Discursos João Paulo II 1998

DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS BISPOS DE BOSTON E HARTFORD (EUA)


POR OCASIÃO DA VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


24 de Novembro de 1998





Estimado Cardeal Law
Queridos Irmãos no Episcopado!

1. Saúdo-vos cordialmente, Bispos da Nova Inglaterra, que abrange as Províncias eclesiásticas de Boston e Hartford. Durante este ano tive a alegria espiritual de encontrar praticamente todos os Pastores da Igreja nos Estados Unidos da América, que representam mais de duzentas jurisdições, incluídas as das Igrejas católicas de rito oriental. Ao aproximar-se o final desta série de visitas «ad Limina», «dou graças incessantemente por vós ao meu Deus, pela graça que Ele vos concedeu em Jesus Cristo; porque em todas as coisas fostes enriquecidos n'Ele» (1Co 1,4-5). Rezámos juntos e escutámo-nos uns aos outros, procurando sintetizar todo o bem que o Espírito Santo inspira ao Povo de Deus no vosso País. Além de revigorar os vínculos de comunhão entre nós, estas visitas permitiram-nos reflectir, num clima de peregrinação e de repouso orante, sobre as oportunidades de evangelização e apostolado da Igreja nos Estados Unidos, à luz do ensinamento do Concílio Vaticano II e ao aproximar-se o Grande Jubileu do Ano 2000.

2. Ocasiões, como a do Grande Jubileu, recordam a todos nós que Deus fez a história e sugerem-nos olhar para o futuro, confiantes na promessa do Senhor de estar connosco para sempre, «até ao fim do mundo» (Mt 28,20). Os cristãos sabem que o tempo não é uma mera sucessão de dias, meses e anos, nem um ciclo cósmico de retorno eterno. O tempo é um grande drama com um início e um fim, escrito e dirigido pela solicitude providencial de Deus: «Dentro da sua dimensão, foi criado o mundo, no seu âmbito se desenrola a história da salvação, que tem o seu ponto culminante na -plenitude do tempo- da Encarnação e a sua meta no regresso glorioso do Filho de Deus no fim dos tempos» (Tertio millennio adveniente, TMA 10). A vigília pascal recorda-nos que a ressurreição é «o eixo fundamental da história, ao qual fazem referência o mistério das origens e o do destino final do mundo» (Dies Domini, 2). Só à luz de Cristo ressuscitado chegamos a compreender o verdadeiro significado da nossa peregrinação pessoal no tempo, até ao nosso destino eterno. Esta é a mensagem que a Igreja deve proclamar hoje e sempre. Fá-lo, sobretudo na liturgia que celebra a história da salvação e é o lugar privilegiado do nosso encontro com o Pai e com Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo. Fá-lo, no seu querigma e na catequese que torna conhecido o ensinamento salvífico do Evangelho, em diálogo com a profunda aspiração do coração humano a obter alguma coisa de divino e eterno, algo de tal modo bom que não acabará. Fá-lo, também nas suas obras de caridade que procuram mitigar a fragilidade da vida humana, por meio do contacto saneador do amor cristão.

3. Nos meus colóquios com os Bispos, não só com os Bispos presentes em cada ocasião particular, mas com toda a vossa Conferência, procurei reflectir sobre aspectos do vosso ministério episcopal, que podem promover a grande primavera do cristianismo que Deus está a preparar ao aproximar-se o Terceiro Milénio cristão e da qual já podemos divisar os primeiros sinais (cf. Redemptoris missio RMi 86). Juntos falámos das numerosas características da vida da comunidade católica nos Estados Unidos, abençoada pela santidade autêntica de tantos dos seus membros, que se distinguiram por uma profunda sede de justiça, firmes e activos em todas as várias formas de serviço cristão. Como Bispos, estais bem conscientes das forças do vosso povo. Como o homem sábio do Evangelho, deveis considerar de que modo, com as energias e os meios que tendes à disposição, podeis satisfazer as necessidades urgentes do tempo actual (cf. Lc Lc 14,31). Hoje, creio que o Senhor está a dizer a todos nós: não hesiteis, não tenhais medo de combater a boa batalha da fé (cf. 1Tm 6,12). Quando anunciamos a mensagem libertadora de Jesus Cristo, oferecemos ao mundo palavras de vida (cf. Jo Jn 6,68). O nosso testemunho profético é um serviço urgente e essencial, não só para a comunidade católica mas para a inteira família humana. O Evangelho contém a verdadeira narração do mundo, a sua história, o seu futuro, que são vida na comunhão da Santíssima Trindade.

