Discursos João Paulo II 1998 - 26 de Setembro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO 31° ESQUADRÃO DA AERONÁUTICA


MILITAR ITALIANA


27 de Setembro de 1998





Caríssimos Oficiais e Suboficiais do XXXI
Esquadrão da Aeronáutica Militar!

1. O encontro, que há já diversos anos tenho convosco e com as vossas famílias aqui em Castel Gandolfo, no final da minha permanência estiva, oferece-me a oportunidade de saudar pessoalmente quantos me acompanharam nas minhas viagens na península italiana e de lhes agradecer cordialmente a sagacidade e a precisão com que desempenham o seu apreciado e generoso serviço.

Se o Papa pode ir a várias localidades da Itália para realizar a sua missão papal, se pode desta forma dirigir a sua palavra a tantas mulheres e homens de todas as idades e condições sociais, levando-lhes conforto em nome de Cristo: se com a sua presença pode suscitar esperanças e recordar a todas as pessoas de boa vontade aqueles nobres valores humanos e cristãos que fazem parte do património do inteiro povo italiano, tudo isto é possível também mediante a vossa disponibilidade e o vosso constante empenho.

Dirijo um agradecimento particular ao vosso Comandante por se ter feito int érprete dos sentimentos comuns e pela oferta da escultura que, no bronze, funde artisticamente o emblema do vosso trabalho e o estilo que o caracteriza.

2. Desejo manifestar a minha gratidão também com um sinal visível: são as condecorações pontifícias que tenho a alegria de conferir hoje a alguns de vós, como gesto de reconhecimento a todos os membros do XXXI Esquadrão da Aeronáutica Militar.

Dirijo depois o meu afectuoso pensamento às vossas famílias: a vós, esposas, filhas e filhos destes homens chamados a desempenhar uma tarefa decerto não fácil. Vós sois para eles a «casa», o ponto de enraizamento espiritual e físico, a referência das escolhas, a finalidade dos projectos. Com a oração e a calorosa serenidade das relações familiares os apoiais no cumprimento do seu dever, acompanhando-os no seu caminho profissional.

3. «O céu manifesta a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra das Suas mãos» (Ps 19,1). Canta assim o antigo salmista; e faz-lhe eco o brado da multidão de Jerusalém que acolhe Jesus no Domingo de Ramos: «Bendito seja Aquele que vem como Rei, no mais alto do céu» (Lc 19,38).

A glória de Deus resplandece na beleza do firmamento, brilha de modo sublime na harmonia do céu. Ela é símbolo daquela paz que Deus vive em Si e que deseja doar à humanidade, para que a terra esteja repleta da sua glória (cf. Nm Nb 14,21).

Caríssimos, dirijo a vós, que sulcais o céu, o convite a escutar a voz divina, silenciosa e poderosa, enquanto vos exorto a fazer do vosso trabalho quotidiano um serviço à construção da paz.

Com estes sentimentos, invoco sobre todos vós aqui presentes a protecção da Virgem Maria, Virgem do céu, e concedo de coração a cada um, às vossas famílias e a quantos vos são queridos uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS AUTORIDADES CIVIS DE CASTEL GANDOLFO


28 de Setembro de 1998





Senhor Presidente da Câmara Municipal
e Membros da Junta
e do Conselho Municipal de Castel Gandolfo!

Ao concluir a minha permanência estiva em Castel Gandolfo, tenho a alegria de renovar este familiar encontro convosco e apresentar-vos a minha cordial saudação. Estou-lhe grato, Senhor Presidente da Câmara Municipal, pelas palavras que quis dirigir-me em nome também da Administração Municipal.

Também neste ano me foi oferecida efectiva colaboração a fim de que, por um lado, a minha permanência pudesse desenvolver-se serena e tranquila e, por outro, todos os que vinham aqui visitar-me encontrassem um ambiente ordenado e acolhedor. Este serviço, que tradicionalmente as autoridades civis de Castel Gandolfo prestam ao Bispo de Roma, adquire um valor e um significado ulteriores pelo espírito de que é animado: espírito de consciência cristã do significado da missão do Sucessor de Pedro, que é então acolhido com devoto afecto e respeitosa familiaridade.

Caríssimos, mais uma vez agradeço tudo isto a cada um de vós. Por vosso amável intermédio, quero além disso manifestar a expressão do meu reconhecimento a todos os habitantes de Castel Gandolfo. Quereria que um pensamento de especial gratidão chegasse a quantos estão doentes e são idosos, e oferecem pelo Papa e pelo Seu ministério os seus sofrimentos quotidianos, corroborados pela oração.

Agora que este tempo estivo excepcionalmente quente se conclui, retorno à minha sede habitual, no Vaticano. Mas asseguro-vos que não deixarei faltar à querida comunidade de Castel Gandolfo a minha lembrança na oração: pelas famílias, pelos jovens, por todos e cada um. Estou certo de que também vós e a população continuareis a estar próximos de mim.

Com estes sentimentos, de coração renovo a cada um de vós a minha Bênção, que faço extensiva à inteira população de Castel Gandolfo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

AOS PEREGRINOS DE BELLUNO-FELTRE (ITÁLIA)

NO XX ANIVERSÁRIO DA MORTE DO PAPA LUCIANI


28 de Setembro de 1998





Venerado Irmão no Episcopado
Caríssimos Sacerdotes, Religiosas e Religiosos
Caríssimos Fiéis!

