Discursos João Paulo II 1998 - 23 de Outubro de 1998

4. Por outro lado, os filhos são uma das riquezas principais duma nação e convém ajudar os pais a cumprirem a sua missão educativa, no respeito dos princípios de responsabilidade e de subsidiariedade, afirmando também o valor insigne deste serviço. Trata-se dum dever e duma legítima solidariedade por parte da inteira comunidade nacional. De certa maneira, uma sociedade e o seu futuro dependem da política familiar que é posta em prática.

5. Hoje, numerosos actos contra a vida, reivindicados como gestos de liberdade, constituem aquilo a que chamei a «cultura de morte» (cf. Encíclica Evangelium vitae EV 12), que vai contra os filhos nascituros e as pessoas doentes e idosas. É claro que enfrentamos um debilitamento do sentido e do valor da vida, assim como uma forma de anestesia das consciências. E todo atentado contra a vida duma pessoa é também um atentado contra a humanidade, pois há um laço de fraternidade entre todos os seres, e o que acontece a um irmão não pode deixar ninguém indiferente. Os cristãos e os homens de boa vontade são então chamados a unir as suas forças, com firmeza e paciência, para fazer triunfar a «cultura da vida», em particular a nível da juventude, à qual convém dar uma educação apropriada, nos planos moral, antropológico e biológico. A liberdade e o sentido da responsabilidade devem ser educados desde a mais tenra idade, a fim de se tornarem o que são verdadeiramente: «Inalienável propriedade pessoal e, ao mesmo tempo, abertura universal» (Encíclica Veritatis splendor VS 86). Deste modo, os jovens serão capazes de compreender o que é a pessoa humana, de realizar os actos responsáveis em favor da vida, e poderão tornar-se os seus defensores junto daqueles que os circundam.

Defender a vida em um mundo onde faltam pontos de referência, supõe que se recorra a dados antropológicos claros e objectivos, para mostrar que desde a sua origem e até ao seu termo natural uma pessoa é única e digna do respeito devido a todo o ser humano, em virtude da sua origem e do seu destino. Todo o atentado contra a vida é uma forma de negação da dignidade pessoal do ser, que desfigura também a humanidade e a solidariedade entre os seres, pois é violado «o parentesco espiritual que congrega os homens numa única grande família, sendo todos participantes do mesmo bem fundamental: a igual dignidade pessoal» (Encíclica Evangelium vitae EV 8). Todos os homens são chamados a procurar o bem das pessoas e o bem comum, com a promulgação de leis justas e equitativas, pois a força das leis comporta a rectidão das pessoas e a confiança necessária à convivência social (cf. ibid., n. 59). Convido-vos também a ter uma renovada solicitude pela formação da consciência moral e cívica das pessoas, a qual, dentro da razão correcta, esclarece os cidadãos na sua conduta pessoal e comunitária, fundada sobre os princípios da verdade, justiça, igualdade e caridade.

Caros participantes neste Encontro, quer sejais legisladores, homens políticos, responsáveis de associações familiares ou universitárias, encorajo-vos a prosseguir a reflexão e a transmitir as vossas próprias convicções morais e espirituais àqueles que colaboram convosco. Trata-se dum serviço a prestar aos homens, para que a vida deles esteja em harmonia com o que eles são verdadeiramente chamados a ser. É importante ajudar os nossos contemporâneos a buscarem a verdade e a fundarem a própria vida sobre uma sadia antropologia: somente elas dão o sentido profundo de toda a existência, como ressaltei na recente Encíclica Fides et ratio.

Na conclusão deste encontro, ao pedir a Cristo que infunda em vós o seu Espírito para permanecerdes fiéis aos valores fundamentais e às convicções que devem guiar a vossa missão no seio da sociedade, concedo-vos de todo o coração a Bênção Apostólica, assim como aos vossos colaboradores e aos membros das vossas famílias.



MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO ACORDO GLOBAL E DEFINITIVO


ENTRE O PERU E O EQUADOR






Aos Excelentíssimos Senhores Presidentes
da República do Equador
e da República do Peru

Tenho o prazer de me fazer presente espiritualmente no momento solene da assinatura do Acordo global e definitivo entre o Equador e o Peru, com o qual se conclui o processo de paz iniciado com a «Declaração de Paz do Itamarati », de 17 de Fevereiro de 1995.

Uno-me à alegria dos vossos nobres povos, tão queridos por mim, que estão unidos por muitos vínculos comuns de fé cristã e de cultura, os quais vêem hoje como se encerra um capítulo doloroso da história das suas relações e se abrem perspectivas duradouras de paz.

O Acordo tem um alto significado, tanto para o Continente americano, na busca de uma integração cada vez maior, como para a inteira Comunidade internacional.

Desejo congratular-me vivamente com o Senhor Presidente do Equador, Doutor Jamil Mahuad, e com o Senhor Presidente do Peru, Engenheiro Alberto Fujimori, pelo êxito alcançado.

Quero expressar uma especial gratidão aos Países Garantes do «Protocolo de Paz, Amizade e Limites do Rio de Janeiro » - Argentina, Brasil, Chile e Estados Unidos - e aos seus Chefes de Estado, que manifestaram uma contínua disponibilidade para ajudar as Partes e cuja activa colaboração, coordenada de modo eficaz pelo Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, permitiu de modo determinante chegar ao destino.

O meu pensamento dirige-se também às comunidades católicas no Equador e Peru que, sob a guia dos seus Pastores, com iniciativas oportunas - como, por exemplo, as jornadas de oração pela paz - souberam promover uma autêntica «pedagogia da paz». Não duvido que continuarão por este caminho.

Desejo vivamente que as vossas Nações irmãs não deixem de prosseguir, com vontade firme e perseverante, pelas vias traçadas por este Acordo, confiando todos à intercessão de Santa Marianita de Quito, de Santa Rosa de Lima e, sobretudo, da Santíssima Virgem Maria, Rainha da Paz, tão amada e venerada pelas populações de ambos os Países.

Sobre as vossas pessoas, Senhores Presidentes, e os vossos colaboradores, sobre todo o Equador e o Peru, assim como sobre aqueles que estão aí presentes, invoco de coração a Bênção de Deus Omnipotente.

Vaticano, 23 de Outubro de 1998



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES


DOS JORNALISTAS CATÓLICOS BELGAS


23 de Outubro de 1998



Senhor Presidente
Queridos amigos!

Como todos os anos, desejastes encontrar-vos com o Sucessor de Pedro, para lhe oferecerdes o fruto da colecta das «Oferendas Pontifícias», organizada pelas Associações dos Editores e dos Jornalistas católicos da Bélgica. Sensibilizado com os bons votos que me apresentastes por ocasião do aniversário de pontificado, sinto-me feliz por vos receber nesta ocasião e agradecer profundamente a vós e aos generosos doadores este gesto, que é testemunho da afeição dos jornalistas e dos leitores da imprensa católica belga à Santa Sé e à missão da Igreja. Apesar das dificuldades que o vosso País está a viver, os vossos compatriotas aceitaram renunciar a uma parte dos seus bens em favor da Igreja universal e das suas obras de caridade. Sinto-me particularmente feliz por este gesto, sinal da comunhão entre as comunidades cristãs que confiam ao Papa a solicitude de redistribuir as doações provenientes das diferentes Igrejas locais.

No Antigo Testamento, o profeta Isaías (58, 6-9) recorda que quem deseja estar próximo de Deus e ser uma luz que brilha como a aurora, deve ocupar-se dos pobres e «partilhar com eles o seu pão», como sinal do amor de Deus e dos seus irmãos. É neste espírito que desejais dar ao Sucessor de Pedro a vossa oferta e a dos vossos leitores. Possam os generosos doadores descobrir que «desfazer-se de algo por Deus, significa readquiri-lo inúmeras vezes» (Orígenes, Homilia sobre o Gn 7,6)!

