Discursos João Paulo II 1998 - 25 de Setembro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PADRES CAPITULARES


DOS MISSIONÁRIOS DE SÃO CARLOS


- ESCALABRINIANOS -


25 de Setembro de 1998





Caríssimos Capitulares Escalabrinianos!

1. Tenho a alegria de dirigir as minhas cordiais boas-vindas a cada um de vós que, por ocasião do vosso Capítulo Geral, quisestes reafirmar-me com esta visita a vossa fidelidade ao Sucessor de Pedro e ao Seu magistério de Pastor da Igreja universal. Saúdo em particular o Padre Luigi Favero, há pouco reconfirmado no cargo de Superior-Geral da vossa Congregação. Ao congratular-me com ele pela renovada confiança dos Coirmãos e pelo generoso e competente serviço até agora prestado, invoco a graça e a força do Espírito Santo para que, com a ajuda do novo Conselho, ele saiba introduzir de maneira válida o Instituto dos Missionários de São Carlos no Terceiro Milénio cristão.

2. Conservo ainda viva a recordação da beatificação do vosso Fundador, D. João Baptista Scalabrini, que no dia 9 de Novembro do ano passado, eu quis indicar à Comunidade cristã como esplêndido exemplo de Apóstolo do nosso tempo, celeste protector de milhões de imigrados e refugiados. O seu coração de Bispo zeloso e de Pai amoroso abriu-se com solicitude constante às necessidades espirituais e materiais dos carenciados, envolvendo na sua incansável acção apostólica quantos a Providência lhe tinha confiado. Ele deixou aos seus filhos espirituais a preciosa herança de um amor ilimitado por todos os que, devido à busca de trabalho, às calamidades naturais ou às adversas condições sociopolíticas, são desarraigados da própria cultura e da sua terra.

Haurindo da Palavra de Deus a visão do destino universal dos bens e da unidade essencial da família humana, reconheceu nas migrações, antes de tudo, uma lei da natureza que renova «em cada instante o milagre da criação» e «torna o mundo pátria do homem». Mas ao mesmo tempo, não deixou de denunciar os sofrimentos e os dramas causados pela emigração, solicitando as suas oportunas e concretas soluções.

Hoje quereis reviver o seu espírito e entusiasmo, e perguntais-vos como repropor, no limiar de um novo Milénio, o seu desejo de servir os últimos e o seu ardor evangelizador sem fronteiras. Diante da recrudescência do fenómeno migratório nos seus aspectos mais dolorosos, como as migrações não documentadas e as dos refugiados, provocadas pelas guerras, pelos ódios étnicos e pelo subdesenvolvimento, abrem-se horizontes cada vez mais vastos à vossa caridade e ao vosso anélito missionário.

De maneira muito oportuna, portanto, ao definir o «Projecto missionário escalabriniano no limiar do Ano 2000», o vosso Capítulo Geral quis responder a essas instâncias, olhando especialmente para aqueles sectores do mundo dos migrados, onde mais fortes são os sinais da prova e do sofrimento, da rejeição de quem é diferente e do medo do outro, da exploração e da solidão.

3. Trata-se duma tarefa apostólica árdua e complexa que pede a cada religioso escalabriniano, antes de tudo, uma sempre mais convicta e transparente adesão a Cristo pobre, casto e obediente, uma profunda intimidade com Ele, alimentada na oração, de maneira que o divino Redentor Se torne cada vez mais o centro e a razão do próprio ser e apostolado. A exemplo do Fundador, caríssimos Irmãos, vivei de maneira convicta e concreta o primado da oração, cultivando em particular a devoção à Eucaristia e a Nossa Senhora: encontrareis, assim, as motivações profundas e a força incessante para seguir o Senhor também no caminho da Cruz; encontrareis em particular um impulso sempre novo para servir os migrantes, pois «o olhar fixo no rosto do Senhor não diminui no apóstolo o empenho a favor do homem; pelo contrário, reforça-o, dotando-o de uma nova capacidade de influir na história, para a libertar de tudo quanto a deforma» (Vita consecrata VC 75). Deixar-vos-eis guiar pelo Espírito divino, a fim de compartilhar as expectativas e as esperanças dos homens e das mulheres em mobilidade; sabereis, além disso, iluminar todos os que divisam na imigração uma ameaça à própria identidade nacional, às próprias seguranças e privilégios, ajudando-os a ver na presença de pessoas diferentes, por proveniência e cultura, uma potencial riqueza para os países que as acolhem.

