem de Loreto, em fraterna e intensa comunhão com os Bispos italianos, na presença de Autoridades do Estado, pude celebrar a fase conclusiva da resposta coral suscitada por esse apelo.

A nova e providencial iniciativa que, retomando aquele convite, se tornou a Oração Quotidiana pela Itália, prolonga a invocação de paz e constitui uma ulterior ocasião para se preparar para viver a graça do Jubileu, dirigindo o olhar, com renovado e filial amor, para Aquela que em todas as regiões da Península é venerada como refúgio seguro nos perigos e Mãe benévola diante das súplicas de quantos estão na prova (cf. Sub tuum praesidium, no Breviário Romano).

Enquanto a aproximação do terceiro milénio suscita inéditas expectativas e esperanças, olhamos para Maria, primeira discípula do Senhor e Mestra de sabedoria, que nos ajuda a ler as vicissitudes da história na total disponibilidade à Palavra do Senhor. Com o seu apoio materno, o povo italiano poderá assim mais facilmente discernir «os sinais dos tempos» e empenhar-se com coragem e perseverança na edificação de uma sociedade com feição e dimensão autenticamente humanas.

A Lâmpada da Itália, que todos os dias brilhará na Casa Santa, lugar que evoca o mistério do Verbo que Se fez carne, será símbolo da constante consagração à Mãe do Senhor por parte da comunidade italiana. Ela recordará, ao mesmo tempo, que é tarefa dos cristãos ser vigilantes das lanternas acesas (cf. Mt Mt 25,1-13) e perseverantes na oração e na fidelidade ao Evangelho, para iluminarem com a chama da Verdade e do amor de Cristo as várias realidades sociais, políticas, culturais e económicas da existência.

Enquanto formulo ardentes votos por que esta providencial iniciativa possa produzir os frutos esperados, exprimo viva satisfação e, espiritualmente unido a quantos se encontram reunidos no sagrado templo de Loreto, de bom grado concedo-lhe, Senhor Cardeal, a D. Ângelo Comastri, aos Bispos italianos e aos fiéis presentes no rito sagrado, uma especial Bênção Apostólica que de bom grado faço extensiva à inteira e amada Nação italiana.

Castel Gandolfo, 6 de Agosto de 1998.



PALAVRAS DO PAPA JOÃO PAULO II


RECORDANDO SEU VENERÁVEL PREDECESSOR


PAPA PAULO VI


6 de Agosto de 1998



É sempre viva em toda a Igreja a memória do meu venerado predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, que faleceu há vinte anos aqui em Castel Gandolfo. O tempo não diminuiu a sua recordação; pelo contrário, o transcorrer dos anos faz aparecer cada vez mais luminosa a sua figura e mais actuais e surpreendentes as suas proféticas intuições apostólicas. Depois, neste ano a celebração do centenário do nascimento deste Pontífice, guia sábia e fiel do povo cristão durante o Concílio Vaticano II e o difícil período pós-conciliar, faz-nos sentir mais familiar a chamada à sua pessoa e mais incisivo o testemunho do seu amor a Cristo e à Igreja.

Ele morreu no dia em que a liturgia comemora o evento extraordinário da Transfiguração do Senhor.

Numa homilia, ele comentava do seguinte modo a hodierna página evangélica: «É preciso redescobrir o rosto transfigurado de Cristo, para sentir que Ele é ainda, e precisamente para nós, a nossa luz. Aquela que ilumina cada alma que o procura e o acolhe, que faz resplandecer cada cena humana, cada cansaço, e lhe dá cor e relevo, mérito e destino, esperança e felicidade» (Insegnamenti di Paolo VI: II, 1964, PP 133-134). Ao iniciarmos a celebração da Eucaristia, na qual elevaremos as nossas orações por este inesquecível Pontífice, as suas palavras exortam-nos a pedir ao Senhor, para a Igreja e para cada fiel, a corajosa e heróica fidelidade ao Evangelho, que caracterizou o seu ministério de Sucessor de Pedro.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

EM UM ENCONTRO DEDICADO AO TEMA

«NO FINAL DO MILÉNIO: TEMPOS E MODERNIDADES»


: Castel Gandolfo, 17 de Agosto de 1998



Meus Senhores e minhas Senhoras!

