Discursos João Paulo II 1998 - 20 de Agosto de 1998

Tal como o «sim» de Maria, e a sua fecundidade virginal, assim o dom de si na vida consagrada acontece na «sombra » do poder do Altíssimo. E este «sim», este dom renova-se cada dia na orante união com Deus – da qual a Eucaristia é o ápice –, na comunhão fraterna e no apostolado.

No decurso dos séculos e dos milénios, o Espírito Santo semeia na Igreja a variedade dos carismas, entre os quais também aqueles próprios dos vários Institutos. «Daí a aparição de múltiplas formas de vida consagrada, através das quais a Igreja é embelezada... e fica enriquecida... para cumprir a sua missão no mundo» (ibid.).

3. Mediante o luminoso testemunho de Maria Josefa Rossello, o Espírito pôde suscitar na generosa terra lígure um novo rebento, a partir daquela inexaurível fonte de vida evangélica que é a experiência da divina Misericórdia, «conteúdo fundamental da mensagem messiânica e força constitutiva da sua missão» (Dives in misericordia DM 6). Este é o vosso carisma, que sentis particularmente ligado com Maria Santíssima, Mãe da Misericórdia e de quantos a ela se confiam.

O Capítulo Geral constitui, antes de tudo, um acto de fidelidade ao carisma de fundação e ao consequente património espiritual do Instituto. «Precisamente nessa fidelidade à inspiração dos fundadores e das fundadoras, dom do Espírito Santo, se descobrem mais facilmente e se revivem com maior fervor os elementos essenciais da vida consagrada» (Vita consecrata VC 36). Nas reuniões capitulares, põem-se à escuta daquilo que o Espírito quer dizer, para discernir o que significa ser fiéis ao próprio carisma no hoje do Instituto, da Igreja e do mundo, a fim de que a semente de santidade possa produzir fruto no tempo presente.

A respeito disso, «contudo, há que manter viva a convicção de que a garantia de toda a renovação, que pretenda permanecer fiel à inspiração originária, está na busca de uma conformidade cada vez mais plena com o Senhor» (ibid., 37).

4. Também a humanidade contemporânea – com as suas pobrezas de sempre e com as específicas da nossa época – tem sede da divina Misericórdia, e pede que seja reconhecida a sua presença em homens e mulheres, que lhe sejam testemunhas críveis.

Esse testemunho não pode senão partir da própria vida da comunidade religiosa, a qual é o lugar em que a misericórdia se faz quotidiana atenção recíproca, compartilha, correcção fraterna. De uma intensa experiência pessoal e comunitária irradiam-se os vários «ministérios de misericórdia» – como são chamados pelas vossas Constituições –, que são o vosso peculiar modo de «trabalhar pela extensão do Reino de Deus» (Const. 4).

Queridas Irmãs, vós pondes tudo isto sob a especial protecção de Maria Mãe de Misericórdia. Ela, «exemplo sublime de perfeita consagração» (Vita consecrata VC 28), recorde sempre a cada uma das suas Filhas «o primado da iniciativa de Deus» e lhes comunique «aquele amor que consente oferecer todos os dias a vida por Cristo, cooperando com Ele na salvação do mundo» (ibid.). Possa a Virgem Santa, também graças ao vosso testemunho de fé e de amor, ser por todos reconhecida como Mãe de Misericórdia. Com estes bons votos concedo de coração a vós e à inteira Congregação uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


APÓS UMA REPRESENTAÇÃO TEATRAL


SOBRE SANTA TERESA DE LISIEUX


Domingo, 23 de Agosto de 1998



Queridos amigos

Saúdo e agradeço a todos, em primeiro lugar aos três actores do espectáculo sobre Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Doutora da Igreja, bem como àqueles que contribuíram para a sua realização. Eles oferecem-nos a ocasião de meditar sobre a obra da Santa de Lisieux, Mestra de vida espiritual e padroeira das missões. Teresa mesma apreciava a arte teatral e a poesia, transmitindo assim a mensagem do seu divino Salvador, não desejando em toda a sua existência «senão a honra e a glória de nosso Senhor» (A missão de Joana d'Arc, 10 r.).

