Discursos João Paulo II 1999

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS ALUNOS E PROFESSORES


DA UNIVERSIDADE DE ROMA «TOR VERGATA»


Quinta-feira, 29 de Abril de 1999



Senhor Reitor Magnífico
Ilustres Hóspedes e Professores
Gentil pessoal técnico-administrativo
Caríssimos Estudantes!

1. Sinto-me muito feliz por estar hoje convosco e agradeço ao Senhor a oportunidade que me oferece de realizar esta visita à vossa Universidade dos Estudos de Roma «Tor Vergata». Todas as vezes que tenho ocasião de me encontrar com o mundo universitário voltam-me à memória a minha experiência pessoal de estudante aqui em Roma e a actividade de professor nas Universidades de Lublim e de Cracóvia.

Por conseguinte, saúdo muito cordialmente cada um de vós, queridos Docentes, jovens estudantes e pessoal técnico-administrativo. Agradeço a todos os que me dirigiram palavras de boas-vindas: o Reitor Magífico, o Governador do Banco da Itália e a jovem estudante. Dirijo um deferente pensamento ao Cardeal Vigário, ao Ministro da Universidade e da Investigação científica, aos Reitores das Universidades romanas e às Autoridades religiosas e civis que desejaram estar presentes nesta significativa manifestação.

2. «Feliz o homem que se dedica à sabedoria» (Si 14,20). As palavras do Livro do Eclesiástico, que há pouco ouvimos, indicam a via-mestra ao longo da qual a Universidade se realiza como comunidade de professores e estudantes. O trabalho intelectual, animado por aquele gaudium de veritate de que Santo Agostinho fala com ardor nas Confissões (cf. X, 23), coloca no centro do compromisso especulativo a verdade do homem na sua integridade. A dimensão humanista, segundo a qual a pessoa é entendida como sujeito e fim, funda a função educativa e cultural da Universidade porque, como tive ocasião de afirmar na Sede da UNESCO, a 2 de Junho de 1980, «a tarefa primária e fundamental da cultura em geral e de todas as culturas é a "educação".» (cf. ed. port. de L'Osservatore Romano de 15/6/1980, pág. 13, n. 11).

Depois, o humanismo autêntico não torna o homem alheio a Deus ou seu antagonista. Ao contrário, abrindo-se ao mistério divino, o verdadeiro humanista encontra o espaço da própria liberdade, o estímulo de uma pesquisa que tem como limitações o verdadeiro, o belo e o bem, as características dum valor formativo ao serviço do progresso cultural autêntico.

Os Congressos científicos, alguns deles promovidos também pela vossa Universidade, que em vista do Jubileu foram programados sobre o tema «A universidade para um novo humanismo», correspondem bem a esta perspectiva. Desejo de coração que eles sejam ocasiões propícias de aprofundamento científico e, ao mesmo tempo, de diálogo e de confronto entre professores e estudantes sobre estes temas de grande interesse humano e espiritual. Situa-se nesta perspectiva o Jubileu dos Docentes Universitários, para cuja preparação se está a trabalhar com empenho. A celebração do Grande Jubileu, que neste campus universitário verá alguns dos seus acontecimentos mais significativos, entre os quais me apraz mencionar o Dia Mundial da Juventude, que será realizado não muito distante deste Ateneu, constituirá uma ocasião única para renovar profundamente as perspectivas da investigação em todos os âmbitos do saber humano.

3. «Feliz o homem que se dedica à sabedoria». O autor sagrado indica a sabedoria e a inteligência como dons de Deus e conquistas constantes do homem. O vasto campo da cultura é um terreno fecundo de confronto, de atenção à pessoa e às exigências do bem comum. É escola de acção missionária e evangelizadora.

A este ponto, não se pode deixar de pensar na Missão da Cidade nos ambientes, na qual está empenhada toda a Diocese de Roma. Estou ao corrente de que, no contexto desta importante iniciativa pastoral, tiveram lugar na vossa Universidade numerosos encontros de catequese e de reflexão cultural. Também tenho conhecimento de que estais a trabalhar com grande generosidade para o relançamento da pastoral universitária, considerando-a caminho privilegiado do projecto cultural cristãmente orientado, ao qual a Igreja italiana está, desde há alguns anos, a dedicar a sua atenção.

Nesta perspectiva, a capelania universitária, dedicada à cura espiritual das pessoas individualmente e em grupo, assume a fisionomia apropriada de centro pastoral: tarefa que exige uma colaboração estreita e activa entre as componentes culturais da comunidade universitária e as diversas experiências dos grupos eclesiais presentes na Universidade.

