Discursos João Paulo II 1998 - 15 de Outubro de 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NO CONGRESSO


DA SOCIEDADE ITALIANA DE CIRURGIA


15 de Outubro de 1998



Ilustres Senhores e Senhoras!

1. Dou as minhas cordiais boas-vindas a todos vós, participantes no centésimo Congresso da prestigiosa Sociedade Italiana de Cirurgia. Obrigado pela visita! A vossa presença é para mim particularmente significativa, não só por causa da qualificada actividade profissional que realizais, mas também devido aos fundamentais valores éticos em que quereis inspirar o vosso trabalho quotidiano.

Saúdo com afecto o Presidente, Professor Giorgio Ribotta, e agradeço-lhe as amáveis expressões que quis dirigir-me em nome de todos. Com ele, saúdo os Responsáveis da Sociedade de Cirurgia das Nações que aderem à Comunidade europeia, assim como os das outras Sociedades nacionais coirmãs e os Presidentes das Sociedades de Cirurgiões que se constituíram como emanação da Cirurgia geral.

2. Durante o vosso Congresso, aprofundastes as complexas tarefas da Cirurgia. Além disso, analisastes as perspectivas abertas pelos extraordinários progressos que fizeram crescer em medida notável as suas possibilidades terapêuticas como, por exemplo, nas demolições e reconstruções orgânicas ou no vasto âmbito dos transplantes.

A vossa atenção predominante é a salvaguarda da saúde do paciente e o respeito pela sua integridade física, psíquica e espiritual. Ao manifestar intensa satisfação por este nobre intento, faço votos por que ele seja a constante preocupação de cada médico e cirurgião. A humanização da medicina não constitui uma dimensão secundária, mas sim a alma de um exercício da ciência médica, capaz de ouvir e não desiludir as expectativas do ser humano.

Com a vossa profissão, quereis estar na vanguarda da tutela da vida, da qual por causa da doença experimentais as carências e os limites, sem contudo renunciar a lutar contra eles para os superar ou, pelo menos, conter as suas consequências mais dolorosas. No cumprimento desta irrenunciável vocação, a Igreja está ao vosso lado, pois «ao aceitar amorosa e generosamente toda a vida humana, sobretudo se fraca e doente, a Igreja vive hoje um momento fundamental da sua missão, tanto mais necessária quanto mais avassaladora se tornou uma "cultura de morte"» (Christifidelis laici, 38).

Nestes anos também eu tive ocasião várias vezes de compartilhar a condição dos doentes, visitando-os ou tendo de me internar. Pude assim experimentar a vossa perícia profissional, acompanhada sempre de atenta humanidade. Sinto-me feliz por exprimir hoje a todos vós os sentimentos do meu apreço e da minha gratidão por tudo o que realizais em favor de quem sofre. Sinto imperioso, neste momento, dirigir um especial e reconhecido pensamento ao Professor Francesco Crucitti, recentemente falecido, que soube encarnar estas altíssimas qualidades de maneira generosa e exemplar.

3. Ilustres Senhores e Senhoras! Formulo votos por que os trabalhos do vosso Congresso contribuam para abrir o campo da Cirurgia a perspectivas sempre mais promissoras no sector da prevenção, da diagnose, da terapia e da reabilitação. A vossa actividade de cirurgiões é um incomparável dom para a sociedade.

Deus vos ajude a ser sempre fiéis ao espírito da vossa profissão e a servir com amor aqueles que experimentam a prova da doença e do sofrimento. Conceda-vos a força para a exercerdes sempre com grande entusiasmo e espírito de serviço.

Tornai-vos mestres dos jovens cirurgiões não só do ponto de vista profissional, mas também humano, para que na vossa escola eles possam assumir o cuidado da saúde e da vida, dando prioridade no seu empenho à dimensão ética, a única que pode garantir plenamente um autêntico serviço à pessoa.

Confio a Maria, Saúde dos Enfermos, os resultados do vosso Congresso e asseguro a minha orante recordação ao Senhor, Médico e Salvador das almas e dos corpos, a fim de que vos sustente na vossa actividade.

Com estes sentimentos, imploro sobre vós, as vossas famílias e colaboradores a abundância dos favores celestes, em penhor dos quais vos concedo de bom grado a Bênção apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO RECEBER A «MEDALHA AGRÍCOLA


INTERNACIONAL» DA FAO


Quinta-feira, 15 de Outubro de 1998



Estimado Doutor Diouf
Caros Amigos

É-me grato receber esta visita do Director Executivo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, juntamente com o Presidente Independente do Conselho, o Director do Protocolo e os Representantes dos grupos regionais dos países membros da FAO.