Alegro-me pelo facto daquela que passou a sua vida no segredo do Carmelo ser cada vez melhor conhecida e continuar a indicar o caminho do Senhor, graças à sua maturidade espiritual e à certeza da sua doutrina. Formulo votos por que, mediante a arte, numerosas pessoas tenham a oportunidade, no seguimento da pequena Carmelita, de descobrir Aquele que é o caminho, a verdade e a vida, e de ser atraídas por Ele, para O amar com todo o coração, uma vez que «o amor atrai o amor» (Manuscrito C, 34 r.), para viver o Evangelho todos os dias e servir os próprios irmãos.

Saúdo de igual modo todos aqueles que participaram nesta representação, de modo especial o Padre Abade e os Sacerdotes da Congregação de São Víctor, da Confederação dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho. Convido todos vós a renovar incessantemente, como Teresa, o acto de oferenda ao Amor misericordioso desejando, não obstante a debilidade humana, amar e fazer amar a Deus, colocando-se humildemente nas suas mãos como criancinhas, a fim de cumprir cada dia a sua vontade. A todos concedo do íntimo do coração a Bênção Apostólica.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO CARDEAL EDWARD I. CASSIDY


POR OCASIÃO DO XII ENCONTRO DE ORAÇÃO


REALIZADO EM BUCARESTE






Ao Venerável Irmão Cardeal EDWARD I. CASSIDY
Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos

Sinto-me particularmente feliz por dirigir, através de Vossa Eminência, as minhas cordiais saudações a quantos participam no XII Encontro de Oração, organizado pela Comunidade de Santo Egídio, sobre o tema: «A paz é o nome de Deus». O meu espírito ainda se recorda com profunda emoção da memorável jornada de Assis onde, pela primeira vez na história, representantes das grandes religiões do mundo se reuniram a fim de implorar a paz Àquele que é o único que a pode conceder em plenitude. Estou profundamente convicto de que, como tive ocasião de dizer nos meses seguintes, «naquele Dia, e na oração que era o motivo e o único conteúdo do mesmo, parecia exprimir-se por um momento também visivelmente, a unidade escondida mas radical... entre os homens e as mulheres deste mundo» (Discurso à Cúria Romana para os votos de Natal, n. 1, ed. port. de L'Oss. Rom. 04/01/1987, pág. 1). Esta perspectiva, que substancialmente é aquilo a que chamei o «espírito de Assis», deveria ser retomada e comunicada a fim de poder suscitar em toda a parte novas energias de paz. Nesse dia foi iniciado um caminho que a Comunidade de Santo Egídio animou com coragem, fazendo participar nele um número cada vez maior de homens e mulheres de religiões e culturas diferentes. Desta forma, a «perspectiva » de Assis delineou-se em várias cidades europeias, tais como Varsóvia, Bruxelas, Milão e, no ano passado, Pádua. Não é por acaso que esta peregrinação, a qual já alcançou doze anos de experiência, chega à Roménia e faz etapa em Bucareste, cidade que nesta ocasião se tornou como que o centro físico daquela Europa que, rica de povos e culturas, deve reconstruir uma harmoniosa e ampla unidade que não exclua ninguém.

Desejo fazer chegar a minha saudação a todo o povo romeno, do qual me sinto próximo com um pensamento afectuoso. Saúdo o Presidente da República e o seu Governo, agradecendo-lhes o convite que me fizeram para realizar uma visita à Roménia, que espero poder concretizar. Dirijo um pensamento fraterno e cordial a Sua Beatitude o Patriarca Teoctist, aos Metropolitas e Bispos, assim como a todo o povo da veneranda Igreja Ortodoxa da Roménia. Saúdo de igual modo, com afecto e estima, os Bispos e as Comunidades católicas, bizantinas e latinas da Roménia, exortando-as a perseverar com coragem no testemunho de Cristo e do seu Evangelho. E torno extensiva a minha saudação fraterna a todas as outras Confissões cristãs e Religiões presentes nesse nobre País. A grande manifestação de oração pela paz insere-se perfeitamente na particular vocação da Roménia para ser uma ponte entre Oriente e Ocidente, oferecendo uma síntese original entre culturas e tradições europeias. A presença tão numerosa de venerados Patriarcas, Primazes e Bispos de Igrejas Ortodoxas torna este Encontro altamente significativo para a inteira cristandade. Envio a todos eles o meu fraterno e afectuoso abraço de paz, para que o transmitam às suas amadas Igrejas. É deveras um dom precioso que líderes tão qualificados da Ortodoxia se unam hoje a representantes da Igreja Católica e de outras Igrejas e Comunidades cristãs do Ocidente, a fim de reflectirem juntos sobre um tema tão importante.

