Discursos João Paulo II 1998 - 11 de Setembro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UM GRUPO DE ABADESSAS


E PRIORAS BENEDITINAS


11 de Setembro de 1998





Estimada Abadessa Primaz
Dilectas Irmãs em Cristo

1. Ao agradecer a Deus, «porque a fama da vossa fé se espalhou pelo mundo inteiro» (Rm 1,8), dou-vos as boas-vindas, participantes no III Simpósio internacional das Beneditinas, sobre o tema: «A experiência de Deus e a abordagem beneditina da oração». Saúdo-vos como herdeiras da grande tradição da santidade cristã que tem as próprias raízes na oração de São Bento no silêncio de Subiaco, uma tradição que vive mediante as vossas comunidades, as quais constituem «escolas ao serviço de Deus» (Regra, Prol., 45).

2. São Bento viveu na obscura época inaugurada com a queda do Império Romano. Para muitas pessoas, a desordem trouxe o desespero e o escapismo que este sempre gera. Todavia, a resposta de Bento foi diferente. Obedecendo aos impulsos desde há muito tempo então conhecidos no Oriente cristão, ele abandonou tudo o que lhe era familiar e entrou na sua caverna «à procura de Deus» (Regra, 58, 7). Ali, Bento compreendeu o verdadeiro âmago da revelação bíblica, que tem início no caos original descrito no Livro do Génesis e alcança o seu apogeu na luz e na glória do Mistério pascal. Ele aprendeu que até mesmo na escuridão e no vazio nós podemos encontrar a plenitude da luz e da vida. A montanha que Bento escalou era o Calvário, onde ele encontrou a verdadeira luz que alumia todos os homens (cf. Jo Jn 1,9). Então, como é justo que o Sacro Speco em Subiaco contenha a imagem de Bento que contempla a Cruz, dado que somente da Cruz derivam a luz, a ordem e a plenitude de Deus, às quais todos os homens e mulheres aspiram! Só ali o coração humano pode descansar.

3. A primeira palavra da sua Regra revela o cerne da experiência de Bento na caverna: Ausculta, escuta! Este é o segredo: Bento escuta, confiando em que Deus está ali e falará. Então, no silêncio ele ouve uma palavra; e desta forma torna-se o pai de uma civilização que brotou da contemplação, uma civilização de amor, nascida da escuta da palavra que jorra das profundidades da Trindade. Bento tornou-se a palavra que ele mesmo ouviu, e lentamente a sua voz «chegou aos confins do mundo inteiro » (cf. Sl Ps 19 [18], 4): vieram os discípulos, surgiram os mosteiros e depois uma civilização cresceu em seu redor, não só tutelando o que era precioso no mundo clássico, mas também abrindo um inimaginável caminho para um novo mundo. Eram os filhos e as filhas de São Bento que reivindicavam as terras, organizavam sociedades, anunciavam o Evangelho como missionários, escreviam livros como letrados, alimentando assim tudo o que é necessário para uma vida verdadeiramente humana. É surpreendente considerar como nasceu tanto de tão pouco: «Isto vem de javé e é maravilha aos nossos olhos» (Ps 118 [117], 23). A Regra que Bento escreveu é inesquecível não só em virtude da sua ardente paixão por Deus e da sua sábia solicitude pela disciplina, sem a qual não existe discipulado, mas também em função da sua radiosa humanitas.

A Regra respira um espírito de hospitalidade fundamentada na crença de que o próximo não é inimigo, mas é Cristo mesmo que vem como hóspede; e este espírito é dado somente àqueles que conheceram a magnanimidade de Deus. Na Regra de Bento encontramos uma ordem estrita mas nunca inflexível, uma luz preclara mas jamais arrefecida e uma plenitude absoluta mas nunca esmagadora. Em suma, a Regra é radical, mas sempre hospitaleira - eis por que, enquanto outras Regras monásticas desapareceram, a Regra de Bento triunfou e ainda hoje continua a actuar o seu poder na vida das comunidades.