No final do segundo Milénio, a humanidade encontra-se numa espécie de encruzilhada. Como Pastores responsáveis pela vida da Igreja, devemos meditar profundamente sobre os sinais de uma nova crise espiritual, cujos perigos são evidentes não só a nível pessoal, mas também a nível da própria civilização (cf. Evangelium vitae EV 68). Se a crise se aprofundar, o utilitarismo reduzirá cada vez mais os seres humanos a objectos a manipular. Se a verdade moral revelada na dignidade da pessoa humana não disciplinar nem orientar as energias explosivas da tecnologia, a este século de lágrimas poderia seguir uma nova era de barbáries, em vez de uma primavera de esperança (cf. Discurso às Nações Unidas, 5 de Outubro de 1995, n. 18; ed. port. de L'Osserv. Rom Rom Rm 10 Rom Rm 1995, Rm 5).

Ao dirigir-me à Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1995, propus que para encontrar de novo esperança e confiança, no limiar de um novo século, devemos: «adquirir novamente a visão daquele horizonte transcendente de possibilidade, para o qual tende o espírito humano» (ibid., n. 16). Visto que a crise espiritual é de facto uma diminuição do mistério transcendente de Deus, ela é ao mesmo tempo uma fuga da verdade sobre a pessoa humana, a criação mais nobre de Deus sobre a terra. A cultura do nosso tempo procura edificar, sem fazer referência alguma ao arquitecto, ignorando a advertência bíblica: «Se não for o Senhor a edificar a casa, em vão trabalham os construtores» (Ps 127,1). Ao fazê-lo, uma certa parte da cultura contemporânea perde a profundidade e a riqueza do mistério humano, e a própria vida resulta, por isso, empobrecida porque privada de significado e de alegria. Nenhuma tarefa do nosso ministério é mais urgente do que a «nova evangelização», necessária para satisfazer a fome espiritual dos nossos tempos. Não devemos hesitar diante do desafio de comunicar a alegria de sermos cristãos, de estarmos «em Cristo», numa condição de graça com Deus e unidos à Igreja. Isto pode deveras satisfazer o coração humano e a sua aspiração à liberdade.

4. Em nenhum outro âmbito o contraste entre a visão evangélica e a cultura contemporânea, é mais evidente do que no conflito dramático entre a cultura da vida e a cultura da morte. Não quero concluir esta série de encontros sem agradecer, mais uma vez, aos Bispos a sua guia e o seu apoio à vida humana, em particular de quem é mais vulnerável. A Igreja no vosso País está empenhada de muitos modos na defesa e promoção da vida e da dignidade humanas. Através das inúmeras organizações e agências, ela é uma promotora muito generosa dos serviços sociais aos pobres; é activa em apoiar leis mais favoráveis aos imigrantes; participa no debate público sobre a pena capital, consciente do facto que no estado moderno são raríssimos os casos, se não praticamente inexistentes, em que a execução de um réu é uma absoluta necessidade (cf. Evangelium vitae EV 56 Catecismo da Igreja Católica, n. 2267). Ao mesmo tempo, ressaltais justamente a prioridade que deve ser atribuída ao direito fundamental à vida do nascituro e à oposição à eutanásia e ao suicídio assistido. O testemunho de católicos norte-americanos em tão grande número, entre os quais muitos jovens, ao serviço do «Evangelho da vida», é um sinal certo de esperança para o futuro e um motivo para dar graças ao Espírito Santo, que inspira assim tanto bem entre os fiéis.

