Discursos João Paulo II 1998 - 15 de Setembro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


A UMA DELEGAÇÃO DA ARQUIDIOCESE


DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO


: 17 de Setembro de 1998



Senhor Cardeal
Senhor Embaixador do Brasil junto à Santa Sé
Caríssimos Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Minhas Senhoras e meus Senhores

1. Fico extremamente grato pela vossa presença aqui em Roma, porque quisestes retribuir, com este delicado gesto de caridade cristã, a visita que tive a alegria de realizar no Brasil no ano passado, por ocasião do II Encontro Mundial do Papa com as Famílias. Minha gratidão, desejo elevá-la ao Deus de misericórdia, invocando para todos «a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo».

Viestes à Cidade Eterna para estar com o Sucessor de Pedro, em representação de todos os setores da sociedade e dos que trabalharam para o sucesso daquele grande Encontro. Fico feliz pela iniciativa do Senhor Cardeal, Dom Eugênio de Araújo Sales, pois ela permite-me rememorar todas as diversas fases daqueles inesquecíveis dias de outubro do Congresso Teológico-Pastoral sobre a Família, que culminaram com a Santa Missa no Aterro do Flamengo. Para mim, foi grande a consolação de poder constatar os preciosos frutos amadurecidos naquela ocasião, e peço ao Senhor, Dador de todos os bens, que eles possam se multiplicar no coração de cada brasileiro e de cada brasileira, de norte a sul e de leste a oeste, para que a família seja sempre - como foi definido no Congresso - «Dom e compromisso, esperança da humanidade».

2. Estes auspícios, que elevo em minhas preces ao Todo-Poderoso, sirvam também de estímulo para todas as lideranças do vosso País, para que prossigam promovendo o bem comum entre todos os brasileiros, em um clima de sadia colaboração e de mútuo respeito, visando sempre os altos interesses de cada cidadão, e como fautores da justiça e da solidariedade, especialmente entre os menos favorecidos. A passos largos vamos, com a graça de Deus, aproximando- nos do Jubileu do Ano 2000; desejo, por isso, renovar o meu apelo, face a este grande acontecimento, por um «empenho quotidiano na transformação da realidade a fim de a tornar conforme ao projeto de Deus» (TMA 46), em um clima de harmonia e de serena cooperação.

A presença hoje aqui de altas personalidades do Governo, tanto a nível nacional quanto estadual e local, confirma a minha firme convicção de que estas palavras encontrarão o devido eco em toda a ação dirigida a fomentar aquele mesmo bem comum que, se for inspirado nos valores evangélicos, redundará em benefício de todo o povo da amada Nação brasileira.

Por isso, a todos desejo dizer que os guardo no coração, e peço que levem de volta ao Brasil a certeza de que o Papa não foi só ao Rio de Janeiro, mas esteve, e continuará estando, em cada lar, na rua, no campo, nos hospitais, nos centros de detenção, nos morros, nas praias dessa imensa Nação, para a qual faço votos de paz e de prosperidade.

3. Pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, vamos pedir a Deus pelo Brasil, pela sua gente, pelas famílias, pelos jovens e anciãos, pelos doentes, pelo bem-estar material e espiritual de cada um, no contexto de uma ordenada e sincera solidariedade. Ao agradecer de novo aos que colaboraram na realização do Encontro com as Famílias, aproveito para conceder a todos a Bênção do Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo.

Amém.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DE RUANDA EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


17 de Setembro de 1998





Caros Irmãos no Episcopado!

1. Nestes dias em que estais a realizar a vossa peregrinação ao túmulo dos Apóstolos, é-me grato acolher-vos nesta casa, a vós que sois os Pastores da Igreja em Ruanda. Viestes partilhar com o Sucessor de Pedro as alegrias e preocupações do vosso ministério episcopal, as provas e aspirações do povo a vós confiado. Faço votos por que os vossos encontros junto da Sé Apostólica vos proporcionem conforto e encorajamento, a fim de poderdes prosseguir com certeza cada vez maior a vossa missão de perenizar a obra de amor de Cristo por todos os homens, em união com o Sumo Pontífice e sob a sua autoridade (cf. Christus Dominus CD 2). Conheceis também a solicitude que a Santa Sé vos manifesta constantemente, graças à escuta atenta e ao apoio que sempre podeis encontrar junto do Núncio Apostólico e dos seus colaboradores.