A Igreja pede-vos, caríssimos, que em cada comunidade de acolhimento tenhais vivos os valores da fraternidade e da solidariedade, a fim de reduzirdes os espaços da exclusão e difundirdes a cultura do amor. Essa árdua tarefa exige, da vossa parte, a plena recuperação da vida fraterna e o empenho constante e convicto em fazer das comunidades religiosas «lugares» de comunhão e imagens vivas e transparentes da Igreja, germe e início do Reino de Deus no mundo (cf. Lumen gentium LG 5). Em um mundo dividido e injusto, a vossa família escalabriniana, que se apresenta sempre mais diversificada sob o aspecto das pertenças étnicas e culturais, saiba pôr-se não só como sinal e testemunho de um diálogo sempre possível, mas também como casa aberta a todos os que procuram ocasiões para o encontro e a partilha das diferenças.

4. A presença dos vossos religiosos em áreas geográficas e tradições diferentes e a singularidade do vosso empenho pastoral no mundo da mobilidade humana, com frequência espelho das necessidades e das lacerações do mundo contemporâneo, requerem de vós uma particular capacidade de repropor, de modo novo e incisivo, o carisma do vosso Instituto. Para que o espírito da Congrega ção possa ser transmitido e vivido na sua genuinidade pelas novas gerações na diversidade das culturas e das latitudes, é necessário, como vós mesmos observais, elaborar quanto antes a ratio institutionis da vossa Congregação, indicando de modo claro e dinâmico o caminho a seguir, em ordem à plena assimilação da espiritualidade do Instituto. Com efeito, «a ratio dá resposta a um verdadeira urgência de hoje: por um lado, indica o modo de transmitir o espírito do Instituto, a fim de ser vivido em toda a sua genuinidade pelas novas gerações, na diversidade das culturas e das situações geográficas; e, por outro, ilustra às pessoas consagradas os meios para viverem o mesmo espírito nas várias fases da existência, avançando para a plena maturidade da fé em Cristo Jesus » (Vita consecrata VC 68). À ratio dever á seguir a elaboração de um projecto de formação permanente, de modo a acompanhar cada escalabriniano com um programa estendido à inteira exist ência (cf. ibid., 69).

Esses processos formativos, ao ajudar-vos a aderir a Cristo com renovado e constante amor, levar-vos-ão a captar com sabedoria os sinais de Deus na história e, mediante o testemunho do vosso carisma, a tornar de certo modo sensível a presença no diversificado e difícil mundo das migrações.

O âmbito da mobilidade humana, no qual se exerce o vosso empenho de evangelização e de promoção humana, apresenta-se particularmente aberto aos carismas e aos aspectos profissionais laicais. Sabei valorizar a colaboração com os fiéis leigos, a fim de tornardes mais incisiva a vossa presença entre os migrantes e oferecer-lhes uma imagem mais articulada da Igreja. Obviamente, isto requer de vós, religiosos, um particular empenho em formar os leigos para a maturidade da fé, em iniciá-los na vida da Comunidade cristã e em levá-los a compartilhar o carisma escalabriniano.

5. Caríssimos Irmãos, no limiar do novo Milénio, enquanto a Igreja se prepara para celebrar os 2000 anos da Encarnação do Filho de Deus, desejo confiar os vossos propósitos apostólicos, as vossas decisões capitulares e esperanças de bem à Mãe do Senhor, a qual o Beato João Baptista Scalabrini escolheu como modelo da sua espiritualidade e da sua acção apostólica. Maria, Mulher libertada porque cheia de graça, que à pressa abandonou a sua terra e a sua casa para ir ajudar a prima Isabel, vos dê a alegria de ser instrumentos dóceis e generosos do anúncio do Evangelho aos pobres do nosso tempo e vos torne testemunhas de esperança.

Com estes bons votos, ao invocar a protecção do vosso Beato Fundador, concedo com afecto à inteira Família escalabriniana, uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PADRES CAPITULARES


DO INSTITUTO DA CARIDADE


- ROSMINIANOS -


Sábado, 26 de Setembro de 1998





Caro Superior-Geral
Caríssimos Irmãos em Cristo!

