Discursos João Paulo II 1998 - 1 de Outubro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS RELIGIOSAS ENFERMEIRAS


PARTICIPANTES NUM CONGRESSO SOBRE


A PASTORAL DA SAÚDE


1 de Outubro de 1998



Caríssimas Irmãs!

1. É para mim motivo de grande alegria poder encontrar-me convosco por ocasião deste Congresso dedicado à reflexão sobre «A mulher consagrada no mundo da saúde no limiar do Terceiro Milénio». Dirijo um particular agradecimento ao Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde que, respondendo ao meu forte desejo, promoveu esta feliz iniciativa, inserindo-a no seu programa de preparação para o próximo Jubileu. Saúdo com afecto todos vós aqui presentes, dirigindo um pensamento particular ao Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, D. Javier Lozano Barragán, ao qual agradeço as cordiais palavras que me dirigiu.

Na expectativa vigilante do início do novo milénio, quereis reflectir profundamente acerca da vossa missão ao serviço do homem que sofre, fixando de maneira mais profunda o olhar em Cristo, a fim de obter d'Ele inspiração, coragem e capacidade de total dedicação a quem vive, com frequência de forma dramática, os limites da condição humana. Com efeito, estais conscientes de que a vossa acção em benefício de quem sofre adquire sentido e eficácia na medida em que, guiada pelo Espírito Santo, reflecte as feições características do divino samaritano das almas e dos corpos.

A Igreja olha com admiração e gratidão para vós, mulheres consagradas que, ao dar assistência aos doentes e a quem sofre, estais envolvidas num apostolado como nunca importante. O vosso serviço contribui para perpetuar no tempo o ministério de misericórdia de Cristo que «andou por toda a parte, fazendo o bem e curando todos» (Ac 10,38). Muitas das vossas Irmãs de hábito, ao longo dos séculos, «sacrificaram a sua vida ao serviço das vítimas de doenças contagiosas, mostrando que pertence à índole profética da vida consagrada a dedicação até ao heroísmo» (Vita consecrata VC 83). A dedicação de amor, que vos solicita a socorrer os membros do Senhor que sofrem, confere ao vosso apostolado uma nobreza que não passa despercebida aos olhos de Deus nem à consideração dos homens.

2. Como as Irmãs que vos precederam, também vós sois chamadas a adaptar o vosso serviço aos enfermos, de acordo com as mudadas condições dos tempos. De facto, hoje as instituições de saúde nas quais trabalhais colocam-vos diante de rápidas mudanças e de desafios inéditos. O progresso da ciência e da tecnologia e a evolução das ciências administrativas se, por um lado, abriram originais possibilidades à prática da medicina e à distribuição das curas, por outro, não deixaram de suscitar graves problemas de natureza ética, relativos ao nascer, ao morrer e ao relacionamento com quem sofre. Do ponto de vista antropológico, depois, se a evolução do conceito de saúde e de doença seguiu um percurso positivo até reconhecer nessas experiências existenciais uma dimensão espiritual, não impede que em muitos contextos se afirme um conceito secularizado da saúde e da enfermidade, com a triste consequência de que por vezes as pessoas são impedidas de enfrentar a estação do sofrimento como uma ocasião importante de crescimento humano e espiritual.

Estas orientações profundas mudaram o rosto do mundo do sofrimento e da saúde e exigem uma nova resposta cristã. De que maneira se pode fazer coincidir harmoniosamente exigências técnicas e éticas? Como superar de maneira vitoriosa a tendência à indiferença, à ausência de compaixão, à falta de respeito e de valorização da vida em todas as suas fases? De que maneira promover uma saúde digna do homem? De que forma garantir uma presença cristã que, em colaboração com os válidos componentes já presentes na sociedade, contribua para imbuir de valores evangélicos, e por conseguinte autenticamente humanos, o mundo do sofrimento e da saúde, privilegiando a defesa e o apoio dos pequeninos e dos pobres? Estas perguntas exprimem igual número de desafios, aos quais também vós, juntamente com toda a Comunidade eclesial, sois chamadas a responder.