4. Queridas Religiosas, também a nossa sociedade conhece muita obscuridade neste fim de século e no umbral do novo milénio. Neste tempo, a figura resplandecente de Bento distingue-se no meio de nós indicando, como sempre, a Cristo. Fostes chamadas de maneira especial para este mistério de luz - este é o motivo pelo qual a Igreja continua a olhar para vós e para as vossas comunidades com grande expectativa. Olhamos para vós porque não tendes medo de entrar na caverna escura e vazia; porque escutais num silêncio verdadeiramente contemplativo; porque ouvis a palavra de Deus, tornando-vos esta mesma palavra; e porque ajudais a forjar um mundo deveras civilizado, onde a inquietação e o desespero perdem o próprio poder e a paz da Páscoa é experimentada na chamada tranquillitas ordinis.

5. A Igreja olha para vós com especial ansiedade, no momento em que empreendemos a nova evangelização, para a qual o Espírito Santo está a chamar-nos, na aurora do novo milénio. Não haverá evangelização sem a contemplação, que é o núcleo da vida beneditina. A Igreja inteira deve aprender ulteriormente acerca do significado da máxima «Ora et labora», e quem é que no-lo ensinará, se não os filhos e as filhas de São Bento? O mundo aspira à verdade que Bento conhecia e ensinava de modo tão maravilhoso; e hoje, não menos do que no passado, as pessoas estão a contemplar o testemunho de oração e de trabalho que as vossas comunidades oferecem de forma tão jubilosa.

Em todas as vossas orações e obras, é a Virgem Maria que ilumina o vosso caminho, dado que Ela é a «Mãe da Estrela que não conhece ocaso», como ainda hoje entoa a Liturgia do Oriente cristão. É Ela que vos ensina a escutar e vos conduz à profundidade da contemplação, de tal forma que, no poder do Espírito Santo, possais dar testemunho daquilo que escutastes. Maria vigie sobre vós e as vossas comunidades com um amor materno; Bento, Escolástica e a grande plêiade de Santos beneditinos sejam a vossa inspiração e o vosso vigor; a graça e a paz de Cristo, «Testemunha fiel, o Primogénito dos mortos» (Ap 1,5) estejam sempre convosco. Como penhor disto, é com alegria que vos concedo a minha Bênção apostólica.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II

POR OCASIÃO DO 50° ANIVERSÁRIO DA FUNDAÇÃO

DA «CONFERÊNCIA INTERNACIONAL


CATÓLICA DO ESCUTISMO»






Aos responsáveis
da Conferência Internacional Católica do Escutismo

1. Por ocasião do quinquagésimo aniversário da fundação da Conferência Internacional Católica do Escutismo, associo-me de bom grado à acção de graças de homens e mulheres que, desde a origem, têm participado no movimento católico do escutismo e receberam uma exigente formação espiritual e humana, que os ajuda na sua existência quotidiana. O encontro entre o método escutista e as intuições do Padre Sévin, S.J., permitiu elaborar uma pedagogia baseada nos valores evangélicos, na qual cada jovem é levado a desabrochar-se e a desenvolver a sua personalidade, fazendo frutificar os próprios talentos. A lei escutista, atraindo os jovens para a via das virtudes, convida-os à rectidão moral e ao espírito de ascese, e assim orienta-os para Deus e chama-os a servir os seus irmãos; ao empenharem-se em fazer o bem, eles tornam-se homens e mulheres capazes de assumir responsabilidades na Igreja e na sociedade. No seio duma patrulha, nos campos e noutras circunstâncias, os escuteiros descobrem o Senhor através das maravilhas da criação, a cujo respeito são chamados. Deste modo, fazem uma experiência preciosa da vida eclesial, encontrando-se com Cristo na oração pessoal, com a qual se podem familiarizar, e na celebração eucarística. Além disso, a unidade escutista oferece aos jovens a ocasião para fazerem o aprendizado da vida em sociedade, no respeito de cada um.

2. A fraternidade escutista internacional cria vínculos entre as pessoas de culturas, línguas ou confissões diferentes e constitui uma possibilidade de diálogo entre elas. Neste espírito, saúdo as equipas de direcção e as unidades escutistas que se ocupam de propor aos jovens das cidades e das periferias, muitas vezes ociosos, o ideal e a pedagogia do seu movimento. Trata-se de uma verdadeira dimensão fraterna, que contribui para a evangelização de pessoas com frequência muito afastadas de Cristo e da Igreja, e para o desenvolvimento da paz e da colaboração entre os homens e os povos. Louvo a atitude dos responsáveis e dos jovens do movimento que favorecem os encontros com membros de outras comunidades eclesiais, num espírito ecuménico, educando assim para o diálogo e o respeito pelo outro. Sem negar os princípios específicos do escutismo católico, esta abertura aos jovens de outras culturas e crenças religiosas permitir á que Cristo seja melhor conhecido e amado.

