Discursos João Paulo II 1998 - 4 de Outubro de 1998

VIAGEM APOSTÓLICA DE JOÃO PAULO II À CROÁCIA



NA CERIMÓNIA DE DESPEDIDA


NO AEROPORTO DE ESPÁLATO


4 de Outubro de 1998





Senhor Presidente da República
Ilustres Representantes do Governo
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Está para se concluir a minha Visita pastoral a este vosso belíssimo País. Chegou o momento da despedida. Dou graças a Deus por estes três dias transcorridos na Croácia, no exercício do ministério petrino. Estou grato às Igrejas de Zagrábia e de Espálato-Makarska, que me hospedaram, e a toda a Igreja que está neste País, por me terem feito sentir o seu afecto. Agradeço ao Senhor Presidente da República, ao Chefe do Governo e a todas as Autoridades civis e militares, que não pouparam energias para fazer com que a Visita se desenrolasse do melhor modo possível. Muitíssimas pessoas colaboraram para este objectivo. A todos se dirige o meu reconhecimento.

Antes de deixar o País e de me separar de vós, quero dirigir uma saudação cordial a todos e a cada um: às famílias, às paróquias, às dioceses, às comunidades religiosas, aos movimentos e associações eclesiais. Na minha memória permanecem gravadas as imagens de tantos fiéis de todas as idades e, sobretudo, dos jovens: em Zagrábia, em Marija Bistrica, na esplanada de Žnjan em Espálato e em Salona: multidões de pessoas que manifestaram a sua fé e se alegraram em plena sintonia de mentes e de corações.

2. Pude encontrar na Croácia uma Igreja muito viva, rica de entusiasmo e energia, apesar das adversidades e das injustiças sofridas; uma Igreja que está a procurar novas formas de testemunho de Cristo e do seu Evangelho, para responder de modo adequado aos desafios do momento presente.

Inumeráveis são aqueles que, desde os primeiros séculos, nestas terras deram testemunho de Cristo com a vida quotidiana; muitíssimos souberam também enfrentar por Cristo a prova do martírio. Vós sois os herdeiros desta gloriosa plêiade de Santos, a maior parte dos quais é conhecida só por Deus. Vi a vossa alegria quando proclamei Beato o Card. Alojzije Stepinac; a honra a ele tributada redunda de algum modo sobre todos vós. É justo que sejais orgulhosos disto. Mas é justo também que vos sintais empenhados em estar à altura de uma semelhante herança, que vos honra, mas também vos empenha.

Possa este rico património de fé, juntamente com o de outros povos europeus, tornar-se comum herança do inteiro Continente, a fim de que os povos que nele vivem encontrem de novo no cristianismo aquela unidade espiritual e aquele impulso ideal do qual brotou, nos séculos passados, um verdadeiro florescimento de obras de pensamento e de obras-primas artísticas, de absoluto valor para a humanidade inteira.

3. A permanência no meio de vós consentiu-me constatar a arrancada realizada nestes anos. Vi uma sociedade que quer construir o seu presente e o seu futuro sobre sólidas bases democráticas, em plena fidelidade à própria história permeada de cristianismo, para se inserir a justo título no consenso das outras Nações europeias. É com alegria que vos dou o testemunho de que é um País que, tendo readquirido a liberdade e superado a triste vicissitude da guerra, está a ser reconstruído e se renova material e espiritualmente com jubilosa determinação.

Exorto os homens e as mulheres de boa vontade do mundo inteiro a não esquecerem as tragédias sofridas por estas populações ao longo da história, e sobretudo neste nosso século. Não falte a ajuda concreta e generosa de que indivíduos e famílias têm necessidade, para poderem viver em liberdade e em igualdade, com a dignidade de membros activos da família humana. A Europa dirige-se para uma nova etapa no caminho de unidade e de crescimento. Para que haja alegria plena, ninguém deve ser esquecido ao longo da estrada que conduz à comum Casa europeia.

Por sua vez, a Croácia deve dar prova de grande paciência, sabedoria, disponibilidade ao sacrifício e generosa solidariedade, para poder superar definitivamente a actual fase do pós-guerra e alcançar as nobres metas a que aspira. Já se fez muito, e os resultados são visíveis. As dificuldades que permanecem não devem desencorajar ninguém.

4. A vossa Nação é dotada dos recursos necessários para superar as adversidades e, sobretudo, vós, cidadãos croatas, possuís os talentos indispensáveis para enfrentar os desafios do momento actual. Com o empenho de todos será possível levar avante o não fácil processo de democratização da sociedade e das suas instituições civis. A democracia tem um preço elevado; a moeda com que se há-de pagá-lo é cunhada com o nobre metal da honestidade, do bom senso, do respeito pelo próximo, do espírito de sacrifício, da paciência. Pretender recorrer a moedas diferentes, significa expor-se ao perigo da falência.