Símbolo e centro desta vossa acção pastoral é a Capela, que está a ser construída no coração do campus universitário e que quisestes dedicar a S. Tomás de Aquino. Com a sua inteligência aberta e o seu interesse apaixonado pela verdade, este Santo soube captar «a harmonia que existe entre razão e fé» (Fides et ratio FR 43). «O homem que abre positivamente a sua vontade à fé – escreve ele – ama a verdade que crê: aprofunda-a na sua mente, abraça-a e procura razões válidas para este seu acto» (Summa Theologica, II-II, q. 2, a. 10). Não se trata de fundar a fé sobre a razão, ou de sobrepor uma à outra, mas de iluminar a razão com a luz da fé. Desta luz tem necessidade também a cultura universitária.

4. Estou grato a quantos encorajaram e apoiaram a iniciativa de edificar esta Capela, situada entre os edifícios universitários como uma lâmpada acesa, que «brilha para todos os que estão em casa» (Mt 5,15).

Como recordei no ano passado aos Capelães universitários da Europa, a Capela – qualquer Capela universitária – é o lugar do espírito, onde se detêm em oração e encontram alimento e apoio os crentes, que vivem com diversas modalidades a vida intensa da Universidade. É escola de virtudes cristãs, onde cresce e se desenvolve a vida baptismal, e se exprime com fervor apostólico. É uma casa confortável e aberta para todos os que, ouvindo o Mestre interior, se tornam verdadeiros pesquisadores e servem o homem, na dedicação diuturna a um saber que não se acontenta de horizontes limitados e pragmáticos.

A vossa Capela está chamada a ser um centro propulsor de animação cristã da cultura. Por conseguinte, abençoarei daqui a pouco com profundo prazer o cálice, o sino e a estátua de Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos, que se destinam a ela. Além disso, agradeço-vos a doação das duas ambulâncias para a missão humanitária em favor dos refugiados do Kossovo. À solidariedade concreta por vós manifestada em relação a quantos sofrem as consequências do doloroso conflito, une-se o mais sentido desejo de que a guerra termine quanto antes e o conflito das armas ceda o lugar ao diálogo e à paz. Confio estes votos também à vossa oração.

Por fim, desejaria retomar como recordação deste nosso encontro o convite de S. Tomás que escutámos: «Se procuras onde ir, segue Cristo, porque Ele é a verdade... Se procuras onde parar, está com Cristo, porque Ele é a vida... Portanto, segue Cristo se queres ser firme. Não poderás perder-te, porque Ele é o caminho».

Seja assim para cada um de vós, que confio à materna protecção de Maria, Sede da Sabedoria.

Abençoo todos vós de coração.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


ÀS IRMÃS DA CARIDADE DAS SANTAS


BARTOLOMEIA CAPITANIO E VINCENZA GEROSA


"IRMÃS DE MARIA MENINA"


Sexta-feira, 30 de Abril de 1999



Caríssimas Irmãs

1. Sede bem-vindas! Dirijo a cada uma de vós a minha cordial saudação, que de bom grado faço extensiva a todas as Irmãs do vosso Instituto das Irmãs da caridade das Santas Bartolomeia Capitanio e Vincenza Gerosa.

Obrigado pela visita! Por ocasião do vosso 24º Capítulo Geral, quisestes encontrar-vos com o Papa para renovar a confirmação da vossa fidelidade à Sé Apostólica e ser confirmadas na fé e na total consagração ao Senhor. Durante estes dias de oração e de reflexão, estais a dedicar-vos ao aprofundamento do vosso específico carisma de caridade para o bem do próximo, procurando discernir os modos mais idóneos para o viver no actual contexto sociocultural. Nesta perspectiva, à luz dos ensinamentos da Igreja, quereis evidenciar melhor a vossa identidade e, interpretando os «sinais dos tempos», preparais-vos para enfrentar os desafios que a sociedade contemporânea vos apresenta no limiar do Terceiro Milénio cristão.

Permanecei fiéis à intuição das vossas santas Fundadoras! Desta forma, podereis encarnar nas mudadas condições históricas e sociais o vosso carisma típico que, durante a Assembleia capitular, não deixareis de aprofundar e esclarecer ulteriormente.

2. Nascestes na Igreja, como diz a vossa Regra de Vida, para exprimir aos homens o amor de Deus no exercício das obras de misericórdia. Trata-se duma particular forma de apostolado que vos leva a reconhecer nos irmãos, sobretudo nos mais pobres, abandonados e desorientados, o próprio rosto de Cristo sofredor.