3. A primeira tarefa da vossa vida consagrada na jubilosa e envolvedora experiência de Cristo é recordar ao povo de Deus e ao mundo o rosto misericordioso do Senhor. De facto, o vigor do vosso carisma deve brilhar não só nas obras e nas finalidades de serviço, mas também numa novidade de vida, na qual são reproduzidas as feições características de Jesus. Não é porventura uma realidade que a Igreja precisa de homens e mulheres consagrados que, mediante as suas pessoas e a sua vida, manifestem a maternidade fecunda que a qualifica? Além disso, esta fecundidade da Igreja não é proporcional à eficiência das actividades, mas à autenticidade da dedicação a Cristo crucificado. Toda a vossa vida como consagradas deverá, por conseguinte, estar impregnada da amizade de Deus, a fim de poderdes ser coração e mãos de Cristo para os doentes, tornando evidente em vós aquela fé que vos leva a reconhecer nos doentes o próprio Senhor e que se torna fonte que jorra da vossa espiritualidade.

4. Em segundo lugar, a vossa presença no mundo do sofrimento e da saúde deve ser portadora da riqueza ligada à vossa condição feminina. Com efeito, não se pode negar que a vocação da mulher para a maternidade vos torna mais sensíveis à apreensão das necessidades, e geniais ao dar-lhes a resposta adequada. Quando a estes dotes naturais se junta também uma consciente atitude de altruísmo, e sobretudo a força da fé e da caridade evangélica, verificam-se então os próprios milagres de dedicação. As expressões mais significativas da caridade - a delicadeza, a mansid ão, a gratidão, o sacrifício, a solicitude e o generoso dom de si a quem sofre - tornam-se testemunho do amor de um Deus próximo, misericordioso e sempre fiel. Um herói da caridade para com os enfermos, Camillo de Lellis, convidava a pedir antes de mais ao Senhor a graça de uma afeição materna ao próximo, de maneira a poder servir os doentes com aquela atenção que uma mãe amorosa costuma ter para com o seu único filho enfermo.

5. A autoconsciência da missão para a qual estais chamadas, mediante o serviço aos doentes e a promoção da saúde, deve estimular-vos, Irmãs caríssimas, a ser fiéis e inovadoras no exercício do vosso apostolado de caridade misericordiosa. Longe de se contraporem, estas duas atitudes - a fidelidade e a criatividade - estão chamadas a harmonizar-se através duma sábia acção de discernimento. Assim como não estaria conforme com o espírito dos vossos Fundadores e Fundadoras proteger-se com posições já superadas, de igual modo estaria em contraste com os carismas dos vossos Institutos abandonar, sem o exame necessário, formas de apostolado que se tornaram difíceis devido às situações sócioculturais. Caríssimas Irmãs, eis por que vos convido a permanecer com fidelidade ao lado de quem sofre nos hospitais e nas outras instituições de saúde, corroborando de espírito evangélico a cura dos enfermos.

Nas vossas opções, ocupe sempre um lugar privilegiado a atenção para com os doentes mais abandonados. O vosso olhar e a vossa acção estendam-se com generosidade até aos países do Terceiro Mundo, que não possuem os recursos mais elementares para enfrentar a doença e promover a saúde. A vossa participação na nova evangelização da saúde e da enfermidade seja um anúncio corajoso de Cristo, o qual com a Sua morte e ressurreição tornou o homem capaz de transformar a experiência do sofrimento num momento de graça para si e para o próximo (cf. SD, 25-27). A colaboração com os leigos, partindo duma autêntica participação dos vossos carismas, seja um instrumento eficaz para responder, com palavras e gestos inspirados no Evangelho, às antigas e novas pobrezas e doenças que afligem a sociedade do nosso tempo.

6. No cumprimento do vosso apostolado, vos sirva de exemplo a Virgem Imaculada, venerada como Saúde dos Enfermos. Ícone da ternura de Deus, ela mostra-se atenta às necessidades do próximo, solícita ao responder-lhe e rica de compaixão. Olhando para Ela, esforçai-vos por ser sempre ricas de sensibilidade, capazes de fazer da vossa presença um testemunho de ternura e doação, que reflicta a providente bondade de Deus.