Após longos anos de ditadura e de dolorosas experiências de violência, às quais foram submetidas as populações da região, é necessário agora fazer todo o esforço para construir uma democracia baseada sobre os valores morais inscritos na própria natureza do ser humano.

Ao ajudar o esforço das camadas sociais e das forças políticas, a Igreja não deixará de dar o próprio contributo específico, sobretudo com a proposta da sua doutrina social e com a oferta das próprias estruturas para a educação das novas gerações. Ela exorta os seus fiéis a colaborarem de maneira eficaz, como fizeram desde o início, no actual processo de democratização nos vastos sectores da vida social, política, cultural e económica do País, promovendo assim o harmonioso desenvolvimento da inteira sociedade croata.

5. Caríssimos, retorno a Roma levando no coração tantas magníficas impressões desta Visita. Elas acompanhar-me-ão nas orações que farei por vós, pelos vossos doentes e anciãos, pelas vossas crianças, pelo vosso inteiro Povo.

Queira Deus conceder à Croácia a paz, a concórdia, a perseverança no empenho pelo bem comum!

Querido Povo croata, Deus te abençoe! A Virgem Maria, a Advocata Croatiae, a fidelissima Mater, vele sobre o teu presente e futuro! A Ela confio todos os teus propósitos de liberdade e de progresso na solidariedade; toda a tua esperança e cada um dos teus empenhos pelos valores humanos e religiosos.

Deus abençoe a Croácia!



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS MEMBROS DO CAPÍTULO GERAL


DA SOCIEDADE DO APOSTOLADO CATÓLICO


(PALOTINOS)


6 de Outubro de 1998

Caríssimos Sacerdotes e Irmãos
da Sociedade do Apostolado Católico!

1. Tenho a alegria de vos acolher nesta especial Audiência e de enviar, através das vossas pessoas, uma saudação cordial a todos os membros do vosso Instituto, assim como àqueles que compartilham na Igreja o próprio carisma de S. Vicente Pallotti. Estais a viver a vossa Assembleia, cujos trabalhos vos empenham já desde há duas semanas. Trata-se de um evento espiritual e eclesial, que se realiza no segundo ano de preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, dedicado ao Espírito Santo. Juntamente convosco invoco o Espírito divino, para que vos ilumine em discernir os sinais dos tempos e vos leve a conservar e desenvolver no nosso tempo a riqueza do vosso carisma.

Oportunamente quisestes que os debates da assembleia versassem sobre o tema da fidelidade, expresso com o tema «Fiéis ao futuro... tendo o olhar fixo em Jesus, autor e consumador da fé (He 12,2)». Com efeito, o tema exprime o desejo de renovar a fidelidade ao empenho apostólico, sobretudo na perspectiva do Terceiro Milénio. É desejo a ser encorajado, recordando entretanto que a fidelidade supõe a fé, na qual está posto o fundamento da existência cristã. A fé constitui o horizonte do caminho espiritual e apostólico. De facto, é Jesus que acompanha os crentes ao longo da sua vida inteira, sustentando-os na dedicação apostólica e levando a cumprimento todos os bons propósitos.

Caríssimos, olhai para o futuro com esperança e acolhei com confiança os desafios dos Terceiro Milénio, conscientes de que Cristo está ao vosso lado e é o mesmo «ontem, hoje e sempre» (He 13,8). Ele vos dê o seu Espírito, o qual sabe guiar-vos à plenitude da verdade e do amor. Seja Cristo o motivo da vossa esperança: juntamente com Ele nada deveis temer, porque Ele é o apoio invencível de toda a existência humana.

2. Viver a fé significa inserir-se na existência de Cristo. Em Jesus é-nos dado descobrir a nossa verdadeira natureza e valorizar plenamente a nossa dignidade pessoal. Anunciar Cristo, para levar cada um a absorver em plenitude a imagem de Deus, é o objectivo final da «nova evangelização». Vós de modo particular, chamados em virtude do vosso carisma a reavivar a fé e a estimular a caridade em todos os ambientes, tendes bem clara diante de vós a opção preferencial pela «imagem de Deus», que espera ser manifestada na existência de cada irmão e irmã. Reconhecei em cada um o rosto de Cristo, valorizando todo o ser humano, sem olhar para a sua condição ou estado.