É de bom grado que aceito a medalha agrícola da FAO como uma honra outorgada não apenas à minha pessoa, mas a cada um dos católicos - sacerdotes, religiosos e leigos - e a todos os homens e mulheres de boa vontade que, como sócios de Agências internacionais e de Organizações não-governamentais, trabalham incansavelmente em todos os continentes em vista de aliviar o flagelo da fome e de promover condições económicas que permitam a todas as pessoas levarem uma vida decente. Compartilho esta honra também com todos aqueles que trabalham no campo da agricultura, pois sem o seu esforço árduo e com frequência escondido não haveria esperança no combate à fome e à subnutrição.

Ao longo dos últimos 53 anos, a FAO desempenhou um papel indispensável, recordando ao mundo que a garantia de um adequado abastecimento alimentar e a promoção de um crescimento equitativo e sustentável na área da agricultura devem ser componentes integrantes de cada programa económico. Em nome da Igreja católica e também de todos os homens e mulheres de boa vontade, agradeço à FAO tudo o que realizou desde 1945 para incrementar o abastecimento alimentar mundial. Encorajo os seus directores e funcionários a serem sempre firmes e conscienciosos no seu compromisso na sublime missão à qual a Comunidade internacional os chamou.

Obrigado a todos e Deus abençoe cada um de vós e o vosso trabalho.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA CONGREGAÇÃO PARA O CLERO


15 de Outubro de 1998





Venerados Senhores Cardeais
Caríssimos Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio!

1. Grande é a minha alegria ao encontrar-vos por ocasião da Plenária da Congregação para o Clero, que vos vê reunidos com sentimentos de profundo amor por aquele insubstituível «dom e mistério», que é o sacerdócio ministerial. Saúdo-vos cordialmente, com um particular pensamento para o Senhor Cardeal Dario Castrillón Hoyos, que em nome de todos me dirigiu nobres palavras de devoção e de afecto.

O propósito da vossa Plenária é ajudar os sacerdotes a cruzarem, com as devidas disposições, a Porta Santa do já iminente Grande Jubileu, trazendo no coração renovados sentimentos de adesão à própria identidade e de empenho na dedicação à dinâmica missionária que dele resulta.

Oportunamente escolhestes como argumento da vossa reflexão um tema de fundamental relevância, como é «O presbítero, guia da comunidade, mestre da palavra e ministro dos sacramentos, na perspectiva da nova evangelização». Ele assume todo o seu significado, se for examinado à luz do Jubileu. O Ano Santo 2000, de facto, quer não só celebrar um evento cronológico singular, mas fazer memória dos «magnalia Dei» (cf. Act Ac 1), documentados nos dois mil anos de história da Igreja, que nos diversos lugares e tempos é prolongamento da Encarnação do Verbo. O Jubileu tem em vista suscitar um coração «contrito e humilhado» pelas nossas culpas pessoais, reavivar o impulso missionário na consciência de que só Jesus Cristo é o Salvador, introduzir cada um na alegria do encontro com o amor misericordioso de Deus, que quer a salvação de todos os homens (cf. 1Tm 2,4).

2. O sacerdócio de Cristo constitui uma consequência da Encarnação. Ao nascer da sempre Virgem Maria, o Filho unigénito de Deus entrou na ordem da história. Tornou-Se sacerdote, o único sacerdote e, por isto, aqueles que na Igreja estão revestidos da dignidade do sacerdócio ordenado, participam dum modo específico no Seu único sacerdócio. O sacerdócio ordenado é componente insubstituível do edifício da redenção; é canal através do qual fluem normalmente as águas frescas necessárias para a vida. Este sacerdócio, ao qual se é chamado por pura gratuidade (cf. Hb He 5,4), é ponto nevrálgico da inteira vida e missão da Igreja.

Mediante o sacramento da Ordem, o sacerdote é transformado no «próprio Cristo», para realizar as obras de Cristo. Opera-se nele, graças a um carácter específico, à semelhança de Cristo, Cabeça e Pastor. Esta nota do carácter indelével é inseparável da consagração sacerdotal (cf. PO PO 2 LG 21 CIC 1558): dom de Deus, dado para sempre! O sacerdote ungido pelo Espírito Santo deve, portanto, propor a si mesmo a fidelidade absoluta e incondicionada ao Senhor e à sua Igreja, porque o empenho do sacerdócio possui em si o sinal da eternidade.