Com estes votos, concedo-vos de coração a minha Bênção, que faço extensiva de bom grado a todas as Irmãs das vossas Congregações.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS AMERICANOS DA CALIFÓRNIA,


NEVADA E HAVAÍ POR OCASIÃO


DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


2 de Outubro de 1998





Estimado Cardeal Mahony
Dilectos Irmãos Bispos

1. É com alegria e afecto que vos dou as boas-vindas, Bispos da Igreja que está na Califórnia, Nevada e Havaí, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum. A vossa peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo constitui uma celebração dos vínculos eclesiais que unem as vossas Igrejas particulares à Sé de Pedro. Consciente de que a Igreja no mundo inteiro se está a preparar para celebrar o Grande Jubileu do Ano 2000, quis dedicar esta série de reflexões convosco e com os vossos Irmãos Bispos à renovação da vida da Igreja, à luz do Concílio Vaticano II. O Concílio foi uma dádiva do Espírito Santo à Igreja, e a sua plena realização é o melhor modo de garantir que a comunidade católica que vive nos Estados Unidos entre no novo milénio fortalecida na fé a na santidade, contribuindo efectivamente para uma sociedade melhor, mediante o seu testemunho da verdade acerca do homem que se revela em Jesus Cristo (cf. Gaudium et spes GS 24). Com efeito, a maravilhosa responsabilidade da Igreja no vosso País consiste em difundir esta verdade, que «ilumina a inteligência e modela a liberdade do homem que, deste modo, é levado a conhecer e a amar o Senhor» (Veritatis splendor, Proémio).

Estamos a aproximar-nos do termo de um século que iniciou com confiança nas possibilidades que a humanidade tem de um progresso quase ilimitado, mas que agora está a terminar num difundido temor e confusão moral. Se quisermos uma primavera do espírito humano, devemos redescobrir os fundamentos da esperança (cf. Discurso à 50ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, 5 de Outubro de 1995, nn.16-18). Sobretudo, a sociedade deve aprender a abraçar uma vez mais o grandioso dom da vida, apreciá-lo, protegê-lo e salvaguardá-lo contra a cultura da morte, que constitui uma expressão do grande medo que caracteriza a nossa época. Uma das vossas tarefas mais nobres de Bispos consiste em permanecer firmemente ao lado da vida, encorajando aqueles que a defendem e edificando com eles uma verdadeira cultura da vida.

2. O Concílio Vaticano II estava deveras consciente das forças que forjam a sociedade contemporânea, quando se pronunciou claramente a favor da vida humana, contra as inúmeras ameaças que se lhe apresentam (cf. Gaudium et spes, GS 27). O Concílio ofereceu também uma inestimável contribuição à cultura da vida, mediante a sua eloquente explicação do pleno significado do amor esponsal (cf. ibid., 48-51). Seguindo a linha do Concílio e expondo o seu ensinamento, o Papa Paulo VI escreveu a profética Encíclica Humanae vitae - cujo trigésimo aniversário estamos a celebrar neste ano - na qual abordou as implicações morais do poder de cooperar com o Criador no acto de dar à luz uma nova vida. O Criador fez o homem e a mulher para que se completem um ao outro no amor, e a sua unidade não é senão uma participação no poder criativo de Deus mesmo. O amor conjugal serve a vida não só enquanto gera uma nova existência mas também porque, justamente compreendido como dom total e recíproco dos esposos, forja o contexto do amor e da solicitude em que a nova vida é sinceramente acolhida como dádiva de valor incomparável.

Trinta anos depois da Humanae vitae, observamos que as ideias erróneas acerca da autonomia moral do indivíduo continua a infligir feridas nas consciências de muitas pessoas e na vida da sociedade em geral. Paulo VI indicou algumas das consequências da separação entre o aspecto unitivo do amor conjugal e a sua dimensão procriativa: o gradual debilitamento da disciplina moral; a banalização da sexualidade humana; o aviltamento das mulheres; a infidelidade conjugal, que com frequência leva à ruptura familiar; os programas estatais de controle da natalidade, baseados na imposição dos contraceptivos e da esterilização (cf. Humanae vitae HV 17). A introdução do aborto e da eutanásia legalizados, o recurso sempre crescente à fertilização in vitro e determinadas formas de manipulação genética e experiências embrionárias estão também estreitamente relacionados, tanto na jurisprudência e na política pública como na cultura contemporânea, à ideia do domínio ilimitado sobre o corpo e a vida do indivíduo.