O vosso gesto recorda também que somos solidários com os nossos irmãos em humanidade, e que é nosso dever abrir o coração às aflições tanto dos que estão próximos como dos distantes. É um dos aspectos essenciais da tradição constante da Igreja (cf. Encíclica Centesimus annus CA 57), pois o amor pelos pobres é um testemunho tangível da presença amorosa de Cristo entre os homens. Participamos também na construção da cidade terrena, na qual cada um deve poder alegrar-se da parte que lhe pertence da riqueza da criação. É de igual modo importante apoiar a promoção social dos povos, através duma educação e formação apropriadas em todos os campos, para que eles possam construir o seu futuro pessoal e comunitário e ocupar um lugar de igualdade na assembleia das Nações. É tarefa de todos favorecer os projectos que permitirão aos homens de cada país serem mais responsáveis pelo futuro quer pessoal quer familiar, e poder alimentar-se graças a uma gestão racional dos recursos obtidos da terra.

No final do nosso encontro, desejaria renovar o meu apelo para que, durante o Grande Jubileu, os cristãos e os homens de boa vontade estejam cada vez mais atentos ao sentido da justiça, partilhando as riquezas entre as pessoas e os povos.

Ao confiar-vos à intercessão de Nossa Senhora do Rosário e de São Francisco de Sales, concedo-vos de todo o coração a Bênção apostólica, bem como aos membros das vossas Associações, leitores e familiares.



MENSAGEM AO CARDEAL FIORENZO ANGELINI


POR OCASIÃO DO II CONGRESSO INTERNACIONAL


DE INVESTIGAÇÃO SOBRE


A FACE DE CRISTO






Ao Venerado Irmão
Senhor Cardeal

FIORENZO ANGELINI

Senhor Cardeal, sinto-me feliz por lhe dirigir a minha cordial saudação e peço-lhe que a transmita aos ilustres relatores e a quantos participam no segundo Congresso, promovido pelo Instituto Internacional de Investigação sobre a Face de Cristo.

Este importante encontro de estudo oferece um válido contributo ao aprofundamento de um tema central da piedade cristã e que se orgulha de ter firmes fundamentos na Sagrada Escritura, na tradição patrística, no constante magistério da Igreja, na Liturgia oriental e ocidental, na reflexão teológica, nas mais altas expressões da iconografia, da literatura e da arte.

Senhor Cardeal, o Instituto Internacional de Investigação sobre a Face de Cristo, constituído na primavera do ano passado por iniciativa sua e da Congregação Beneditina das Irmãs Reparadoras da Santa Face de Nosso Senhor Jesus Cristo propõe-se, com efeito, de acordo com o próprio Estatuto, afirmar cientificamente e testemunhar na prática a estreita relação existente entre a cristologia e a investigação sobre a Santa Face do Redentor, através da tríplice iniciativa de promover o conhecimento, aprofundar a doutrina e difundir a espiritualidade.

Conhecer e contemplar a face de Deus é a aspiração do homem de todos os tempos. A dificuldade, a desconfiança ou a proibição de representar a divindade brotam da consciência de que qualquer tentativa de atribuir uma imagem a Deus é inadequada. Não obstante, a antiga invocação do Salmo (4, 7): «Javé, levanta sobre nós a luz da Tua face!» introduzia de maneira profética na revelação de Cristo, porque o Deus da Aliança revelava a sua natureza como Ser pessoal, antes, como Pai, que na encarnação assumira, em Cristo, um rosto humano e ao mesmo tempo divino. É o mesmo Jesus que declara isto ao apóstolo Filipe: «Quem Me viu, viu o Pai» (Jn 14,9).

A revelação cristã liberta a representa ção de Deus de qualquer antropomorfismo. Em Cristo a divindade une-se à humanidade e torna-se visível na Face misericordiosa e compassiva do Salvador, no mistério da sua encarnação, paixão, morte e ressurreição.

O vosso Congresso - no qual participou activamente também o Centro de Estudos e Investigação «Ezio Aletti » de Roma, que promove os contactos ecuménicos a nível pessoal e com encontros e publicações apropriados - serve-se das intervenções de professores de teologia de várias universidades romanas e de diversas nações do mundo, de estudiosos, cientistas e investigadores, peritos de arte e de outras disciplinas.