5. Em resposta à crise espiritual do nosso tempo, estou convicto de que haja necessidade radical de curar a mente assim como o coração. A história violenta deste século é devida, em grande parte, ao fechamento da razão à existência de uma verdade última e objectiva. Disto são resultado um cepticismo e um relativismo difundidos, que não conduziram a uma humanidade mais «amadurecida », mas ao grande desespero e à irracionalidade. Na Carta Encíclica Fides et ratio, publicada na semana passada, eu quis defender a capacidade da razão humana de conhecer a verdade. Esta confiança na razão é parte integrante da tradição intelectual católica, mas deve reafirmar-se hoje, diante de uma difundida dúvida doutrinal sobre a capacidade de responder a interrogativos fundamentais: Quem sou eu? Donde venho e para onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida? (cf. Fides et ratio FR 3 Fides et ratio, nn. 3 e 5). Muitas pessoas são levadas a acreditar que as únicas verdades são as que podem ser demonstradas pela experiência ou pela experimentação científica. O resultado é uma tendência a reduzir as dimensões sociológicas, funcionais, utilitaristas, instrumentais e tecnológicas. Emergiu uma visão relativista e pragmática da verdade. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes (cf. ibidem, n. 5). Um dos sinais mais evidentes da hodierna falta de confiança na verdade é a tendência de alguns a contentar-se de verdades parciais e provisórias, «deixando de tentar pôr as perguntas radicais sobre o sentido e o fundamento último da vida humana, pessoal e social» (ibidem). Ao contentarse de conhecimentos experimentais e incompletos, a razão não consegue prestar justiça ao mistério da pessoa humana, criada para a verdade e profundamente desejosa de a conhecer. Esta difundida atitude tem consequências graves para a fé. Se a razão não pode alcançar as verdades últimas, a fé perde o seu carácter racional e inteligível e reduz-se ao âmbito do não definível, do irracional e do sentimental. O resultado é o fideísmo. Privada da sua relação com a razão humana, a fé perde a sua validade pública e universal e limita-se à esfera privada e subjectiva. No final, a fé teológica é destruída. Com base nestas preocupações, julguei importante escrever a Carta Encíclica Fides et ratio dirigida a vós, Bispos da Igreja, principais testemunhas da verdade divina e católica (cf. Lumen gentium, LG 25). Desejo encorajar-vos, como Bispos, a manter sempre aberto o horizonte do vosso ministério, para além das tarefas imediatas da vossa quotidiana obra pastoral, àquela sede profunda e universal de verdade, que está presente no coração humano. Promover a renovação cultural e intelectual

6. O diálogo da Igreja com a cultura contemporânea é parte da vossa «diaconia da verdade» (Fides et ratio FR 2). Deveis fazer o possível para elevar o nível da reflexão filosófica e teológica, não só nos seminários e nos institutos religiosos católicos (cf. ibidem, 2), mas também entre os intelectuais católicos e entre todos os que desejam compreender mais profundamente a realidade. Ao aproximar-se o novo Milénio, a tutela da pessoa humana por parte da Igreja, exige uma defesa firme e aberta da capacidade da razão humana de alcançar verdades definitivas relativas a Deus, ao homem, à liberdade e à ética. Só através de uma reflexão racional, aberta aos interrogativos fundamentais da existência e isenta de pressupostos redutivos, a sociedade poderá descobrir pontos de referência seguros, a partir dos quais edificar bases certas para a vida dos indivíduos e das comunidades. A fé e a razão, cooperando, manifestam a grandeza do ser humano, para cuja realização «será determinante apenas a opção de viver na verdade, construindo a própria casa à sombra da Sabedoria e nela habitando » (ibidem, 107). A longa tradição intelectual da Igreja é dirigida pela sua confiança na bondade da criação e na capacidade da razão de compreender as verdades morais e metafísicas. A colaboração entre fé e razão e o empenho constante dos pensadores cristãos na filosofia são elementos essenciais da renovação cultural e intelectual, que deveis promover no vosso País. Uma palavra de bênção e de encorajamento