Agradeço de todo o coração ao Presidente da vossa Conferência Episcopal, D. Thaddée Ntihinyurwa, Arcebispo de Kigali, as suas palavras clarividentes que traduzem com precisão não só as preocupações, mas também as esperanças da Igreja em Ruanda. Através de vós, quereria saudar com afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os catequistas e os fiéis das vossas dioceses, assim como o inteiro povo ruandês, do qual estou particularmente próximo nos sofrimentos que o atingiram de maneira trágica, e do qual conheço também a vontade de reencontrar uma vida comum, fundada sobre a fraternidade e o entendimento mútuo. Que Deus cure os corações que foram tão dolorosamente feridos e abençoe os esforços de todos os artífices de paz!

2. No decurso dos últimos meses, o Episcopado ruandês pôde ser reconstituído. Ao confiar ao Pai de todas as misericórdias os Bispos mortos durante a tragédia que atingiu o vosso país, encorajo os novos Bispos a serem pastores segundo o coração de Cristo, para guiarem o povo de Deus nesta etapa difícil da sua existência. A missão que recebestes de ensinar, santificar e governar empenha-vos em desenvolver cada vez mais entre vós os laços de unidade na caridade. Com efeito, escrevi no «Motu proprio» Apostolos suos, que «a unidade do episcopado é um dos elementos constitutivos da unidade da Igreja» (n. 8) e do seu crescimento. Uma colaboração activa e fraterna permitir-vos-á exercer com fruto a vossa missão e, nas circunstâncias presentes, manifestar assim a comunhão eclesial e a vossa solicitude comum para com o inteiro povo. «Quando os Bispos de um determinado território realizam conjuntamente algumas funções pastorais para utilidade dos seus fiéis, tal exercício conjunto do ministério episcopal traduz em aplicações concretas o espírito colegial (affectus collegialis), que é a alma da colaboração entre os Bispos, no campo quer regional, quer nacional ou internacional» (ibid., n. 12).

A tragédia vivida pelo vosso povo no decurso dos últimos anos destruiu numerosas estruturas, que deveis reconstruir para permitir à Igreja continuar as actividades ao serviço dos seus membros e do conjunto da população. Mas estas desgraças atingiram sobretudo os corações. Para ajudar os fiéis a encontrar a cura das suas profundas feridas, é necessário suscitar entre eles uma real aspiração à santidade, seguindo o caminho da conversão e da renovação pessoal e comunitária, num espírito de oração, caridade e pobreza interior. Que as comunidades cristãs manifestem com audácia e tenacidade uma atitude profética de reconciliação mútua e se empenhem resolutamente nos caminhos da concórdia, na fraternidade e na confiança reencontradas!

3. A celebração do Grande Jubileu do Ano 2000 já está muito próxima. Para a Igreja em Ruanda, coincidirá com o primeiro centenário da evangelização. Com efeito, a 8 de Fevereiro de 1900 era criada a primeira paróquia em Save, na actual diocese de Butare. Convosco e com toda a Igreja do vosso país, dou graças a Deus por tudo o que foi vivido durante estes anos, pelo ardor apostólico dos primeiros missionários que levaram o Evangelho à vossa terra, e pela coragem de todos aqueles, homens e mulheres, que testemunharam com fidelidade o Espírito de Cristo. Quereria também exprimir o reconhecimento da Igreja aos missionários que, hoje, com o seu trabalho infatigável e generoso, continuam a obra daqueles que os precederam. A sua presença ao serviço das comunidades das vossas dioceses conserva todo o seu significado. Ela é o sinal da universalidade do amor de Deus e da missão da Igreja, que é enviada a todos os homens sem distinção.

No período preparatório para as celebrações jubilares é oportuno dirigir um olhar de verdade para o passado. Não tenhais medo de enfrentar a realidade histórica tal como ela é! No decurso deste primeiro século de evangelização, houve heroísmos admiráveis, mas também infidelidades ao Evangelho que exigem um exame de consciência sobre a maneira como a Boa Nova foi vivida desde há cem anos. A pertença a Cristo nem sempre foi mais forte do que a pertença às comunidades humanas. No limiar da etapa que a Igreja empreende, na sua caminhada no meio dos homens, é necessário um «despertar espiritual». É urgente uma «nova evangelização» em profundidade, para que a mensagem evangélica seja anunciada, recebida e vivida de verdade pelos homens do nosso tempo.