Assim agia S. Vicente Pallotti, preocupado unicamente com a renovação interior dos homens, em vista da santificação deles. Para imitardes o seu ardor apostólico, deveis antes de tudo tender pessoalmente à santidade. Só assim podereis promovê-la nos outros, bem recordando o apelo à vocação universal à santidade, que o Concílio Vaticano II evocou com clareza. É dessa consciência que deveis ser animados, para contribuirdes na obra da nova evangelização. Preparar-vos-eis assim, de maneira eficaz, para entrar no novo Milénio cooperando activamente para o cumprimento da missão, que o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo confiou à inteira Comunidade eclesial.

3. O empenho da santificação pessoal deve ser vivido no seio das vossas comunidades nas várias partes do mundo: trabalhai unidos e concordes para serdes autênticas testemunhas do Evangelho perante aqueles que encontrais no vosso ministério quotidiano. Na Exortação Apostólica Vita consecrata, escrevi que «a Igreja confia às comunidades de vida consagrada a missão particular de fazerem crescer a espiritualidade da comunhão, primeiro no seu seio e depois na própria comunidade eclesial e para além dos seus confins, iniciando ou retomando incessantemente o diálogo da caridade, sobretudo nos lugares onde o mundo de hoje aparece dilacerado pelo ódio étnico ou por loucuras homicidas» (n. 51). É testemunhando a vida fraterna, entendida como vida compartilhada no amor, que vos tornais sinal eloquente da comunhão eclesial (cf. Ibid., 42).

Este entendimento profundo entre vós ajudar-vos-á a viver «a unidade em Cristo » e tornar-vos-á prontos e dispostos a corresponder às necessidades espirituais e materiais de cada um. A respeito disso o vosso Fundador gostava de repetir que «o dom de cooperar para a salvação das almas é dentre todos o mais divino» (Opere complete XI, pág. 257). Este dom deve ser compartilhado não só no interior do vosso Instituto, mas também com os leigos, colaboradores quotidianos do vosso apostolado. Envolvei-os e acolhei-os na vossa vida de comunhão. «Hoje alguns Institutos - eu escrevia na citada Exortação Apostólica «Vita consecrata » - ...chegaram à convicção de que o seu carisma pode ser partilhado com os leigos» (n. 54). «Não raras vezes, a participação dos leigos traz inesperados e fecundos aprofundamentos de alguns aspectos do carisma, reavivando uma interpretação mais espiritual do mesmo e levando a tirar daí indicações para novos dinamismos apostólicos» (n. 55). Deste modo, a União do Apostolado Católico, idealizada e fundada por S. Vicente Pallotti, consentir-vos-á não só coordenar os diversos recursos das vossas comunidades, mas também inserir-vos no coração mesmo da missão apostólica da Igreja no mundo de hoje.

Ajude-vos Maria, serva fiel e obediente do Senhor e exemplo excelente de fidelidade ao empenho apostólico. Unida em oração com os discípulos no Cenáculo de Jerusalém, à espera do dom do Espírito Santo, Ela oferece-vos o exemplo de oração incessante, de disponibilidade e de empenho activo na missão da Igreja. Graças à sua intercessão materna, Deus renove em vós e na vossa Sociedade os prodígios do Pentecostes.

Enquanto vos renovo o meu apreço pelo serviço apostólico que prestais à Igreja, concedo-vos de coração uma especial Bênção Apostólica, que de bom grado faço extensiva a todos os membros das comunidades palotinas.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II

ÀS IRMÃS CAPITULARES

DAS MISSIONÁRIAS COMBONIANAS


9 de Outubro de 1998





Caríssimas Religiosas!

1. Bem-vindas a este encontro, com o qual, como coroamento do vosso XVII Capítulo Geral, quisestes manifestar ao Vigário de Cristo afectuosa devoção e renovada fidelidade ao Seu Magistério de Pastor universal da Igreja.

Saúdo a Madre Adele Brambilla, a quem apresento as minhas felicitações pela recente eleição a Superiora-Geral, formulando ardentes votos de luzes celestes para que saiba conduzir as Missionárias Combonianas rumo às novas metas de zelo apostólico e de serviço aos irmãos mais pobres. Dirijo um particular pensamento à Madre Mariangela Sardi, Superiora-Geral cessante, manifestando-lhe intenso apreço pelo generoso e competente trabalho realizado e desejando-lhe que continue a servir a causa missionária e a Igreja, com o entusiasmo e a sabedoria de quem deu totalmente a própria vida ao Senhor. Saúdo, por fim, todas vós, que representais o empenho da inteira Congregação em favor dos pobres e de quantos não conhecem Cristo. Obrigado por todo o bem que realizais, obrigado por serdes no mundo discretas e operosas construtoras da civilização do amor!