1. Viestes aqui de uma terra que, se desde há séculos está ligada ao Sucessor de Pedro com os vínculos da fé, nestes últimos anos enriqueceu ulteriormente esta relação com os matizes da amizade e da familiaridade: não foi a vossa diocese que deu o nascimento ao meu venerado predecessor, o inesquecível Papa João Paulo I? Depois, numa casa inserida no encantador território da diocese, também eu pude transcorrer jornadas repousantes, em contacto com a beleza dos lugares e a cordial disponibilidade da população.

Já tive ocasião de vos saudar e de vos agradecer durante o Verão passado quando, em Lorenzago de Cadore, me encontrei com uma significativa representação da vossa diocese, guiada pelo vosso Bispo D. Pietro Brollo, que vos acompanha também hoje. A ele se dirige a minha saudação fraterna, com um intenso obrigado pelas calorosas expressões com que interpretou os vossos sentimentos.

2. Ao acolher-vos hoje com afecto, é-me espontâneo voltar com o pensamento não só aos esplêndidos espectáculos dos vossos montes e vales, mas também à história das mulheres e homens que lá viveram e continuam a viver a sua vicissitude humana e cristã: uma história que se deve abrir sempre mais à acção do Espírito de Deus, porque não se pode ficar fascinado pela beleza da criação sem empenhar-se também na transformação dos corações e das mentes.

No Seu desígnio sapiente e harmonioso, Deus colocou-vos naquele ambiente, a fim de vos tornardes os seus atentos guardiães e diligentes administradores (cf. Gn Gn 2,8). Ali, na vossa realidade quotidiana, Deus chama-vos à comunhão com o seu Filho Jesus. Chama-vos a realizar a Igreja de Cristo: «cidade situada sobre um monte» (cf. Mt Mt 5,14). Trata-se de um projecto de vida constantemente guiado pela força e ternura do seu Espírito, para fazer da vossa comunidade um sinal e uma possibilidade concreta de diálogo, animação e renovação do ambiente humano circunstante.

3. A Igreja de Deus que está em Belluno- Feltre é enviada a cumprir a sua missão nas formas que correspondem aos diversos carismas e ministérios suscitados nela pelo Espírito Santo. Deste modo, a actividade do Bispo e dos Presbíteros, os quais na sua pessoa reapresentam sacramentalmente Cristo cabeça e mestre, estará dedicada de maneira prevalecente ao cuidado pastoral da comunidade cristã. O empenho dos Diáconos e dos outros ministros ordinários constituirá um sinal permanente de Cristo, «que não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10,45). A presença das Religiosas e dos Religiosos será um constante convite a erguer o olhar «para além do círculo dos montes», para além do horizonte terreno, na expectativa dinâmica das realidades futuras e definitivas.

Depois, em vista da transformação do mundo, emerge de modo específico o papel dos leigos, com os seus dons e as suas tarefas. Perante o mundo de hoje, «nesta hora magnífica e dramática da história» (Christifideles laici CL 3), a vós, caros leigos sensíveis e generosos, repito o apelo que ressoa na parábola evangélica: «Não é lícito a ninguém ficar inactivo » (ibidem). Numa sociedade tão tragicamente marcada pela indiferença em relação a Deus e pelo desprezo para com a pessoa humana e a sua dignidade, e no entanto tão necessitada de Deus e tão desejosa de justiça e de paz (cf. ibid., 4-6), «não é lícito a ninguém ficar inactivo»!

Vós, leigos «christifideles laici», herdeiros de uma grande história de fé, que vos precede e vos foi entregue como o mais precioso dos dons, tendes a santificação pessoal como vosso primeiro empenho. Ela realizar-se-á precisamente nas experiências que sois chamados a viver, isto é, nas realidades do mundo (cf. ibid., 17): a família e os processos educativos, a escola e os seus rumos, a abertura ao empenhamento social nas várias formas de voluntariado, a actividade política, o trabalho e a economia, a cultura e a comunica ção, o tempo livre e o turismo (cf. ibid., 40-44), isto é, os vários âmbitos em que de maneira concreta se desenvolve a vossa existência.

Este processo de santificação requererá, como a sua indispensável vertente humana, um itinerário de formação doutrinal, catequética e cultural (ibid., 60), a fim de que a participação na história do vosso ambiente seja sempre mais cristãmente qualificada e incisiva. E aqui encontra a sua mais alta finalidade a acção construtiva das paróquias e das várias formas de agregação de cristãos: a sua finalidade, com efeito, é preparar cristãos amadurecidos e inseridos na sociedade como o fermento na massa. Aqui encontra sentido pleno a disponibilidade, oferecida por muitos leigos na perspectiva da missão diocesana para o Jubileu, a tornar-vos anunciadores de Cristo Redentor, a fim de que as portas das casas e dos corações se abram à salvação.