«Dou graças incessantemente por vós ao meu Deus, pela graça que Ele vos concedeu em Jesus Cristo; porque em todas as coisas fostes enriquecidos n'Ele: em toda a palavra e em toda a ciência» (1Co 1,4-6). Repetindo as palavras do Apóstolo, dou-vos as boas-vindas, filhos de António Rosmini, que abundastes de modo tão maravilhoso nos dons espirituais que Deus continua a oferecer à Igreja através do Instituto da Caridade. O Capítulo Geral deve ser para todos vós, Rosminianos, um tempo de profunda renovação pessoal e comunitária no carisma que vos foi transmitido pelo vosso Fundador.

António Rosmini viveu numa época de agitação não só política, mas também intelectual e religiosa, numa época em que ressoava o grito de libertação e na qual a questão da liberdade prevalecia sobre todas as outras. Muitas vezes isto era interpretado como uma rejeição da Igreja e como um abandono da fé cristã, implicando uma libertação do próprio Jesus Cristo. No meio desse caos, António Rosmini compreendeu que não poderia haver libertação alguma de Cristo, mas somente uma libertação por Cristo e para Cristo; esta intuição inspirou toda a sua vida e obra e está no centro dos seus numerosos escritos que, ao mesmo tempo, servem de argumento científico, religioso, filosófico e místico.

O vosso Fundador ocupa um lugar firme naquela grande tradição intelectual do cristianismo, consciente de que não existe oposição entre fé e razão e que uma exige a outra. Foi no seu tempo que o longo processo de separação entre fé e razão atingiu o seu ápice, quando ambas pareciam inimigas mortais. Contudo, Rosmini insistiu com Santo Agostinho no facto que «os crentes são também pensadores: ao crerem, pensam, e ao pensarem, acreditam... Se a fé não pensa, nada é» (De Praedestinatione Sanctorum, 2, 5). Ele sabia que a fé sem a razão resulta no mito e na superstição, por isso, pôs os seus imensos dons intelectuais ao serviço não só da teologia e da espiritualidade, mas também de diversos campos, tais como a filosofia, a política, o direito, a educação, a ciência, a psicologia e a arte, não vendo neles alguma ameaça para a fé, mas aliados necessários. Às vezes Rosmini parece um homem de contradições. Entretanto, descobrimos nele uma coerência profunda e misteriosa; e foi precisamente esta coerência que assegurou a Rosmini, embora fosse homem típico do século XIX, transcender o próprio tempo e espaço para se tornar uma testemunha universal, cujo ensinamento ainda hoje é importante e oportuno.

Ainda que tivesse uma incrível energia intelectual, Rosmini pôs no centro da própria vida cristã aquilo que ele definiu o «princípio de passividade». De maneira consciente e coerente renunciou ao próprio desejo na investigação da única coisa realmente importante: a vontade de Deus. A um homem por natureza tão activo, isto requereu uma kenosis onerosa e interminável. O seu «princípio de passividade» estava fundado firmemente na fé nas obras da Providência de Deus, de tal maneira que esta «passividade» se parece mais como uma atenção constante aos sinais da vontade de Deus e uma absoluta disponibilidade a agir segundo estes sinais, quando eles se manifestam. Aquilo que era autêntico na sua vida, devia ser autêntico no Instituto que fundou. A sua confiança na bondade da Providência levou-o a escrever nas vossas Constituições: «Este Instituto surge sobre um único fundamento, a Providência de Deus, Pai Omnipotente; e aquele que deseja substituí-lo com outro, procura destruir o Instituto» (Constituições, 462). Também em tempos de grande sofrimento, o vosso Fundador jamais perdeu a fé no amor de Deus e, por conseguinte, a paz da sua alma e a sua justa compreensão daquilo que São Paulo quer dizer, quando exorta a alegrar-se sempre (cf. Fl Ph 4,4).