4. Todavia, caros Irmãos no Episcopado, é preciso afirmar claramente que os sofrimentos que se podem sentir diante das sombras do passado não deveriam ofuscar as luzes que iluminaram e continuam a iluminar o caminho da Igreja e da sociedade no vosso país. Houve magníficos frutos de fidelidade a Cristo por parte de cristãos, que tiveram uma atitude heróica nos momentos trágicos da vida da nação. Numerosos são os discípulos de Cristo que, no vosso país, aceitaram com generosidade dar a própria vida pelos seus irmãos. Ressaltai o testemunho destes mártires do Amor, que revelaram o rosto mais autêntico da Igreja, a fim de que o seu sangue seja uma semente evangélica e as gerações futuras não se esqueçam deles! Eles ajudar-vos-ão a não perder a esperança no homem e a olhar corajosamente para o futuro, a fim de vos abrirdes ao advento desta civilização do amor que a humanidade espera.

Eles recordar-vos-ão também que a «communio sanctorum fala com voz mais alta que os factores de divisão» (Tertio millennio adveniente, TMA 37). Pois em primeiro lugar a Igreja deve dar ao mundo o testemunho da sua unidade em Cristo e à volta dos seus Pastores. Na Constituição dogmática Lumen gentium, o Concílio Vaticano II dedica uma atenção particular à unidade da Igreja, cujos membros são um só em Cristo, que é a Cabeça. Com efeito, é essencial que todos os Bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos, tomem consciência sempre mais viva da sua responsabilidade, para que a unidade do Corpo de Cristo, fundada sobre a acção do Espírito e garantida pelo ministério apostólico, seja sustentada por um verdadeiro amor mútuo. É mediante este sinal que se reconhecem os discípulos do Senhor Jesus.

5. Caros Irmãos no Episcopado, por vosso intermédio, quereria transmitir aos vossos sacerdotes o afecto e o encorajamento do Sucessor de Pedro, a fim de que encontrem no seu ministério a alegria e a força para permanecerem fiéis servidores de Cristo. Conheço a sua adesão ao povo de Deus, da qual muitos dão prova tanto hoje como já no tempo da desventura, assim como o seu zelo em lhe anunciar o Evangelho. O Senhor conceda a todos a graça de superar na verdade as dissensões que puderam surgir por causa de circunstâncias dramáticas! Que uma comunhão sempre mais real se manifeste entre sacerdotes diocesanos e missionários vindos do estrangeiro! Hoje, convido vivamente cada um a consolidar os laços da unidade e da fraternidade com os seus irmãos no sacerdócio e com os Bispos, dos quais os sacerdotes devem ser os colaboradores leais e generosos, num diálogo sincero e confiante, em plena comunhão de coração e de espírito. Esta unidade exprime a natureza mesma do seu serviço eclesial, que é participação na missão de Cristo em relação ao povo de Deus, reunido na unidade do Espírito Santo. Que os vossos sacerdotes saibam reconhecer em vós o pai do presbitério que os considera filhos e amigos, a exemplo de Cristo em relação aos Seus discípulos! Que eles «adiram ao seu Bispo com caridade e obediência» (Presbyterorum ordinis, PO 7). Lembrar-se-ão de que, antes de tudo, são pastores que devem cuidar de todo o povo, sem excepção alguma. É importante, por conseguinte, que não se envolvam em associações ou movimentos políticos ou ideológicos, que tornariam difíceis o seu ministério de comunhão e o seu vínculo com os Bispos e a Igreja universal. Convido todos os sacerdotes ruandeses a conservarem a solicitude no serviço à Igreja do seu país. Desejo também que as comunidades acolham os sacerdotes com alegria e cordialidade, para reencontrarem o seu dinamismo evangélico.