4. Como não pensar, neste contexto, numa testemunha que deixou uma marca indelével na história? Quero referir-me, vós bem o entendeis, ao Papa João Paulo I, que há vinte anos, precisamente neste dia, fechava os olhos ao mundo para os abrir à luz da eternidade. A sua memória é ainda hoje muito viva nos nossos corações. Recordo que, no primeiro ano do meu pontificado, quis prestar-lhe homenagem indo a Canale d'Agordo, sua cidade natal. Sucessivamente, em 1988, no décimo aniversário da sua morte, visitei o «Centro de espiritualidade e cultura » a ele intitulado.

E agora, no vigésimo aniversário do seu falecimento, quisestes fazer a vossa peregrinação à sede de Pedro em memória de João Paulo I, para iniciardes na oração e no recolhimento a grande Missão a que me referi. O exemplo e ensinamento dele, que da vossa terra recolheu o «sorriso de Deus» para o dar à humanidade, se tornem estímulo para o «empenho na fé», a «operosidade na caridade», a «constante esperança em Jesus Cristo nosso Senhor» (cf. 1Th 1,3).

Com estes bons votos, a todos concedo de coração a Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


SOBRE "LINGUAGEM BÍBLICA E MASS MEDIA"


28 de Setembro de 1998



Ilustres Senhores
Gentis Senhoras!

1. É-me grato acolher-vos por ocasião do Congresso internacional de Estudos sobre o tema «Biblical language and contemporary communication», organizado pela «Lux Vide». Agradeço ao Dr. Ettore Bernabei, Presidente da Sociedade Lux, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos vós. Apresento uma saudação cordial a cada um dos presentes, estudiosos de exegese bíblica e especialistas dos modernos meios de comunicação social, que participam neste interessante Congresso.

A vossa visita oferece-me a grata oportunidade para exprimir estima e apreço pelo vosso qualificado empenho de aprofundamento e difusão da mensagem bíblica junto do grande público, através dos poderosos meios de comunicação, em particular, mediante o cinema e a televisão. Trata-se de um serviço de alto valor humano e espiritual, que merece ser sempre mais ampliado e aperfeiçoado. Eis por que um Congresso internacional de estudos sobre este tema não pode deixar de atrair a atenção. Com efeito, ele inscreve-se de maneira providencial no interior das múltiplas tentativas hermenêuticas, que hoje, a vários níveis, conduzem a sempre novas formas de actualização do texto sagrado.

2. O encontro entre a Revelação divina e os modernos meios de comunicação social, quando é conduzido no respeito pela verdade dos conteúdos bíblicos e na exactidão do uso dos meios técnicos, é portador de abundantes frutos de bem. Por um lado, de facto, ele comporta uma elevação dos mass media a uma tarefa entre as mais nobres, que de algum modo os resgata de usos impróprios e às vezes banalizantes. Por outro lado, oferece possibilidades novas e extraordinariamente eficazes para aproximar o grande público à Palavra de Deus, comunicada para a salvação de todos os homens.

Deve-se imediatamente notar que à natureza da Sagrada Escritura pertencem dois factores fundamentais entre si diversos, mas conexos mútua e intimamente. Eles são, por um lado, a dimensão absolutamente transcendente da Palavra de Deus e, por outro, de igual modo importante a da sua inculturação. Por causa da primeira característica, a Bíblia não deve ser remetida unicamente à palavra do homem, e por conseguinte a mero produto cultural. Devido, porém, à segunda característica, ela participa de modo inevitável e de maneira profunda na história do homem, reflectindo as suas coordenadas culturais.

Precisamente por isto - eis a consequência importante - a Palavra de Deus tem «a capacidade de se propagar nas outras culturas, de modo a atingir todas as pessoas humanas no contexto cultural em que vivem». É quanto recordou oportunamente a Instrução da Pontifícia Comissão Bíblica sobre «A interpretação da Bíblia na Igreja» (parte IV, B, Città del Vaticano 1993, pág. 108), a qual especifica: «A importância sempre crescente dos meios de comunicação de massa, imprensa, rádio, televisão, exige que o anúncio da Palavra de Deus e o conhecimento da Bíblia sejam propagados de modo activo com estes instrumentos. Os aspectos muito particulares destes últimos e, por outro lado, a sua influência sobre um público vasto requerem, para a sua utilização, uma preparação específica que permita evitar improvisa ções ridículas, assim como efeitos espectaculares de mau gosto» (Ibidem, Parte IV, C, 3, pág. 116).

3. Este providencial encontro entre a Palavra de Deus e as culturas humanas já está contido na essência mesma da revelação e reflecte a «lógica» da Encarnação. Como ressalta o Concílio na Constituição dogmática Dei Verbum, «as palavras de Deus, com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se intimamente semelhantes à linguagem humana, como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos homens tomando a carne da fraqueza humana» (n. 13).

Esse princípio geral encontra uma própria aplicação específica no âmbito dos meios de comunicação social. Trata-se de favorecer a passagem ou, de modo mais preciso, a transposição de uma forma de linguagem para outra: da palavra escrita, amplamente sedimentada no coração dos crentes e na memória de um grande grupo de pessoas, para a comunicação visual da «fiction» fílmica, aparentemente mais superficial mas, sob certos aspectos, até mais poderosa e incisiva do que outras linguagens.