O ensinamento da Humanae vitae honra o amor esponsal, promove a dignidade das mulheres e auxilia os casais a crescerem na compreensão da verdade acerca da sua particular via rumo à santidade. Ele constitui inclusivamente uma resposta à tentação que a cultura contemporânea tem de reduzir a vida a uma mercadoria. Como Bispos, juntamente com os vossos sacerdotes, diáconos, seminaristas e outros agentes da pastoral, deveis encontrar as justas linguagem e imagem para apresentar este ensinamento de maneira compreensível e convincente. Os programas de preparação para o matrimónio deveriam incluir uma apresentação honesta e completa do ensinamento da Igreja sobre a procriação responsável, explicando os métodos naturais da regulação da fertilidade, cuja legitimidade se fundamenta no respeito pelo significado humano da intimidade sexual. Os casais que acolheram o ensinamento do Papa Paulo VI descobriram que este constitui verdadeiramente uma fonte de profunda unidade e alegria, alimentada pela sua crescente compreensão e respeito mútuos; eles deveriam ser exortados a compartilhar a própria experiência com os casais de noivos que participam nos programas de preparação para o matrimónio.

3. A reflexão sobre um aniversário muito diferente ajuda a elevar o sentido da urgência da tarefa pró-vida. Nos vinte e cinco anos que transcorreram desde que a decisão judicial legalizou o aborto no vosso País, teve lugar uma difundida mobilização das consciências em benefício da vida. O movimento próvida é um dos aspectos mais positivos da vida pública norte-americana e o apoio que os Bispos lhe oferecem constitui um tributo à vossa liderança pastoral. Contudo, não obstante os generosos esforços de inumeráveis pessoas, continua-se a sustentar a ideia de que o aborto electivo é um «direito». Além disso, subsistem sinais de uma insensibilidade quase inimaginável perante a realidade daquilo que realmente acontece durante um aborto, como se evidenciou em recentes encontros que tiveram por tema o chamado aborto de «nascimento parcial». Este é um motivo de grande preocupação. Uma sociedade com um diminuído sentido do valor da vida humana nas suas fases iniciais já abriu a porta para a cultura da morte. Como Pastores, deveis realizar todos os esforços em vista de garantir que não haja qualquer entorpecimento das consciências no que se refere à seriedade do crime do aborto, um delito que não pode ser moralmente justificado por qualquer circunstância, proposta ou lei (cf. Evangelium vitae EV 62).

Quem defende a vida deve fazer com que as alternativas ao aborto sejam cada vez mais visíveis e disponíveis. A vossa recente declaração pastoral intitulada Lights and Shadows («Luzes e Sombras ») chama a atenção para a necessidade de apoiar as mulheres que põem em dúvida a própria gravidez e de oferecer conselhos àquelas que já abortaram e agora devem enfrentar os efeitos psicológicos e espirituais de tal acto. De maneira análoga, a defesa incondicional da vida deve incluir sempre a mensagem segundo a qual a verdadeira cura só é possível através da reconciliação com o Corpo de Cristo. No espírito do iminente Grande Jubileu do Ano 2000, os católicos norte-americanos deveriam procurar mais do que nunca abrir os seus corações e lares aos filhos «indesejáveis» e abandonados, aos jovens em dificuldade, aos portadores de deficiência e às pessoas que não têm ninguém que lhes ofereça atenção. A eutanásia e o suicídio são graves violações da lei de Deus

4. A Igreja oferece também um serviço deveras vital à nação quando desperta a consciência pública para a natureza moralmente questionável das campanhas em prol da legalização do suicídio medicalmente assistido e da eutanásia. A eutanásia e o suicídio são graves violações da lei de Deus (cf. Evangelium vitae EV 65-66); a sua legalização constitui uma ameaça directa para as pessoas menos capazes de se defenderem e demonstra que é extremamente nociva para as instituições democráticas da sociedade. O facto de os católicos terem alcan çado bom êxito no seu trabalho comum com os membros de outras comunidades cristãs, resistindo aos esforços que visam legalizar o suicídio medicalmente assistido, é um sinal muito esperançoso para o futuro do testemunho ecuménico público no vosso País, e encorajo-vos a edificar um movimento ecuménico e inter-religioso cada vez mais vasto, em vista da tutela da cultura da vida e da civilização do amor.