A presença deles neste Encontro, quase no limiar do Terceiro Milénio, estimula-nos a elevar com particular confiança a nossa oração a Deus, para que o mundo veja os cristãos «menos divididos». O caminho será tanto mais rápido quanto mais nos encontrarmos e amarmos, manifestando a alegria que nos une. Portanto, este Encontro de Bucareste apresenta-se como um verdadeiro momento de graça. Temos necessidade de recordar, a nós mesmos e ao mundo, que aquilo que nos une é muito mais forte do que quanto nos divide.

Este Encontro apresenta um elevado significado espiritual, porque vê os cristãos reunidos com representantes das grandes religiões do mundo. Também a eles dirijo a minha respeitosa saudação. Eles sabem que tenho muita consideração pelas suas tradições religiosas: durante as minhas viagens apostólicas nunca deixo de me encontrar com os seus representantes, reconhecendo a sua nobre tarefa nos respectivos países. A sua presença tão numerosa e qualificada, ao ressaltar a importância do papel que as religiões desempenham na vida dos homens do nosso tempo, recorda-nos o empenho de manifestar a unidade dos povos, educar para a paz e para o respeito, e cultivar a amizade e o diálogo.

Há sem dúvida necessidade deste empenho. Nestes últimos decénios verificaram-se notáveis progressos no caminho da paz, mas infelizmente também assistimos à expansão de numerosos conflitos: guerras em várias partes do mundo, que muitas vezes envolvem os Países mais pobres, agravando a sua condição já difícil. Penso de modo particular na África, martirizada por conflitos e por uma endémica situação de instabilidade. Penso também no vizinho Kossovo, onde inteiras populações sofrem, desde há muito tempo, atrocidades e torturas em nome de insensatas rivalidades étnicas. Por fim, penso nos processos de paz iniciados no Médio Oriente e noutras partes do mundo, mas postos sempre em perigo por novas dificuldades. Perante a expansão de situações de guerra, é necessário desenvolver novas energias de paz, das quais as religiões são uma preciosa reserva. No encontro de 1993, realizado em Milão, os representantes religiosos ali presentes subscreveram um apelo que ainda mantém a sua validade: «Que nenhum ódio, nem conflito, nem guerra seja incentivado pelas religiões! A guerra nunca pode ser motivada pela religião. As palavras das religiões sejam sempre de paz! A via da fé disponha ao diálogo e à compreensão! As religiões guiem os corações a pacificar a terra! As religiões ajudem todos os homens a amar a terra e os seus povos, pequenos e grandes!».

As religiões manifestam a aspiração universal à compreensão e ao entendimento, que nasce do amor sincero de Deus. Por conseguinte, este Encontro tem oportunamente como título «Deus, o homem, os povos», três realidades que devem reencontrar uma relação orgânica. Cada pessoa e cada povo pode descobrir a sua vocação autêntica no mundo, unicamente na medida em que fizer referência Àquele que está acima de todos e que acompanha cada um rumo ao futuro comum que vós, neste Encontro, de certa forma manifestais.

Confio a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, a tarefa de saudar cada um dos representantes das Igrejas e Comunidades cristãs e das grandes Religiões mundiais, garantindo a todos os participantes a minha afectuosa recordação, corroborada por uma fervorosa invocação ao Pai comum, para que todos os povos da terra, abandonando os caminhos da violência, retomem a via da paz.

Castel Gandolfo, 26 de Agosto de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA COMISSÃO INTERNACIONAL


CATÓLICO-ANGLICANA


Sexta-feira, 28 de Agosto de 1998





Prezados Amigos em Cristo

«Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo» (1Co 1,3). No vínculo da fé, saúdo-vos enquanto vos encontrais para a anual assembleia plenária da Comissão internacional católico-anglicana. Dirijo uma especial palavra de apreço ao Bispo Mark Santer, cujo mandato como co-presidente anglicano da Comissão está prestes a terminar. Agradeço-lhe tudo quanto tem feito para inspirar o trabalho da Comissão nestes anos.