7. Ao concluir esta série de visitas «ad Limina» com os Bispos norte-americanos, desejo exprimir-vos o meu apreço pela comunhão espiritual, pela solidariedade e o apoio que demonstrastes durante os vinte anos do meu Pontificado. Também eu me sinto um vosso amigo e um irmão maior na peregrinação de fé e de fidelidade, que juntos estamos a empreender na devoção a Cristo e no serviço à sua Igreja. Aos sacerdotes, aos religiosos e aos leigos dos Estados Unidos, exprimo mais uma vez a minha estima cordial e a minha gratidão, pedindo ao Espírito Santo que dê às vossas Igrejas locais uma nova efusão de vida e de energia para a missão ainda a ser realizada. Oro a fim de que se verifique uma constante e total renovação de unidade e de amor entre todos os católicos americanos, de reconciliação e de apoio recíproco na verdade da fé. Peço a Deus que abençoe os vossos esforços no diálogo ecuménico com outros cristãos e na cooperação inter-religiosa, tendo como base os inúmeros pontos de contacto fundamentais que compartilhamos com todos os crentes. A minha ardente oração é para que haja um novo espírito de bondade, harmonia e paz entre todos os habitantes dos Estados Unidos, de maneira que a vossa vida pública possa ser renovada de modo verdadeiro e honroso, e o vosso país possa levar avante o seu destino histórico entre os povos do mundo.

Ao confiar-vos, bem como os vossos Irmãos Bispos, à solicitude amorosa de Maria Imaculada, Padroeira celeste dos Estados Unidos da América, concedo de coração a minha Bênção Apostólica.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS VINDOS A ROMA


PARA A BEATIFICAÇÃO


26 de Outubro de 1998



Caríssimos Irmãos e Irmãs

1. Ontem celebrámos a solene beatificação de Zeferino Agostini, Antônio de Sant'Anna Galvão, Faustino Míguez e Teodora Guerin. Três sacerdotes e uma virgem, todos fundadores de comunidades de vida consagrada. É com suma alegria que hoje vos acolho, a vós que viestes de várias partes do mundo para participar neste evento festivo.

Saúdo cordialmente quantos vieram em peregrinação para a beatificação do Padre Zeferino Agostini, e dirijo um pensamento especial ao Bispo de Verona e aos outros Bispos aqui presentes. Desejo encorajar afectuosamente a Congregação das Ursulinas Filhas de Maria, que se alegram pela elevação do seu Fundador às honras dos altares.

Num ambiente repleto de dificuldades materiais e espirituais, na periferia da sua terra natal, Verona, o Padre Zeferino Agostini prodigalizou-se com todos os meios para favorecer o resgate humano e cristão das jovens gerações; promoveu iniciativas de carácter eclesial e social para ajudar os pobres e os menos afortunados, gerindo a escola da doutrina cristã com grande dedicação.

O seu zelo era sustentado pela oração assídua, especialmente diante do Santíssimo Sacramento. Do diálogo constante com Deus hauriu a energia para o seu intenso apostolado. Os seus ensinamentos e a sua vida inspirem quantos hoje o veneram como Beato.

2. É com viva satisfação que saúdo agora os numerosos peregrinos brasileiros que vieram a Roma para participar da solene beatificação do primeiro Beato nascido em solo brasileiro, Frei Antônio de Sant'Anna Galvão, também conhecido como Frei Galvão. Guaratinguetá, sua cidade natal, deve sentir-se muito feliz porque um seu filho subiu à honra dos altares. No lar do Beato Frei Galvão, a imagem de Santa Ana reunia sua família todas as noites para as orações, e foi dali que brotou aquela atenção pelos mais pobres, que acorriam à sua casa e que, anos mais tarde, atrairia milhares de pessoas aflitas, doentes e escravos, em busca de conforto e de luz, a ponto de ele ser conhecido como «o homem da paz e da caridade».

Vamos pedir a Deus que, com o exemplo do Beato Frei Galvão, a fiel observância de sua congregação religiosa e sacerdotal sirva de estímulo para um novo florescimento de vocações sacerdotais e religiosas, tão urgente na Terra da Santa Cruz. E que esta fé, acompanhada das obras de caridade que transformava o Beato Frei Galvão em doçura de Deus, aumente nos filhos de Deus aquela paz e justiça que só germinam em uma sociedade fraterna e reconciliada.