A respeito disso, as tentativas que se sucederam até aos anos mais recentes, e entre as quais se insere o vosso qualificado trabalho, são dignas de atenção porque alcançam, em não poucos casos, um notável nível artístico. Por isso sintome feliz por exprimir o meu cordial apreço por este renovado interesse cinematográfico, tanto pelo Antigo como pelo Novo Testamento, sobretudo porque, embora nas suas várias transposições fílmicas inevitavelmente parciais, a vossa intenção é apresentar a Bíblia na sua globalidade. Isso contribui para manter vivas nas pessoas aquela «fome» e aquela «sede» da Palavra de Deus, que o profeta Amós indicava como presente de modo crescente sobre a terra (cf. 8, 11).

Ao recordar-me das palavras do Apóstolo «contanto que Cristo de qualquer modo seja anunciado... com isso me alegro e me alegrarei sempre» (Ph 1,18), faço votos por que o vosso serviço a favor de uma sempre maior difusão da mensagem bíblica prossiga com renovado empenho, no intento de produzir obras que ao aspecto artístico saibam unir uma profunda inspiração religiosa, capaz de suscitar nos espectadores não só admiração estética, mas também participação interior e amadurecimento espiritual.

Portanto, ao confiar as vossas pessoas e todas as vossas actividades à celeste protecção de Maria, Mãe do Verbo Encarnado, asseguro a minha constante lembrança na oração e de coração a todos abençoo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS PATRIARCAS ORIENTAIS


29 de Setembro de 1998



1. «Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ep 1,3), que nos reuniu neste dia por meio do seu Espírito Santo, para experimentarmos «como é bom, como é agradável viverem os irmãos em unidade» (Sl 132/133, 1).

Estamos todos profundamente conscientes da solenidade e importância deste nosso encontro hodierno. Quando o meu Predecessor Papa Leão XIII, de venerada memória, que tanto trabalhou em favor do Oriente católico, se encontrou com os Patriarcas orientais católicos a 24 de Outubro de 1894, dirigiu-se a eles com estas palavras, que hoje faço minhas: «Para vos dar uma prova indubitável do nosso afecto chamamos-vos a Roma, desejosos de nos encontrar convosco, desejosos de elevar o prestígio da autoridade patriarcal».

Um longo caminho foi percorrido a partir daquele dia. O caminho talvez mais fecundo desse processo verificou-se com o Concílio Vaticano II, no qual alguns de vós tiveram a alegria de participar, para ali fazer ressoar a voz do Oriente cristão.

Na linha indicada pelo Concílio, no dia 18 de Outubro de 1990 eu quis que fosse promulgado o Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, para sancionar a especificidade das Igrejas do Oriente que já estão em comunhão plena com o Bispo de Roma, Sucessor do Apóstolo Pedro.

Há três anos, quis repropor a minha veneração pelos tesouros das Igrejas do Oriente, na Carta Apostólica Orientale lumen, «para que seja restituída à Igreja e ao mundo a manifestação plena da catolicidade da Igreja, que não se exprime apenas por uma única tradição, nem tampouco por uma comunidade contra a outra; e para que também a todos nós seja concedido saborear plenamente aquele património divinamente revelado e indiviso da Igreja universal, que se conserva e cresce na vida tanto das Igrejas do Oriente como naquelas do Ocidente» (n. 1).

A mesma estima e o mesmo amor que sugeriam aquelas palavras, levaram-me a querer o encontro hodierno com as Igrejas orientais católicas nas vossas Pessoas, vós que sois os seus Patriarcas e as presidis «como pais e cabeças» (OE 9).

O Grande Jubileu aproxima-se e impele-nos a todos a anunciar o Evangelho da salvação, «oportuna e inoportunamente » (2Tm 4,2): «Escutamos juntos a invocação dos homens que querem ouvir a Palavra de Deus inteira. As palavras do Ocidente precisam das palavras do Oriente, para que a Palavra de Deus manifeste cada vez melhor as suas riquezas insondáveis» (Orientale lumen, 28).

2. As Igrejas orientais católicas são, com as outras Igrejas do Oriente, as testemunhas vivas das tradições que vêm dos Apóstolos através dos Padres (OE 1); esta sua tradição «constitui parte do património divinamente revelado e indiviso da Igreja universal» (ibid.).

A Igreja, à imagem da Trindade Santa, é mistério de vida e de comunhão, Esposa do Verbo encarnado, habitação de Deus. Para apascentar e governar a Sua Igreja, o Senhor Jesus escolheu os Doze e quis que os Bispos, seus sucessores, fossem pastores do povo de Deus na sua peregrinação rumo ao Reino, sob a guia do sucessor do Corifeu dos Apóstolos (cf. LG LG 18).

No âmbito desta comunhão, «por divina Providência sucedeu que várias Igrejas, instituídas em diversos lugares pelos Apóstolos e seus sucessores, se juntam, no decorrer do tempo, em vários grupos organicamente unidos, os quais, salvaguardadas a unidade da fé e a única constituição divina da Igreja universal, têm leis, rito litúrgico, e património teológico e espiritual próprios. Algumas de entre elas, principalmente as antigas Igrejas patriarcais, como matrizes da fé, geraram outras, que são como que as suas filhas e com as quais permaneceram unidas na vida sacramental e no respeito pelos mútuos direitos e deveres» (LG 23).