Ao analisardes ulteriormente a questão da autoridade magisterial na Igreja, como estais a fazer nesta assembleia anual, procurais conhecer de forma mais profunda a mente de Cristo e aquilo que Ele quer para a sua Igreja. Numa época em que muitas pessoas se sentem profundamente incertas e ansiosas, é importante que os cristãos reafirmem que a verdade existe, que ela pode ser conhecida e que Cristo instituiu uma autoridade magisterial no seio da Igreja para salvaguardar e tornar compreensível a verdade da fé. A perda de confiança na verdade levou a uma crise da cultura, que não poupa nem sequer os discípulos de Cristo. Nesta situação, a voz da autoridade apostólica deveria ser como que uma diaconia da verdade, um serviço humilde e persistente à verdade da Revelação.

A nossa tarefa consiste em anunciar que Cristo é a Verdade absoluta e universal, que brota da profundidade mesma da Trindade, que Ele pode ser conhecido e que a humanidade encontra a sua verdadeira liberdade no conhecimento da Verdade que Ele é (cf. Jo Jn 8,32).

Na minha Carta Encíclica Ut unum sint, esclareci que «a missão do Bispo de Roma visa particularmente lembrar a exigência da plena comunhão dos discípulos de Cristo» (n. 4). Portanto, a minha ardente oração é por que o Espírito da Verdade continue a guiar o vosso trabalho a fim de que, aproximando-se do Terceiro Milénio da era cristã, arrependendo-se dos antigos pecados e celebrando novas esperanças, os anglicanos e os romano-católicos possam conhecer a alegria que sentimos quando os irmãos e as irmãs vivem na unidade (cf. Sl Ps 133 [132], 1). Glória Àquele que, «por meio do seu poder que age em nós, pode realizar muito mais do que pedimos ou imaginamos» (Ep 3,20).

A bênção de Deus Pai, Filho e Espírito Santo esteja convosco!

                         

                                                                                 Setembro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DAS «UNITED JEWISH APPEAL


FEDERATIONS OF NORTH AMERICA»


Quinta-feira, 3 de Setembro de 1998



Senhoras e Senhores

Dou calorosas boas-vindas a vós, representantes das , e agradeço a vossa visita. «Que o Senhor te abençoe e te proteja» (Nb 6,24). A vossa presença põe em evidência os estritos vínculos de afinidade espiritual que os cristãos compartilham com a grande tradição religiosa do Judaísmo e que remonta a Moisés e a Abraão.

O nosso encontro é um ulterior passo avante rumo ao revigoramento do espírito de compreensão entre judeus e católicos. Para o bem da família humana é muito importante nestes tempos que todos os crentes trabalhem juntos para edificar estruturas de autêntica paz. Devem fazê-lo, não por qualquer exigência política mas devido à vontade do Senhor, que subsiste para sempre (cf. Sl Ps 33,11).

De modos diversos, judeus e cristãos seguem o caminho religioso do monoteísmo ético. Adoramos o único verdadeiro Deus; esta adoração, porém, exige obediência à ética declarada pelos profetas: «Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem [...] socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a viúva» (Is 1,16-17). Sem tudo isto, a nossa adoração não tem significado algum para Deus, que diz: «Afastai de Mim o ruído dos vossos cânticos [...]. Antes jorre [...] a justiça como torrente que não seca» (Am 5,23-24).

A chave para compreender o vínculo entre a adoração de Deus e o serviço à humanidade, é-nos oferecida no Livro do Génesis. Nele vemos que todo o ser humano possui uma dignidade absoluta e inalienável, pois todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn Gn 1,26). Estou portanto certo de que compartilhamos a ardente esperança de que o Senhor da História guia os esforços dos cristãos e dos judeus e de todos os homens e mulheres de boa vontade, ao trabalharem juntos por um mundo de autêntico respeito pela vida e a dignidade de cada ser humano, sem discriminações de espécie alguma. Possam estes ser a nossa oração e o nosso empenho! Que o Senhor Deus «faça resplandecer a Sua face sobre ti e te seja benevolente. Que o Senhor dirija o Seu olhar para ti e te conceda a paz» (Nb 6,25-26).