Para viverem plenamente a sua vocação sacerdotal, é necessário que os ministros de Cristo conservem sempre presente o mistério do Senhor no coração da sua existência quotidiana. Isto exige que, no exercício do seu ministério, reservem um lugar essencial à vida espiritual, sobretudo pela fidelidade à Liturgia das Horas, à celebração regular da Eucaristia e à meditação da Escritura. Na formação permanente, que eles procurarão continuar durante toda a sua vida, encontrarão uma ajuda preciosa para que o seu ser e o seu agir sejam sempre conformes à vontade do Senhor e à missão que receberam d'Ele e da sua Igreja.

A formação dos futuros pastores é uma das vossas preocupações mais constantes. O florescimento de vocações é um sinal da vitalidade das vossas comunidades. Apesar dos numerosos obstáculos encontrados, empreendestes esforços consideráveis para melhorar a assistência espiritual e a qualidade da formação intelectual e pastoral dos vossos seminaristas. Exorto-vos a acompanhá-los com perseverança e a confiar uma tarefa tão essencial para o futuro da Igreja a sacerdotes experimentados na vida espiritual, com conhecimentos teológicos e filosóficos seguros e solícitos por favorecer a comunhão com a Igreja inteira. Eles poderão assegurar um discernimento sério das vocações e ajudar os jovens a adquirirem uma formação sólida para o futuro ministério. A vida das almas consagradas

6. Aos religiosos e religiosas, que vivem a sua consagração a Cristo com generosidade, desejo que sejam em toda a parte autênticas testemunhas de Cristo, apresentando a todos o rosto paternal de Deus e a feição materna da Igreja. A sua vida inteira seja um sinal do primado de Deus e dos valores do Evangelho na existência cristã! Que a sua vida comunitária seja uma expressão autêntica da comunhão eclesial! Seja ela a manifestação eloquente de que, entre os discípulos de Cristo, «não há unidade verdadeira sem este amor recíproco e incondicional, que exige disponibilidade para o serviço sem regatear energias, prontidão no acolhimento do outro tal como é, sem "o julgar" (cf. Mt Mt 7,1-2), capacidade de perdoar inclusive "setenta vezes sete" ?(Mt 18,22)» (Vita consecrata VC 42).

7. Nas vossas dioceses, os catequistas e os voluntários da pastoral são com frequência verdadeiros animadores de comunidades, de modo particular lá onde, devido às circunstâncias, os sacerdotes não podem estar regularmente presentes. O seu testemunho de vida cristã é de grande importância para o anúncio do Evangelho, assim como para a manutenção da vida eclesial nalgumas regiões. Salvaguardando o carácter insubstituível do ministério ordenado para as comunidades, convém que lhes deis o vosso apoio no cumprimento da missão que lhes confiais. É para eles um encorajamento a terem sempre melhor consciência da sua responsabilidade entre os irmãos, em comunhão com os pastores. Uma formação apropriada, que os ajude a desenvolver as virtudes humanas e espirituais necessárias ao seu empenho, permitir-lhes-á adquirir cada vez mais maturidade, a fim de produzirem frutos abundantes. Cada leigo deve, por outro lado, ter «viva consciência de ser "membro da Igreja", ao qual é confiada uma tarefa original, insubstituível, e que não pode ser delegada, uma tarefa a exercer para o bem de todos» (Christifideles laici, CL 28). A vitalidade das comunidades de base, e também dos movimentos de apostolado e de espiritualidade, é um sinal de esperança para a renovação da Igreja, sobretudo lá onde as estruturas eclesiais desapareceram por causa da violência.

8. Através das suas obras de caridade a Igreja, em fidelidade ao Evangelho, realiza uma parte importante e inalienável da sua missão ao serviço dos homens. As vossas dioceses estão empenhadas com muita generosidade na assistência aos órfãos, viúvas, refugiados, prisioneiros e todas as pessoas que sofrem ou estão na aflição moral ou material. A acção da Igreja católica nos sectores da educação e da saúde é também uma participação essencial para a edificação da sociedade, a fim de dar a esperança às jovens gerações e as preparar para o futuro como responsáveis da vida nacional. Encorajo-vos vivamente a continuar estas obras que manifestam o amor de Cristo por toda a pessoa humana sem distinção, contribuindo para a restaurar na sua dignidade.