Neste nosso tempo, assinalado pelo contraste entre a opulência de uma parte da humanidade e as condições miseráveis de uma grande multidão de indigentes, com frequência reduzidos à fome com a indiferença de muitos, é necessário um suplemento de amor que desperte as consciências e induza as pessoas de boa vontade a abrir-se às exigências da justiça e da solidariedade. Neste contexto de improrrogável urgência, sede mensageiras e testemunhas do Evangelho da caridade com as palavras, o comportamento e a própria vida. Reacendei a esperança e a coragem nas pessoas das quais vos aproximais, anunciando-lhes a ternura de Deus, que nunca abandona os seus filhos.

Contudo, para que este testemunho seja autêntico e duradouro, precisa de se regenerar continuamente nas fontes da Graça. É necessário ouvir a palavra de Deus e transformá-la em vida concreta. O contacto quotidiano com Deus na oração anime o vosso serviço, para que tudo o que fazeis seja para a glória do Senhor e para o bem das almas.

3. As santas Bartolomeia Capitanio e Vincenza Gerosa, perante as expectativas do seu tempo, sentiram a irresistível chamada «daquela abençoada caridade». Viram Cristo nos pobres e indicaram-lh'O como resposta total às suas necessidades mais profundas. O seu exemplo é para vós um constante ensinamento, que vos encoraja a prosseguir a mesma acção, válida tanto naquele tempo como hoje, porque tende a anunciar e a testemunhar Cristo, Redentor do homem e de todos os homens. Encarnai esta mensagem com o vosso serviço quotidiano.

Diante de vós tendes como modelo Jesus que «tem compaixão da multidão» (cf. Mc Mc 8,2). Na sua escola dilatem no vosso espírito os espaços da caridade, para que possais alcançar o maior número possível de pessoas. A este propósito, alegro-me convosco porque a vossa Família religiosa, nestes últimos anos, não obstante a escassez das forças, incrementou a acção missionária em muitas Nações, sobretudo da África. Esta corajosa iniciativa é o sinal que a fecundidade da caridade não se mede no florescimento numérico, mas em reavivar constantemente a alegria da consagração religiosa, abrindo de maneira generosa o coração às necessidades dos irmãos.

4. Queridas Irmãs, prossegui este caminho, deixando que o Espírito Santo, o agente principal da nova evangelização (cf. Tertio millennio adveniente, TMA 45), continue a efundir os seus dons de graça sobre toda a vossa Congregação. Acompanho estes votos com a certeza da minha oração.

A Virgem Santa, que venerais como Maria Menina, oriente as reflexões e as decisões do Capítulo geral e ampare todas as que são chamadas a assumir a empenhativa responsabilidade de guiar a vossa Família durante o próximo sexénio. Para todas vós imploro uma abundante efusão dos dons do Espírito, para que a renovação do Instituto seja fonte de conforto e de esperança para tantos homens e mulheres. Vos sirva de conforto na vossa missão evangelizadora e na busca de santidade também a Bênção apostólica, que vos concedo de coração, fazendo-a extensiva a todas as Irmãs e a quantos são objecto dos vossos quotidianos cuidados apostólicos.



                                                                            Maio de 1998

MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


AO PRIOR DA BASÍLICA PAROQUIAL


DOS SANTOS SILVESTRE E MARTINHO NOS MONTES


PELOS 700 ANOS DA BULA "OBLATA NOBIS"




Ao Reverendíssimo Padre UBALDO PANI,
O. Carm. Prior da Basílica Paroquial
dos Santos Silvestre e Martinho nos Montes

1. Completam-se setecentos anos desde que o meu Predecessor Bonifácio VIII, com a bula Oblata Nobis de 1 de Maio de 1299, doou a Basílica dos Santos Silvestre e Martinho nos Montes, em Roma, aos Irmãos da Bem-aventurada Virgem do Monte Carmelo. Essa Família religiosa, juntamente com a Comunidade paroquial, comemora esse fausto aniversário que, por uma providencial coincidência, ocorre no ano dedicado a Deus Pai, no caminho de preparação imediata para o evento jubilar. Parece significativa a celebração deste centenário no limiar do Grande Jubileu do Ano 2000, uma vez que a Basílica foi doada a essa Ordem religiosa quando se aproximava o primeiro Jubileu da história, celebrado precisamente em 1300.

Recordando-me sempre do acolhimento caloroso que me foi reservado por ocasião da Visita pastoral, no dia 17 de Fevereiro de 1980, é-me grato dirigir- lhe, Rev.mo Padre Prior, à Comunidade dos Padres Carmelitas e a todos os Paroquianos a minha saudação de felicitações, enquanto de bom grado me uno ao comum hino de louvor e reconhecimento ao Senhor por esta jubilosa comemoração.