O Concílio, embora consciente das divisões que se verificaram no decurso dos séculos e apesar de ainda não estar completo o restabelecimento da comunhão entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas, não hesitou em declarar que as Igrejas do Oriente «têm a faculdade de se governarem segundo as próprias disciplinas, mais conformes à índole de seus fiéis e mais aptas para atender ao bem das almas» (UR 16 UR, 16 e OE 9).

Não vale isto, porventura, desde agora para as vossas Igrejas, que já estão em comunhão plena com o Bispo de Roma? E não deve ser reafirmado também no que se refere aos direitos e deveres dos Patriarcas, que delas são pais e cabeças? As vossas Igrejas representam no seio da Igreja católica aquele Oriente cristão, para o qual não cessam de se estender os nossos braços para o encontro fraterno da plena comunhão. As Igrejas orientais católicas oferecem, nos territórios próprios e na diáspora, as suas riquezas litúrgicas, espirituais, teológicas e canónicas específicas. Vós, que delas sois as cabeças, recebestes do Espírito Santo a vocação e a missão de conservar e promover esse património específico, para que o Evangelho seja dado com sempre maior abundância à Igreja e ao mundo. E o Sucessor de Pedro tem o dever de vos assistir e ajudar nesta missão.

3. «Os Patriarcas com os seus Sínodos constituem a instância suprema para todos os assuntos do Patriarcado» (OE 9). A colegialidade episcopal, com efeito, encontra no ordenamento canónico das vossas Igrejas um exercício particularmente significativo. De facto, os Patriarcas agem em estreita união com os seus Sínodos. Finalidade de toda a autêntica sinodalidade é a concórdia, a fim de que a Trindade seja glorificada na Igreja.

Vós credes, meus caros Irmãos em Cristo, que «entre todas as Igrejas e Comunidades eclesiais, a Igreja Católica est á consciente de ter conservado o minist ério do Sucessor do apóstolo Pedro, Bispo de Roma, que Deus constituiu como "perpétuo e visível fundamento da unidade" (LG 23), e que o Espírito ampara para que torne participantes deste bem essencial todos os outros» (Ut unum sint UUS 88). Trata-se «de uma atitude que a Igreja de Roma sentiu sempre parte integrante do mandato confiado por Jesus Cristo ao apóstolo Pedro: confirmar os irmãos na fé e na unidade (cf. Lc Lc 22,32)... este empenho tem na sua raiz a convicção de que Pedro (cf. Mt Mt 16,17-19) quer colocar-se ao serviço de uma Igreja unida na caridade» (Orientale lumen, 20).

A vossa presença aqui, este nosso encontro de hoje, é o testemunho vivo desta comunhão fundada sobre a Palavra de Deus e sobre a obediência a ela por parte da Igreja.

4. Vós estais particularmente conscientes de quanto este ministério petrino de unidade constitui, como tive ocasião de escrever na Encíclica Ut unum sint, «uma dificuldade para a maior parte dos outros cristãos, cuja memória está marcada por certas recordações dolorosas» (n. 88). Na mesma Carta Encíclica convidei as outras Igrejas a estabelecerem comigo um diálogo fraterno e paciente sobre as modalidades para o exercício desse ministério de unidade (cf. nn. 96- 97). Este convite é dirigido com ainda maior insistência e afecto a vós, venerados Patriarcas das Igrejas orientais católicas. Compete antes de tudo a vós procurar, juntamente connosco, as formas mais adequadas para que este ministério possa realizar um serviço de caridade por todos reconhecido. Peço-vos que presteis esta ajuda ao Papa, em nome daquela responsabilidade na recomposição da plena comunhão com as Igrejas ortodoxas (cf. OE OE 24), que tendes pelo facto de serdes os Patriarcas de Igrejas que com a Ortodoxia compartilham tão grande parte do património teológico, lit úrgico, espiritual e canónico. Neste mesmo espírito e pela mesma razão, desejo que as vossas Igrejas estejam plenamente associadas ao diálogo ecuménico da caridade e ao doutrinal, a nível tanto local como universal.

5. Em harmonia com a tradição transmitida desde os primeiros séculos, as Igrejas patriarcais ocupam um lugar singular na comunhão católica. Basta pensar que nelas a instância suprema para qualquer prática, sem excluir o direito de eleger os Bispos dentro dos confins do território patriarcal, é constitu ída pelos Patriarcas com os seus Sínodos, salvaguardando o direito inalienável do Romano Pontífice de intervir «in singulis casibus» (cf. OE OE 9).

O papel particular das Igrejas orientais católicas corresponde àquele que permaneceu vazio por causa da falta de comunhão completa com as Igrejas ortodoxas. Tanto o Decreto Orientalium ecclesiarum do Concílio Vaticano II, como a Constituição Apostólica Sacri canones (pp. IX-X) que acompanhou a publicação do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, puseram em evidência como a situação presente, e as regras que a ela dirigem, estão projectadas para a almejada comunhão plena entre a Igreja católica e as Igrejas ortodoxas.

A vossa colaboração com o Papa e entre vós poderá mostrar às Igrejas ortodoxas que a tradição da «sinergia », entre Roma e os Patriarcados foi mantida - embora limitada e ferida - e talvez também desenvolvida para o bem da única Igreja de Deus, difundida sobre a terra inteira.