Não esqueço que o escutismo é também um lugar de maturação de vocações para os jovens que desejam empenhar- se, quer no sacerdócio quer na vida religiosa, ou no matrimónio segundo os princípios da Igreja. Neste contexto educativo, eles encontram junto dos seus chefes e companheiros um apoio fraterno e uma ajuda preciosa para o discernimento, em vista de responderem plenamente ao apelo do Senhor.

3. Ao aproximar-se o Ano 2000, faço ardentes votos por que o movimento escutista continue a deixar-se interrogar sobre o seu modo de viver, de maneira radical, os compromissos evangélicos e a dar um testemunho de colaboração harmoniosa e de comunhão. Neste sentido, será importante reconhecer sempre mais as sensibilidades próprias de algumas unidades no seio mesmo das federações, numa vontade de diálogo e compreensão. Será também particularmente significativo que a unidade do movimento escutista, às vezes rompida no passado, se realize durante o Grande Jubileu; deste modo, aos olhos do mundo, será dado um testemunho do amor fraterno e da reconciliação, que permite reconhecer os discípulos do Senhor (cf. 1Jn 4,7-9).

4. Ao invocar sobre todos os escuteiros a protecção do Espírito Santo e a intercessão de Nossa Senhora, encorajo vivamente o movimento a prosseguir e intensificar o serviço que presta à juventude do mundo, propondo-lhe um ideal e, neste, apresentando Cristo como modelo de vida humana perfeitamente realizada e como caminho para a felicidade, pois Ele é «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jn 14,6). A todos os membros da Conferência Internacional Católica do Escutismo, concedo do íntimo do coração a Bênção Apostólica.

Vaticano, 13 de Setembro de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DA REPÚBLICA TCHECA EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


14 de Setembro de 1998







Venerados Irmãos no Episcopado!

1. Sede bem-vindos à Casa de Pedro! Quereria repetir-vos as palavras que o Senhor Jesus dirigia aos Doze, quando os reunia em torno de Si depois de um período de missão: «Vinde, retiremo-nos a um lugar deserto, e repousai um pouco » (Mc 6,31).

O encontro de hoje prolonga a série, breve mas muito significativa, daqueles que tive com os Pastores da Igreja que está na República Tcheca, após as mudanças políticas de 1989. Inesquecível permanece a viagem de 1990, assim como a histórica visita «ad Limina» realizada dois anos depois daquela de todos os Bispos das duas Conferências Episcopais Tcheca e Eslovaca, então ainda unidas. Após a divisão da Tchecoslováquia, fui duas vezes ao vosso País.

A visita de 1995 deixou impressões indeléveis na minha alma, quando tive a alegria de inscrever no álbum dos Santos João Sarkander e Zdislava de Lemberk, duas insignes figuras que honram a história secular da vossa Igreja e vieram unir-se à imensa multidão de almas eleitas brotadas no decurso dos séculos nas terras da Boémia, da Morávia e da Silésia.

As presentes observações e indicações põem-se em continuidade com aquelas, mais globais e articuladas, que sugeri à vossa Conferência Episcopal, durante a visita que realizei no ano passado, por ocasião do milénio do martírio de Santo Adalberto.

2. É-me grato ver a actual visita «ad Limina» na particular luz que promana destas corajosas testemunhas do Evangelho. Os Santos Adalberto e João Sarkander indicam a via da fé professada e testemunhada até ao sangue, como resposta às diversas provas que a Comunidade eclesial é chamada a enfrentar com o mudar das situações. E Santa Zdislava mostra a família como via privilegiada da Igreja para renovar os homens e as sociedades com o fermento do Evangelho.

Com efeito, o empenho pela fé e a pastoral da família constituem duas directrizes fundamentais da acção da Igreja: a fé recorda, por assim dizer, o eixo vertical, a tarefa prioritária de anunciar Deus e conduzir a Ele; a família representa sobretudo a dimensão horizontal, o tecido social a ser animado com os valores cristãos.