3. É-me grato receber hoje os peregrinos que, acompanhados pelos seus Bispos vieram a Roma da Galiza, berço do novo Beato Faustino Míguez, e das demais terras da Espanha, América Latina e África, onde as Filhas da Divina Pastora levam a cabo o ideal educativo do seu fundador.

O Padre Faustino, simples e observador, encontrou imediatamente o Deus amigo de Quem necessitava para forjar o coração dos jovens e mitigar o sofrimento dos enfermos. Filho exemplar da Escola Pia, todo o seu afã apostólico e educativo foi impelido pela pedagogia do amor. A humildade era a sua virtude predilecta. Na sua longa vida rejeitou todos os géneros de distinção, pois só desejava «viver escondido, para morrer ignorado». Forte na adversidade e firme na obediência, esperou contra toda a esperança, sabendo que do mal Deus haure o bem. Queridos irmãos e irmãs, o extraordinário testemunho deste consagrado constitui um convite a todos e de maneira especial às Religiosas Calasanzianas, a amarem profundamente a obra educativa como um irrenunciável serviço eclesial ao Evangelho e um bem para a sociedade.

4. Dilectos Irmãos e Irmãs, dou calorosas boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa, que aqui vieram para a beatificação da Madre Teodora Guerin. Em particular, torno extensiva uma singular saudação aos Bispos aqui presentes e às religiosas da Providência. A Madre Teodora exorta os homens e as mulheres de hoje a buscarem serenidade e conforto no coração de Jesus e a haurirem a força na oração. A sociedade contemporânea também precisa, em não menor medida, daquele género de dedicação, sabedoria e amor abnegado que irradia da sua vida e do seu trabalho. Encorajo-vos a honrá-la mediante a sua imitação. Através da intercessão da Beata Teodora Guerin, caminhai sempre na presença de Deus, buscai a sua vontade e suportai com coragem todas as provações que Ele permitir na vossa vida.

É com prazer que recebo os peregrinos de língua francesa, que vieram participar na cerimónia de beatificação da Madre Teodora Guerin. A Igreja que está na França e nos países francófonos se inspire na absoluta confiança que ela tinha na Providência, a fim de continuar a anunciar o Evangelho!

5. Saúdo-vos cordialmente, queridos peregrinos que quisestes vir a Roma por ocasião do décimo aniversário do «Motu Proprio» Ecclesia Dei,, para afirmar e renovar a vossa fé em Cristo, e a vossa fidelidade à Igreja. Caros amigos, a vossa presença junto do «Sucessor de Pedro, a quem compete em primeiro lugar vigiar pela unidade da Igreja» (Concílio Ecuménico Vaticano I, Constituição dogmática I Pastor aeternus), é particularmente significativa.

Para salvaguardar o tesouro que Jesus lhe confiou, orientada decididamente para o futuro, a Igreja tem o dever de reflectir de forma constante sobre o seu ligame com a Tradição, que nos advém do Senhor através dos Apóstolos, tal como ela foi constituída ao longo da história. Segundo o espírito de conversão da Carta Apostólica Tertio millennio adveniente (cf. nn. TMA 14 TMA 32 TMA 34 TMA 50), exorto todos os católicos a promoverem gestos de unidade e a renovarem a sua adesão à Igreja, a fim de que a legítima diversidade e as diferentes sensibilidades, dignas de respeito, não os separe uns dos outros, mas levem-nos a anunciar a integridade do Evangelho; assim, estimulados pelo Espírito que faz concorrer todos os carismas para a unidade, cada um de nós pode glorificar o Senhor e a salvação será proclamada a todas as nações.

Formulo votos por que os membros da Igreja continuem a ser os herdeiros da fé recebida dos Apóstolos, digna e fielmente celebrada nos santos mistérios, com fervor e beleza, a fim de receber a graça de maneira crescente (cf. Concílio Ecuménico de Trento, sessão VII, 3 de Março de 1547, Decreto sobre os sacramentos) e de viver uma relação íntima e profunda com a Santíssima Trindade. Confirmando o bem fundamentado da reforma litúrgica almejada pelo Concílio Vaticano II e posta em prática pelo Papa Paulo VI, a Igreja oferece também um sinal de compreensão a todos os que se sentem «vinculados a algumas precedentes formas litúrgicas e disciplinares» («Motu Proprio» Ecclesia Dei, 5 c). É nesta perspectiva que se deve ler e aplicar o «Motu Proprio» Ecclesia Dei, faço votos por que tudo seja vivido no espírito do Concílio Vaticano II, em plena harmonia com a Tradição, em vista da unidade na caridade e da fidelidade à Verdade.