Com sensibilidade ecuménica, os participantes no Congresso têm também a ocasião de ouvir a voz de ilustres irmãos das Igrejas ortodoxas, sem descuidar o contributo que o judaísmo pode dar ao estudo desse tema.

Numa sociedade como esta na qual vivemos, uma reflexão atenta e orante acerca da Santa Face de Cristo não pode deixar de contribuir para tornar a evangelização mais eficaz, como aliás confirmaram a extraordinária emoção e a sincera piedade suscitadas pela recente exposição do Santo Sudário de Turim.

Oxalá a veneração e o estudo da Santa Face predisponham as almas à especial reflexão sobre a Pessoa do Pai, que a Igreja fará durante o próximo ano, em preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Com estes votos, ao dirigir o meu encorajamento a quantos se empenham na promoção da devoção à Santa Face de Jesus, concedo de coração, por intercessão de Maria Santíssima, intimamente unida à missão de Cristo, uma especial Bênção Apostólica a Vossa Eminência, Senhor Cardeal, às Irmãs Reparadoras da Santa Face de Nosso Senhor Jesus Cristo e aos participantes neste Congresso internacional.

Vaticano, 23 de Outubro de 1998.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS REPRESENTANTES DAS ESCOLAS CATÓLICAS


E OUTROS PEREGRINOS


24 de Outubro de 1998





Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. É-me grato acolher-vos e encontrar-vos nesta Praça, onde as vossas diferentes proveniências e experiências eclesiais são chamadas a confluir, para um singular momento da Igreja, à presença do Sucessor de Pedro.

Dirijo a cada um a minha saudação cordial: a vós, sócios e amigos da Associação «A Nossa Família»; a vós, dirigentes e anciãos da Associação Nacional dos Centros Sociais; a vós, peregrinos da Arquidiocese de Ravena-Cérvia; a vós, membros dos Consultórios Familiares de inspiração cristã; e por fim a vós, que sois os mais numerosos, alunos, professores e pais das escolas católicas de Roma e de outras partes da Itália.

Ao ver-vos reunidos, penso na riqueza e variedade dos dons do Espírito Santo, continuamente suscitados e distribuídos na Igreja para que ela, como organismo espiritual que prolonga a acção salvífica de Cristo, se difunda em todos os âmbitos da sociedade e chegue aos homens e às mulheres nas diversas idades e condições de vida.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs de Ravena, sede bem-vindos! O vosso Arcebispo, D. Luigi Amaducci - a quem abraço fraternalmente - guiou-vos a Roma por ocasião do nono centenário da descoberta da venerada imagem de «Nossa Senhora Grega», tão querida à vossa Comunidade e que com devoção me apresto a coroar. Exprimo intensa satisfação por esta iniciativa, que oferece a ocasião propícia para celebrar também o milénio do meu predecessor Silvestre II, o Papa do Ano 1000, que foi Arcebispo de Ravena. Isto faz pensar no papel importante que Ravena ocupou na história da Igreja, e que vós oportunamente solenizastes nas celebrações do 1450° aniversário de São Vital. Possa a vossa fé resplandecer como os mosaicos das vossas estupendas basílicas!

Juntamente convosco saúdo também o Cardeal Ersílio Tonini, que foi vosso Arcebispo e hoje se uniu à vossa peregrinação romana.

3. Caríssimas Pequenas Apóstolas da caridade, caríssimos Irmãos e Irmãs da Associação «A Nossa Família». Neste ano celebra-se o centenário do nascimento do Servo de Deus, Padre Luigi Monza, vosso fundador, sacerdote lombardo animado de grande espírito apostólico. Quisestes recordá-lo oportunamente com a assembleia de Março passado, tratando da paternidade, da secularidade e da socialidade. Dou graças ao Senhor por tudo o que foi realizado através da obra do Padre Monza e dos seus filhos espirituais, na Itália e noutras nações do mundo, ao serviço das pessoas deficientes. Hoje «A Nossa Família» é operante com numerosos centros de reabilitação, que estão a testemunhar, melhor do que qualquer discurso, como o Evangelho é capaz de gerar fraternidade também na sociedade contemporânea, marcada em muitas partes por um novo paganismo. Encorajo- vos a prosseguir com novo impulso, tanto como Instituto quanto como Associa ção, no espírito do vosso venerado pai espiritual.