Amém.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA CONFERÊNCIA


EPISCOPAL DO ZIMBÁBUE EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


Sexta-feira, 4 de Setembro de 1998





Dilectos Irmãos Bispos

1. É com alegria que vos dou as boas-vindas, Bispos do Zimbábue, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum: «A graça e a paz de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco» (Ph 1,2). Como sucessores dos Apóstolos, «cooperamos no anúncio do Evangelho» (cf. Ibid., 1, 5), como também o fazem de modo apropriado os sacerdotes, os religiosos e os fiéis leigos das vossas Dioceses. Peço-vos que lhes transmitais as minhas saudações e os assegureis de que me recordo deles constantemente nas minhas orações. A passagem do tempo não diminuiu a memória da minha visita ao vosso País, quando experimentei pessoalmente o ardor da hospitalidade do vosso povo e a riqueza das suas tradições culturais.

O facto de a população católica do Zimbábue aumentar incessantemente é um motivo de alegria: «Isto vem de Javé e é maravilha aos nossos olhos!» (Ps 118 [117], 23). Afirmais que muitos adultos abraçam a fé e são introduzidos na Igreja. Assim, podemos identificar imediatamente duas importantes prioridades do vosso ministério de Bispos: o cuidado pastoral das famílias e a formação religiosa do laicado.

2. Sem dúvida, no vosso País e também noutras partes da África e no mundo inteiro, a família como instituição está a passar por árduas provações. A taxa de divórcios é elevada; o flagelo do aborto continua a desumanizar a sociedade; a crise da Sida permanece crítica e não poupa os seus efeitos devastadores a nenhum segmento da população. Além disso, a situação é frequentemente exacerbada por políticas que não conduzem a mudanças de atitudes e de comportamentos, as quais são necessárias se se quiser ser eficaz na superação destes males. Desta forma, as vossas palavras acerca da sacralidade de toda a vida humana, da lei moral concernente à sexualidade humana e da santidade da vida matrimonial são ainda mais urgentes. Como Bispos, devemos ter a coragem de olhar a verdade frontalmente e de chamar as coisas pelo nome que lhes é próprio, sem ceder a compromissos convenientes ou ao auto-engano (cf. Evangelium vitae EV 58).

Estais justamente preocupados com o número de casais católicos que se casam em conformidade com os costumes tradicionais, sem o benefício do Sacramento do sagrado Matrimónio, com a alta incidência de situações matrimoniais irregulares e com a continuação da prática da poligamia. Uma correcta e completa catequese a respeito do matrimónio cristão, incluída em válidos programas paroquais de preparação para o casamento, pode ajudar os jovens casais a crescerem espiritualmente e a perseverarem na plena participação na vida sacramental da Igreja. Mediante um esforço comum inspirado na Comissão para o Matrimónio e a Família, da vossa Conferência episcopal, os sacerdotes e outros agentes de pastoral podem estar cada vez mais conscientes de que o porvir da Igreja e da sociedade em geral depende da estabilidade do matrimónio e da família.

Quanto à formação dos leigos em geral, devemos reconhecer uma vez mais com gratidão a incalculável contribuição que os vossos catequistas ofereceram para a edificação da Igreja no Zimbábue: eles constituem verdadeiramente um tesouso inestimável, porque ensinam a fé aos jovens e preparam os adultos convertidos para receberem o Baptismo e a plena iniciação na vida eclesial. Como os Padres do Sínodo para a África observaram: «O papel dos catequistas tem sido e continua a ser determinante na implantação e expansão da Igreja na África. O Sínodo recomenda que os catequistas não somente recebam uma perfeita preparação inicial (...) mas continuem a receber uma formação doutrinal, bem como apoio moral e espiritual » (Ecclesia in Africa ). E é verdadeiramente uma bênção o facto de cada uma das vossas Dioceses dispor de um Centro de formação pastoral para catequistas.Li com interesse o vosso relatório acerca das «Escolas de Inverno» para catequistas e encorajo-vos a difundir estas sessões de formação e aumentar a sua profundidade, considerando a permanente formação intelectual, pastoral e espiritual dos vossos catequistas como um dos grandes compromissos do vosso ministério. Em tudo isto, o Catecismo da Igreja Católica pode constituir um inestimável instrumento e recurso.