O sacerdote, como Cristo e em Cristo, é enviado. A «missão» salvífica, que lhe é confiada para o bem dos homens, é requerida pela sua própria «consagração sacerdotal» (cf. LG LG 28) e já está implícita no «chamamento», com o qual Deus interpela o homem. Portanto, «vocação, consagração e missão» constituem o tríptico de uma mesma realidade, elementos constitutivos da essencialidade do sacerdócio (cf. PDV PDV 16).

3. Recordar estas realidades, falar do aspecto insubstituível do sacerdócio ordenado equivale a realizar hoje uma acção que, para aquele que perscruta profundamente a vida eclesial, não pode deixar de aparecer deveras providencial. Com efeito, não faltam tentativas mais ou menos explícitas de deformar o inteiro evento eclesial, tal como foi querido pelo divino Fundador. Remonta, de facto, à vontade de Cristo que a sua Igreja, Povo de Deus em caminho, seja constituída e estruturada como sociedade hierarquicamente ordenada (cf. LG LG 20) onde, embora todos estejam revestidos da mesma dignidade, nem todos têm as mesmas tarefas, mas com diversidade de ministérios, isto é, de funções ou serviços, cada um contribui segundo o próprio estado para o testemunho do Evangelho no mundo.

Por esta razão, encorajo-vos no vosso empenho em pôr em evidência a missão do presbítero, à luz da reflexão que estais a fazer nesta Plenária.

4. O presbítero é, antes de tudo, guia do povo a ele confiado. A estrutura da Igreja transcende o modelo tanto «democrático» como «autocrático», porque se baseia sobre o «envio» do Filho por parte do Pai e sobre a atribuição da «missão», através do dom do Espírito Santo aos Doze e aos seus sucessores (cf. Jo Jn 20,21). É este o ensinamento já presente na Presbyterorum ordinis, lá onde o Decreto conciliar trata da «autoridade com que Cristo faz crescer, santifica e governa o Seu povo» (cf. n. 2). É esta uma Autoridade que não tem origem a partir de baixo nem pode, portanto, ser autonomamente definida na sua extensão e exercício por nenhum consenso de base.

Depois, o presbítero está em união com o seu Bispo, mestre da Palavra. Dela é mestre, sendo antes seu servo (cf. PO PO 4). Todos os fiéis, em virtude dos sacramentos da iniciação cristã, são chamados à evangelização, segundo o próprio estado de vida, mas o ministro ordenado exerce essa missão com autoridade e graça que lhe vêm não da necessária ciência e competência, mas da ordenação (cf. PDV PDV 35).

Enfim, o presbítero é ministro dos sacramentos. Com efeito, não se pode promover uma evangelização autêntica que não tenda a redundar na celebração dos sacramentos. Portanto, não pode haver evangelização que não esteja orientada para essa celebração (cf. PO PO 5).

5. Tudo isto deve ser vivido na perspectiva da nova evangelização, que encontra o seu momento forte no empenho pelo Grande Jubileu. Aqui se entrelaçam de maneira providencial as vias traçadas pela Carta Apostólica Tertio millennio adveniente e as indicadas pelos Directórios para os presbíteros e para os diáconos permanentes, pela Instrução acerca de algumas questões sobre a colaboração dos fiéis leigos no sagrado ministério dos sacerdotes e por tudo o que será fruto da presente Plenária.

Graças à universal e convicta aplicação destes documentos, a já habitual expressão «nova evangelização» poderá traduzir-se de modo mais eficaz em realidade operante. O próprio título da vossa Plenária focaliza a peculiaridade do sacerdote, o seu ser na Igreja e diante dela (cf. PDV PDV 16). Ajudar os sacerdotes a redescobrirem as características fundamentais do sagrado ministério constituir á para eles a melhor preparação para cruzarem o limiar da Porta Santa, convertidos para a verdade de si mesmos: a de pessoas conformadas a Cristo, Cabeça e Pastor, em virtude de um carácter específico. Só daqui nasce a missão. Ela exige que cada cristão seja exactamente ele mesmo e aja de maneira consequente. Compreende-se, então, o carácter insubstituível dos diversos estados de vida na Igreja.