4. Dirijo-me agora a vós, caríssimos idosos, vindos em tão grande número graças à organização da Associação Italiana dos Centros Sociais, também em vista do Ano Internacional do Idoso, proclamado pela ONU para 1999. Vós constituís uma força viva da Igreja e ofereceis uma contribuição indispensável à sociedade, na qual a «terceira idade » ocupa uma faixa crescente da população. As Casas e as outras obras de promoção social dos idosos desempenham um papel sempre mais importante, para que possais ser activos, partícipes e úteis aos outros. Faço votos por que, na necessária solidariedade entre as diversas gerações, a comunidade cristã seja exemplo e estímulo para a inteira sociedade.

5. A presença entre nós hoje de tantos anciãos e de inúmeros jovens faz pensar na família e na sua centralidade, não só social mas sobretudo educativa. Por isto, sinto-me particularmente feliz de vos acolher, representantes dos Consultórios familiares de inspiração cristã, operantes em todas as regiões da Itália. Encorajo de coração o vosso precioso serviço. A Assembleia que vos vê empenhados nestes dias, enfrenta em particular o tema da adopção internacional. A respeito disso, faço votos por que toda a criança, especialmente se vítima de situações difíceis, possa encontrar uma família na qual crescer no amor e preparar-se para a vida.

6. Caros amigos que formais as comunidades educativas romanas de cunho católico, amanhã celebra-se em Roma o Dia diocesano da escola católica e, por isso, hoje quisestes reunir-vos com o Papa, juntamente com o Cardeal Vigário, Camillo Ruini, e o Vice-Gerente, D. Cesare Nosiglia. Saúdo a todos cordialmente. Reuniram-se a vós também alunos, professores e famílias de muitas outras cidades. Juntos renovemos o apelo às autoridades competentes, para que as escolas católicas possam viver e crescer e lhes seja reconhecida igual dignidade com a escola pública. Como não entristecer- se ao ver Institutos prestigiosos, apreciados pelas famílias, obrigados a fechar? Formulo votos por que quanto antes se ponha fim a esse fenómeno, que constitui um grave empobrecimento da inteira realidade escolar italiana.

Por este motivo, queridos administradores, professores, alunos e pais aqui presentes, o vosso empenho educativo e cultural é ainda mais precioso. Faço votos por que o realizeis com serenidade e proveito, para que as novas gerações recebam, juntamente com adequados conhecimentos, autênticos valores espirituais e morais.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, de novo muito obrigado a todos pela vossa visita. Confio cada um de vós à solícita assistência de Nossa Senhora santíssima e de coração concedo a vós e aos vossos entes queridos, uma especial Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AO NOVO EMBAIXADOR DA FRANÇA


JUNTO À SANTA SÉ POR OCASIÃO


DA APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS






Senhor Embaixador

1. É com grande prazer que lhe dou as boas-vindas no momento em que apresenta as Cartas que o acreditam como Embaixador da França junto da Santa Sé. Sensibiliza-me o espírito com que Vossa Excelência inicia a sua missão, manifestando uma atenção particular à acção espiritual e diplomática da Sé Apostólica, e a preocupação por dar um contributo específico aos passos propostos pela Igreja por ocasião do Grande Jubileu do Ano 2000. De facto, é importante que os numerosos peregrinos possam ser acolhidos em Roma, a fim de aproveitarem desse ano de graça para reencontrarem mais profundamente Cristo, fonte de vida.