No mesmo espírito é igualmente importante que as Igrejas do Oriente, submetidas nestes tempos a um considerável fluxo migratório, conservem o lugar de honra que lhes pertence nos próprios países e na «sinergia» com a Igreja de Roma, assim como nos territórios onde os seus fiéis fixam a sua residência.

6. No restabelecimento dos direitos e privilégios dos Patriarcas orientais católicos, almejado pelo Concílio, é preciosa a indicação que nos oferece o Decreto Orientalium ecclesiarum: «Estes direitos e privilégios são os que vigoravam ao tempo da união do Oriente e Ocidente, embora devam ser um pouco adaptados às condições hodiernas» (n. 9). Também o Concílio de Florença, depois de ter afirmado o primado do Bispo de Roma, assim prosseguia: «Nós renovamos, além disso, a ordem dos outros veneráveis Patriarcas como está fixado pelos cânones, de maneira que o Patriarca de Constantinopla seja o segundo depois do santíssimo Papa de Roma, o de Alexandria o terceiro, o de Antioquia o quarto, e o de Jerusalém o quinto, sem prejuízo de todos os seus privilégios e direitos». Estou certo de que a Sessão Plenária da Congregação para as Igrejas Orientais, que prevê entre os argumentos de estudo também este, possa fornecer-me úteis sugestões nesse sentido.

Venerados Irmãos em Cristo, a força evangelizadora das vossas Igrejas Patriarcais constitui, no limiar do Grande Jubileu, um desafio inigualável para um anúncio fiel e aberto do Evangelho, e para a renovação da vida e da missão da Igreja, e das vossas Igrejas. O Espírito e a Igreja oram: «Vem, Senhor Jesus» (Ap 22,20).

A Santa Virgem Maria nos obtenha tudo isto com a sua intercessão. Queremos invocá-la com as palavras de um antigo hino copta, que depois entrou na devoção das Igrejas bizantina e latina:

«Sob a tua misericórdia nos refugiamos, Mãe de Deus.

Não desprezes as nossas súplicas nas angústias, mas salva-nos do perigo, toda pura, toda bendita».

Como penhor do meu afecto, a todos concedo a minha Bênção.



                                                                                     Outubro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA


DA CONGREGAÇÃO PARA AS IGREJAS ORIENTAIS


1 de Outubro de 1998





Senhores Cardeais
Beatitudes
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio!

1. É para mim motivo de intensa alegria encontrar-vos no decurso da Sessão Plenária da vossa Congregação, enquanto estais a reflectir sobre algumas linhas de acção do Dicastério para os próximos anos, ao serviço das Igrejas Orientais Católicas.

Agradeço, em particular, ao Senhor Cardeal Achille Silvestrini, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, as amáveis expressões de saudação que quis dirigir-me também em nome de todos vós.

Além disso, quero exprimir o meu reconhecimento pelo serviço prestado pela Congregação, a qual coadjuva o Bispo de Roma «no exercício da suprema função pastoral para o bem e o serviço da Igreja universal e das Igrejas particulares, exercício com que se fortalecem a unidade da fé e a comunhão do povo de Deus e promove a missão própria da Igreja no mundo» (Constituição Apostólica Pastor bonus, art. 1).

2. Entre os diversos Dicastérios da Cúria Romana, particularmente delicada é a tarefa da Congregação para as Igrejas Orientais, e isto em razão tanto da sua competência institucional como do presente momento histórico.

A vossa Congregação «trata das matérias concernentes às Igrejas Orientais, acerca tanto das pessoas como das coisas » (Ibid., art. 56). Essa competência «estende-se a todos os assuntos, que são próprios das Igrejas Orientais e devem ser deferidos à Sé Apostólica, quer acerca da estrutura e do ordenamento das Igrejas, quer acerca do exercício das funções de ensinar, santificar e governar, quer acerca das pessoas, o seu estado, os seus direitos e deveres» (art. 58 § 1). Além disso, «a acção apostólica e missionária nas regiões, em que de antiga data são prevalecentes os ritos orientais, depende exclusivamente desta Congregação, ainda que seja desenvolvida por missionários da Igreja latina» (art.60).

Este trabalho da Congregação, que se tornou particularmente oneroso devido às presentes situações de dificuldades em que vivem as Igrejas Orientais, requer uma pluriformidade de competências. Isto se exprime em particular através da obra das Comissões Especiais, tais como, para a liturgia, para os estudos sobre o Oriente cristão e para a formação do clero e dos religiosos, que foram instituídas pelos Sumos Pontífices no seu âmbito.

3. O Concílio Vaticano II pôs em evidência a riqueza que a existência das Igrejas Orientais oferece à Igreja Universal, manifestando a sua pluriformidade na unidade. O Decreto Orientalium ecclesiarum inicia, com efeito, com a solene afirmação que «a Igreja Católica aprecia as instituições, os ritos litúrgicos, as tradições eclesiásticas e a disciplina cristã das Igrejas Orientais. De facto, ilustres em razão da sua veneranda antiguidade, nelas brilha aquela tradição que vem dos Apóstolos através dos Padres e que constitui parte do património divinamente revelado e indiviso da Igreja universal» (n. 1). É em razão desta vocação que os Padres Conciliares expressaram o desejo de que as Igrejas Orientais «floresçam e realizem com novo vigor apostólico a missão que lhes foi confiada» (n. 1).