As dificuldades ligadas ao desequilíbrio demográfico na sociedade, por causa dos recentes acontecimentos e das suas consequências, introduziram uma condição nova para as relações matrimoniais. Tendo em conta estas situações, a pastoral familiar ajudará os fiéis a reflectirem sobre o significado dos compromissos do matrimónio e os modos de acompanhar os casais, em particular os jovens. Também as pessoas que vivem no celibato devem ser apoiadas.

9. Para tornar efectiva a comunhão entre todos os membros da Igreja, é essencial que se estabeleça um clima de confiança mútua, que se estenderá ao conjunto da sociedade. Em toda a parte onde as oposições põem em perigo a paz e o entendimento entre os grupos, a Igreja é chamada a trabalhar com vigor para eliminar as divisões, sobretudo encorajando e praticando ela mesma o diálogo que conduzirá à reconciliação. Acolher o próprio irmão ou irmã com as suas diferenças, para neles encontrar riquezas que são oferecidas por Deus, é uma exigência para todo o discípulo de Cristo. A formação dos jovens há-de integrar este novo espírito que deveria presidir às relações entre as pessoas e entre as comunidades humanas. Uma sociedade não pode ser estabelecida de maneira duradoura na compreensão mútua sem uma cultura da verdade, da justiça e do perdão. O genocídio que o vosso povo viveu causou sofrimentos indizíveis, que não poderão ser superados senão na solidariedade e na unidade dos corações e mediante um empenho de todos em criar condições de maior justiça. A paz é inseparável da justiça! Ela não se realizar á senão pela defesa da vida, de toda a vida humana que, aos olhos de Deus, tem um valor único e inestimável. Com efeito, «o reconhecimento efectivo da dignidade pessoal de cada ser humano exige o respeito, a defesa e a promoção dos direitos da pessoa humana. Trata-se de direitos naturais, universais e invioláveis: ninguém [...] pode modificar e muito menos eliminar esses direitos que emanam do próprio Deus» (Christifideles laici, CL 38). A presença da Igreja na vida social

10. Caros Irmãos no Episcopado, tornastes-me partícipe das dificuldades que a Igreja encontra para fazer compreender o sentido da sua missão na situação presente. «Como corpo organizado no seio da comunidade e da nação, a Igreja tem o direito e o dever de participar plenamente, com todos os meios à sua disposição, na edificação de uma sociedade justa e pacífica» (Ecclesia in Africa ). Ela tem, por conseguinte, um papel particular a desempenhar na vida nacional, aprofundando com lealdade a sua colaboração com o Estado, para favorecer as condições de estabelecimento duma sociedade cada vez mais justa e pacífica. A sua presença na vida pública é clara e a sua responsabilidade própria não deveria interferir na das pessoas que têm a missão de guiar a nação nos seus caminhos terrestres. Enquanto a violência ainda continua a afligir muitas regiões do vosso país e a enlutar numerosas famílias, faço ardentes votos por que todos os homens de boa vontade possam unir os seus esforços para que, finalmente, todos os ruandeses reencontrem a segurança e uma vida pacífica. Deste modo poderão procurar juntos os meios para construir, numa real solidariedade, uma nação próspera e fraterna, na qual cada um seja reconhecido na sua dignidade de homem e de cidadão, e possa participar livremente na administração do bem comum. Convido todos os responsáveis da nação a não pouparem esforço algum para que, num clima de confiança mútua e reconciliação, chegue finalmente uma era de justiça e paz à terra ruandesa e à região dos Grandes Lagos. Em particular, formulo calorosos votos por que na República Democrática do Congo se continue a procurar incansavelmente uma solução negociada para o conflito, de maneira que terminem as hostilidades e a luta armada seja substituída por um acordo duradouro e a colaboração entre todos os países da região, para o maior bem das suas populações e do continente inteiro. Nunca mais a violência e a discórdia disponham irmãos contra irmãos!