2. «O amor de Cristo compele-nos» (2Co 5,14). Cem anos após o primeiro Capítulo Geral, as palavras do apóstolo Paulo continuam a ressoar no vosso Instituto, motivando-vos a «trabalhar em todos os campos da terra para consolidar e dilatar o Reino de Cristo, levando o anúncio do Evangelho a todo o lado, mesmo às regiões mais longínquas» (Vita consecrata VC 78). Neste século de história, a vossa Congregação cresceu e difundiu-se em muitas nações da África, da Ásia, da América e da Europa.

Por isso, nestes dias de estudo e de oração quisestes, antes de tudo, dar graças ao Senhor por todo o bem que, através do vosso Instituto, realiza no mundo. Também graças a vós, o anúncio jubiloso e libertador do Evangelho é proclamado em muitas regiões e o amor misericordioso do Senhor é testemunhado e tornado visível através do empenho da educação, da assistência médica e da promoção social. O Senhor, depois, quis dar-vos, também recentemente, um especial sinal da Sua predilecção, chamando algumas das vossas Coirmãs, e de modo particular aquelas que trabalham no Sul do Sudão e na República Democrática do Congo, a participarem do mistério da sua Cruz.

3. O convite a ir pelo mundo inteiro para anunciar a salvação a toda a criatura (cf. Mt Mt 28,19), dirigido pelo Senhor a cada uma de vós, abre diante do vosso coração de mulheres totalmente consagradas à causa do Evangelho, um cenário às vezes complexo e repleto de sofrimento, mas rico também de perspectivas e de esperanças.

Insistentes apelos chegam a vós dos povos que nos vários continentes, mas em especial na África, ainda não crêem em Cristo: das multidões dos desalojados, imigrados, refugiados, homens e mulheres aglomerados nas grandes periferias urbanas dos Países do terceiro mundo ou das crianças abandonadas e sozinhas, vítimas de vergonhosa exploração e da fome; das mulheres que em muitos Países em vias de desenvolvimento esperam ser tuteladas na sua dignidade, para se tornarem protagonistas da vida familiar, civil e eclesial.

Como não olhar, depois, para os problemas da justiça, da paz e da salvaguarda da criação, que constituem como que uma nova fronteira da missão, ou para aqueles postos pela urgência do diálogo inter-religioso, sobretudo nos Países onde o Islamismo é a religião da maioria dos habitantes? Que dizer, depois, dos dramas provocados pelas guerras e pelos conflitos étnicos?

4. Estas situações dramáticas apresentam-se diante de vós como outras tantas oportunidades para verificar o itinerário até agora percorrido e como desafios a abrir-vos a novos caminhos da missão ad gentes. Seguindo o exemplo do Beato Daniel Comboni, sabei ser santas e audazes, incansáveis animadoras missionárias na Igreja, olhando para o futuro com esperança e com o desejo ardente de «fazer de Cristo o coração do mundo».

Essa atitude ajudar-vos-á a viver a crescente internacionalidade e multiculturalidade das vossas comunidades, como riqueza a acolher com gratidão e como ocasião para testemunhar, diante do individualismo imperante, a fraternidade universal que nasce da fé em Cristo. A vossa Congregação poderá assim viver, com serenidade e esperança, os problemas da diminuição numérica e do envelhecimento e investir, com coragem e convicção, energias e meios na animação missionária da Igreja, na formação permanente dos membros do Instituto e no cuidado da pastoral vocacional.

Ao confiardes-vos totalmente Àquele a quem «nada é impossível» (Lc 1,37) e sustentadas pela única força da fé e da caridade, podereis ser testemunhas de solidariedade para todos os que vos encontrarem e, «fazendo causa comum» com os mais débeis, abrir o coração de muitos às exigências da Justiça e da Paz.

5. O vosso Fundador, que tive a alegria de proclamar Beato a 17 de Março de 1996, ao chamar-vos «Pie Madri della Nigrizia», quis confiar-vos a tarefa de serdes expressão privilegiada da maternidade da Igreja para os pobres da África e do mundo inteiro.

Caríssimas Missionárias Combonianas! Convido-vos a pôr-vos cada dia na escola de Maria, para viverdes com entusiasmo o vosso carisma. O seu coração materno vos sustente nas fadigas e nas alegrias do vosso empenho missionário e vos ajude a ser para os pequeninos e os pobres um sinal luminoso da ternura de Deus.