O Papa Bonifácio VIII confiou a Basílica, da qual tinha sido titular, à vossa Ordem, com o dúplice objectivo do cuidado pastoral dos fiéis e para que servisse como casa de estudos teológicos para aqueles que iniciavam a vida no Carmelo. É-me grato constatar que ao longo dos séculos os Religiosos permaneceram fiéis à missão que lhes foi confiada, oferecendo um significativo serviço à causa do Evangelho.

2. Ao dirigir o olhar para a história da vossa Basílica, não posso deixar de recordar que ela, como um cofre precioso, conserva em si o Titulus Equitii, ligado ao nome de São Silvestre, o Papa da «paz constantiniana»: trata-se de um título entre os mais antigos conservados em Roma. Pela sua posição junto da Basílica de Santa Maria Maior e da Domus Aurea, ela tornou-se meta, através dos séculos, de contínuas peregrinações e fonte de conforto para a piedade de inúmeros fiéis.

Penso aqui na presença significativa de Eminentes Cardeais titulares, como Sérgio II que reconstruiu a Basílica; São Carlos Borromeu; o teatino São José Maria Tomasi; o Papa Pio XI; o Beato Alfredo Idelfonso Schuster, beneditino; e o Servo de Deus Paulo VI. Por especial devoção ligados a esta Basílica foram também São José Benedito Labre, fervoroso devoto da Virgem do Carmo, São Gaspar de Búfalo, fundador dos Missionários do Preciosíssimo Sangue, que ali foi baptizado. E ainda, os Sumos Pontífices Adriano VI, Inocêncio X e Pio VII.

3. A feliz comemoração, que celebrais neste ano, constitui um convite a redescobrir em profundidade o vosso carisma. Nos sete séculos de vida, a Comunidade deste vosso Convento experimentou como a divina Providência guiou os Religiosos que nele viveram, e quantos ali se detiveram em devota oração, para uma autêntica vida ascética e espiritual. Entre tantos, basta referir figuras excelsas de carmelitas como, por exemplo, os Priores-Gerais Nicolò Audet, que participou no Concílio de Trento; João Baptista Rossi, cujo exemplo de vida era admirado por Santa Teresa de Jesus; João António Filippini, que restaurou a Basílica levando-a ao seu actual esplendor; e Paulo de Santo Inácio, que se esforçou pela reforma religiosa no interior da Ordem. Ao lado da Basílica teve a sua sede a própria Cúria geral dos Carmelitas e a ela está ligada a primeira Confraria do Carmo, organizada de modo canónico e que se difundiu, em seguida, no mundo inteiro.

Como não recordar, depois, aquele humilde frade, o ven. Angelo Paoli, «pai dos pobres» e «apóstolo de Roma», que podemos definir o fundador ante litteram da «Cáritas» no bairro Montes? Foi ele o primeiro a colocar a Cruz no Coliseu dando ali, assim, início ao piedoso exercício da Via Crucis, à qual na Sexta-Feira Santa também eu, todos os anos, tenho a honra de presidir ao lado daquele monumento rico de história e de antigos vestígios. A estas almas eleitas deve-se unir a inumerável plêiade de gente simples, que todos os dias se ajoelha aos pés da Virgem do Carmelo, para lhe implorar a protecção materna.

4. Além disso, notei com alegria que, seguindo os ensinamentos do Santo Bispo Martinho de Tours defensor dos pobres, ao qual essa Basílica é dedicada, grande é a vossa atenção para com os necessitados. Exemplo concreto deste vosso empenho caritativo é o Centro docce para os pobres do bairro, dirigido em colaboração com os voluntários vicentinos.

Essa caridade é acompanhada por um incessante esforço formativo, caracterizado pelas múltiplas iniciativas de catequese e pelo louvável empenho da lectio divina. Alegro-me convosco pela celebração ferial da Palavra de Deus, que se realiza também nos ambientes da paróquia, pondo em prática as indicações sugeridas pela Missão da cidade. Além disso, tenho conhecimento de tantas outras iniciativas no âmbito litúrgico, nas quais tornais partícipe a comunidade paroquial. Dentre estas, recordo a solene celebração da Statio ad Beatam Virginem Mariam, uma das expressões mais significativas da vossa típica tradição mariana.

5. Os ardentes votos, que formulo de coração, são por que o VII centenário da vossa presença nesta Basílica e Convento dos Santos Silvestre e Martinho nos Montes, seja não só ocasião de lembranças, mas «memória» que contribua para tornar sempre mais viva a vossa presença. Formulo, portanto, ardentes votos de felicitações antes de tudo para a Comunidade religiosa, que vive no convento adjacente à Basílica, onde têm sede o governo provincial da Província italiana e o Instituto São Pedro Tomás, com estudantes professos italianos, romenos e colombianos.