Por conseguinte, é necessário tornar sempre mais límpidas a identidade e a especificidade de cada um. Só no respeito das diversas e complementares identidades a Igreja será plenamente crente e, por conseguinte, crível e poderá entrar, rica de esperança, no novo milénio (cf. PDV PDV 12).

Nesta perspectiva, enquanto vos convido a depor todas as vossas iniciativas nas mãos d'Aquela que, como a aurora, prenuncia o sempre novo advento do Senhor Jesus na história, a todos concedo a minha Bênção.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS DA POLÓNIA POR OCASIÃO


DO XX ANIVERSÁRIO DE PONTIFICADO


16 de Outubro de 1998





Louvado seja Jesus Cristo!

1. Desejo saudar os peregrinos vindos da Polónia, com as palavras de São Paulo tiradas da Carta aos Filipenses : «Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós. Em todas as minhas orações peço sempre com alegria por todos vós. Estou persuadido de que Aquele que começou em vós a boa obra a completará até ao Dia de Cristo Jesus. É justo que eu alimente estes sentimentos por todos vós, porque vos trago no coração» (cf. 1, 3-6).

Aqui na Praça de São Pedro saúdo os peregrinos vindos de todas as dioceses da Polónia e da emigração, assim como todos os meus compatriotas, onde quer que se encontrem. De modo especial, saúdo o Senhor Cardeal Primaz, agradecendo-lhe as palavras a mim dirigidas; o Senhor Cardeal Franciszek, Arcebispo de Cracóvia, o Senhor Cardeal Andrzej Deskur, o Senhor Cardeal Adam Majda, Arcebispo de Detroit, o Senhor Cardeal Kazimierz Swiatek, Arcebispo de Miñsk-Mohyiew. Saúdo a Delegação das escolas superiores católicas: da Universidade Católica de Lublim e da Pontifícia Academia Teológica de Cracóvia, os Arcebispos, os Bispos, os Presbíteros, as pessoas consagradas. Saúdo o Senhor Presidente da República Polaca e a Ex.ma Esposa, os Presidentes do Parlamento e do Senado, os Deputados, os Senadores, a Delegação do «Solidarnosc», o Exército polaco e a sua Orquestra, e também os Representantes das autoridades locais, e de modo particular as Autoridades da Cidade de Cracóvia, representadas pelo Senhor Presidente da Província, pelo Presidente da Câmara Municipal e pelas Autoridades da Cidade de Varsóvia.

2. Meus caros, viestes ao túmulo do Príncipe dos Apóstolos, para dar graças a Deus, juntamente comigo, pelos vinte anos do meu serviço pastoral à Igreja universal. Este encontro recorda-me aquele instante na Capela Sistina quando, depois da eleição feita segundo as prescrições dos cânones, me foi pedido: «Aceitas?». Respondi então: «Na obediência da fé diante de Cristo, meu Senhor, ao abandonar-me à Mãe de Cristo e da Igreja, consciente das grandes dificuldades - aceito». São inescrutáveis as vias da Divina Providência.

Da Colina de Wawel, Cristo chamou-me à Colina do Vaticano, do túmulo de Santo Estanislau ao túmulo de São Pedro, para conduzir a Igreja ao longo das vias da renovação conciliar. Diante dos meus olhos apresenta-se neste momento a figura do Servo de Deus, Cardeal Stefan Wyszyñski. Durante o Conclave, no dia de Santa Edviges da Silésia, ele aproximou-se de mim e disse: «Se te escolherem, peço-te que não rejeites». Respondi: «Muito obrigado. Ajudou-me muito, Cardeal». Confortado pela graça e pelas palavras do Primaz do Milénio, pude pronunciar o meu «fiat» para os inescrutáveis desígnios da Divina Providência. E hoje desejo repetir as palavras que dirigi aos meus compatriotas, na Sala Paulo VI, no dia seguinte à inauguração do pontificado. «Não estaria na cátedra de Pedro este Papa, se não houvesse a fé heróica do nosso grande Primaz, se não houvesse a sua fé, a sua esperança heróica, a sua confiança ilimitada na Mãe da Igreja. Se não houvesse Jasna Góra».

Hoje quando olho para os anos passados do meu ministério na Sede Romana, agradeço a Deus ter-me dado a graça de anunciar a Boa Nova da salvação a muitos povos e a muitas nações em todos os continentes, e entre eles também aos meus compatriotas na terra polaca. A evangelização constitui um elemento essencial da missão do Sucessor de São Pedro, o seu afã quotidiano na edificação da civilização do amor, da verdade e da vida.