Enquanto progride o testemunho ecuménico em defesa da vida, é necessário um grande esforço magisterial para esclarecer a diferença moral fundamental entre os tratamentos médicos inconstantes, que podem ser onerosos, perigosos ou desproporcionais em relação ao resultado almejado - aquilo a que o Catecismo da Igreja Católica chama «rejeição do "excesso terapêutico"» (n. 2278; cf. Evangelium vitae EV 65) - e a eliminação dos comuns instrumentos de preservação da vida, como a alimentação, a hidratação e a assistência médica normal. A declaração da Comissão pró-vida da Conferência Episcopal dos Estados Unidos da América, intitulada Nutrition and Hydration: Moral and Pastoral Considerations («Nutrição e Hidratação: considerações morais e pastorais»), justamente evidencia o dever de rejeitar a omissão da nutrição e da hidratação destinadas a causar a morte de uma pessoa enferma e que, enquanto se consideram com cuidado todos os factores envolvidos, dever-se-ia em última análise ter a presunção de privilegiar a oferta da nutrição e da hidratação medicalmente assistidas a todos os enfermos que delas tivessem necessidade. Ofuscar esta distinção significa introduzir uma fonte de inumeráveis injustiças e de ulterior angústia, afectando quer aqueles que já sofrem devido à precariedade da própria saúde ou ao depauperamento que advém da idade avançada, quer os seus entes queridos. A morte como acto supremo de obediência ao Pai

5. Numa cultura que tem dificuldade em definir o significado da vida, da morte e do sofrimento, a mensagem cristã é a boa nova da vitória de Cristo sobre a morte e a esperança certa da ressurreição. O cristão aceita a morte como acto supremo de obediência ao Pai e está pronto a aceitar a morte na «hora» que só Ele conhece (cf. Mc Mc 13,32). A vida é uma peregrinação na fé rumo ao Pai, a qual empreendemos em companhia do seu Filho e dos Santos que estão no céu. Precisamente por este motivo, a verdadeira prova do sofrimento pode tornar-se uma fonte de bem. Através da dor, participamos na obra redentora de Cristo em favor da Igreja e da humanidade (cf. Salvifici doloris, 14-24). Isto verifica-se quando o sofrimento «é vivido por amor e com amor, na participa ção, por dom gratuito de Deus e por livre opção pessoal, no próprio sofrimento de Cristo crucificado» (Evangelium vitae EV 67).

Tendo em vista ir ao encontro das necessidades físicas e espirituais dos doentes, o trabalho das instituições católicas de assistência à saúde constituiu uma forma de imitação de Cristo que, segundo as palavras de Santo Inácio de Antioquia, é «o Médico da carne e do espírito » (Ad Ephesios, 7, 2). Médicos, enfermeiras e outros agentes que trabalham no campo da saúde ocupam-se das pessoas que vivem momentos de provação, quando elas mesmas têm um perspicaz sentido da fragilidade e da precariedade da vida; precisamente quando se assemelham mais a Cristo que sofre no Getsémani e no Calvário. Os profissionais que trabalham no campo da saúde deveriam ter sempre em conta o facto de que a sua obra é destinada aos indivíduos, pessoas singulares nas quais a imagem de Deus está presente de maneira especial e em quem Ele infundiu o seu Amor infinito. A enfermidade de um membro da família, de um amigo ou de um vizinho constitui uma chamada aos cristãos para demonstrarem verdadeira compaixão, amável e perseverante participação no sofrimento do próximo. Da mesma forma, os portadores de deficiência e os doentes jamais devem sentir-se como um peso; eles são pessoas que estão a ser visitadas pelo Senhor. Em particular os doentes terminais merecem a solidariedade, a comunhão e o afecto das pessoas que lhes estão próximas; com frequência eles têm necessidade poder perdoar e de receber o perdão, de estar em paz com Deus e com o próximo. Todos os sacerdotes deveriam apreciar a importância pastoral da celebração do Sacramento da unção dos enfermos, de modo especial quando este é um prelúdio à passagem final rumo à Casa do Pai: quando o seu significado como sacramentum exeuntium é particularmente evidente (cf. Catecismo da Igreja Católica, CEC 1523).