É sob a «acção do Espírito Santo, que mantém e faz crescer na unidade da fé toda a grei de Cristo» (Concílio Vaticano II, Constituição dogmática Lumen gentium LG 25), que o Sucessor de Pedro e os Bispos, sucessores dos Apóstolos, ensinam o mistério cristão; de maneira muito particular, os Bispos reunidos em Concílios ecuménicos cum Petro et sub Petro confirmam e consolidam a doutrina da Igreja, herdeira fiel da Tradição já existente há cerca de vinte séculos como realidade viva que progride, dando um impulso novo ao conjunto da comunidade eclesial. Os últimos Concílios Ecuménicos - Trento, Vaticano I e Vaticano II - dedicaram-se de modo especial ao esclarecimento do mistério da fé e empreenderam reformas necessárias para o bem da Igreja, prestando atenção à continuidade da Tradição apostólica, já evidenciada por Santo Hipólito.

Portanto, compete em primeiro lugar aos Bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, exercer com determinação e caridade a guia do rebanho, a fim de que a fé católica seja salvaguardada em toda a parte (cf. Paulo VI, Exortação Apostólica Quiunque iam anni; cf. também Código de Direito Canónico, cân. 386) e dignamente celebrada. Efectivamente, segundo as fórmulas de Santo Inácio de Antioquia, «lá onde está o bispo, ali está também a Igreja» (Carta aos Esmirnionitas, VIII, 2). Convido ainda fraternamente os Bispos a dedicarem uma renovada compreensão e atenção pastoral aos fiéis vinculados ao rito antigo e, no limiar do Terceiro Milénio, a ajudarem todos os católicos a viverem a celebração dos santos mistérios com uma devoção que constitua um verdadeiro alimento para a sua vida espiritual e uma fonte de paz.

Caros Irmãos e Irmãs, ao confiar-vos à intercessão da Virgem Maria, modelo perfeito da sequela Christi e Mãe da Igreja, concedo-vos a Bênção Apostólica, bem como a todos aqueles que vos são queridos.

Saúdo cordialmente todos os peregrinos de expressão alemã que vieram a Roma, junto dos túmulos dos Príncipes dos Apóstolos, por ocasião do décimo aniversário do «Motu Proprio» Ecclesia Dei,. Concedo de coração, a vós e a todos os vossos entes queridos, a minha Bênção Apostólica.

Depois, dou calorosas boas-vindas aos peregrinos de língua inglesa que vieram venerar os túmulos dos Apóstolos por ocasião do décimo aniversário do «Motu Proprio» Ecclesia Dei,. Sobre vós e as vossas famílias, invoco as abundantes Bênçãos de Deus Todo-Poderoso.

6. Caríssimos Irmãos e Irmãs! Ao regressardes às vossas terras, levai às vossas famílias e paróquias a saudação do Papa, juntamente com a Bênção Apostólica, que concedo do íntimo do coração a cada um de vós e aos vossos entes queridos.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA


DA CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA






Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Tenho a alegria de vos dar as boas-vindas, por ocasião da Assembleia Plenária da Congregação para a Educação Católica, que teve início hoje e que vos verá empenhados nos próximos dias a aperfeiçoar algumas linhas gerais, a fim de orientar melhor a obra educativa da Igreja. Este encontro permite-me exprimir a minha gratidão a todos vós, que me coadjuvais no sector tão relevante para a vida da Igreja como é o da educação.