3. Desde o início, no meu ministério apostólico sustentam-me a oração e o sacrifício de todo o Povo de Deus, e a Igreja na Polónia tem nele uma parte especial. Após a eleição à Sede de São Pedro, eu pedia aos meus compatriotas: «Não vos esqueçais de mim na oração em Jasna Góra e no país inteiro, a fim de que este Papa, que é sangue do vosso sangue e coração dos vossos corações, sirva bem a Igreja e o mundo nos tempos difíceis que precedem o final deste segundo milénio». E esta ajuda da oração estou a experimentá-la constantemente. É a vossa oração que me acompanha cada hora e todos os dias pelas vias do meu ministério papal. Estou consciente disto, e no meu íntimo sinto este profundo vínculo que se cria na oração, quando nos recordamos uns dos outros, compartilhamos o nosso coração e os nossos problemas humanos, depositando-os nas mãos do Pai Omnipotente e bom que está nos céus.

Estou-vos particularmente grato pelo facto de terdes permanecido em oração nos momentos do meu sofrimento, e de maneira especial naquele memorável dia 13 de Maio de 1981. É-me difícil falar disto sem me comover. Estáveis em oração durante todo aquele tempo, estáveis então particularmente unidos a mim com laços de solidariedade e de proximidade espiritual. A Igreja inteira respondeu ao atentado na Praça de São Pedro e, de modo particular, a Igreja na Polónia. Como não recordar neste momento a «marcha branca» em Cracóvia, que reuniu na oração uma grande multidão de pessoas, sobretudo de jovens. Hoje quero recordar-vos tudo isto e dizer: «Deus vos recompense!». Também eu procuro retribuir com a oração quotidiana por todos os meus compatriotas, pela nossa nação inteira, por toda a Polónia, minha Pátria, na qual sempre estou profundamente inserido com as raízes da minha vida, do meu coração e da minha vocação. Os problemas da minha Pátria estiveram e estão sempre muito próximos de mim. Conservo profundamente no coração tudo aquilo que é vivido pela minha Pátria. Considero o bem da minha Pátria o meu bem, e aquilo que lhe faz mal ou a desonra, tudo o que a ameaça, torna-se sempre num certo sentido parte de mim, do meu coração, dos meus pensamentos e daquilo que sinto.

4. Preparamo-nos com toda a Igreja para entrar no Terceiro Milénio. Que preparação histórica para o Grande Jubileu foi para mim o Milénio do Baptismo da Polónia, aquela extraordinária experiência da luta de toda a minha Nação em prol da fidelidade a Deus, à Cruz e ao Evangelho, durante os tempos difíceis da opressão da Igreja!

Quando há vinte anos eu iniciava o meu ministério Petrino na Igreja, disse: «Abri as portas a Cristo!». Hoje encontramo-nos no limiar do Terceiro Milénio: estas palavras adquirem uma eloquência especial. Dirijo-as de novo a todos os meus compatriotas como os melhores votos. Abri de par em par as portas a Cristo - as portas da cultura, da economia, da política, da família, da vida pessoal e social. Não há outro Nome sobre a terra, no qual poderíamos ser salvos senão o do Redentor do homem (cf. Act Ac 4,12). Somente Cristo é o nosso Mediador junto do Pai, a única esperança que não engana. Sem Cristo o homem não conhecerá plenamente a si mesmo, nem saberá até ao fundo quem é e para onde vai.

Abrir as portas a Cristo quer dizer abrir-se a Ele e ao Seu ensinamento. Tornar-se testemunha da Sua vida, paixão e morte. Quer dizer unir-se a Ele mediante a oração e os santos sacramentos. Sem o vínculo com Cristo todas as coisas perdem o sentido total e ofuscam-se os confins entre o bem e o mal. Hoje, na Polónia, há necessidade de homens de profunda fé e de recta consciência, formada sobre o Evangelho e a doutrina social da Igreja. Homens, para os quais as coisas de Deus sejam as mais importantes, capazes de fazer opções de acordo com os mandamentos divinos e o Evangelho. São necessários cristãos corajosos e responsáveis, que participem em todos os sectores da vida social e nacional, que não tenham medo dos obstáculos e contrariedades. Chegou o tempo da nova evangelização. Por isso, meus caros, dirijo-me a vós com este brado: «Abri as portas a Cristo!». Sede Suas testemunhas até aos extremos confins da terra (cf. Act Ac 1,8). Sede Seus autênticos discípulos, capazes de «renovar a face da terra» e de acender nos corações dos homens e na inteira Nação o fogo do amor e da justiça.