Foi esta experiência paradoxal, de alegria e ao mesmo tempo de tristeza, que levou Rosmini a venerar de modo sempre mais profundo o mistério da Cruz, pois na figura de Cristo Crucificado ele encontrou o Único que conhecia, contemporaneamente, a alegria absoluta da visão beatífica e a medida plena do sofrimento humano. Desde o início a Cruz ocupou um lugar central na vida de Rosmini; não é por acaso que o Instituto da Caridade foi fundado no Monte Calvário, em Domodóssola. Com efeito, é só no mistério da Cruz que todas as aparentes contradições de Rosmini atingem um ponto de grande coerência e podemos perceber assim a plena força daquilo que ele queria dizer, quando falava de «caridade». Para ele, era a Cruz que exortava a razão contra uma orgulhosa auto-suficiência, precisamente como exortava a fé contra a decadência que nos espera, quando abandonamos a razão. Era a Cruz que ensinava a verdade da Providência de Deus e o significado de ser «passivo» diante das Suas obras. Era a Cruz que transformava a caridade num fogo ardente de compaixão e de sacrifício de si. Este é o motivo por que, a propósito do Instituto da Caridade, escreveu: «A Cruz de Jesus é o nosso tesouro, o nosso conhecimento, o nosso tudo» (Cartas).

Enquanto a Igreja se prepara para entrar no Terceiro Milénio cristão, a evangelização da cultura é uma parte crucial daquilo que defini «a nova evangelização» e é a propósito disso que a Igreja olha ansiosamente para os filhos de António Rosmini. Hoje a cultura dominante venera a liberdade e a autonomia que muitas vezes seguem falsos caminhos que conduzem a novas formas de escravidão. A nossa cultura oscila entre racionalismo e fideísmo sob muitas formas, aparentemente incapaz de encontrar uma harmonia entre fé e razão. Os cristãos são às vezes tentados a ignorar a kenosis da Cruz de Jesus Cristo, preferindo antes empreender o caminho do orgulho, do poder e do domínio. Nesse contexto, o Instituto da Caridade tem a missão específica de indicar o caminho da liberdade, da sabedoria e da verdade que é sempre o da caridade e da Cruz. Esta é a vossa vocação religiosa e cultural, tal como foi do vosso clarividente Fundador.

O misticismo da Cruz levou Rosmini a uma profunda devoção para com a mulher que está aos pés da Cruz, a Virgem das Dores. Em Maria ele encontrou aquela que foi ferida pela dor, mas também pelo amor, aquela que pôde chorar e alegrar-se com o seu Filho e que haveria de ensinar a Igreja a fazer o mesmo. Rosmini aprendeu de Maria o significado das palavras misteriosas que pronunciou no leito de morte: «Adora, permanece em silêncio, alegra-te». Que Ela, Mãe do Sofrimento e Mãe de todas as nossas alegrias, conduza os filhos e as filhas de António Rosmini, agora e sempre, ao silêncio da adoração, lá onde reina a paz da Páscoa, e a mente e o coração encontram repouso! Ao invocar sobre os membros do Capítulo e todos os membros do Instituto da Caridade a graça do Senhor Ressuscitado, concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL


DE MADAGASCAR EM VISITA


«AD LIMINA APOSTOLORUM»


26 de Setembro de 1998





Prezados Irmãos no Episcopado

1. É com alegria que vos acolho, no momento em que estais a realizar a vossa visita ad Limina. Vós, que recebestes de Cristo a missão de guiar o povo de Deus em Madagáscar, viestes em peregrinação aos túmulos dos Apóstolos; nesta ocasião, realizais com o Sucessor de Pedro, e também com os seus colaboradores, intercâmbios frutuosos que permitem consolidar a comunhão entre a Igreja que está no vosso País e a Sé Apostólica. Assim, faço votos por que, ao regressardes ao meio do povo que vos foi confiado, o vosso zelo e o dinamismo missionário das vossas comunidades possam ser ulteriormente revigorados, a fim de que o Evangelho seja anunciado a todos.

Mediante as suas amáveis palavras, o Presidente da vossa Conferência Episcopal, Senhor Cardeal Armand Gaétan Razafindratandra, esboçou em vosso nome um quadro específico da vida da Igreja na Grande Ilha e do contexto em que ela continua a sua missão. Estou-lhe calorosamente grato por isto!