Espero que a celebração centenária estimule todos os Membros da Ordem Carmelitana a prosseguir com renovado zelo na via-mestra da santidade e da fidelidade ao carisma originário. Como escrevi na Exortação pós-sinodal Vita consecrata, os Religiosos têm «não apenas uma história gloriosa para narrar, mas uma grande história a construir!» (n. 110). Exorto, portanto, também vós a olhardes para o futuro, «para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes coisas» (ibid.).

A Virgem Maria, Mãe e Irmã do Carmelo, envolva com o seu manto toda a vossa comunidade, religiosa e paroquial, tal como ternamente abraça o seu Filho Divino na preciosa tela quinhentista, que se venera na Basílica. Seja ela quem guia todas as vossas actividades e vos sirva de conforto nos momentos de provação e da dificuldade. Proteja-vos sempre e obtenha para todos o dom da fiel adesão a Cristo.

Com estes sentimentos, concedo-lhe, Rev.mo Padre, uma especial Bênção Apostólica, assim como à inteira Comunidade religiosa e a quantos frequentam a Basílica.

Vaticano, 1 de Maio de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II


MENSAGEM DO PAPA JOÃO PAULO II


POR OCASIÃO DO XXX ANIVERSÁRIO


DE FUNDAÇÃO DA FEDERAÇÃO BÍBLICA CATÓLICA




A D. Wilhelm Egger
Presidente da Federação Bíblica Católica

Saúdo-vos no amor do Senhor Jesus, membros da Comissão Executiva, da Directoria administrativa e Coordenadores sub-regionais da Federação Bíblica Católica, no momento em que vos reunis em Roma para celebrar o XXX aniversário da mesma Federação. Esta constitui uma oportunidade para dar graças a Deus por tudo aquilo que a Federação tem realizado em vista de concretizar a visão do Concílio Vaticano II, segundo a qual «é necessário que os fiéis tenham amplo acesso à Sagrada Escritura» (Dei Verbum DV 22).

Efectivamente, um dos inúmeros frutos do Concílio tem sido o crescente conhecimento e amor à Bíblia por parte dos fiéis católicos, o que proporcionou um sentido mais profundo da presença divina na sua vida. A minha ardente esperança é de que Vossa Excelência e os seus colegas continueis a fazer o possível para assegurar que as riquezas inexauríveis da palavra de Deus se tornem cada vez mais acessíveis aos fiéis cristãos, de forma a fazer com que eles sejam melhor preparados para os desafios que comprometem a sua fé.

Há trinta anos, ao receber os membros fundadores desta Federação, o Papa Paulo VI explicou claramente que os Bispos têm a responsabilidade primordial de ajudar os fiéis a alcançar uma sólida compreensão das Escrituras. Além disso, salientou que é bom e necessário que organismos como o vosso procurem ajudar os Bispos nesta tarefa. Aquilo que o meu venerável Predecessor disse nessa ocasião não é menos verdadeiro hoje.

Sem uma sólida compreensão da Escritura, não haverá aquela plenitude de oração cristã que tem início com a experiência da escuta da palavra de Deus. Nem existirá aquela poderosa pregação cristã que deriva da experiência da escuta da palavra de Deus e abre o ouvido dos fiéis, a fim de que escutem aquilo que o próprio pregador foi o primeiro a ouvir. Nem sequer poderá haver uma teologia cristã que anuncie a grande verdade da palavra de Deus, ao invés das incertezas da opinião humana. Ao ajudar os Bispos a indicar o caminho da oração verdadeiramente bíblica, da pregação e da teologia, a Federação não se encontra à margem da vida pastoral da Igreja, mas precisamente no seu cerne; e este é um motivo de grande gratidão.

Encorajo-vos também a dar continuidade à promoção do diálogo ecuménico, que se torna possível quando se estuda e compartilha a Escritura com pessoas que pertencem a diferentes filiações religiosas. Hoje em dia é vital que todos os cristãos explorem mais profundamente os comuns recursos da Bíblia, na busca da unidade que o Senhor claramente deseja e da qual o mundo tem necessidade urgente para poder acreditar.

Confiando-vos a Maria, Mãe do Verbo que Se fez homem, e invocando sobre a Federação a vigorosa abundância dos dons do Espírito Santo que sopra através dos textos sagrados, concedo-vos de coração a minha Bênção Apostólica.

Vaticano, 1 de Maio de 1999.

PAPA JOÃO PAULO II




DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


AOS PEREGRINOS PARA O ACTO DE AGRADECIMENTO


PELA BEATIFICAÇÃO DO PADRE PIO DE PIETRELCINA


Segunda-feira, 3 de Maio de 1999



Caríssimos Irmãos e Irmãs!