5. Neste dia para mim tão importante dirijo o olhar da minha alma para a Senhora de Jasna Góra e, nas suas mãos maternas, deposito todos os problemas da Igreja na Polónia e os meus compatriotas. Hoje, 16 de Outubro, enquanto a Igreja recorda Santa Edviges da Silésia - Padroeira da minha eleição à Sede de Pedro - peço-vos de novo que rezeis «a fim de que eu possa cumprir até ao fim a obra que Deus me confiou» (cf. Jo Jn 17,4), para a Sua glória ao serviço da Igreja e do mundo. Concluímos este encontro com a oração e a bênção.



DISCURSO DE JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA CONSULTA


DOS CAVALEIROS DE SANTO SEPULCRO


17 de Outubro de 1998





Senhor Cardeal
Ilustres Senhores
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Sinto-me feliz por vos apresentar uma cordial saudação na hodierna circunstância, que vê reunidos em Roma o Grão-Magistério e os Lugares-Tenentes da antiga e ilustre Ordem Equestre do Santo Sepulcro.

Agradeço ao Senhor Cardeal Carlo Furno, vosso Grão-Mestre, as nobres palavras que me dirigiu, fazendo-se intérprete dos comuns sentimentos e exprimo gratidão pela doação que me quis oferecer em nome de todos.

Caríssimos, o vosso empenho de apostolado e de caridade é, em primeiro lugar, obra que surge de profundas motivações de fé: fé em Cristo, Filho de Deus encarnado, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, cujo corpo sem vida repousou no sepulcro, de onde ressuscitou na manhã de Páscoa. Os meses que nos separam do Grande Jubileu são uma ocasião propícia para reafirmar com convicção esta fé no Senhor Jesus, tornando partícipes nele, mediante um testemunho convicto, quantos se aproximam de vós e aguardam uma palavra de esperança ou um gesto caritativo, que brotem da total adesão ao Redentor do Homem.

2. O sinal que distingue a vossa Ordem é a cruz vermelha de Santa Teresa. Ela representa as chagas do Senhor e o seu Sangue que redimiu a humanidade inteira. Esteja ela impressa no vosso coração, de modo que sejais, em qualquer circunstância, testemunhas de Cristo, membros vivos e activos nas vossas comunidades eclesiais. Animados interiormente pela devoção à cruz de Cristo, sabereis difundir em vosso redor o amor à Terra percorrida pelo Redentor durante a sua existência terrena, mobilizando os ânimos dos crentes para que à Igreja que vive nos lugares santificados pela presença de Cristo não falte a ajuda necessária para realizar o providencial projecto de Deus.

Por conseguinte, a vossa missão é importante e significativa! Fiéis ao vosso peculiar carisma, sois chamados a tornar-vos, de certo modo, imitadores do fervor caritativo do apóstolo Paulo que procurava ajudas «em favor dos santos» em Jerusalém (cf. 2Co 8,4), exortando as várias Igrejas a serem generosas em relação aos irmãos de Jerusalém, porque «lhes são devedores. De facto, se os pagãos participaram nos bens espirituais dos judeus, têm obrigação de os ajudar nas suas necessidades materiais» (Rm 15,27).

3. E depois, que dizer do vosso precioso serviço à unidade dos cristãos? Obedientes às orientações do Concílio Vaticano II, e de acordo com as possibilidades de cada qual, será preciso que saibais ser fautores convictos do ecumenismo, criando iniciativas oportunas de cooperação com as outras Confissões cristãs, mantendo também um diálogo atento e profícuo com os seguidores das outras Religiões, sob a guia dos Bispos, para reforçar a paz na Terra do Príncipe da paz, naquela Jerusalém que se tornou símbolo da felicidade eterna. São vários os modos de contribuir para o total desenvolvimento da vocação típica da Cidade Santa. O primeiro e mais eficaz é sem dúvida o de orar, porque sem a incessante oração é vã a canseira de quantos desejam edificar a cidade. Por isso, sede apóstolos fervorosos da oração.