Em todos os Continentes e em cada País, este é o dúplice empenho que a acção pastoral deve satisfazer. Em particular numa realidade como a vossa caracterizada por um lado pela rica tradição espiritual da região e, por outro, pelas feridas da descristianização e pelos desafios da nova fase sociocultural, os objectivos da fé e da família ressaltam toda a sua urgência.

Permitir-me-ei chamar a vossa atenção para dois fenómenos que já são, há muito tempo, objecto de especial solicitude por parte dos Pastores da Igreja no mundo inteiro, e que empenham directamente também vós, como bem sei: refiro-me à nova evangelização, hoje contrastada pela difusão das seitas, e às problemáticas conexas com a moral familiar e o respeito pela vida. Ora, bem sabeis que esses fenómenos exigem estudos específicos e respostas objectivas: não podem ser enfrentados com soluções a curto prazo. Requerem-se intervenções específicas, inseridas dentro dum plano pastoral de conjunto, que vise consolidar as convicções fundamentais sobre as quais se sustém o comportamento privado e público dos fiéis.

3. No plano da fé, antes de tudo, é necessário um sério trabalho de consolidação das bases da vida cristã, para o qual as vossas Dioceses estão dotadas de estruturas em geral bastante válidas, de que legitimamente vos orgulhais. Esse património de pessoas e de meios deve, porém, ser constantemente alimentado e actualizado, para que mantenha a sua eficiência no empenho em transmitir a mensagem às pessoas do nosso tempo. Este foi o espírito com que vivestes o decénio de preparação para o milénio do martírio de Santo Adalberto: um período de renovação espiritual, promovido pelo saudoso e venerável Cardeal František Tomášek, que continuará a produzir os seus frutos para muito além do limiar do terceiro Milénio.

Nesta perspectiva, encorajo-vos a levar avante antes de tudo a pastoral litúrgica e catequética, bem enraizada e desenvolvida nas vossas paróquias, assim como a multiforme pastoral da caridade, que produz preciosos frutos de testemunho nas normais situações de vida, mas que se exerce com uma contínua inventiva nas emergências, como ocorreu no caso das aluviões do ano passado e ainda recentemente. A respeito disso, quereria fazer chegar uma palavra de louvor por tudo o que os fiéis das vossas dioceses, as paróquias, as associações e, em particular, as Cáritas da inteira República, organizadas numa compacta rede de ligações, com projectos gerais e intervenções concretas, realizaram na Morávia e, neste ano, estão a fazer na Boémia oriental. Elas não se desencorajaram diante dos enormes problemas, suscitados pela fúria destruidora das águas, e ofereceram um magnífico sinal de solidariedade efectiva. Levai a atenção e a satisfação do Papa àqueles vossos voluntários Colaboradores que, sem pedir compensação alguma e com admirável altruísmo, ofereceram a sua ajuda com tanta eficácia e modéstia.

4. Hoje a Igreja deve enfrentar o desafio do secularismo, que exige um renovado impulso, na direcção tanto do aprofundamento espiritual quanto do empenho missionário. É a urgência da nova evangelização que envolve a inteira comunidade cristã.

Por isso exorto cada um de vós a cultivar sempre uma estreita e cordial unidade com o respectivo presbitério diocesano, a fim de que as linhas de acção traçadas pelo Bispo sejam compartilhadas ideal e praticamente, e o dinamismo pastoral se desenvolva com toda a sua eficácia.

Ao mesmo tempo, e precisamente através do trabalho formativo guiado pelos Sacerdotes, é preciso fazer o laicado crescer na espiritualidade e na coresponsabilidade, segundo as orientações do Concílio Vaticano II. Para alcançar esse objectivo, é bastante preciosa a obra das associações e dos movimentos, com a condição de que estes actuem em constante harmonia com os Pastores, e não se fechem em si mesmos, a fim de que os carismas contribuam efectivamente para a construção da inteira Comunidade eclesial.