Nesta feliz circunstância saúdo com afecto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os catequistas e todos os fiéis das vossas comunidades diocesanas. Transmiti também as minhas cordiais saudações ao povo malgaxe, de quem conheço as qualidades de hospitalidade, solidariedade e coragem, quando se trata de enfrentar as multíplices dificuldades da vida quotidiana.

2. No seguimento dos Apóstolos, os Bispos receberam a missão de anunciar com audácia o mistério da salvação na sua integridade. «Proclama a Palavra, insiste no tempo oportuno e inoportuno, advertindo, reprovando e aconselhando com toda a paciência e doutrina» (2Tm 4,2). Esta difícil exigência requer que cada Bispo possa haurir a própria energia na graça de Cristo, recebida em abundância mediante o dom do Espírito no dia da sua ordenação episcopal e renovada incessantemente na oração. A Igreja tem necessidade de pastores que coloquem em prática e administrem com atenção as diferentes instituições diocesanas, orientando o povo de Deus. Para realizar este serviço, eles deverão ser animados por qualidades humanas e mais ainda por qualidades espirituais e também pela solicitude para com a santidade da própria vida, a fim de se conformarem totalmente com Cristo que os envia. Amar a Cristo e viver na sua intimidade significa também amar a Igreja e, como o Senhor Jesus, doar-se a ela para testemunhar o amor infinito de Deus pelos homens.

O Concílio Vaticano II pôs em evidência a necessidade que os Bispos têm de cooperar de maneira cada vez mais estreita para exercer o próprio ministério de maneira frutuosa (cf. Christus Dominus CD 37). Portanto, encorajo-vos sentidamente a aprofundar sempre mais os vínculos de unidade colegial e de colaboração entre vós, sobretudo no seio da vossa Conferência Episcopal, em comunhão viva com a Sé de Pedro.

Há algumas semanas, a solidariedade pastoral das dioceses do vosso País manifestou-se de forma particular, por ocasião de um Sínodo nacional sobre o tema Igreja, Família de Deus congregada pela Eucaristia, que organizastes como prolongamento da recente Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a África. Formulo votos a fim de que este importante evento para a vida da Igreja em Madagáscar, que se situa no contexto da preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, constitua para cada uma das vossas comunidades a ocasião de um revigoramento da fé em Jesus Cristo e suscite nos fiéis «um verdadeiro anseio de santidade, um forte desejo de conversão e renovamento pessoal, num clima de oração cada vez mais intensa e de solidário acolhimento do próximo, especialmente do mais necessitado» (Tertio millennio adveniente, TMA 42).

3. Dirigindo-me agora aos sacerdotes das vossas dioceses, os vossos primeiros colaboradores no ministério apostólico, quereria certificá-los da gratidão da Igreja pela generosidade com que vivem o seu sacerdócio ao serviço de Deus. Convido-os a perseverar com júbilo e entusiasmo na sua vocação, levando uma vida digna da grandeza da dádiva que lhes é concedida. «O presbítero, de facto, em virtude da consagração que recebeu pelo sacramento da Ordem, é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao qual como Cabeça e Pastor do seu povo é configurado de modo especial para viver e actuar, na força do Espírito Santo, ao serviço da Igreja e para a salvação do mundo» (Pastores dabo vobis PDV 12). Disponíveis à acção do Espírito, oxalá eles conservem os olhos sempre fixos no rosto de Cristo, para progredirem corajosamente pelos caminhos da santidade, sem se conformarem com os modos de ser do mundo. Mediante a regular celebração da Liturgia das Horas e dos Sacramentos, e através da meditação da Palavra de Deus, eles são chamados a viver a profunda unidade entre a sua vida espiritual, o seu ministério e a sua actividade quotidiana. Fiéis ao celibato, acolhido com uma decisão livre e repleta de amor, e vivido com coragem incessantemente renovada, hão-de reconhecer nele «um dom inestimável de Deus, como "estímulo da caridade pastoral", como singular participação na paternidade de Deus e na fecundidade da Igreja, e como testemunho do Reino escatológico perante o mundo» (Ibid., 29). Quando vivem momentos dif íceis, sede para eles pastores atenciosos e disponíveis, que dão nova esperança e, mediante as próprias palavras e o exemplo, os ajudam a retomar o caminho! Exorto-vos sentidamente a apoiá-los, a fim de que eles vivam na fidelidade aos próprios compromissos sacerdotais, assegurando-lhes as condições espirituais e materiais que lhes permitem corresponder às justas necessidades do seu ministério.