Em segundo lugar, seja vosso empenho promover iniciativas que apoiem e favoreçam projectos de paz e de cooperação, que se destinem a fazer da Terra Santa um lugar de encontro e de diálogo, no respeito recíproco e na colaboração leal.

No que se refere aos cristãos que lá residem e que actualmente enfrentam muitas dificuldades, seja vossa solicitude fazer-lhes sentir a ajuda fraterna, acompanhada daquela generosidade que distingue as vossas intervenções. O Senhor recompensar-vos-á e abençoará cada um dos vossos esforços.

4. Caríssimos! Estes objectivos tornam- se tanto mais importantes quanto mais se aproxima o Ano jubilar. A Cidade Santa que, como Roma, evoca a peregrinação na fé, seja meta do vosso caminho espiritual de penitência e conversão. Ide com este espírito aos Lugares Santos e sede promotores das peregrinações a Jerusalém, indicando ao mesmo tempo a prática da Via Crucis a quantos não estarão em condições de ali se deslocarem.

A pertença à Ordem do Santo Sepulcro tornar-se-á, desta forma, um estímulo para a ascese pessoal, centrada na meditação das profundas lições que provêm da Cruz. Será também um estímulo à acção pastoral no âmbito da nova evangelização. Neste caminho espiritual e apostólico vos sirva de apoio a Padroeira celeste, Maria, Rainha da Palestina, que na sua existência terrena se ofereceu totalmente a si mesma para a realização do plano salvífico de Deus.

Com estes votos, concedo a cada um de vós a Bênção apostólica, que de bom grado faço extensiva aos Membros da inteira Ordem e às respectivas famílias.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS AMERICANOS DOS ESTADOS DO COLORADO,


WYOMING, UTAH, ARIZONA E NOVO MÉXICO


POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»


17 de Outubro de 1998





Prezados Irmãos Bispos

1. É com grande alegria que vos dou as boas-vindas, Pastores da Igreja que está nos Estados do Colorado, Wyoming, Utah, Arizona e Novo México. Ao trazer-vos para «ver Pedro» (cf. Gl Ga 1,18), a vossa visita ad Limina deseja ser, na vida das Igrejas particulares às quais presidis, uma oportunidade «para fortalecer a unidade na mesma fé, esperança e caridade, reconhecendo e valorizando cada vez mais aquela imensa herança da riqueza espiritual e moral que toda a Igreja, unida ao Bispo de Roma mediante os vínculos de comunhão, difundiu no mundo inteiro» (cf. Pastor bonus, Apêndice I, n. 3).

Nesta série de encontros com os Bispos dos Estados Unidos, ressaltei o facto de que a realização fiel e comprometida dos ensinamentos do Concílio Vaticano II constitui a vereda indicada pelo Espírito Santo, a fim de que toda a Igreja se prepare para o Grande Jubileu do Ano 2000 e o início do Terceiro Milénio. A renovação da vida cristã que estava na linha de vanguarda dos trabalhos do Concílio, é o mesmo objectivo que levou o Papa João XXIII a promover uma revisão do Código de Direito Canónico (cf. Discurso aos Cardeais Janeiro de 1959), um desejo que foi confirmado pelos Padres conciliares (cf. Christus Dominus CD 44). Depois de muito esforço, esta revisão deu frutos com o novo Código de Direito Canónico, promulgado em 1983, e o Código dos Cânones das Igrejas Orientais, promulgado em 1990. Hoje, desejo reflectir sobre alguns aspectos do vosso ministério em relação ao lugar que a lei ocupa na Igreja.

2. A proposta imediata da revisão do Código era assegurar que este impregnasse a eclesiologia do Concílio Vaticano II. E dado que o ensinamento do Concílio tinha em vista suscitar novas energias para uma renovada evangelização, é evidente que a revisão do Código pertence àquela série de graças e dádivas que o Espírito Santo derramou de forma tão abundante sobre a comunidade eclesial, em fidelidade a Cristo, a fim de que esta entrasse no próximo milénio procurando dar testemunho da verdade, salvar e não julgar, servir e não ser servida (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 56).