3. Os jovens compreendem mais de 50% da população do vosso País e o seu cuidado pastoral é de vital importância para vós. Algumas das principais dificuldades que os jovens do Zimbábue devem enfrentar – incluídos o desemprego, os efeitos nocivos de um certo uso que se faz dos meios de comunicação e o encanto das seitas religiosas – obrigam- vos a abordar tais assuntos com determinação e inventiva pastoral. Encorajo- vos a fazer tudo o que podeis para incrementar a eficácia das organizações da juventude católica. Mediante formação e actividades apropriadas, os jovens «descobrem bem depressa o valor do dom de si, caminho essencial para o desenvolvimento da pessoa» (cf. Ibid., 93). Desta forma, eles amadurecem humana e espiritualmente, tornando-se responsáveis membros da comunidade e eficazes evangelizadores dos seus coetâneos. A oração, o estudo e a reflexão constituem importantíssimos elementos que não podem faltar na formação dos jovens. Por isso, eles têm necessidade da liderança de sacerdotes, religiosos e responsáveis leigos que dêem genuinamente testemunho de Cristo e do Evangelho na própria vida. Também neste sector a vossa Conferência episcopal pode oferecer uma significativa contribuição, no sentido de assegurar que o seu Conselho Católico Nacional de Jovens esteja devidamente equipado e preparado para prestar uma assistência efectiva no cuidado pastoral dos jovens.

Além disso, no Zimbábue as escolas católicas desempenham um papel importante na transmissão das verdades e dos valores da fé cristã, e a educação e a formação oferecidas pelas Instituições educativas católicas são muito apreciadas pelo público em geral. Todavia, determinadas políticas que proíbem o ensino da fé religiosa durante o normal horário escolar tornam difícil esta tarefa. É necessário continuar a defender os princípios envolvidos: o direito à liberdade religiosa e os direitos prioritários dos pais no que se refere à educação dos próprios filhos. Os mesmos líderes políticos do vosso País elogiaram as vantagens da educação cristã, evidenciando o modo como a Igreja pode contribuir para a necessária renovação dos valores morais na sociedade. Encorajo os vossos esforços em vista de uma compreensão formal com o Governo, a propósito dos direitos e da justa autonomia das escolas cristãs.

4. Em todos estes empreendimentos, os vossos primordiais e principais colaboradores no anúncio do Evangelho e na propagação da Boa Nova da salvação são os sacerdotes. Em particular para eles o Bispo deve ser, como Santo Inácio de Antioquia escreveu, «a imagem viva de Deus Pai» (Ad. Trall., 3:1). Esta paternidade espiritual encontra expressão num profundo vínculo de comunhão entre vós mesmos e os vossos sacerdotes, no facto de vos tornardes acessíveis a eles e lhes dardes a assistência de que precisam e que esperam de vós. Ao procurardes oferecer uma genuína guia espiritual, a vossa atitude de abertura, compaixão e cooperação no que se lhes refere, o vosso amor pessoal pela Igreja, a vossa própria espiritualidade sacerdotal, o exemplo das vossas orações litúrgicas e pessoais, e a vossa fidelidade à Sé de Pedro desempenham um importante papel na criação de um espírito de unidade positivo e deveras sereno no seio do presbiterado. O bem-estar humano e espiritual dos sacerdotes há- de ser o coroamento do vosso ministério episcopal.

O crescente número de vocações sacerdotais e religiosas em muitas das vossas Dioceses constitui uma grande bênção, mas também uma enorme responsabilidade. Não posso deixar de vos encorajar a seleccionar atenciosamente os candidatos que ordenais para o sacerdócio, a vigiar sobre a solidez doutrinal do programa de estudos e a garantir a formação humana, espiritual, intelectual e pastoral dos vossos seminaristas. A Carta sobre a formação sacerdotal, recentemente emanada pela vossa Conferência, deveria revelar-se como um instrumento utilíssimo neste campo e pode servir também como guia preciosa para os Superiores religiosos, quando os exortais a exercer a mesma vigilância e solicitude pelos membros dos próprios Institutos.

Com a difusão de um estilo de vida secular e materialista, é ainda mais necessário que os sacerdotes e os religiosos sigam claramente o exemplo cristão do amor abnegado, o que significa que devem exercer a disciplina, a mortificação, o sacrifício pessoal e a generosidade para com o próximo. É de extrema importância que os futuros sacerdotes compreendam, de forma clarividente e realista, o valor da castidade no celibato e a sua relação com o ministério sacerdotal. Assim, hão-de aprender a «estimar, amar e viver o celibato na sua verdadeira natureza e nos seus verdadeiros fins, portanto nas suas motivações evangélicas, espirituais e pastorais» (Pastores dabo vobis PDV 50). A comum simplicidade de vida traz alegria ao presbiterado e, quando é acompanhada de confiança mútua, facilita a obediência voluntária que cada sacerdote deve ao próprio Bispo. Quando se exerce a autoridade episcopal como serviço altruísta e se pratica a obediência presbiteral como pronta cooperação, dá-se eloquente testemunho do Evangelho, revigorando-se a unidade da Igreja local.