6. Uma característica essencial da defesa do direito inalienável à vida, desde a concepção até à morte natural, é o esforço em oferecer a protecção legal aos nascituros, aos portadores de deficiência, aos idosos e aos doentes terminais. Como Bispos, deveis continuar a chamar a atenção para a relação entre a lei moral e o direito constitucional e positivo na vossa sociedade: «As leis que legitimam a eliminação directa de seres humanos inocentes... estão em contradição total e insanável com o direito inviolável à vida, próprio de todos os homens, e negam a igualdade de todos perante a lei» (Evangelium vitae EV 72). O que está em jogo aqui é justamente a verdade indivisível acerca da pessoa humana, sobre a qual os Pais Fundadores lançaram a base da reivindicação de independência da vossa nação. A vida de um país é muito mais do que o seu desenvolvimento material e o seu poder no mundo. A nação precisa de uma «alma». Tem necessidade da sabedoria e da coragem para ultrapassar os males morais e as tentações espirituais inerentes no seu caminho através da história. Em união com todos aqueles que privilegiam a «cultura da vida» sobre a «cultura da morte», os católicos e especialmente os legisladores católicos devem continuar a fazer escutar a própria voz na formulação de projectos culturais, económicos, políticos e legislativos que, «no respeito de todos e segundo a lógica da convivência democrática, contribuam para edificar uma sociedade onde a dignidade de cada pessoa seja reconhecida e tutelada, e a vida de todos fique salvaguardada e promovida» (Evangelium vitae EV 90).

A democracia sobrevive ou morre juntamente com os valores que ela mesma encarna e promove (cf. Evangelium vitae EV 70). Ao defenderdes a vida, tutelais uma parte original e vital da visão sobre a qual o vosso País foi edificado. A América deve tornar-se novamente uma sociedade hospitaleira em que todos os nascituros, pessoas portadoras de deficiência e doentes terminais sejam estimados e gozem da protecção da lei. A Igreja promove as verdades indispensáveis para a humanidade

7. Dilectos Irmãos Bispos, o ensinamento moral católico é uma parte essencial da nossa herança de fé; devemos fazer com que ela seja fielmente transmitida, tomando medidas oportunas no sentido de tutelar a fé contra a falácia das opiniões que não estão em consonância com a mesma (cf. Veritatis splendor VS 26 Veritatis splendor, 26 e 113). Não obstante, com frequência a Igreja pareça ser um sinal de contradição, salvaguardando toda a lei moral com firmeza e humildade, ela promove as verdades indispensáveis para o bem da humanidade e para a salvaguarda da própria civilização. O nosso ensinamento deve ser preclaro; havemos de reconhecer o drama da condição humana em que todos nós lutamos contra o pecado e na qual, com a ajuda da graça, devemos prodigalizar-nos em vista de acolher o bem (cf. Gaudium et spes GS 83). A nossa tarefa de mestres consiste em «mostrar o esplendor fascinante daquela verdade que é Jesus Cristo» (Veritatis splendor VS 83). A vida moral exige uma firme aderência à pessoa mesma de Jesus, a adesão à sua vida e ao seu destino, a participação na sua livre e amorosa obediência à vontade do Pai.

A vossa fidelidade ao Senhor e a responsabilidade pela sua Igreja, que d'Ele recebestes, vos torne pessoalmente vigilantes a fim de garantirdes que apenas a sólida doutrina da fé e a moral sadia sejam apresentadas como ensinamento católico. Ao invocar a intercessão de Nossa Senhora sobre o vosso ministério, concedo cordialmente a minha Bênção apostólica a vós, aos sacerdotes, aos religiosos e aos fiéis leigos das vossas Dioceses.



SAUDAÇÃO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DA ASSOCIAÇÃO CATÓLICA



«LEGATUS» DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Sexta-feira, 2 de Outubro de 1998





Dilectos Amigos em Cristo

É com grande prazer que me encontro com os membros da «Legatus», na sua anual peregrinação de fé à Cidade Eterna, o lugar que conserva a memória do supremo testemunho dos Apóstolos Pedro e Paulo.

Viestes até aqui para expressar e fortalecer os vossos vínculos de fé e de amor pelo Sucessor de Pedro a quem, segundo as palavras do Concílio Vaticano II, foi confiada a missão de «promover o bem comum da Igreja universal e o bem de cada uma das Igrejas particulares» (Christus Dominus CD 2). Estou-vos agradecido por isto e pelo apoio concreto que ofereceis ao meu ministério de serviço ao Povo de Deus no mundo inteiro.