Para isto é indispensável uma eficaz pastoral da cultura e das comunicações sociais: congratulo-me pela vivacidade que as vossas Dioceses demonstram também neste sector. Compete a vós sobretudo a tarefa de promover essa atenção e vigiar sobre a qualidade dos conteúdos. Será particularmente interessante e útil, neste campo aberto à criatividade, o confronto e o intercâmbio de experiências com outros Países europeus, num diálogo construtivo que não deixará de se revelar vantajoso para todos.

5. Outra grande linha de acção é a pastoral familiar: ela deve ser reafirmada como uma exigência prioritária, a ser posta no centro da vossa atenção. No actual contexto cultural, as pastorais vocacional e juvenil em sentido lato tornam-se inevitavelmente mais frágeis sem um sério e orgânico trabalho com as famílias. Como vós constatastes, as famílias crentes foram o baluarte da fé nos períodos sombrios da perseguição e as vocações surgiram naturalmente daqueles ambientes de fé vivida e provada como o ouro no cadinho. Exprimo, portanto, o meu apreço pelas múltiplas iniciativas em favor das famílias, precisamente das quais depende a predisposição do terreno favorável para a educação dos jovens e para as vocações. Uma boa rede formativa ao serviço das famílias, que tenha início na paróquia e, com a ajuda dos movimentos e das associações, procure envolver as famílias mesmas numa presença discreta mas incisiva lá onde as pessoas vivem e sofrem, parece ser também a resposta mais eficaz ao proselitismo das seitas e à mentalidade hedonista e permissiva, que mina na base a fecundidade da vida cristã.

Como serviço indispensável às famílias deve considerar-se também o empenho em prol da instituição, defesa e desenvolvimento das escolas católicas. Além disso, elas oferecem um precioso contributo à própria cultura da Nação, como a experiência amplamente confirma. Exorto-vos, portanto, a sustentá-las, promovendo ao mesmo tempo o ensino da religião nas escolas estatais, porque isto corresponde a um direito fundamental dos adolescentes e dos seus pais.

A respeito disso, exprimo apreço também pelo empenho que dedicais a fim de que as relações com as autoridades civis sejam sempre marcadas pela lealdade e a colaboração. Isto permitirá enfrentar, do modo mais profícuo, as várias questões ainda pendentes, e que tanto a Igreja quanto o Estado pretendem solucionar convenientemente.

6. Caríssimos Irmãos, quereria agora dirigir-me de maneira mais directa a vós, com uma palavra pessoal de reconhecimento e apreço pelo vosso generoso trabalho pastoral, e sobretudo para vos dizer: coragem, o Senhor está convosco! Quando a fadiga se faz sentir mais e maiores são as dificuldades pessoais ou ambientais, precisamente então podeis contar com uma especial presença de Cristo Bom Pastor, que vos chama a uma mais íntima conformação a Ele, na fé e na graça do vosso estado.

Estai próximos dos Sacerdotes que a Providência continua a suscitar entre o vosso povo. Sabei escutá-los, apoiá-los e valorizá-los, falar-lhes, adverti-los quando for necessário, mas sempre com sabedoria e sobretudo com caridade paterna. Sede para eles mestres de discernimento, a fim de que, por sua vez, saibam educar as comunidades que lhes são confiadas, a fim de discernirem e perseguirem aquilo que o Espírito sugere para alimentar a fé e manter elevado o clima espiritual, que distinguiu as famílias tchecas, especialmente nos períodos da opressão ateia.

Possa a Igreja, que testemunha a sua fé em Cristo na vossa terra, conhecer um florescimento de carismas e de iniciativas que, graças ao vosso ministério de Pastores, produzam abundantes frutos de vida cristã no limiar do novo milénio.

Com estes votos vos confio a Maria Santíssima, que o vosso povo venera com tanta devoção nos inúmeros santuários espalhados por toda a República. Ela vos obtenha as graças que maiormente vos estão a peito e vos sustente sempre no serviço eclesial. Também vos acompanhe a minha Bênção, que de coração concedo a cada um de vós e às vossas Comunidades diocesanas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


À EMBAIXADORA DA NICARÁGUA JUNTO DA SANTA SÉ


POR OCASIÃO DA APRESENTAÇÃO DA CARTAS CREDENCIAIS


14 de Setembro de 1998





Excelência

1. É-me grato dar-lhe as minhas cordiais boas-vindas a este acto no qual me apresenta as Cartas que a acreditam como Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária da Nicarágua junto desta Sé Apostólica. Nesta circunstância, quero também expressar-lhe a minha gratidão pelas amáveis palavras que me dirigiu, as quais confirmam os nobres sentimentos de proximidade e adesão à Cátedra de Pedro, presentes no coração de tantos cidadãos nicaraguenses.