Com esses bons votos, ao invocar a protecção do Beato Daniel Comboni, concedo uma especial Bênção apostólica a cada uma de vós, às Irmãs que vivem em difíceis situações de missão, às jovens em formação, às Irmãs idosas e doentes e à inteira Congregação.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DE WASHINGTON, OREGÃO,


IDAHO, MONTANA E ALASCA (E.U.A.)


POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


: Quinta-feira, 9 de Outubro de 1998





Prezados Irmãos Bispos

1. É com amor fraterno no Senhor que vos dou as boas-vindas, Pastores da Igreja que está no Noroeste dos Estados Unidos, por ocasião da vossa visita ad Limina. Esta série de visitas realizadas pelos Bispos do vosso País, tanto aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo como ao Sucessor de Pedro e aos seus colaboradores no serviço da Igreja universal, está a decorrer enquanto o inteiro Povo de Deus se prepara para celebrar o Grande Jubileu do Ano 2000 e para entrar num novo milénio cristão. O bimilenário do Nascimento do Salvador constitui um chamamento a todos os seguidores de Cristo a buscarem uma genuína conversão a Deus e um grande progresso rumo à santidade. Uma vez que a liturgia é uma parte tão fulcral da vida cristã, hoje desejo considerar alguns aspectos da renovação litúrgica, promovida de maneira tão vigorosa pelo Concílio Vaticano II como principal agente da renovação mais vasta da vida católica.

Considerar aquilo que se realizou no campo da renovação litúrgica ao longo dos anos desde o Concílio significa, em primeiro lugar, descobrir muitos motivos para agradecer e louvar sinceramente a Santíssima Trindade pela maravilhosa consciência que se desenvolveu entre os fiéis, acerca do seu papel e responsabilidade nesta obra sacerdotal de Cristo e da sua Igreja. Significa também reconhecer que nem todas as mudanças têm sido acompanhadas, sempre e em toda a parte, pelas necessárias explicação e catequese; consequentemente, nalguns casos houve mal-entendidos acerca da natureza mesma da liturgia, degenerando em abusos, polarizações e às vezes até mesmo em graves escândalos. Após a experiência de mais de trinta anos de renovação litúrgica, agora podemos proceder a uma qualificada avaliação tanto das forças como das fragilidades daquilo que se levou a cabo, a fim de delinearmos mais confiadamente o caminho futuro que Deus tem em mente para o seu querido Povo.

2. Agora, o desafio consiste em ir além de todos os mal-entendidos que se verificaram e alcançar o oportuno ponto de equilíbrio, de maneira especial entrando mais profundamente na dimensão contemplativa do culto, que inclui o sentido de respeito, reverência e adoração que são atitudes fundamentais no nosso relacionamento com Deus. Isto só se realizará se reconhecermos que a liturgia possui dimensões tanto locais como universais, temporárias e eternas, horizontais e verticais, subjectivas e objectivas. São precisamente estas tensões que atribuem ao culto católico o seu carácter distintivo. A Igreja universal está unida num único e grandioso acto de louvor; todavia, trata-se sempre do culto de uma determinada comunidade local, no contexto de uma cultura particular. Ele é o eterno culto do Céu, mas está também imerso no tempo. Congrega e edifica a comunidade humana, mas é também o «culto da majestade divina» (Sacrosanctum concilium SC 33). É subjectivo naquilo que depende radicalmente da contribuição que os fiéis lhe oferecem; mas é objectivo naquilo que os transcende, como acto sacerdotal de Cristo mesmo, ao qual Ele nos associa mas que em última análise não depende de nós (cf. ibid., 7). Eis o motivo por que é tão importante que o cânone litúrgico seja respeitado. O sacerdote, que é servidor da liturgia e não o seu inventor nem o seu produtor, tem uma responsabilidade particular a este propósito, a fim de não desvirtuar a liturgia do seu verdadeiro significado ou obscurecer o seu carácter sagrado. O âmago do mistério do culto cristão é o sacrifício de Cristo, oferecido ao Pai, e a obra de Cristo ressuscitado que santifica o seu Povo mediante os sinais litúrgicos. Por conseguinte, é essencial que quando se procura penetrar de maneira mais profunda no cerne contemplativo do culto, o mistério inesgotável do sacerdócio de Jesus Cristo seja plenamente reconhecido e venerado. Enquanto todos os baptizados participam nesse único sacerdócio de Cristo, nem todos o fazem em igual medida. O sacerdócio ministerial, arraigado na sucessão apostólica, confere ao sacerdote ordenado faculdades e responsabilidades que são diferentes daquelas que se atribuem aos leigos, mas estão ao serviço do comum sacerdócio e são orientadas para a revelação da graça baptismal a todos os cristãos (cf. Catecismo da Igreja Católica CEC 1547). Portanto, o sacerdote não é apenas alguém que preside, mas aquele que actua na pessoa de Cristo. A Igreja deve ser hierárquica e polifónica