Formulo votos e rezo para que a vossa visita vos confirme verdadeiramente na fé única, santa, católica e apostólica. Na proximidade do Terceiro Milénio, a nossa tarefa consiste em viver a própria herança espiritual de forma mais plena e profunda, e em comunicá-la total e integralmente às jovens gerações. Deus derrame as suas dádivas sobre vós e as vossas famílias!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À CROÁCIA



NA CERIMÓNIA DE ACOLHIMENTO EM ZAGRÁBRIA


2 de Outubro de 1998



Senhor Presidente da República
Ilustres Representantes do Governo
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Hoje, a divina Providência concede-me pisar de novo o solo croata: estou para iniciar a minha segunda Visita pastoral neste amado País. De certo modo, esta Viagem apostólica constitui a continuação daquela que pude realizar, em Setembro de 1994, quando a minha Visita se limitou à Capital.

Estou feliz por ter podido aceitar os convites que me foram enviados de várias partes: dos Bispos do País, do Senhor Presidente da República, dos Representantes do Governo e do Parlamento croata, assim como da parte de simples cidadãos. Agradeço ao Senhor Presidente da República as palavras de grande cordialidade e boas-vindas, que acabou de me dirigir. Saúdo os Representantes do Governo e as outras Personalidades que quiseram honrar este encontro com a sua presença.

Depois, é com imensa cordialidade que saúdo todos vós, que estais aqui reunidos para me dar as boas-vindas: através das vossas pessoas, a minha saudação estende-se a todos os habitantes deste nobre País, rico de fé e cultura.

2. Venho ao meio de vós como peregrino do Evangelho, seguindo os passos dos primeiros confessores da fé. Venho para recolher os frutos do corajoso testemunho dado por Pastores e fiéis, desde os primeiros séculos do Cristianismo. São frutos que se revelaram em toda a sua riqueza, sobretudo nos períodos difíceis: as perseguições romanas, no início, e depois a invasão e a sucessiva ocupação turca e, ultimamente, o terrível período da repressão comunista. Como não ficar admirado diante de defensores da fé como o Bispo São Domnio, os Mártires de Salona, de Delminium, da Ístria, de Sirmium e de Síscia, até ao Servo de Deus Alojzije Stepinac que, com outras testemunhas, iluminou com uma luz vívida este século com o qual se conclui o segundo milénio cristão?

Ao dar graças ao Senhor pela bimilenária presença da Igreja nesta região e pela rica história dos católicos croatas, hoje venho confirmar os meus irmãos na fé. Venho encorajar a sua esperança e fortalecer a sua caridade. Esta minha segunda Visita pastoral à Croácia tem dois pontos focais: a beatificação do Servo de Deus Alojzije Stepinac, mártir da fé, e a celebração dos 17 séculos de vida da Cidade de Espálato. A estes acontecimentos estão ligadas duas peregrinações: a Marija Bistrica, Santuário mariano nacional croata, e à Ilha de Solin, no Proto-Santuário mariano croata, dois lugares bastante significativos para a história religiosa da vossa região.

Portanto, esta será uma Viagem na perspectiva da devoção do Povo croata rumo à Mãe de Deus. Por isso, desejo confiar desde já os meus passos na vossa terra Àquela que é saudada como a Advocata Croatiae, fidelissima Mater. A Ela elevo a minha súplica, a fim de que continue a velar sobre o caminho do vosso Povo. Proteja-o e ampare-o no testemunho de Cristo e do seu Evangelho e, ao longo das estradas do tempo, indique-lhe a via da salvação eterna.

3. É de importância fundamental que o Povo croata permaneça fiel às próprias raízes cristãs, mantendo-se ao mesmo tempo aberto às instâncias do momento actual que, enquanto apresenta problemas não fáceis, deixa também entrever confortadores motivos de esperança. Após a violenta e cruel guerra em que se encontrou envolvida, a Terra croata conhece finalmente um período de paz e liberdade. Agora, todas as energias das populações estão orientadas para o saneamento progressivo das profundas feridas do conflito, para uma autêntica reconciliação entre todas as componentes étnicas, religiosas e políticas da população, em vista de uma democratização cada vez maior da sociedade.