Dilectos Irmãos no Episcopado, estai próximos de cada um dos vossos sacerdotes; entretecei com eles relações fundamentadas na confiança e no diálogo; eles sejam para vós verdadeiros filhos e amigos! Primeiros responsáveis pela sua santificação e formação permanente, sabei propor-lhes os modos de prosseguir, ao longo da sua vida inteira, o aprofundamento das dimensões humana, espiritual, intelectual e pastoral da sua formação sacerdotal, a fim de que o seu ser e agir sejam cada vez mais conformes com Cristo Bom Pastor.

Enfim, faço votos por que, no seio do presbitério, os sacerdotes e os religiosos se acolham fraternalmente na legítima diversidade dos seus carismas e das suas opções. Na oração comum e na partilha, eles hão-de encontrar apoio e conforto para o seu ministério e a sua vida pessoal.

4. Entre as vossas preocupações permanentes, estão o nascimento e o crescimento das vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Os numerosos jovens que respondem ao chamamento de Cristo e aceitam pôr-se no Seu seguimento constituem um sinal do dinamismo das vossas Igrejas locais e um encorajamento para o porvir. Todavia, são necessários uma grande prudência e um discernimento atento, para consolidar as suas vocações e permitir que cada um dê uma resposta livre e consciente ao apelo de Cristo. A vida na sequela do Senhor é exigente e por conseguinte requer, na escolha dos candidatos, critérios de equilíbrio humano, de capacidades espirituais, afectivas, psicológicas e intelectuais, com uma vontade firme. Gostaria de renovar aqui a advertência formulada pelos Padres do Sínodo para a África, «aos "Institutos religiosos que não mantêm casas na África" a não se considerarem autorizados a "procurar lá novas vocações sem um prévio diálogo com o Ordinário do lugar"» (Ecclesia in Africa, ). Efectivamente, os jovens desarraigados terão muita dificuldade em fazer amadurecer o chamamento que receberam e serão tentados pelas múltiplas atracções de uma sociedade que eles mesmos desconhecem. De um discernimento efectuado com sabedoria depende inclusive a esperança de ver nascer e desenvolver-se vocações missionárias africanas, para anunciar o Evangelho em todas as partes do continente e até mesmo além.

Compete a vós, que sois os primeiros representantes de Cristo na formação dos sacerdotes (cf. Pastores dabo vobis PDV 65), vigiar com cuidado pela qualidade da vida e da formação nos seminários. Convido-vos a constituir comunidades educativas unidas que dêem aos seminaristas um exemplo concreto de vida cristã e sacerdotal irrepreensível. Como poderiam os jovens preparar-se de modo correcto para o sacerdócio, se não tivessem à sua frente o exemplo de mestres e de autênticas testemunhas? Bem sei como vos é difícil prover à escolha de sacerdotes experimentados na vida espiritual e qualificados nos campos da teologia e da filosofia, capazes de acompanhar os jovens! Formulo votos sinceros por que possais preparar formadores competentes em vista desta missão, mesmo que se devam sacrificar outros sectores da vida pastoral. Hoje, este ministério é um dos mais importantes para a vida da Igreja, em particular no vosso País.

Dirijo um encorajamento especial às pessoas que têm a responsabilidade de preparar os jovens para a consagração total de si mesmos no sacerdócio ou na vida religiosa. Confirmadas no caminho da busca de Deus, oxalá elas possam demonstrar a beleza da sua vocação àqueles que o Senhor convida a segui-l'O, e ajudá-los a discernir os desígnios de Deus para a sua vida! Que elas se encham de júbilo pelo encontro com Cristo, como os discípulos depois da Transfiguração!

Os seminaristas tenham consciência cada vez mais viva da grandeza e da dignidade da vocação que receberam! É necessário que durante o tempo de formação eles possam adquirir uma suficiente maturidade afectiva e tenham a íntima convicção de que o celibato e a castidade são inseparáveis para o sacerdote. O ensinamento sobre o sentido e o lugar da consagração a Cristo no sacerdócio deverá estar no centro da sua formação, a fim de que possam empenhar livre e generosamente toda a sua pessoa no seguimento de Cristo, na participação na Sua missão.