A sua presença hoje aqui recorda-me com alegria as minhas recentes viagens no seu País; sobretudo, conservo uma recordação comovida das últimas Jornadas mundiais da Juventude. Mediante o seu acolhimento caloroso, os governantes do seu País e todos os seus compatriotas consentiram o êxito deste encontro, excepcional pelo número de participantes e pela qualidade humana e espiritual dos encontros e das celebrações. Tenho a certeza de que os jovens que foram à França, regressaram aos seus Países transformados pelo Senhor, prontos a testemunhar a Boa Nova que descobriram durante esses dias de particular intensidade e desejosos de continuar a viver em espírito de fraternidade e de solidariedade que animou todos os encontros.

2. Vossa Excelência, Senhor Embaixador, quis ressaltar os vínculos de confiança existentes entre a Santa Sé e a França, evocando com franqueza algumas etapas importantes da história dos últimos cinco séculos. As actuais relações, fruto desta longa história, caracterizam-se pelo princípio da laicidade. Como eu ressaltava por ocasião da minha visita ao Parlamento Europeu a 11 de Outubro de 1988, o princípio, recordado por Cristo, da distinção entre «o que é de César» e «o que é de Deus» (cf. Mt Mt 22,21) governa fundamentalmente a vida pública: «Esta distinção essencial entre a esfera da administração do conjunto exterior da cidade terrestre e a da autonomia das pessoas, é esclarecida a partir da respectiva natureza da comunidade política à qual necessariamente pertencem todos os cidadãos, e da comunidade religiosa a que aderem livremente os crentes» (Ed. port. de L'Osser. Rom Rm 23 Rm 1988, pág. Rm 12,9). A laicidade deve ser entendida como autonomia da sociedade civil e das confissões religiosas, nos âmbitos que lhes são próprios, mas ao mesmo tempo, como um reconhecimento do facto religioso, da instituição eclesial e da experiência cristã entre os componentes da nação, e não simplesmente como elementos da vida privada. O próprio princípio de laicidade não exclui nem a livre adesão de fé das pessoas, nem a aceitação da dimensão religiosa no património nacional. A legítima autonomia das realidades terrestres já não permite que se prescinda dos princípios sobre os quais se baseia a vida pessoal e social. Por conseguinte, a laicidade deixa a cada instituição, na sua própria esfera, o lugar que lhe compete, num diálogo franco em vista duma colaboração frutuosa no serviço de todos os homens. Uma separação bem compreendida entre a Igreja e o Estado leva ao respeito da vida religiosa e dos símbolos mais profundos, e a uma justa consideração das decisões e do pensamento religioso. Não é só uma garantia da liberdade das pessoas e dos grupos humanos, mas é também um apelo para que o que pertence à Igreja possa permanecer um elemento de reflexão para todos e um contributo positivo para os debates da sociedade, em vista da promoção e do respeito das pessoas, bem como da consideração do bem comum e dos direitos do homem, que são os elementos objectivos que jamais se podem perder de vista nas decisões sociais.

3. No campo filosófico, cultural e artístico, a religião cristã deu e continua a oferecer o seu contributo à civilização, sobretudo em nações como a sua, na qual ela faz parte da tradição plurissecular. O humanismo é um ideal comum a todos os Franceses, o qual recorda que não há nada tão bom nem tão nobre como o homem, cuja superioridade consiste na sua existência como um ser racional, que «tem uma dignidade absoluta, porque está em directa relação com o absoluto», como ressaltava um dos seus ilustres predecessores, Jacques Maritain (Les droits de l'homme e la loi naturelle, pág. 16). A nível da vida social, os valores cristãos, que para alguns já se encontravam no mundo grego e latino, fazem parte da herança comum. Mediante as reflexões que faz actualmente, o centro cultural da sua Embaixada faz sobressair este património de maneira eloquente.

4. Vossa Excelência está ao corrente da atenção que a Igreja dedica à vida dos homens, sobretudo às instituições primordiais como a da família, a qual só pode existir no respeito dos princípios naturais e do bem da sociedade inteira, sendo ela um elemento essencial da nação. É de igual modo necessário que os responsáveis saibam criar as condições adequadas para a sua natureza específica e o seu estatuto jurídico peculiar, e as bases necessárias para a sua estabilidade, a fortificação do vínculo conjugal e o acolhimento do dom da vida. As crianças são a primeira riqueza dum país; por conseguinte, seria bom ajudar os pais a cumprir a sua missão educativa, no respeito das suas responsabilidades específicas e da necessária subsidiariedade, consolidando desta forma o valor insigne deste serviço. É um dever e uma solidariedade legítima por parte de toda a comunidade nacional.