Agradeço-lhe também, de modo particular, a deferente saudação que me transmitiu da parte do Doutor Arnaldo Alemán Lacayo, Presidente da República, a quem retribuo com os meus melhores votos e a certeza das minhas orações pelo progresso e o bem-estar de todos os filhos dessa amada Nação.

2. Senhora Embaixadora, as suas palavras põem em relevo o respeito e reconhecimento da missão específica da Igreja nessa Nação que, no meio de numerosos e complexos desafios, ensina e trabalha, sob a guia sábia e prudente dos seus Bispos, para que os valores morais e a concepção cristã da vida sejam os elementos que inspirem a quantos, de uma ou doutra forma, labutam por defender a dignidade e a causa do homem, que é «o caminho da Igreja» (Redemptor hominis RH 14). Por isso, a preocupação pelo social «faz parte da missão evangelizadora da Igreja» (Sollicitudo rei socialis SRS 41), na qual ocupa um lugar preeminente a promoção humana, porque a evangelização tende à libertação integral da pessoa (cf. Discurso à IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano,12.X.1992, n. 13).

Vossa Excelência referiu-se também à minha segunda Visita pastoral ao seu amado País. A este respeito, é motivo de profunda satisfação saber que estão a ser dados passos decididos na obra de reconciliação, assim como também na evolução sociopolítica das instituições e da própria sociedade, combatendo situações de pobreza. Para isso são ineludíveis algumas medidas que têm em vista a instauração de uma sociedade mais justa, onde cada cidadão veja reconhecidos os seus direitos, mas que ao mesmo tempo tome consciência do seu dever e responsabilidade diante dos demais.

3. Desde há mais de cinco séculos a Igreja está presente na Nicarágua, acompanhando a vida do seu povo no seu caminhar rumo a Deus. Atenta às necessidades mais profundas dos homens, ela desenvolve o seu trabalho pastoral iluminando, com a doutrina e os princípios espirituais e morais, os diversos âmbitos da sociedade. Ela, a partir da sua própria missão, está disposta a continuar a colaborar com as diversas instâncias públicas, para que os nicaraguenses encontrem respostas adequadas aos problemas da hora presente.

Elementos indispensáveis para progredir no caminho empreendido, são um plano de educação que favoreça o respeito pela vida e a dignidade da pessoa humana, assim como algumas directrizes políticas que garantam a convivência social, o direito ao trabalho e, sobretudo, promovam a justiça e a paz. Desta maneira poder-se-á pedir aos cidadãos que se comprometam na defesa dos valores indiscutíveis, como são a verdade, a liberdade, a mútua compreensão e a solidariedade.

4. Em muitas partes do mundo observa-se uma crise de valores, que afecta instituições, como a família, e amplos sectores da população, como a juventude e o complexo mundo do trabalho. Diante disto, é urgente que os nicaraguenses tomem maior consciência das suas próprias responsabilidades e, diante de Deus e dos deveres civis, se esforcem por continuar a construir uma sociedade mais fraterna e acolhedora. Para isto, a concepção cristã da vida e os ensinamentos morais da Igreja oferecem alguns valores, que devem ser tomados em consideração por aqueles que trabalham ao serviço da Nação.

Antes de tudo deve-se recordar que o ser humano é o primeiro destinatário do desenvolvimento. Embora no passado este conceito possa ter sido pensado prioritariamente em termos económicos, hoje é óbvio que o desenvolvimento das pessoas e dos povos deve ser integral. Isto é, o desenvolvimento social deve ter em conta os aspectos políticos, económicos, éticos e espirituais.