5. Os Institutos de vida consagrada oferecem uma importante e apreciada contribuição aos numerosos sectores da vida da Igreja no vosso País. O compromisso de pessoas consagradas na obra de evangelização deve demonstrar de maneira particular que «quanto mais se vive de Cristo, tanto melhor se pode servi-Lo nos outros, aventurando-se até aos postos de vanguarda da missão e abraçando os maiores riscos» (Vita consecrata VC 76). Os membros das comunidades religiosas vivem plenamente a sua oferta a Cristo, dando-Lhe testemunho mediante a própria existência e colocando ao serviço da Igreja as riquezas do carisma que lhes e próprio! Deixando-se guiar pelo Espírito Santo, que eles caminhem de modo resoluto ao longo das sendas da santidade e manifestem aos olhos de todos a sua alegria de se terem entregue totalmente a Deus, para o serviço dos seus irmãos!

Exprimo às pessoas consagradas a gratidão e o encorajamento da parte da Igreja pelo apostolado que elas exercem, na lógica do seu amor a Cristo e do dom de si próprias ao serviço dos doentes, dos mais necessitados e dos membros mais pobres da sociedade. Mediante a sua presença no mundo da educação, elas ajudam os jovens a crescerem em humanidade, adquirindo uma formação humana, cultural e religiosa que os prepara para assumir o seu lugar na Igreja e na sociedade.

Como salientei na Exortação Apostólica Ecclesia in Africa, a fim de permitir aos Institutos de vida consagrada expressarem os carismas que lhes são próprios numa comunhão sempre maior com as Igrejas diocesanas, exorto «os responsáveis das Igrejas locais, como também os dos Institutos de vida consagrada e das Sociedades de vida apostólica, a promoverem entre si o diálogo com a criação, no espírito da Igreja-Família, de grupos mistos de deliberação, como testemunho de fraternidade e sinal de unidade ao serviço da missão comum » (n. 94).

6. Em virtude da sua condição de baptizados, todos os fiéis são chamados a participar plenamente na missão da Igreja. Regozijo-me com a exemplar contribuição de numerosos leigos para a vida eclesial no vosso País. Elogio de modo particular a obra dos catequistas que, em condições com frequência difíceis, se esforçam por anunciar o Evangelho aos seus irmãos e, em comunhão com os Bispos e sacerdotes, garantem a animação das suas comunidades, dedicando-lhes a própria solicitude. O seu papel é de grande importância para a implantação e a vitalidade da Igreja. Eles transmitem também aos seus filhos o sentido do serviço a Cristo. Convido-os a conservar firmemente viva em si mesmos «a consciência de serem membros da Igreja de Jesus Cristo, participantes no seu mistério de comunhão e na sua energia apostólica e missionária» (Christifideles laici CL 64).

Faço também votos por que os leigos adquiram uma sólida formação, a fim de assumirem as próprias responsabilidades de cristãos na vida da sociedade. Com efeito, devem trabalhar com abnegação e tenacidade para construir a cidade terrena no respeito da dignidade da pessoa humana e na busca do bem comum. Diante das injustiças, daquilo que destrói a paz entre as pessoas e os grupos, bem como de tudo o que perverte o espírito, que eles desenvolvam cada vez mais a solidariedade, a verdadeira fihavanana, que tende a abrir o homem para o plano divino da salvação!

Deve-se reservar uma solicitude especial à família, célula primeira e vital da sociedade. A formação das consciências, em particular para evocar com determinação o respeito devido a toda a vida humana e ensinar às crianças os valores fundamentais, constitui uma tarefa essencial que incumbe à Igreja e aos seus Pastores. Perante as dificuldades encontradas por muitos jovens casais, encorajo-vos a continuar os esforços no sentido de os ajudar a compreender melhor a autêntica natureza do amor humano, da castidade conjugal e do matrimónio crist ão, fundado sobre a fidelidade e a indissolubilidade.