11. Na conclusão do nosso encontro, convido-vos a dirigir o olhar para o futuro com total confiança. Ao aproximar-se a celebração do Grande Jubileu e do centenário da Igreja em Ruanda, exorto os vossos fiéis a renovarem a sua adesão a Cristo, Salvador de todos os homens, e a testemunharem com audácia que são discípulos do Evangelho. Todos se recordem de que o Senhor não abandona ninguém nem se esquece de nenhum dos Seus filhos, cujo nome está inscrito nas palmas das Suas mãos (cf. Is Is 49,16)! «Sim, nas palmas das mãos de Cristo, trespassadas pelos cravos da crucifixão! O nome de cada um de vós, [africanos], está escrito nestas mãos» (Homilia em Cartum [10.2.1993], n. 8, citada por Ecclesia in Africa ). Nos vossos esforços para o renascimento das comunidades, podeis contar com o apoio fraterno e a oração da Igreja universal. Confio à intercessão da Virgem Maria o futuro das vossas dioceses, assim como o da nação inteira. Peço-lhe de modo particular que vos ajude no vosso ministério episcopal, a fim de encontrardes nela uma guia segura, que vos conduza ao seu Filho. Do íntimo do coração dou-vos a Bênção Apostólica, que faço extensiva a todos os fiéis das vossas dioceses.



VISITA PASTORAL ÀS DIOCESES DE CHIÁVARI E BRÉSCIA


SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS AUTORIDADES E À POPULAÇÃO


NA CHEGADA EM CHIÁVARI


18 de Setembro de 1998



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Estou-vos grato pelo acolhimento que me reservastes nesta vossa bonita Cidade, que se encontra no centro ou, para dizer melhor, no coração do Tigúlio, um golfo famoso no mundo inteiro pelo seu mar, os seus rochedos, as suas oliveiras, os seus pinheirais e, sobretudo, pelo seu povo laborioso e bom.

Agradeço de modo particular ao Senhor Ministro, que veio em representação do Governo, e ao Senhor Presidente da Câmara Municipal as nobres expressões de saudação que me dirigiram, e a todas as outras Autoridades de toda a ordem e grau que, juntamente com D. Alberto Maria Careggio, vosso Pastor, me honram com a sua presença.

Agradeço e saúdo cordialmente todos e cada um de vós, caros cidadãos de Chiávari, com os outros amigos vindos aqui para esta circunstância. Saúdo-vos como povo desta privilegiada cidade e região, mas também como povo de Deus reunido nesta Igreja local, que tem o seu centro na catedral-santuário de Nossa Senhora do Horto. Estou para entrar neste santuário, e ali rezarei diante do ícone de Maria, pintado em 1493 por um artesão de Chiávari: um ícone, portanto, que está presente no meio de vós e é aqui venerado há mais de meio milénio.

2. Confesso-vos que, se sinto uma grande alegria cada vez que me é dado visitar a catedral de uma Igreja local, porque tenho a impressão de confirmar assim os vínculos de comunhão dessa Igreja com a única Igreja santa, católica e apostólica, que professamos no Credo, a alegria torna-se comoção profunda quando se trata de uma Igreja expressamente dedicada a Nossa Senhora. No presente caso, depois, trata-se de uma catedral que na dedicação a Maria envolve toda a diocese de Chiávari, a qual, aliás, abrange no seu âmbito outros dez santuários marianos, entre os quais me é grato nomear pelo menos o de Nossa Senhora de Montallegro, no território da vizinha Rapallo.

O título de Nossa Senhora do Horto, originado do facto que a pintura de Borzone se encontrava no muro daquele que era chamado horto do Capitão, leva-nos a pensar nos jardins e hortos presentes na história da salvação: desde aquele do Éden, lugar de inocência e de felicidade dos progenitores, mas que se tornou muito depressa lugar da desobediência e do pecado, até ao do Getsémani, onde o novo Adão, Cristo Jesus, iniciou a fase decisiva da redenção sofrendo até suar sangue (cf. Lc 22,44), o jardim que deveria constituir a alma de cada cristão, para ser digno de acolher Cristo juntamente com a sua Mãe.

Feliz é, por conseguinte, esta diocese que nas suas estruturas visíveis, mas sobretudo no invisível mistério da sua realidade espiritual, aspira a ser o jardim de Maria: Hortus conclusus, como cantais de bom grado especialmente nas «festas de Julho», fons signatus, o Maria! Emissiones tuae paradisus. «Paradisus»: um novo jardim de inocência e de alegria.