5. Um problema crucial actual, e que se manifesta de modo muito concreto na América Latina, é o das grandes desigualdades sociais entre ricos e pobres. A respeito disso, são motivo de grave preocupação os dados sobre o número de grupos humanos que se encontram em situação de extrema pobreza, não obstante a grande riqueza de recursos naturais de tantas das suas terras. Não há dúvida de que estas desigualdades económicas prejudicam seriamente as relações interpessoais e a própria convivência civil, e conduzem ao deterioramento dos valores morais. As suas consequências são a desagregação de muitos núcleos familiares, a devassidão nos costumes e um escasso respeito pela vida.

Esta situação premente requer que sejam empreendidas algumas opções preferenciais, que ajudem a recuperar estes valores, com programas e acções de conjunto que permitam aos cidadãos aceder a postos de trabalho dignos e estáveis, com o qual se possa enfrentar a pobreza material em que vivem muitos deles. De igual modo, urge proteger a instituição familiar e procurar que todos recebam pelo menos a instrução básica, vencendo assim algumas situações de analfabetismo tão degradantes da dignidade humana. Por isso, as diversas instâncias públicas têm a responsabilidade de intervir para o bem da família, trabalhando pela sua consolidação, procurando preservar e defender os seus direitos, as capacidades e as obrigações dos seus membros. Portanto, deve-se prestar uma atenção particular aos grupos mais vulneráveis da sociedade, devido às peculiares necessidades que experimentam ou à discriminação que sofrem, como são as mulheres, os anciãos e as crianças. Diante disto, as instituições da Igreja católica oferecem uma contribuição significativa, no esforço comum por fomentar uma sociedade mais atenta às necessidades dos seus membros mais frágeis.

6. No momento em que Vossa Excelência se dispõe a iniciar a alta função para a qual foi designada, desejo formular- lhe os meus mais cordiais votos pelo feliz e frutuoso desempenho da sua missão junto desta Sé Apostólica, sempre desejosa de que se mantenham e consolidem cada vez mais as boas relações com a Nicarágua. Ao pedir-lhe que se digne transmitir os meus sentimentos e esperanças ao Senhor Presidente da República, ao seu Governo, às Autoridades e ao querido povo nicaraguense, asseguro-lhe a minha oração ao Todo-poderoso para que, por intercessão da Virgem Maria, assista sempre com os Seus dons Vossa Excelência e a sua distinta família, os seus colaboradores, os Governantes e os cidadãos do seu nobre País, o qual recordo sempre com particular afecto.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS COMUNIDADES DOS SEMINÁRIOS MAIOR E MENOR


DA DIOCESE DE TREVISO (ITÁLIA)


15 de Setembro de 1998





Venerado Irmão
Caríssimos Sacerdotes e Seminaristas!

1. Sinto grande alegria ao encontrar-me convosco, que formais as comunidades dos Seminários Maior e Menor da Diocese de Treviso.

Saúdo cordialmente o vosso Bispo, D. Paolo Magnani, e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu, nas quais senti vibrar a expressão do profundo vínculo de fé e de afecto que a Igreja de Treviso nutre para com o Sucessor de Pedro.

Caríssimos Seminaristas, com grande alegria acolho-vos, juntamente com os vossos Educadores, e agradeço-vos esta visita, que me renova a sugestiva recordação dos dias transcorridos na casa que a vossa Diocese, há vários anos, põe à minha disposição em Lorenzago de Cadore. Penso, em particular, no encontro que tive ali, em Julho passado, com uma numerosa representação da vossa Comunidade diocesana. No seio da Igreja local vós constituís um grupo importantíssimo, pelos valores de que sois portadores e pelas esperanças que sois capazes de alimentar: representais, num certo sentido, o futuro da Diocese.

Caríssimos meninos, que começais a abrir a mente e o coração aos grandes interrogativos da vida, e vós, jovens, que já os enfrentais à luz da pesquisa científica, filosófica e teológica, dirijo-vos os meus votos de um sereno e profícuo caminho de crescimento humano e espiritual.

2. A Igreja, que vos gerou para a fé e está a acompanhar-vos no itinerário vocacional, olha com confiança para a vossa experiência educativa e propõe-vos as vias melhores, a fim de que esse caminho alcance a sua meta. Ela conhece estas vias, não apenas em virtude de uma sabedoria pedagógica humana, sabedoria que contudo não rejeita interpelar, mas sobretudo em virtude daquela «plenitude de graça e de verdade» (cf. Jo Jn 1,14 Jo Jn 1,17) que cada dia ela contempla no mistério de Cristo.