3. Só se formos radicalmente fiéis a este fundamento doutrinal poderemos evitar interpretações unidimensionais e unilaterais do ensinamento do Concílio. A participação de todos os baptizados no único sacerdócio de Jesus Cristo é a chave para a compreensão da exortação do Concílio à «plena, consciente e activa participação» na liturgia (Sacrosanctum concilium SC 14). Sem dúvida, plena participação significa que cada membro da comunidade tem uma parte a desempenhar na liturgia; e a este propósito tem-se feito muito nas paróquias e comunidades em todas as partes da vossa Nação. Todavia, plena participação não significa que todos fazem tudo, dado que isto levaria a uma clericalização do laicado e a uma laicização do sacerdócio; e a intenção do Concílio não era esta. Assim como a Igreja, também a liturgia deve ser hierárquica e polifónica, respeitando as diferentes funções conferidas por Cristo e permitindo que todas as diversas vozes se amalgamem num único e grandioso hino de louvor.

Participação activa certamente significa que nos gestos, palavras, cânticos e serviços, todos os membros da comunidade tomam parte num único acto de culto, que não é absolutamente inerte nem passivo. Contudo, a participação activa não impede a passividade dinâmica do silêncio, da calma e da escuta: pelo contrário, exige-a. Por exemplo, os fiéis não são passivos quando escutam as leituras ou a homilia, ou quando acompanham as orações do celebrante, os cânticos e a música da liturgia. A seu modo, estas experiências de silêncio e de calma são profundamente activas. Numa cultura que não favorece nem promove o silêncio meditativo, a arte da escuta interior só se aprende com dificuldade. Aqui observamos como a liturgia, embora deva inculturar-se sempre de forma adequada, há-de ser também contracultural.

A participação consciente exige que a inteira comunidade seja instruída de modo propício nos mistérios da liturgia, para evitar que a experiência do culto degenere numa forma de ritualismo. Contudo, não significa que se deve procurar constantemente, no contexto da própria liturgia, tornar explícito o que é implícito, dado que isto com frequência leva a uma loquacidade e informalidade que são alheias ao Rito romano e termina por banalizar o acto do culto. Também não significa que se devem suprimir todas as experiências do subconsciente, as quais são vitais numa liturgia que se desenvolve mediante símbolos que falam tanto ao subconsciente como ao consciente. Sem dúvida, o uso da vernaculidade abriu os tesouros da liturgia a todos os seus participantes, mas isto não significa que a língua latina, e especialmente os cânticos que são adaptados de forma tão maravilhosa ao génio do Rito romano, devem ser totalmente abandonados. Se se ignora a experiência subconsciente no acto do culto, cria-se um vazio afectivo e devocional, e a liturgia pode tornar-se não só demasiado verbal, mas também exageradamente cerebral. Porém, o Rito romano distingue-se no equilíbrio que estabelece entre a sobriedade e a riqueza de emoções: alimenta o coração e o espírito, o corpo e a alma.

Escreveu-se justamente que na história da Igreja toda a verdadeira renovação estava vinculada a uma releitura dos Padres da Igreja. E o que é verdadeiro em geral, é também verdadeiro em particular na liturgia. Os Padres eram pastores que tinham um ardente zelo pela tarefa da propagação do Evangelho; por conseguinte, estavam profundamente interessados em todas as dimensões do culto, e deixaram-nos alguns dos textos mais significativos e duradouros da Tradição cristã, que decerto não são absolutamente o resultado de um estéril estetismo. Os Padres eram pregadores ardentes e é difícil imaginar que possa haver uma renovação efectiva da pregação católica, como almejava o Concílio Vaticano II, sem uma suficiente familiaridade com a Tradição patrística. O Concílio promoveu um movimento rumo a um estilo de pregar semelhante ao das homilias que, à maneira dos Padres, explicasse o texto bíblico de forma a revelar as suas inextinguíveis riquezas aos fiéis. A importância que a pregação adquiriu no culto católico a partir do Concílio indica que os sacerdotes e os diáconos deveriam ser formados para fazer um bom uso da Bíblia. Todavia, isto exige também uma familiaridade com toda a Tradição patrística, teológica e moral, bem como um conhecimento perspicaz das suas comunidades e da sociedade em geral. Caso contrário, dar-se-ia a impressão de que se trata de um ensinamento sem raízes e isento de uma aplicação universal inerente à mensagem do Evangelho. A excelente síntese da riqueza doutrinal da Igreja, contida no Catecismo da Igreja Católica, deve ser ainda mais largamente sentida como uma influência sobre a pregação católica. Os jovens querem ter um papel activo na Igreja