É com grande alegria que vos dou as boas-vindas e agradeço a vossa participação neste encontro. Desejo exprimir-vos imediatamente quanto aprecio a vossa disponibilidade a oferecer o vosso tempo e os vossos conhecimentos a este exercício, fazendo votos por que ele seja uma experiência agradável para todos nós.

Sois representantes dos âmbitos académico, científico, político e editorial, de diversas partes do mundo e de várias formações. O objectivo deste encontro, é «concentrar» esta grande riqueza de pensamentos e de experiências sobre um tema de grande estímulo sob o ponto de vista da investigação intelectual e, simultaneamente, muito concreto, dada a sua capacidade de sugerir à humanidade, que chegou a esta encruzilhada, maneiras de prosseguir: «No final do Milénio: tempos e modernidades».

A Igreja deve pregar a mensagem de salvação que recebeu do seu Fundador divino. Mas deve pregar esta mensagem aos povos de todos os tempos. Precisa de ser ajudada a compreender cada era, cada período da história, com os seus pressupostos, os seus valores, as suas expectativas, os seus limites e erros. Somos testemunhas de um dos períodos mais complexos e decisivos da história humana? Encontramo-nos num tempo que marca o fim ou chegamos a um início?

Por meu lado, é com prazer que espero conhecer as vossas opiniões. Considerei sempre a busca da «verdade das coisas » uma qualidade que define o homem. Sinto a maior estima pelo empenho e dedicação que a vossa investigação requer. Ao iniciar estes dois dias de reflexão, ofereço-vos a minha oração ao Espírito Santo, o Espírito de Verdade, para que nos guie e ampare os nossos esforços. Vinde Espírito Santo, enchei os nossos corações do vosso amor e tornai-nos capazes de participar na vossa grande missão: renovar a face da terra!

Com particular alegria dou as boas-vindas aos participantes de língua alemã neste oitavo encontro de Castel Gandolfo. Faço votos por que esta experiência nos consinta aumentar a nossa compreensão do tempo e da história, que é mãe e mestra de vida. Deste modo, desejamos oferecer um modesto contributo à humanidade, no limiar do novo Milénio.

Desejo saudar cordialmente os meus ilustres concidadãos. Estou contente por poder hospedar de novo em Castel Gandolfo quantos desejam trocar impressões sobre as suas experiências e reflexões acerca de temas importantes, quer do ponto de vista da cultura geral, quer para a missão da Igreja. Agradeço-vos terdes vindo e desejo-vos um trabalho profícuo.

Envio uma cordial saudação ao Rev.do Pe. Józef Tischner.





DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS IRMÃS DA CONGREGAÇÃO DAS FILHAS


DE NOSSA SENHORA DA MISERICÓRDIA


20 de Agosto de 1998





Caríssimas Filhas de Nossa Senhora da Misericórdia!

1. É-me grato acolher-vos por ocasião do Capítulo Geral que há pouco concluístes em Savona, cidade na qual, há mais de um século e meio, Santa Maria Josefa Rossello fundou a vossa Congregação. A minha saudação cordial dirige-se a cada uma de vós que compondes a assembleia capitular, e estende-se ao mesmo tempo a todas as Coirmãs – mais de mil – nas diversas comunidades espalhadas pela Europa, África, América e Ásia.

Dirijo um pensamento de bons votos à Superiora-Geral, Irmã M. Celsa Josefa Benetti, que foi confirmada nesse cargo pelo Capítulo. Apresento-lhe as minhas felicitações, juntamente com o encorajamento a continuar com ânimo alegre e sereno no seu serviço à Congregação, para promover a sua incisiva presença apostólica na Igreja.

2. A vossa reunião capitular inscreve-se no ano do Espírito Santo, segunda etapa do itinerário de preparação imediata para o Grande Jubileu do Ano 2000. Por esta razão, quereria antes de tudo evocar a «íntima relação» que liga a vida consagrada à obra do Espírito Santo (cf. Exort. Apost. pós-sinodal Vita consecrata VC 19).

O Espírito é, em primeiro lugar, a alma da vocação: «é Ele que sempre induz novas pessoas a sentirem atracção por uma opção tão comprometida... é Ele que guia o crescimento desse anseio... é Ele que forma e plasma o espírito dos que são chamados, configurando-os a Cristo casto, pobre e obediente» (ibid.).


Discursos João Paulo II 1998 - 7 de Julho de 1998