3. Esta visão celestial não nos desvia da consciência dos problemas e das dificuldades que acompanham a existência quotidiana sobre a terra. Penso, em particular, nos problemas que investem a sociedade no seu conjunto. Também neste vosso golfo não faltam, pelo menos como reflexo de crises em âmbitos mais vastos, sérios motivos de preocupação. Vós interrogais-vos, por exemplo, sobre o futuro das nobres tradições do artesanato, do comércio, da agricultura nas suas formas locais, não substituídas de maneira adequada pelos novos sistemas de trabalho e de aplicação tecnológica. Se continua a prosperar o turismo atraído pela beleza dos lugares, os períodos de repouso e de férias são muitas vezes sensivelmente reduzidos em virtude dos preços sempre mais elevados.

Como consequência, também aqui existem dificuldades notáveis em providenciar a todos, e de modo especial aos jovens com títulos de estudo, um trabalho adequado. Para o sector empresarial e o comércio, depois, a dificuldade é determinada pela carência de adequadas disponibilidades financeiras. Há, por fim, o perigo da chamada «pobreza das famílias», que está em crescimento segundo recentes estatísticas, por causa do aumento das pessoas idosas e sozinhas.

4. Vós entender-me-eis se, também nesta circunstância, eu recordar os nexos ético-sociais a que estão ligados muitos dos fenómenos mencionados. Como não acenar, por exemplo, à decadência da cultura da vida com a consequente diminuição da natalidade, quando se procuram as razões profundas da própria crise económica? E quem não reconheceria uma insuficiente solidariedade social na raiz da carente colaboração ao enfrentar os novos e imponentes problemas económicos, sociais e políticos? Considerando de modo mais profundo, é na diminuição do sentido religioso e da conexa sensibilidade ética que deve ser procurada a explicação de tantas dificuldades, que afligem o nosso tempo no âmbito tanto familiar como social.

Vós, habitantes de Chiávari, todos vós que estais ligados por várias razões a esta cidade e àqueles que aqui moram, tivestes a prova histórico-experimental da necessidade e dos benefícios da religião no sinal de Nossa Senhora do Horto: no seu sorriso de Mãe boa e gentil, na sua mão que abençoa juntamente com a do Menino. Vós todos sabeis que, embora cada um de nós deva empenhar-se com todas as energias para fazer com que se renove uma sociedade solidária na justiça e no amor, contudo, é necessário recorrer incessantemente Àquela que, como Mãe poderosa e benigna, pode assegurar fecundidade aos nossos esforços. Muitas vezes na vossa história já o tocastes com a mão.

Quero aqui recordar aquele dia 25 de Agosto de 1835 quando, nesta mesma praça, Santo António Maria Gianelli, então arcipreste de Chiávari, pôde anunciar que a graça da preservação da epidemia da cólera fora obtida através de Nossa Senhora do Horto e do Santíssimo Crucificado, levado em procissão penitencial. O arcipreste vira e anunciara o retorno das andorinhas. A partir de então falastes do «milagre das andorinhas », ao qual um vosso ilustre músico, o maestro Campodonico, durante tantos anos organista da catedral, dedicou um inspirado oratório, «As andorinhas de Nossa Senhora», executado várias vezes entre estas paredes.

5. Oremos todos para obter que aquele «milagre» se renove na nossa sociedade, como libertação «a peste, fame et bello», segundo a antiga invocação das Ladainhas dos Santos. Hoje, mais do que nunca, temos necessidade da libertação de antigas e novas epidemias, de antigas e novas formas de guerra. Temos necessidade de uma boa organização da economia, mas sobretudo do saneamento dos costumes como necessária premissa de uma sociedade mais justa e solidária.

Por tudo isto peçamos a Nossa Senhora, nas Ladainhas Lauretanas: Auxilium christianorum, ora pro nobis. E vós, habitantes de Chiávari, por uma antiga concessão da Santa Sé, acrescentais: Regina Advocata nostra, ora pro nobis (cf. S. C. para os Ritos, 1 de Setembro de 1782).

Nas mãos e no coração desta Rainha e Advogada colocarei todos vós, ao ajoelhar-me diante do trono que lhe erigistes no antigo «horto do Capitão». «Protege – dir-lhe-ei – todos estes teus filhos cheios de esperança em Ti: ó clemente, ó pia, ó querida Nossa Senhora do Horto, ó doce Virgem Maria!».