Agradeço ao Senhor Cardeal Pio Laghi as palavras que me dirigiu e as felicitações que teve a bondade de me apresentar, por ocasião do vigésimo aniversário da minha eleição à Cátedra de Pedro. Saúdo o novo Secretário, D. Giuseppe Pittau, e exprimo vivo apreço aos Oficiais da Congregação, pelo seu trabalho que às vezes parece ser árido e escondido mas que, ao contrário, é precioso para os Seminários, as Faculdades Eclesiásticas, as Universidades e as Escolas Católicas, os Centros vocacionais.

2. Todos nós estamos convictos da prioridade do empenho educativo da Igreja a todos os níveis. De igual modo, estamos conscientes das dificuldades deste empenho, que deve confrontar-se com o desenvolvimento tecnológico e as mudanças culturais actualmente em curso. A aplicação das novas tecnologias informáticas aos vários âmbitos da vida e da convivência civil, já provocou e há de provocar ainda mais mudanças notáveis nos processos de aprendizagem, de inter-relação e de maturação da personalidade. Há efeitos positivos, tais como a facilitação da comunicação, o enriquecimento do intercâmbio e da informação, a superação das fronteiras; não faltam, porém, consequências negativas, como a superficialidade, a falta de criatividade, a fragmentação.

Diante disto a Igreja é chamada a exercer a sua profecia, propondo um modelo de homem unificado e completo. São Paulo escreve na segunda Carta a Timóteo: «Toda a Escritura é divinamente inspirada e útil para ensinar, para convencer, para corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e apto para toda a boa obra» (cf. 3, 16). O desafio é o de formar pessoas completas, desenvolvidas de maneira harmónica em todas as suas faculdades e dimensões, pessoas capazes de se elevar com as duas asas da fé e da razão para a contemplação da verdade. Propor essa visão do homem e pôr em prática as relativas opções pedagógicas, não é fácil nem gratuito. Como ainda nos recorda São Paulo, «desejosos de ouvir novidades, os homens escolherão para si uma multidão de mestres, ao sabor das suas paixões, e hão-de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os às fábulas » (2Tm 4,5). Nós, porém, como Timóteo, somos chamados a vigiar com atenção para que o anúncio do Evangelho seja feito de maneira integral e possa conduzir os homens à salvação.

3. É-me grato ler, à luz de todos estes textos paulinos, o trabalho do vosso Dicastério e o programa destes dias de Assembleia Plenária. O grande empenho do Departamento dos Seminários é cuidar de uma formação integral dos candidatos ao sacerdócio, atenta à dimensão humana, espiritual, intelectual e pastoral.

Quanto a isto, constitui um elemento particularmente relevante a relação entre formação humana e formação espiritual. Competir-vos-á determinar os critérios para o uso das ciências humanas na admissão e formação dos candidatos ao sacerdócio. Considero útil que se recorra ao contributo destas ciências, para discernir e favorecer a maturidade no âmbito das virtudes humanas, da capacidade de relação com os outros, do crescimento afectivo-sexual, da educação para a liberdade e a consciência moral. Contudo, isto deve permanecer circunscrito nos limites das próprias competências específicas, sem sufocar o dom divino e a dimensão espiritual da vocação nem corroer o espaço do discernimento e do acompanhamento vocacional, que por sua natureza competem aos educadores do Seminário.

Outro elemento importante da formação integral refere-se à plena sintonia entre a proposta educativa em sentido estrito e a teológica, que incide em profundidade na mentalidade e na sensibilidade dos alunos e, portanto, deve estar coordenada com o projecto educativo global.

Recomendo portanto que se reflicta, onde for possível, sobre o ensinamento teológico em função da formação sacerdotal e se faça evoluir nesse sentido a ratio studiorum dos Seminários. Nesta tarefa muito têm a ensinar-nos os Padres da Igreja e os grandes teólogos santos, «non solum discentes sed et patientes divina» (Dionísio pseudo-areopagita, De divinis nominibus, II, 9: ), pessoas que conheceram o Mistério pela via do amor, «per quandam connaturalitatem », como diria S. Tomás de Aquino (S. Th . II-II, II-II 9,0 II-II 45,0, . II-II, 9. 45, a. 2) e que viveram intensamente o vínculo com as Igrejas em que estavam a trabalhar.