4. É fundamental ter bem claro na mente o facto de que a liturgia está intimamente vinculada à missão evangelizadora da Igreja. Se não caminharem a par e passo, ambas vacilarão. Enquanto os desenvolvimentos no campo da renovação litúrgica forem superficiais ou desequilibrados, os nossos esforços em vista de uma nova evangelização serão comprometidos; e enquanto a nossa visão for inferior às exigências da nova evangelização, a nossa renovação litúrgica será reduzida a uma adaptação externa e provavelmente instável. O Rito romano foi sempre uma forma de culto em vista da missão. Eis por que é relativamente breve: havia muito a fazer fora da Igreja! Este é o motivo por que usamos a expressão de encerramento «Ite, missa est», que nos dá o termo «Missa»: a comunidade é enviada a evangelizar o mundo, em obediência ao mandato de Cristo (cf. Mt Mt 28,19-20).

Como Pastores, estais plenamente conscientes da grande sede de Deus e do desejo de oração que hoje as pessoas sentem. O Dia Mundial da Juventude realizado em Denver sobressai como uma evidência de que também a geração mais jovem dos norte-americanos aspira a uma profunda e exigente fé em Jesus Cristo. Os jovens querem ter um papel activo na Igreja e desejam ser enviados no nome de Cristo para evangelizar e transformar o mundo à sua volta. Os jovens estão prontos para se empenhar na mensagem evangélica, se esta for apresentada em toda a sua nobreza e força libertadora. Eles continuarão a assumir uma parte activa na liturgia se a experimentarem como algo que é capaz de os levar a um profundo relacionamento com Deus; e é a partir desta experiência que nascerão vocações sacerdotais e religiosas, caracterizadas pela verdadeira energia evangélica e missionária. Neste sentido, os jovens exortam toda a Igreja a dar o próximo passo rumo à concretização da visão do culto, que nos foi transmitida pelo Concílio. Aliviados do fardo ideológico do passado, eles são capazes de falar simples e directamente acerca do seu desejo de experimentar Deus, de forma especial na oração tanto pública como particular. Ao escutá-los, dilectos Irmãos, podemos ouvir bem «o que o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2,11). A finalidade do culto divino e da evangelização

5. Na nossa preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, 1999 será o ano dedicado à Pessoa do Pai e à celebração do seu Amor misericordioso. As iniciativas para o próximo ano deveriam dedicar particular atenção à natureza da vida cristã como «uma grande peregrinação rumo à Casa do Pai, cujo amor incondicional por cada criatura humana, e em particular pelo "filho pródigo", descobrimos cada dia de novo» (Tertio millennio adveniente, TMA 49). No cerne desta experiência de peregrinação está a nossa jornada de pecadores rumo às profundezas insondáveis da liturgia da Igreja, a liturgia da Criação, a liturgia do Céu - em última análise, todas constituem um culto a Jesus Cristo, Sacerdote eterno, em Quem a Igreja e toda a criação são levadas à vida da Santíssima Trindade, nossa verdadeira morada. Esta é a finalidade de todo o nosso culto e evangelização.

No âmago mesmo da comunidade de culto encontramos a Mãe de Cristo e Mãe da Igreja que, desde as profundezas da sua fé contemplativa, apresenta a Boa Nova, que é o próprio Jesus Cristo. Juntamente convosco rezo para que os católicos norte-americanos celebrem a liturgia tendo no coração o mesmo cântico que Ela entoou: «A minha alma proclama a grandeza do Senhor e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador... porque me fez grandes coisas o Omnipotente. É santo o seu nome» (Lc 1,46 Lc 1,49-50). Ao confiar os sacerdotes, os religiosos e os fiéis leigos das vossas Dioceses à amorosa protecção da Bem-Aventurada Mãe, concedo cordialmente a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO IV CONGRESSO MUNDIAL SOBRE A PASTORAL


PARA OS MIGRANTES E OS REFUGIADOS


9 de Outubro de 1998



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Grande é a minha alegria ao encontrar-vos por ocasião do Congresso sobre a Pastoral para os Migrantes e os Refugiados, no qual enfrentastes o tema: «As migrações no limiar do terceiro Milénio». Acolho-vos de bom grado e saúdo todos vós com afecto. Agradeço em particular a D. Stephen Fumio Hamao as palavras que, em nome de todos, quis dirigir-me e exprimo a cada um os bons votos de um generoso e profícuo serviço eclesial. Espero que as análises elaboradas, as decisões tomadas e os propósitos maturados durante o Congresso possam constituir um válido estímulo para quem, na Igreja e na sociedade, compartilha a solicitude pelos migrantes e os refugiados.