5. No campo da educação, aprecio a reflexão feita no seu País acerca da questão da organização do tempo escolar, a fim de proporcionar aos jovens uma formação equilibrada, respeitadora das suas capacidades e do desenvolvimento progressivo da sua personalidade, e de fazer com que eles adquiram uma cultura e um saber que lhes permita encontrar o seu lugar na sociedade. Sensibilizam-me também os esforços feitos por numerosos professores, nas escolas públicas e privadas, a fim de apresentar aos jovens franceses elementos de educação cívica e de cultura religiosa que fazem parte do seu património.

Por conseguinte, para os pais que o desejam, a catequese é outra disciplina. Ela consiste essencialmente em iniciar a criança no mistério cristão e na relação com Deus. A formação religiosa faz parte integrante da formação humana, espiritual e moral daqueles jovens cujos pais desejam que aprendam os valores cristãos e conheçam Cristo. Para isso, é preciso que cada família seja apoiada no seu desejo legítimo e possa ter meios positivos para fazer com que os seus filhos recebam o ensinamento catequético do qual têm necessidade. Nesta perspectiva, não se pode deixar de desejar que os responsáveis da nação continuem a estar vigilantes a respeito do lugar que o ensino religioso ocupa entre as actividades para-escolares propostas às crianças e do tempo conveniente que poderá ser consentido. Por conseguinte, faço um sentido apelo à atenção renovada dos diferentes protagonistas, para que «sejam tomadas todas as disposições úteis, a fim de garantir aos alunos do ensino público a liberdade dos cultos e de instrução religiosa», de acordo com a lei de 1959 e a circular de 24 de Abril de 1991, sem penalizar as crianças e as famílias que optam pela formação religiosa.

6. Vossa Excelência conhece o desejo da Igreja de oferecer o seu contributo à formação da juventude, em colaboração confiante com outras instituições que têm a mesma finalidade, graças ao diálogo entre todas as partes em causa. A comunidade católica sente-se parte integrante desta grande causa nacional, pois a escola é uma instituição de primeiro plano para a edificação da sociedade, favorecendo a paz social e refreando os fenómenos de violência. Neste espírito, sensibiliza-me o apoio dado pelas Autoridades francesas ao ensino católico, que deseja continuar a prestar um serviço educativo no seio da nação, acolhendo todos os jovens que as famílias lhe desejam confiar, sem distinção de origem, opinião ou crença, mas no respeito legítimo do carácter e da vocação específicas dos seus estabelecimentos. De acordo com quanto exprimem claramente os seus Estatutos, a Escola católica não pode, de facto, «renunciar à sua liberdade de propor a mensagem cristã e de expor os valores da educação cristã». Para esta missão, é necessário que a colectividade não penalize demasiado as famílias que escolhem o ensino católico. Com efeito, é justo que, no âmbito da educação nacional, seja mantida uma legítima igualdade, porque as diferenças são causa de separações prejudiciais no seio da sociedade, no momento em que o sistema educativo desempenha o importante papel de comunidade integrativa para todos os jovens, particularmente necessário nos ambientes desfavorecidos.

7. A França possui uma tradição de convivência social, abertura, auxílio mútuo e de respeito e acolhimento em favor dos países em vias de desenvolvimento e a respeito das pessoas e das famílias deslocadas ou constrangidas ao exílio. Aprecio as disposições manifestadas pelos responsáveis da vida pública, a fim de oferecer uma terra àqueles que a pedem, no respeito dos princípios que fundam a unidade nacional. É importante que os países mais ricos se mobilizem para acolher, com discernimento, humanidade e solicitude, e num espírito de solidariedade perante situações por vezes dramáticas, as pessoas que provêm de outras terras e que são obrigadas a procurar neles o alimento para si e para a sua família, ou que devem refugiar-se num país que não é o seu; estes estrangeiros são antes de mais irmãos e ninguém os pode pôr de lado por motivos de raça ou de religião. Congratulo-me com as numerosas associações do seu País que ajudam quantos são muitas vezes marginalizados, estando atentos às suas necessidades primordiais.