1. Com grande alegria encontro-me de novo convosco nesta Praça, que ontem viu realizar-se um evento por vós tão esperado: a beatificação do Padre Pio de Pietrelcina. Hoje, é o dia da acção de graças.

Há pouco concluiu-se a solene celebração eucarística, presidida pelo Cardeal Angelo Sodano, meu Secretário de Estado. A ele dirijo uma cordial saudação, estendendo-a a todos os Cardeais e Bispos, assim como aos numerosos sacerdotes e aos fiéis presentes. Com afecto especial vos abraço, caros Frades Capuchinhos, e demais membros da grande Família franciscana, que louvais o Senhor pelas maravilhas por Ele operadas no humilde Frade de Pietrelcina, seguidor exemplar do Pobrezinho de Assis.

Muitos de vós, caros peregrinos, são membros dos grupos de oração fundados pelo Padre Pio: saúdo-vos com afecto juntamente com todos os fiéis que, movidos pela devoção para com o novo Beato, quiseram estar presentes nesta jubilosa circunstância. Por fim, desejo dirigir uma saudação particular a cada um de vós, queridos doentes, que fostes os predilectos no coração e na acção do Padre Pio: obrigado pela vossa preciosa presença!

2. A divina Providência quis que o Padre Pio fosse proclamado Beato na vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, quando se conclui um século dramático. Qual é a mensagem que, com este evento de grande importância espiritual, o Senhor quer oferecer aos fiéis e à inteira humanidade?

O testemunho do Padre Pio, legível na sua vida e na sua própria pessoa física, leva-nos a considerar que esta mensagem coincide com o conteúdo essencial do Jubileu, já próximo: Jesus Cristo é o único Salvador do mundo. N'Ele, na plenitude dos tempos, a misericórdia de Deus fez-se carne, para dar a salvação à humanidade, ferida mortalmente pelo pecado. «Pelas Suas chagas fostes curados» (1P 2,24), repete a todos o Beato Padre, com as palavras do apóstolo Pedro, ele, que teve aquelas chagas impressas no seu corpo.

Em sessenta anos de vida religiosa, transcorridos quase todos em San Giovanni Rotondo, ele dedicou-se inteiramente à oração e ao ministério da reconciliação e da direcção espiritual. O Servo de Deus Papa Paulo VI ressaltou-o muito bem: «Vede que fama teve o Padre Pio!... Mas por quê? ... Porque celebrava a Missa de maneira humilde, atendia às confissões desde a manhã até à noite, e era representante impresso dos estigmas de Nosso Senhor. Era um homem de oração e de sofrimento» (20 de Fevereiro de 1971).

Inteiramente recolhido em Deus, levando sempre no seu corpo a paixão de Jesus, ele foi pão partido para os homens famintos do perdão de Deus Pai. Os seus estigmas, como os de Francisco de Assis, eram obra e sinal da misericórdia divina, que mediante a Cruz de Cristo remiu o mundo. Aquelas feridas abertas e sangrentas falavam do amor de Deus por todos, especialmente pelos doentes no corpo e no espírito.

3. E que dizer da sua vida, incessante combate espiritual sustentado com as armas da oração, centrada nos quotidianos sagrados gestos da Confissão e da Missa? A Santa Missa era o centro de toda a sua jornada, a preocupação quase ansiosa de todas as horas, o momento de maior comunhão com Jesus, Sacerdote e Vítima. Sentia-se chamado a participar na agonia de Cristo, agonia que continua até ao fim do mundo.

Caríssimos, neste nosso tempo, em que ainda se tem a ilusão de resolver os conflitos com a violência e a prepotência, e se cede não raro à tentação de abusar da força das armas, o Padre Pio repete aquilo que certa vez ele disse: «Que horror a guerra! Em cada homem atingido na carne está Jesus que sofre». Depois, não deve passar despercebido o facto que as suas duas obras – a «Casa Alívio do Sofrimento» e os Grupos de oração – foram por ele concebidas no ano de 1940, quando na Europa se delineava a catástrofe da segunda guerra mundial. Ele não ficou inerte, mas, do seu convento perdido no Gargano, respondeu com a oração e com as obras de misericórdia, com a caridade para com Deus e para com o próximo. E hoje, do Céu, ele repete a todos que este é o autêntico caminho da paz.

4. Os Grupos de Oração e a «Casa Alívio do Sofrimento»: eis dois «dons» significativos que o Padre Pio nos deixou. Ideada e querida por ele como hospital para os doentes pobres, a «Casa Alívio do Sofrimento» foi projectada, desde o início, como estrutura sanitária aberta a todos, mas não por isso menos aparelhada que os outros hospitais. O Padre Pio a quis, pelo contrário, dotada dos mais avançados instrumentos científicos e tecnológicos, para que fosse lugar de autêntico acolhimento, de amoroso respeito e de eficaz terapia para toda a pessoa que sofre. Não é talvez este um verdadeiro milagre da Providência, que continua e se desenvolve, seguindo o espírito do Fundador?