Para compreendermos melhor o ligame existente entre a lei e a evangelização, temos necessidade de considerar as raízes bíblicas do direito na Igreja. O Antigo Testamento insiste no facto de que a Tora é o maior dos dons do Deus de Israel, e cada ano o povo judeu ainda celebra a festa denominada Rejoicing of the TorahCelebração da Tora»). A Tora é um dom grandioso porque abre ao povo, em todos os tempos e lugares, o caminho para um Êxodo sempre novo. Tanto para nós como para Israel, a questão é a seguinte: antigamente, os nossos antepassados deixaram a escravidão do Egipto, mas como é que nós haveremos de sair da escravidão que nos aflige, do Egipto do nosso tempo e lugar? A resposta bíblica é esta: encontrareis a liberdade se obedecerdes a esta Lei divina. Consequentemente, no cerne da revelação bíblica está o mistério de uma obediência libertadora, que alcança a sua expressão suprema em Cristo crucificado, que foi «obediente até à morte» (Ph 2,8). A derradeira obediência tornou possível a libertação definitiva da Páscoa.

Então, na Igreja a finalidade da lei é a defesa e a promoção da «liberdade e da glória dos filhos de Deus» (Rm 8,21); esta é a Boa Nova que Cristo nos envia a transmitir ao mundo. Considerar a lei como espiritualmente libertadora é contrário a uma determinada compreensão do direito na cultura ocidental, que tende a identificar a lei como um mal necessário, uma espécie de controle exigido em vista de salvaguardar os frágeis direitos humanos e obstar as recalcitrantes paixões humanas, mas que no melhor dos mundos possíveis desapareceria. Esta não é a visão bíblica, nem pode ser o modo de ver da Igreja.

Dado que é um ministério sagrado ao serviço da proclamação da palavra de Deus e da santificação dos fiéis, a autoridade na Igreja só pode ser compreendida como um instrumento em benefício do desenvolvimento da vida cristã, em conformidade com as exigências radicais do Evangelho. O direito eclesiástico dá forma à comunidade ou à organização social da Igreja, tendo sempre em vista aquele supremo objectivo que é a salvação das almas (cf. C.I.C., cânones 747, 978 e 1752). Uma vez que este bem último se alcança sobretudo através da novidade da vida no Espírito, as disposições da lei visam tutelar e promover a vida cristã mediante a regulação do exercício da fé, dos sacramentos, da caridade e do governo eclesial.

3. O bem comum que a lei protege e promove não constitui apenas uma ordem externa, mas é o conjunto daquelas condições que tornam possível a realidade espiritual e interna da comunhão com Deus e da comunhão entre os membros da Igreja. Consequentemente, como regra basilar, as leis eclesiásticas vinculam a consciência. Por outras palavras, a obediência à lei não é uma mera submissão externa à autoridade, mas um modo de crescer na fé, caridade e santidade, sob a guia e mediante a graça do Espírito Santo. Neste sentido, o Direito Canónico possui características particulares que o distinguem do direito civil e, sem as necessárias modificações, impedem a aplicação das estruturas legais da sociedade civil na Igreja. O apreço destas particularidades é necessário, a fim de se poder superar algumas das dificuldades que têm surgido nos últimos anos, no que concerne à compreensão, à interpretação e à aplicação do Direito Canónico.

Entre estas particularidades está o carácter pastoral da lei e do exercício da justiça no seio da Igreja. De facto, o carácter pastoral é a chave para a correcta compreensão da equidade canónica, aquela atitude de mente e de espírito que tempera o rigor da lei, em vista de promover um bem maior. Na Igreja, a equidade constitui uma expressão de caridade na verdade, visando uma maior justiça que coincide com o bem sobrenatural do indivíduo e da comunidade. Então, a equidade deveria caracterizar o trabalho do pastor e do juiz, que devem modelar-se continuamente no Bom Pastor, «consolando aqueles que foram atingidos, orientando quem errou, reconhecendo os direitos daqueles que foram feridos, caluniados ou injustamente humilhados» (Paulo VI, Discurso à Rota Romana, 8 de Fevereiro de 1973; cf. ed. port. de L'Osservatore Romano de 18.3.1973, PP 6-8). Elementos como a dispensa, a tolerância, a isenção ou o perdão das causas, bem como a epiqueia, devem ser entendidos não como uma diminuição da força da lei, mas como algo que a completa, dado que na realidade eles garantem que a finalidade fundamental da lei seja assegurada. De maneira análoga, as censuras eclesiásticas não são punitivas mas terapêuticas, ainda mais porque têm em vista realizar a conversão do pecador. Todas as leis na Igreja têm a verdade e a caridade como os seus elementos constitutivos e os seus primordiais princípios inspiradores.


Discursos João Paulo II 1998 - 15 de Outubro de 1998