VISITA PASTORAL ÀS DIOCESES DE CHIÁVARI E BRÉSCIA



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

NO ENCONTRO COM O CLERO, OS CONSAGRADOS

E AS RELIGIOSAS DE CLAUSURA


Chiávari, 18 de Setembro de 1998


Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto grande alegria pelo encontro desta tarde, que me consente viver um especial momento de comunhão convosco, Sacerdotes, Seminaristas, Consagrados e Consagradas, e convosco, Religiosas de clausura.

Saúdo cordialmente o vosso Pastor, o caro D. Alberto Maria Careggio. Saúdo também com afecto D. Daniele Ferrari, Bispo Emérito, e todos vós, aqui reunidos para confirmar a vossa adesão ao Sucessor de Pedro e à Igreja local, na qual a Providência vos pôs para dar o vosso testemunho.

2. Caros Sacerdotes, e vós, jovens que vos preparais para o Sacerdócio, o Mestre está constantemente a agir no mundo e diz «Segue-Me» (Mt 9,9) a cada um daqueles que Ele escolheu. É um chamamento que exige a confirmação quotidiana de uma resposta de amor. Esteja sempre vigilante o vosso coração! Um dia, tereis a alegria de participar da bem-aventurança dos servos que «o senhor ao seu retorno encontrar ainda vigilantes » (Lc 12,37).

A intimidade com Jesus Cristo é a alma do ministério sacerdotal. Ela tanto mais se revigora quanto mais estiver banhada pelo orvalho da oração e nutrida pela celebração e pela contemplação do Eucharisticum mysterium, vértice da aliança entre Deus e o homem. Deste modo, o sacerdote torna-se ícone vivo daquele officium laudis, que se realiza incessantemente no universo e se eleva a Deus criador e redentor.

Caríssimos, seja vosso constante empenho imitar o Bom Pastor. Sabei escutar todos os que foram confiados aos vossos cuidados; dialogai com todos, acolhendo com magnanimidade quem bate à porta do vosso coração e oferecendo a cada um os dons que a bondade divina vos confiou. A vossa tarefa é mostrar ao homem a altíssima dignidade à qual é chamado, e ajudá-lo a corresponder- lhe. Perseverai na comunhão com o vosso Bispo e na colaboração recíproca, para o vosso pessoal amadurecimento espiritual e o crescimento das vossas comunidades na caridade.

3. Caríssimos Consagrados e Consagradas, a Igreja espera muito de vós, que tendes a missão de testemunhar em todas as épocas da história «a forma de vida que Jesus, supremo consagrado e missionário do Pai para o seu Reino, abraçou e propôs aos discípulos que O seguiam» (Exort. Apost. Vita consecrata VC 22). Seja dado louvor a Deus pela multiplicidade de carismas com que Ele ornou a face da sua Igreja e pelos frutos de edificação de tantas existências totalmente doadas à causa do Reino!

Deus seja a vossa única riqueza: deixai- vos plasmar por Ele, a fim de tornardes visível ao homem de hoje, sedento de valores verdadeiros, a santidade, a verdade, o amor do Pai celeste. Sustentados pela graça do Espírito, falai ao povo com a eloquência de uma vida transfigurada pela novidade da Páscoa. A vossa existência inteira tornar-se-á assim diaconia da consagração, que cada baptizado recebeu quando foi incorporado a Cristo.

Sede fiéis à altíssima vocação que recebestes. Tornai-vos missionários mediante o exemplo e a palavra. Alimentai o vosso empenho nas fontes da Escritura, dos Sacramentos, do louvor constante de Deus, deixando que a acção do Espírito penetre sempre mais a fundo nas vossas almas. Sereis assim operadores eficazes da nova evangelização, na qual a Igreja está empenhada, no limiar do novo Milénio.

4. E agora uma especial palavra a vós, caríssimas Religiosas de clausura, que constituís o sinal da união exclusiva da Igreja-Esposa com o seu Senhor, sumamente amado. Sois impelidas por uma irresistível atracção que vos arrasta para Deus, termo exclusivo de cada um dos vossos sentimentos e de todas as vossas acções. A contemplação da beleza de Deus tornou-se a vossa herança, o vosso programa de vida, o vosso modo de estar presentes na Igreja.


Discursos João Paulo II 1998 - 15 de Setembro de 1998