Depois, quanto aos Grupos de oração, foram queridos por ele como faróis de luz e amor no mundo. Desejava que muitas almas se associassem a ele na oração: «Orai – dizia – orai ao Senhor comigo, porque o mundo inteiro precisa de orações. E cada dia, quando o vosso coração sentir mais a solidão da vida, orai, orai juntamente com o Senhor, porque também Deus tem necessidade das nossas orações!». A sua intenção era criar um exército de pessoas que rezassem, de pessoas que fossem «fermento» no mundo com a força da oração. E hoje a Igreja inteira é-lhe grata por esta preciosa herança, admira a santidade deste seu filho e convida todos a seguir o seu exemplo.

5. Caríssimos Irmãos e Irmãs, o testemunho do Padre Pio constitui uma poderosa evocação da dimensão sobrenatural, que não deve ser confundida com a crendice de milagres, desvio que sempre foi rejeitado por ele. Para ele olhem, de modo especial, os sacerdotes e as pessoas consagradas.

Ele ensina os sacerdotes a fazerem-se instrumentos dóceis e generosos da graça divina, que cura as pessoas na raiz dos seus males, restituindo-lhes a paz do coração. O altar e o confessionário foram os dois pólos da sua vida: a intensidade carismática com que celebrava os divinos Mistérios é mais do que nunca testemunho salutar, para demover os presbíteros da tentação da rotina e os ajudar a redescobrir, dia após dia, o inexaurível tesouro de renovação espiritual, moral e social posto nas suas mãos.

Aos consagrados, de modo especial à Família franciscana, ele oferece um testemunho de singular fidelidade. Francisco era o seu nome de baptismo, e do Seráfico Pai, desde o seu ingresso no convento, ele foi um digno seguidor, na pobreza, na castidade e na obediência. Praticou com todo o seu rigor a regra capuchinha, abraçando com generosidade a vida de penitência. Não se comprazia com o sofrimento, mas escolheu-o como via de expiação e de purificação. Como o Pobrezinho de Assis, teve como objectivo a conformidade com Jesus Cristo, desejando apenas «amar e sofrer», para ajudar o Senhor na fadigosa e exigente obra da salvação. Na obediência «firme, constante e férrea» (Epist. I, 488), o seu amor incondicionado a Deus e à Igreja encontrou a mais alta expressão.

Que consolação sentir ao nosso lado o Padre Pio, que quis ser simplesmente «um pobre frade que ora»: irmão de Cristo, irmão de Francisco, irmão de quem sofre, irmão de cada um de nós. Possa a sua ajuda guiar-nos pelo caminho do Evangelho e tornar-nos sempre mais generosos no seguimento de Cristo!

Obtenha-nos isto a Virgem Maria, que ele amou e fez com que fosse amada com profunda devoção. Obtenha-nos isto a sua intercessão, que invocamos com confiança.

Acompanho estes bons votos com a Bênção Apostólica, que de coração vos concedo, a vós caros peregrinos aqui presentes, e a quantos se uniram espiritualmente a este encontro festivo.



DISCURSO DO PAPA JOÃO PAULO II


NO ENCONTRO COM OS BISPOS


DA PROVÍNCIA DE ONTÁRIO (CANADÁ)


EM VISITA "AD LIMINA APOSTOLORUM"


Terça-feira, 4 de Maio de 1999



Estimados Irmãos Bispos

1. Saúdo-vos na gloriosa esperança da Páscoa, Bispos de Ontário, enquanto rejubilo convosco pelo facto de que a promessa pascal «não engana, pois o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,5). Rezo para que, durante este dias da vossa visita ad limina Apostolorum, o Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos estimule vigorosamente os vossos corações, de maneira que possais experimentar de novo a sua paz e alegria na «função sagrada de anunciar o Evangelho de Deus» (Rm 15,16). Provindes de cidades pequenas e grandes, dos vastos espaços rurais do Canadá, das culturas anglófonas e igualmente francófonas, bem como das Igrejas do Oriente e do Ocidente. Contudo, viestes aos túmulos dos Apóstolos unidos como irmãos na comunhão hierárquica, como Pastores que trazem consigo as alegrias e esperanças, as tristezas e preocupações do Povo de Deus que Cristo vos chamou a servir. O ministério dos Bispos é complexo e exigente, e por vezes as suas inumeráveis pressões podem obscurecer a nossa visão daquilo que Cristo nos chama a ser e a realizar. Estes momentos em Roma constituem um tempo que o Senhor vos concede para poderdes deter-vos um pouco e concentrardes a vossa atenção uma vez mais naquilo que é realmente importante, a fim de reconsiderardes o vosso ministério à luz do amor do Senhor pela sua Igreja e planificardes o futuro com coragem e confiança sempre maiores.