Portanto, a tarefa da Congregação é exprimir a solicitude da Igreja universal por essas Igrejas, de maneira que todos «possam conhecer em plenitude este tesouro e sentir assim, juntamente com o Papa, a paixão por que seja restituída à Igreja e ao mundo a manifestação plena da catolicidade da Igreja, que não se exprime apenas por uma única tradição, nem tampouco por uma comunidade contra a outra» (Carta Apostólica Orientale lumen, 1).

4. A contingência histórica põe estas Igrejas em condições de deverem contar com o apoio, o afecto e o cuidado particular da Santa Sé, assim como das Igrejas particulares de rito latino. Com efeito, algumas destas Igrejas de rito oriental deixaram de ser perseguidas pelos regimes comunistas e estão a viver o afã do renascimento. Outras, ao contrário, actuam em áreas politicamente instáveis, onde a convivência inter-religiosa nem sempre é inspirada na fraternidade e no respeito recíproco. O crescente fenómeno da migração, por fim, comporta para a Sé Apostólica o dever de sustentar e promover o cuidado pastoral dos fiéis orientais católicos na diáspora.

5. São ainda vivas em mim a comoção e a alegria, geradas pela importância do encontro que tive, há dois dias, com os Patriarcas das Igrejas Orientais Católicas. Naquela ocasião tive oportunidade de sublinhar como esse gesto constitui um acto de homenagem, por parte da Sé Apostólica, à dignidade que lhes é própria.

Dois aspectos, depois, já evocados no encontro que tive com os Patriarcas, parecem-me de significado particular: a sinodalidade que as Igrejas por eles presididas exercem de modo peculiar e o contributo sempre maior que elas são chamadas a dar, em vista do restabelecimento da plena comunhão com as Igrejas ortodoxas irmãs.

O carácter sinodal dos Bispos à volta do Patriarca, que caracteriza as Igrejas Orientais, é um modo antiquíssimo de viver a colegialidade episcopal, recomendada e ilustrada pela Constituição dogmática Lumen gentium (cf. n. 22).

No empenho ecuménico, em virtude da sua proximidade teológica e cultural em relação às Igrejas ortodoxas, elas são chamadas a proceder com coragem e de maneira resoluta, ainda que a memória conserve vivas as feridas do passado e, às vezes, não seja fácil a realização deste mandato nas presentes circunstâncias.

6. A agenda dos trabalhos da vossa Plenária é um sinal do empenho com que sois chamados a delinear a actividade futura do Dicastério. Estar-vos-ei grato se privilegiardes, em particular, o sector do cuidado pastoral dos fiéis orientais na diáspora. A respeito disso, é necessário que todos, latinos e orientais, acolham as delicadas implicações de uma situação que constitui um verdadeiro desafio, tanto para a sobrevivência do Oriente cristão como para a reflexão geral dos próprios programas pastorais.

Os Pastores da Igreja latina, com efeito, são convidados antes de tudo a aprofundar o próprio conhecimento acerca da existência e do património das Igrejas Orientais Católicas e a favorecer o dos fiéis confiados aos seus cuidados. Em segundo lugar, são chamados a tornar-se promotores e defensores do direito dos fiéis orientais a viverem e orarem segundo a tradição recebida dos Padres na própria Igreja. «Acerca do cuidado pastoral dos fiéis dos Ritos orientais que vivem em Dioceses de Rito latino, segundo o espírito e a letra dos Decretos conciliares Christus Dominus, 23, 3 e Orientalium ecclesiarum, 4, os Ordinários latinos dessas Dioceses devem assegurar, quanto antes, um adequado cuidado pastoral dos fiéis de Rito oriental, através do ministério de sacerdotes ou mediante paróquias do Rito, onde isto for oportuno, ou por obra de um Vigário episcopal» (Carta aos Bispos da Índia, 28 de Maio de 1987, n. 5 c).

Os Pastores das Igrejas Orientais, por outro lado, não cessarão de se preocupar dos próprios fiéis que deixaram os Países de origem, empenhando-se em discernir as formas como exprimir a própria tradição, de maneira que responda às expectativas hodiernas daqueles fiéis, nas particulares condições da sociedade em que vivem.

7. A esta altura, julgo importante oferecer algumas indicações a respeito das tarefas que devem caracterizar o modo de agir da Congregação para as Igrejas Orientais nos próximos anos.

A Congregação é chamada a ajudar e sustentar as comunidades orientais católicas, tornando-se assim expressão da «solicitude por todas as Igrejas» (cf. 2Co 11,28), própria de cada Igreja local, mas de modo particular vocação específica da Igreja de Roma que «preside na caridade», segundo a feliz expressão de Inácio de Antioquia.

Duas são as modalidades concretas, com que exercer essa tarefa. Antes de tudo, a Congregação é chamada a formular indicações gerais, fruto da variedade e riqueza da própria experiência, que depois cada uma das Igrejas elaborar á e adaptará à própria situação. É quanto a Congregação já fez, por exemplo, com a Instrução para a aplicação das prescrições litúrgicas do Código dos Cânones das Igrejas Orientais. A propósito disso, estou certo de que os Pastores de cada Igreja oriental procederão imediatamente à elaboração das próprias Directrizes Litúrgicas a ela requeridas, uma vez que constituem um instrumento indispensável para dar plena expressividade ao próprio património litúrgico.