Aos jovens de Madagáscar, gostaria inclusivamente de lançar um premente apelo à confiança e à esperança. Conheço as suas grandes inquietações, mas conheço também as riquezas que Deus lhes concedeu para enfrentarem o futuro com coragem e lucidez. Que eles saibam assumir as suas responsabilidades na vida da Igreja e da sociedade, tomando viva consciência da sua vocação de homens e cristãos que os compromete a serem semeadores de paz e de amor! Cristo espera-os e indica-lhes o caminho da vida!

7. Dar testemunho da caridade de Cristo para com os enfermos e os pobres é uma das características da vida cristã. Através das suas instituições sociais, a Igreja favorece o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade. Estou reconhecido a todas as pessoas que, mediante o seu serviço humilde manifestam, no seguimento de Cristo, o amor da Igreja por aqueles que sofrem ou que se encontram na aflição. Não se pode aceitar a miséria como uma fatalidade. É necessário ajudar os pobres a crescerem em humanidade e fazer com que estes sejam reconhecidos na sua dignidade de filhos de Deus. Apesar das dificuldades, a vossa terra é rica de promessas. Portanto, animo-vos sentidamente a desenvolver as iniciativas de solidariedade e de serviço à população, que muitas vezes se encontra em situações económicas e sociais preocupantes, nomeadamente reservando o justo lugar às obras de educação e promoção humana, que hão-de permitir a cada um expressar os dons que Deus lhe concedeu, criando-o à Sua imagem. Com efeito, como escrevi na Encíclica Redemptoris missio, «o progresso de um povo, porém, não deriva primariamente do dinheiro, nem dos auxílios materiais, nem das estruturas técnicas, mas sobretudo da formação das consciências, do amadurecimento das mentalidades e dos costumes. O homem é que é o protagonista do desenvolvimento, não o dinheiro ou a técnica» (n. 58).

8. As relações fraternas existentes entre as diferentes Confissões cristãs em Madagáscar testemunham o vosso compromisso em responder com generosidade e clarividência à oração do Senhor: «Para que todos sejam um!» (Jn 17,21). Estes vínculos concretizam-se particularmente através das intervenções do Conselho das Igrejas Cristãs de Madagáscar, que muitas vezes se manifestou em prol da promoção da justiça e do desenvolvimento integral do homem na vida da nação. É muito importante continuar a busca da unidade entre os cristãos numa colaboração inspirada pelo Evangelho, que seja um verdadeiro testemunho comum de Cristo e um modo de anunciar a Boa Nova a todos. Neste longo caminho que conduz à comunhão total entre os irmãos, é necessário voltar-se sempre para Cristo. Também a oração deve ocupar um lugar privilegiado para obter do Senhor a conversão do coração e a unidade dos discípulos de Cristo. Para melhor corresponder às exigências de uma colaboração leal, é indispensável que os fiéis sejam preparados para se encontrarem com os seus irmãos em esp írito de verdade, sem ocultar as diverg ências que ainda nos separam da plena comunhão (cf. Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Directório para a aplicação dos princípios e das normas sobre o ecumenismo, 1993). Por outro lado, é auspiciável que os casais que vivem a experiência de um matrimónio misto sejam auxiliados com uma pastoral apropriada, num espírito de abertura ecuménica. Não obstante as dificuldades que podem surgir, eles deverão ser autênticos artífices da unidade através da qualidade do amor manifestado ao cônjuge e aos próprios filhos.

9. Estimados Irmãos no Episcopado, no momento de concluir este encontro fraterno, quereria encorajar-vos de novo a caminhar na confiança. Neste ano consagrado ao Espírito Santo e à Sua presença santificadora na comunidade dos discípulos de Cristo, exorto os católicos de Madagáscar a aprofundarem os sinais de esperança presentes na sua própria vida e na vida do mundo em geral. Eles renovem «a sua esperança no advento definitivo do Reino de Deus, preparando-o dia após dia no seu íntimo, na Comunidade cristã a que pertencem, no contexto social onde estão inseridos e deste modo também na história do mundo» (Tertio millennio adveniente, TMA 46)! Confio todos vós, os vossos diocesanos e o inteiro povo malgaxe à intercessão materna da Virgem Maria e de Vitória Rasoamanarivo, a Beata que deu um admirável testemunho da qualidade espiritual do laicado do vosso País e, do íntimo do coração, concedo a todos a Bênção Apostólica.




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