5. O compromisso e a generosidade demonstrados pelos membros dos Institutos religiosos constitui uma parte essencial da história da Igreja no Zimbábue. O seu estilo de vida e o seu serviço amoroso, especialmente nos sectores da educação e da assistência à saúde, têm sido um sinal do poder do amor de Deus que age no meio do seu povo, de geração em geração, haurindo do trabalho dos seus servos zelosos uma colheita sempre mais abundante (cf. 1Co 3,6). Ao exortardes os religiosos a continuarem a ser fiéis testemunhas do Senhor no meio do seu povo, é importante que o apostolado particularmente inestimável das religiosas seja cada vez mais apreciado como parte vital da missão de criar a «família de Deus» (Ep 2,19) no Zimbábue.

6. Dilectos Irmãos Bispos, vós esforçai-vos todos os dias por ser fiéis às tarefas que o Senhor vos tem confiado. A níveis tanto individual, nas vossas respectivas Dioceses, quanto comunitário, mediante a Conferência episcopal, procurais lançar a luz dos sólidos princípios morais sobre as realidades contemporâneas da sociedade zimbabuana. No sector especialmente delicado da redistribuição da terra, por exemplo, tornastes- vos porta-vozes do ensinamento social da Igreja, expondo a necessidade de um «mecanismo adequado... para assegurar que a justiça, a equidade e a lealdade sejam sempre preservadas». Observastes que «o bem comum exige que a redistribuição da terra seja empreendida de maneira a não interferir na capacidade... de nutrir o Zimbábue e, de facto, os países vizinhos»; não tendes negligenciado nem sequer os problemas ambientais, indicando que a «preservação ecológica da terra também deve ser uma prioridade» (Declaração da Conferência dos Bispos Católicos do Zimbábue sobre a Reforma Agrária). A Santa Sé está profundamente consciente da importância desta complexa problemática para o justo desenvolvimento dos paí- ses e para a paz entre os povos (cf. Pontifício Conselho «Justiça e Paz», Para uma melhor distribuição da terra: o desafio da reforma agrária, 23 de Novembro de 1997).

Durante as últimas semanas, todos nós fomos tristes testemunhas da propagação da violência e do conflito armado em várias partes da África e, de maneira particular, na República Democrática do Congo. Devemos esperar e rezar para que se ponha prontamente termo à violência nessa região, de forma especial àquela cujo objecto são os cidadãos civis inocentes, expostos à terrificante opressão e às espoliações, privados da sua humanidade e condenados a um futuro incerto. A vossa Nação é pacífica. Vós deveis trabalhar para a conservar assim, recordando ao vosso povo que a solução militar para os profundos problemas sociais e económicos será sempre uma ilusão e causa de ulteriores sofrimentos e injustiças. Como servos do Príncipe da Paz, devemos proclamar em voz alta que a solução para os problemas de um país não está na força destruidora do ódio e da morte, mas no diálogo e na negociação construtivos.

Nestes sectores, bem como em todos os aspectos do vosso ministério pastoral, a experiência do trabalho comunitário na Conferência episcopal é muito positiva e benéfica, e sei que estais gratos aos dedicados sacerdotes, religiosos e membros leigos dos vários departamentos da Conferência. Do mesmo modo, o desenvolvimento das efectivas estruturas diocesanas, em conformidade com o Direito Canónico, também está a ajudar a tornar cada vez mais eficaz o vosso serviço em benefício do Povo de Deus. Encorajo- vos a continuar ao longo deste caminho.