Alegro-me com isto e exorto a perseverar neste empenho com generosa determinação. Numerosos são os obstáculos criados pelas consequências da guerra e pela mentalidade que se formou durante o regime comunista. É indispensável não se render. Com a solidária colaboração de todos, será possível encontrar soluções adequadas e, em tempos razoavelmente breves, também para as questões mais complexas.

Faço votos de coração por que nesta porção da Europa nunca mais se repitam as situações desumanas, que aqui se verificaram neste século em várias ocasiões. A experiência dolorosa e trágica dos decénios passados se transforme em lição capaz de iluminar as mentes e corroborar as vontades, de maneira que o futuro deste País, assim como o da Europa e do mundo inteiro, se alegre com um crescente entendimento e colaboração também entre povos de diferentes língua, cultura e religião.

Com palavras de amor e esperança inicio, pois, esta minha Visita à dilecta Croácia: possa ela contribuir para a reconstrução, sobre valores duradouros, de um País que é parte integrante da Europa. Os meus votos são por que das antigas raízes cristãs desta Terra brote um válido jorro de linfa vital que assegure, no iminente alvorecer de um novo milénio, o florescimento de um autêntico humanismo para as gerações vindouras. Em particular, faço votos por que os cristãos saibam dar um decisivo impulso à nova evangelização, oferecendo com generosidade o seu testemunho de Cristo Senhor, Redentor do homem.

Ao invocar a assistência divina sobre a inteira Nação croata, abençoo todos de coração!



VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À CROÁCIA


ENCONTRO DO SANTO PADRE


COM A POPULAÇÃO E SAUDAÇÃO


AOS JOVENS


Zagrábria, 2 de Outubro de 1998



1. Estimados habitantes de Zagrábia e de toda a Croácia, queridos jovens e estimadas famílias: a paz esteja convosco! Aqui, diante desta majestosa Catedral, monumento de fé e de arte, que conserva os restos mortais do Servo de Deus Card. Alojzije Stepinac, saúdo-vos em nome de Cristo ressuscitado, único Salvador do mundo, e a todos abraço com grande afecto!

O meu pensamento estende-se a todos os queridos habitantes deste País, a cujas nobres tradições de civilização me sinto feliz por prestar homenagem. Dirijo- me de modo particular a vós, cristãos, que segundo as palavras do apóstolo Pedro, deveis estar «sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vos perguntar» (1P 3,15).

Dou graças à Providência que guiou os meus passos, conduzindo-me de novo à Croácia. As palavras dum Poeta vosso surgem espontaneamente nos seus lábios: «Aqui para mim todos são irmãos/até me sinto-me em casa...» (D. Domjaniae, Kaj). Desejaria poder saudar pessoalmente todos os habitantes desta Terra, seja qual for a condição social a que pertencem: agricultores, operários, donas de casa, profissionais, marinheiros, pescadores, empregados e homens de cultura e de ciência; dos mais jovens aos idosos e doentes. A todos cheguem os meus votos de paz e de esperança!

2. Dirijo-me com afecto sobretudo a vós, jovens, que viestes em tão grande número receber-me no momento da minha chegada ao vosso País. Sinto-me particularmente feliz, porque esta minha peregrinação inicia na presença dos jovens.

Caríssimos, em vós saúdo o futuro desta região e da Igreja na Croácia. Hoje Cristo bate à porta dos vossos corações: sabei acolhê-l'O! Ele tem a resposta adequada para as vossas expectativas. Com Ele, sob o olhar repleto de amor da Virgem Maria, podereis construir de maneira criativa o projecto do vosso futuro. Inspirai-vos no Evangelho! À luz dos seus ensinamentos podereis alimentar um sadio espírito crítico em relação aos conformismos da moda e levar ao vosso ambiente a novidade libertadora das Bem-aventuranças. Aprendei a distinguir entre o bem e o mal e não julgueis apressadamente. Eis a sabedoria que deve caracterizar cada pessoa madura.

3. O cidadão, sobretudo o crente, tem responsabilidades específicas em relação à própria Pátria. O vosso País espera de vós um contributo significativo nos vários âmbitos da vida social, económica, política e cultural. O seu futuro será melhor na medida em que cada qual souber empenhar-se no melhoramento de si mesmo.


Discursos João Paulo II 1998 - 1 de Outubro de 1998