8. No momento em que nos preparamos para entrar no Terceiro Milénio, a França, que é a sede duma alta instância europeia, ocupa um lugar particular na construção da grande Europa, na qual as nações que o desejam poderão pouco a pouco associar-se na edificação da casa comum, a fim de criar as condições necessárias ao desenvolvimento de todos e valorizar as riquezas particulares. Este novo espaço europeu não pode deixar de favorecer a paz e o entendimento entre todos os povos, no respeito das particularidades, postas ao serviço de todos, para que jamais se voltem a repetir as guerras e as fracturas que marcaram o século XX. De igual modo, não posso deixar de partilhar a seu desejo de que as Autoridades francesas, em estreita união com os outros países do continente e com a comunidade internacional, continuem a incrementar os esforços para que todos os meios legítimos e pacíficos sejam postos em prática, a fim de resolver de modo duradouro os diferentes conflitos que Vossa Excelência acaba de mencionar, pois nenhum Estado pode desinteressar-se daquilo que vivem os povos menosprezados na sua dignidade primária e constrangidos à incerteza. Nestes diferentes focos de tensão, é necessário que as partes envolvidas tenham um forte desejo e uma coragem profética de encontrar soluções, lá onde, mesmo se cada um é necessariamente obrigado a abandonar as prerrogativas, é o bem de todos o elemento que deve prevalecer sobre as considerações de parte.

Imploro o Senhor a fim de que o aproximar-se do fim do Milénio estimule à conversão dos corações e reavive em todos os homens o amor pela paz. Todos, seja qual for a sua raça e origem, devem poder beneficiar duma terra onde viver em paz e fazer viver aqueles dos quais se ocupam. A Santa Sé encoraja as negociações pacientes e tenazes, orientadas para um reconhecimento legítimo dos povos e duma paz sólida entre as nações. São estes os objectivos durante os próximos anos, na Europa e em todos os Continentes. Com o desejo de manter a paz, congratulo-me com a atitude corajosa da França e doutras Nações, pela decisão a respeito das minas anti-homem, a fim de que os seres inocentes não sejam ainda mais injustamente mutilados e a terra sirva para alimentar quantos a habitam.

9. No final do nosso encontro, ficar-lhe-ia reconhecido por se dignar transmitir os meus melhores votos a Sua Excelência o Senhor Presidente Jacques Chirac, o qual tive a alegria de receber aqui há dois anos. No seu País como em numerosos outros, os homens são confrontados com graves crises económicas e sociais, em particular o desemprego que atinge inteiras famílias. Nas adversidades, é fundamental que todos os membros da comunidade nacional demonstrem uma solidariedade e uma caridade cada vez maiores, tendo o coração aberto para responder aos desafios humanos. Por conseguinte, desejaria recordar a todos os seus compatriotas que permaneço pessoalmente próximo deles e que sou de modo particular sensível às dificuldades de quantos são atingidos pela crise. Por fim, desejo saudar por seu intermédio todos os católicos da França.

Senhor Embaixador, Vossa Excelência inscreve-se numa longa e prestigiosa tradição. Permita-me também manifestar-lhe toda a minha estima e apresentar-lhe os meus mais cordiais votos para a realização da sua missão. Tenha a certeza que encontrará sempre junto dos meus colaboradores a atenção e o apoio dos quais poderá ter necessidade. Rezo a Deus para que o povo da França aceite o desafio que lhe é feito: entrar no Terceiro Milénio com uma consciência renovada da sua vocação humana e espiritual, aprofundando as suas raízes filosóficas e cristãs. Concedo-lhe muito cordialmente a Bênção apostólica, bem como a quantos são chamados a colaborar na sua tarefa.




Discursos João Paulo II 1998 - 23 de Outubro de 1998