7. Estas são algumas das reflexões que a vossa visita suscita, e é com amor e compreensão que as compartilho convosco. Deste modo, posso participar nas alegrias e nos desafios que enfrentais como pastores da grei de Deus. No limiar do terceiro milénio cristão – e sempre – o Senhor chama a Igreja no Zimbábue a dar credível testemunho do Evangelho mediante obras semelhantes às de Cristo. Tende a certeza das minhas contínuas orações pelas vossas Igrejas locais, a fim de que todos os fiéis respondam com generosidade constante e incondicional à graça que o Senhor está a derramar sobre vós. Transmiti o meu encorajamento e os meus melhores votos aos sacerdotes, religiosos, seminaristas, catequistas, catecúmenos, a todas as pessoas que buscam a verdade de Cristo, às famílias e às comunidades paroquiais. «A graça do Senhor Jesus esteja convosco.

Eu amo todos vós em Jesus Cristo» (1Co 16,23-24).



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS MISSIONÁRIAS DO AMOR INFINITO


4 de Setembro de 1998



Caríssimas Missionárias do Amor Infinito!

1. Sede bem-vindas a este encontro, que desejastes por ocasião do quinquagésimo aniversário da fundação do vosso Instituto secular. A cada uma de vós dirijo a minha saudação cordial, com um especial pensamento de afecto fraterno para D. Luigi Bettazzi, que vos acompanha. Justamente ele quis estar presente hoje convosco, como Bispo da Igreja particular em que ocorreu a fundação, isto é, da diocese de Ivrea. Com efeito, naquela terra, fecundada no início deste século pelo testemunho da Serva de Deus Madre Luísa Margherita Claret de la Touche, teve origem a Obra do Amor Infinito, em cujo álveo nasceu a vossa família. Tendo obtido o reconhecimento diocesano em 1972, o Instituto foi depois por mim aprovado para a Igreja inteira. De facto, ele está agora presente em várias partes do mundo.

A atitude fundamental com que estais a celebrar este aniversário é, certamente, a da acção de graças, e tenho a grande alegria de a ela me associar.

2. Estamos a viver, caríssimas, um ano inteiro dedicado ao Espírito Santo. Pois bem, não constitui talvez um ulterior e especial motivo de reconhecimento esta coincidência, isto é, o facto de celebrardes o quinquagésimo aniversário do Instituto no ano do Espírito Santo? É só graças ao Espírito, de facto, e no Espírito, que podemos dizer: «Deus é amor» (1Jn 4,8 1Jn 4,16), afirmação que constitui o inexaurível núcleo onde surgiu a vossa espiritualidade. Quem revela aos homens esta fundamental verdade evangélica, síntese de todo o credo cristão, senão Aquele que «penetra as profundezas de Deus» (1Co 2,10) e recorda aos discípulos tudo aquilo que Cristo ensinou (cf. Jo Jn 14,26)?

«Pode dizer-se que no Espírito Santo a vida íntima de Deus uno e trino se torna totalmente dom, permuta de amor recíproco entre as Pessoas divinas; e ainda, que no Espírito Santo Deus "existe" à maneira de Deus. O Espírito Santo é a expressão pessoal desse doar-se, desse ser-amor. É Pessoa-Amor. É Pessoa-Dom» (Carta Enc. Dominum et vivificantem DEV 10).

3. A Igreja existe e é enviada ao mundo para anunciar esta verdade, princípio de salvação e de esperança para todos os homens: «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jn 3,16). A mensagem cristã do amor, tal como Cristo a revelou e transmitiu à Igreja, não pode ser anunciada senão na forma do testemunho. A Igreja inteira, na integridade e variedade dos seus membros, está empenhada nesta obra de evangelização, da qual o Espírito Santo é o agente principal (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 45).

Ele, «artífice admirável da diversidade de carismas, suscitou no nosso tempo novas expressões de vida consagrada, como que desejando corresponder, segundo um desígnio providencial, às novas necessidades que a Igreja encontra hoje no cumprimento da sua missão no mundo. Vêm ao pensamento, antes de mais, os Institutos seculares» (Vita consecrata VC 10), em cujo âmbito o Senhor chamou a viver também vós, queridas Irmãs.

Sede, portanto, «fermento de sabedoria e testemunhas da graça» no interior da vida eclesial, profissional e social, através da vossa «específica síntese de secularidade e consagração», que «infunde na sociedade as energias novas do Reino de Cristo» (ibid.). Encorajo-vos também a prosseguir o precioso serviço que prestais aos sacerdotes, mediante a oração e a colaboração.


Discursos João Paulo II 1998 - 20 de Agosto de 1998