Jesus é o caminho (cf. Jo Jn 14,8). Juntamente com Ele e por meio d'Ele, podemos chegar à plena verdade sobre Deus e sobre nós, sobre o mundo e a história, sobre o bem e o mal; graças a Ele podemos obter vida e liberdade. Jesus, por conseguinte, seja sempre o ponto de referência do vosso caminho quotidiano. A experiência educativa do Seminário tenha, em primeiro lugar e sobretudo, esta finalidade: aprender a «estar com Jesus» cf. Pastores dabo vobis, 42).

3. Naturalmente, não se trata da simples permanência física num lugar, nem do conhecimento só teórico e intelectual duma pessoa: também Judas «esteve» com Jesus, mas não compartilhou o Seu amor e projecto, não se fez educar e transformar por Cristo.

Para poder «estar com Ele», é preciso tornar-se disponível para realizar em si o dinamismo ínsito no tríplice momento da vocação, da conversão, da comunhão.

Vocação é conceber a vida inteira como uma resposta. Em todos os momentos o Senhor, através da sua Palavra, ministrada por meio dos temas educativos, das indicações dos Superiores e das próprias circunstâncias concretas, chama cada um à perfeição e à santidade (cf. ibid., 20) e espera uma correspondência generosa.

Conversão é realizar, com a graça do Espírito Santo, uma progressiva configuração a Jesus Cristo (cf. ibid., 21), procurando eliminar neste caminho, ou melhor, nesta «corrida» rumo a Ele, «todo o peso e o pecado que nos cerca» (He 12,1). Comunhão é viver em Cristo e fazer viver Cristo em mim, como se exprime de maneira eficaz o apóstolo Paulo (cf. Rm Rm 6,10 Ga 2,20), para se tornar, como Ele e n'Ele, instrumento eficaz do desígnio de amor da Santíssima Trindade, que de todos os homens, mediante a Igreja, quer fazer uma só família (cf. ibid. 12).

4. Este caminho, nas suas exigências fundamentais, é próprio de cada cristão e da inteira Comunidade eclesial. Ele define-se e articula-se, no interior do grande organismo da Igreja, vivificado pelo Espírito, em múltiplas formas concretas de «chamada e resposta», entre as quais se evidencia de modo eminente a orientação para o ministério ordenado e para o sacerdócio.

Encontrará o seu mais autêntico desenvolvimento a personalidade de cada um de vós neste caminho, com as suas exigências e as suas potencialidades: a busca de maturidade humana (cf. ibid., 43) e a vivacidade afectiva (cf. ibid., 44), o impulso intelectual (cf. ibid., 51- 56) e o ardente desejo de se empenhar na construção de um mundo mais humano e mais cristão (cf. ibid., 57-59).

Hoje viveis uma etapa particularmente significativa da vossa existência: o período do discernimento vocacional e da formação orientada para a vida sacerdotal. É um período em que tendes a graça e a oportunidade de compartilhar juntamente com os vossos coetâneos o mesmo itinerário de busca, na perspectiva dos próprios ideais. Um período em que, quase fisicamente, experimentais aquela «comunidade apostólica reunida à volta de Jesus, escutando a sua Palavra, caminhando para a experiência da Páscoa, esperando o dom do Espírito para a missão» (cf. ibid., 60). Sede dignos deste singular momento de graça! Acolhei com constante atenção a proposta educativa que todos os dias vos é oferecida, reproduzindo em vós o «ícone » de Jesus adolescente que, no diálogo amoroso com o Pai e na docilidade a Maria e José, Seus educadores humanos, «crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens » (Lc 2,52).

5. Na hodierna memória litúrgica de Nossa Senhora das Dores, é-me grato confiar cada um de vós à sua solicitude materna. Ela vos ajude a seguir Jesus com generosa disponibilidade, a «estar com Ele» sempre, também e sobretudo na hora da Cruz, porque é precisamente no dom total de si que se faz a experiência do amor de Deus e se recebe a luz e a força do Espírito Santo.

Com estes sentimentos, caríssimos, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva aos vossos familiares e a quantos acompanham o vosso caminho vocacional.




Discursos João Paulo II 1998 - 11 de Setembro de 1998