As indicações já oferecidas em matéria litúrgica, deverão agora ser elaboradas também no campo da formação, da catequese e da vida religiosa.

A Congregação elaborará algumas linhas gerais que ajudem cada uma das Igrejas a formular depois a própria Ratio studiorum (cf. CCIO, cân. 330).

De igual modo útil seria a preparação de um Directório Catequético que «tenha em conta a índole especial das Igrejas Orientais, de modo que no ensino da catequese resplandeçam a importância da Bíblia e da liturgia e as tradições da própria Igreja na patrologia, agiografia e na própria iconografia» (CCIO, cân. 621, 2). Iluminador quanto a isto é o método catequético dos Padres da Igreja, que se exprimia em «catequese» para os catecúmenos e em «mistagogia» ou «catequese mistagógica» para os iniciados nos Mistérios divinos.

Uma atenção especial deve ser reservada a favorecer o restabelecimento das formas tradicionais de vida religiosa nas Igrejas Orientais Católicas, em particular do monaquismo, que «foi desde sempre a própria alma das Igrejas Orientais » (Orientale lumen, 9).

8. Ao lado da elaboração das linhas gerais, compete à Congregação ajudar as Igrejas Orientais Católicas no processo de actuação dessas indicações. Será sua solicitude, portanto, criar ocasiões de encontro e colaboração a vários níveis, como já ocorreu, por exemplo, no encontro entre os Bispos e os Superiores Maiores Orientais Católicos da Europa e a Congregação, que se realizou no mês de Julho de 1997 na Eparquia de Haidudorog, na Hungria. Faço votos por que um análogo resultado positivo possa alcançar o encontro dos Patriarcas e Bispos do Médio Oriente, previsto para o próximo ano, e que iniciativa semelhante possa ser pensada e organizada para o chamado «novo mundo».

9. Enfim, o empenho ao qual é chamada a Congregação consiste em fazer com que a Igreja inteira conheça a existência e o que é específico das Igrejas Orientais Católicas, no espírito da Carta Apostólica Orientale lumen. Por esta razão, deveriam ser promovidos e sustentados estudos históricos e teológicos particularmente significativos. Esse conhecimento deve estender-se também à dimensão pastoral, de maneira que os Bispos latinos saibam em concreto como valorizar a presença dos Orientais católicos nas próprias Dioceses; será tarefa do Dicastério dirigir-se a eles com oportunas indicações nesse sentido.

10. Estamos na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000. O mundo de hoje tem necessidade de uma corajosa obra evangelizadora. «A todas as Igrejas, do Oriente e do Ocidente, chega o grito dos homens de hoje que pedem um sentido para a sua vida. Nele divisamos a invoca ção de quem procura o Pai esquecido e perdido (cf. Lc Lc 15,18-20 Jn 14,8). As mulheres e os homens de hoje pedem-nos que lhes indiquemos Cristo, que conhece o Pai e no-l'O revelou (cf. Jo Jn 8,55 Jn 14,8-11)» (Orientale lumen, 4). As Igrejas Orientais gozaram de uma extraordin ária força de evangelização, sabendo muitas vezes adaptar-se às exigências culturais que o encontro com novos povos determinava. É indispensável que elas valorizem o espírito e as modalidades, para fazerem reviver essa experiência nas condições presentes.

Os filhos das Igrejas do Oriente, que não hesitaram em derramar o seu sangue para se manterem fiéis a Cristo e à Igreja, saberão actuar também no seio das suas Igrejas aquela reforma dos corações e das estruturas, que poderá fazer resplandecer em plenitude o seu testemunho cristão.

A Igreja, com intenso reconhecimento e admiração, olha para o empenho missionário das Igrejas Orientais na Índia e espera que ele se possa estender a outras Igrejas, e que todos saibam acolher com gratidão esta admirável colaboração para o crescimento do Reino, segundo formas diferentes e diversas tradições. Como indica o Decreto sobre as Igrejas Orientais Católicas, todas as Igrejas sob o governo pastoral do Romano Pontífice «gozam dos mesmos direitos e têm as mesmas obrigações, mesmo no que diz respeito à pregação do Evangelho em todo o mundo, sempre sob a direcção do Pontífice Romano» (OE 3) (cf. Carta aos Bispos da Índia, de 28 de Maio de 1987, n. 5 b).

11. Esse empenho em favor da evangelização impele-nos, além disso, a procurar com força a plena comunhão com as outras Confissões cristãs. O mundo de hoje aguarda essa unidade. E nós privámo-lo de «um testemunho comum que, talvez, teria podido evitar tantos dramas senão mesmo mudar o sentido da história. [...] O eco do Evangelho, palavra que não desilude, continua a ressoar com força, enfraquecida apenas pela nossa divisão: Cristo grita, mas o homem nem tem dificuldade em ouvir a Sua voz, porque não conseguimos transmitir palavras unânimes» (Orientale lumen, 28).

Ao renovar os votos de um fecundo trabalho, invoco sobre vós e sobre o vosso empenho a abundância dos favores celestes, em penhor dos quais concedo a todos com afecto a Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1998 - 26 de Setembro de 1998