As migrações constituem um problema cuja urgência cresce a par e passo com a complexidade. Quase em toda a parte, hoje, há a tendência a fechar as fronteiras e a tornar muito rigorosos os controles. De migrações, contudo, agora se fala mais do que antes e em tons cada vez mais alarmantes, não só porque o fechamento das fronteiras pôs em movimento fluxos incontrolados de clandestinos, com todos os riscos e as incertezas que esse fenómeno comporta, mas também porque as difíceis condições de vida, que estão na origem da crescente pressão migratória, mostram sintomas de ulterior agravamento.

2. Parece-me oportuno reafirmar, neste contexto, que o direito primeiro do homem é viver na própria pátria. Este direito, entretanto, só se torna efectivo se se têm sob controle os factores que impelem à emigração. Eles são, entre outros, os conflitos internos, as guerras, o sistema de governo, a iníqua distribuição dos recursos económicos, a política agrícola incoerente, a industrialização irracional, a corrupção alastrante. Para corrigir estas situações, é indispensável promover um desenvolvimento económico equilibrado, a progressiva superação das desigualdades sociais, o respeito escrupuloso pela pessoa humana, o bom funcionamento das estruturas democráticas. Indispensável é também aplicar tempestivas intervenções correctivas do actual sistema económico e financeiro, dominado e manipulado pelos Países industrializados, em prejuízo dos Países em vias de desenvolvimento.

O fechamento das fronteiras, com efeito, muitas vezes não é motivado simplesmente por uma diminuída ou terminada necessidade do contributo da mão-de-obra imigrada, mas pela afirmação de um sistema produtivo elaborado sobre a lógica da exploração do trabalho.

3. Até recentemente a riqueza dos Países industrializados era produzida no lugar, também com o contributo de numerosos imigrados. Com a deslocação do capital e das actividades empresariais, grande parte daquela riqueza é produzida nos Países em vias de desenvolvimento, onde a mão-de-obra é disponível a baixo preço. Deste modo os Países industrializados encontraram o modo de usufruir do contributo da mão-de-obra a baixo preço, sem dever suportar o ónus da presença de imigrados. Assim, estes trabalhadores correm o perigo de ser reduzidos a novos «servos da gleba», vinculados a um capital móvel que, entre as tantas situações de pobreza, de vez em quando selecciona aquelas cuja mão-de-obra tem um preço menor. É claro que esse sistema é inaceitável: com efeito, nele a dimensão humana dotrabalhoépraticamenteignorada.

É preciso reflectir seriamente sobre a geografia da fome no mundo, para que a solidariedade prevaleça sobre a procura do lucro e aquelas leis de mercado, que não têm em consideração a dignidade da pessoa humana e dos seus direitos inalienáveis.

Deve-se agir continuamente sobre as causas, dando início a uma cooperação internacional que tenha em vista promover a estabilidade política e remover o subdesenvolvimento. É um desafio que deve ser acolhido com a consciência de que está em jogo a construção de um mundo em que cada homem, sem excepção de raça, religião e nacionalidade, possa viver uma vida plenamente humana, livre da escravidão sob os outros homens e do pesadelo de ter que consumar a própria vida na indigência.

4. A imigração é uma questão complexa, que se refere não só às pessoas em busca de condições de vida mais seguras e dignas, mas também à população dos Países de acolhimento. No mundo moderno, a opinião pública constitui com frequência a principal norma que os dirigentes políticos e os legisladores aceitam seguir. O perigo está no facto de a informação, filtrada só em função dos problemas imediatos do País, se reduzir a aspectos absolutamente inadequados e muito distantes de exprimir o dramático alcance da situação. «Não se pode certamente ignorar», eu escrevia para o Dia do Migrante de 1996, «que o das migrações em geral, e dos migrantes irregulares em particular, é um problema para cuja solução desempenha um papel relevante a atitude da sociedade aonde eles chegam. Nesta perspectiva, é muito importante que a opinião pública seja bem informada sobre a real condição em que vive o país de origem dos migrantes, sobre os dramas em que eles estão envolvidos e sobre os perigos que comporta o retornar à pátria» (n. 4).

Tarefa da informação é, portanto, ajudar o cidadão a fazer um quadro adequado da situação, a compreender e a respeitar os direitos fundamentais do outro, assim como a assumir a própria parte de responsabilidade na sociedade, também a nível de comunidade internacional.


Discursos João Paulo II 1998 - 4 de Outubro de 1998