4. A perspectiva do homem unificado, completo, presta-se optimamente para integrar o esforço que o Departamento das Universidades dessa Congregação realiza para uma sempre maior qualificação das Faculdades e Universidades eclesiásticas e para um crescimento de consciência por parte das Universidades Católicas, no que se refere à sua identidade e missão.

A respeito disso, quereria recordar que com a proximidade do Ano 2000, avizinha-se o decénio da Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae, com a qual eu quis dar um sinal da minha particular solicitude pelas Universidades católicas. Sem dúvida, estas têm uma tarefa específica ao testemunharem a sensibilidade da Igreja pela promoção de um saber global, aberto a todas as dimensões humanas. Mas, com o passar dos anos, torna-se evidente como esta função específica da Universidade católica não pode ser realizada até ao fundo, sem uma adequada expressão da sua natureza eclesial, do seu vínculo com a Igreja, a nível tanto local como universal.

Um papel determinante quanto a isto é o dos Bispos, chamados a assumir em primeira pessoa a responsabilidade da identidade católica, que deve caracterizar estes Centros. Isto significa que, sem transcurar as exigências académicas requeridas a todas as Universidades, para serem acolhidas na comunidade internacional da pesquisa e do saber, os Bispos têm o papel de acompanhar e guiar os responsáveis pelas várias Universidades católicas, no exercício da sua missão como católicas e de modo particular na evangelização. Só assim elas poderão cumprir a sua vocação específica: levar os estudantes, mais do que a uma habilidade técnica ou a uma alta qualificação profissional, a uma plenitude humana e a uma disponibilidade ao testemunho evangélico na sociedade.

5. Na linha da formação do homem completo, está empenhado também o Departamento das Escolas do vosso Dicastério. Diante dos olhos de todos apresenta-se a dificuldade que o mundo escolar está a viver nestes anos. Nele se reflecte o caminho da humanidade, com as suas dificuldades, os seus limites, mas também com as suas esperanças e potencialidades. Basta considerar a atenção reservada à escola pelos Organismos internacionais, actividades dos governos e opinião pública.

No contexto histórico que estamos a viver, marcado por transformações profundas, a Igreja é chamada, na perspectiva que lhe é própria, a pôr à disposição o amplo património da sua tradição educativa, procurando responder às sempre novas exigências da evolução cultural da humanidade.

Encorajo, portanto, as Igrejas particulares e os Institutos religiosos responsáveis de instituições educativas a prosseguirem no investimento de pessoas e meios, numa época tão urgente e essencial para o futuro do mundo e da Igreja, como foi bem reafirmado na recente Carta circular «A escola católica no limiar do Terceiro Milénio».

6. O princípio dinâmico do homem unificado e completo de todas as dimensões que lhe são próprias, pode constituir o quadro de referência da actividade realizada pela Pontifícia Obra das Vocações. Isto pode ser cultivado facilmente, se se considera que só em torno do mistério da vocação podem convergir de maneira vital as várias componentes da existência humana.

A partir deste ponto de vista, a realidade hodierna não está isenta de motivos de preocupação. Muitos jovens, sem a percepção de si mesmos como chamados, se disperdem num oceano de informações, de estímulos desiguais e dados, experimentando uma espécie de nomadismo permanente e sem referências concretas.

Essa situação, muitas vezes fonte de temor em relação ao futuro e ao empenho definitivo, deve induzir a Pontifícia Obra a prosseguir com decisão pelo caminho empreendido, sustentando, através de iniciativas oportunas, aqueles que a vários níveis estão encarregados deste delicado aspecto da pastoral eclesial.

Confio estes temas, objecto de estudo durante a vossa Assembleia Plenária, à Virgem Santa, Mãe da Igreja e Sede da Sabedoria. A Ela confio o vosso trabalho quotidiano, caríssimos Membros e Oficiais da Congregação para a Educação Católica. Seja Nossa Senhora a guiar-vos e a acompanhar-vos no serviço ao Evangelho e à Sede Apostólica. Asseguro-vos que também eu sigo de perto e vos acompanho com a oração, e é-me grato conceder agora a vós e a todos os Seminários e Institutos de estudo uma especial Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1998