Este é um momento de grande desafio para a comunidade católica, mas constitui inclusivamente um tempo de graça abundante; e nós, que guiamos o povo de Deus na sua peregrinação, não ousamos subestimar a dádiva que agora está a ser oferecida. Encontramo-nos no limiar de um novo milénio, num tempo de profundas transformações culturais que, assim como o milénio que se aproxima do seu termo, está repleto de ambiguidades. Todavia, no meio das complexidades e das contradições, toda a Igreja está a preparar-se para celebrar o Grande Jubileu do bimilenário do nascimento do Salvador, persuadida de que a misericórdia de Deus realizará grandes obras em nosso benefício (cf. Lc Lc 1,49). Existem sinais de que Cristo, a plenitude da misericórdia de Deus, está a manifestar-se de maneiras novas e maravilhosas. A Igreja é julgada como em outros significativos momentos da sua história; e será julgada com base no facto se conseguir ou não reconhecer e corresponder às exigências desta «hora de graça». Nós Bispos seremos julgados mais do que as outras pessoas: «O que se espera dos administradores é que sejam dignos de confiança» (1Co 4,2).

2. A memória da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América ainda está viva na minha mente: e como poderia ser de outra forma, diante de tão profunda experiência de comunhão episcopal, na «preocupação... por todas as Igrejas» (2Co 11,28)? Da Cidade do México, a Exortação Apostólica Ecclesia in America chegou até vós e aos sacerdotes, religiosos e fiéis leigos das vossas Dioceses, como um sincero convite a comprometer-vos na «nova evangelização». A Exortação apostólica contém inumeráveis elementos para a reflexão e a acção; hoje desejo considerar convosco apenas um deles. A Exortação observa que «evangelizar a cultura urbana constitui um formidável desafio para a Igreja que, assim como durante séculos soube evangelizar a cultura rural, da mesma forma também hoje é chamada a levar a cabo uma evangelização urbana metódica e capilar» (n. 21). Aquilo a que os Padres sinodais exortaram não é senão a evangelização que descrevi como «nova no seu entusiasmo, nos seus métodos e na sua expressão» (Discurso à Assembleia do CELAM, 9 de Março de 1983, III; ed. port. de L'Osservatore Romano de 20.3.1983, pág. 15); e esta evangelização é sem dúvida necessária no alvorecer do terceiro milénio cristão, de forma especial nos grandes centros urbanos, onde actualmente vive uma crescente percentagem da população. Como os Padres sinodais observaram, no passado a Igreja na Europa e alhures conseguiu evangelizar a cultura rural, mas isto já não é suficiente. Actualmente apresenta-se uma grande e nova tarefa, e é impensável deixarmos de evangelizar as cidades. «Quem vos chamou é fiel e realizará tudo isto» (1Th 5,24).

3. O fenómeno das megalópoles existe desde há muito tempo, e a Igreja não hesitou em considerar o melhor modo de reagir. Na sua Carta Apostólica de 1971, Octogesima adveniens, o Papa Paulo VI observou que a urbanização, como enorme desafio para a sabedoria, a imaginação e os poderes humanos de organização, é crescente e irreversível (cf. n. 10). Ele pôs em evidência o modo como a urbanização numa sociedade industrial altera os tradicionais estilos e estruturas de vida, suscitando no homem «uma nova forma de solidão... no meio da multidão anónima... onde ele se sente como um estranho» (Ibidem). A urbanização cria também aquilo a que o Papa chama de «novos proletariados» nas periferias das grandes cidades, «molduras de miséria que começam a importunar, numa forma de protesto ainda silencioso, o luxo demasiado gritante das cidades do consumo e do esbanjamento» (Ibidem). Nasce uma cultura de discriminação e indiferença, «que se presta para novas formas de exploração e de domínio» (Ibidem), que debilitam profundamente a dignidade humana. Esta não é toda a verdade acerca das modernas megalópoles, mas constitui uma sua parte crucial e apresenta à Igreja, de modo especial aos seus pastores, um desafio premente e inderrogável. É verdade que a urbanização oferece novas oportunidades, cria outras formas de comunidade, estimula inumeráveis modos de solidariedade, mas na «luta contra o pecado» (cf. Hb He 12,4) é com frequência o lado obscuro da urbanização que ocupa a vossa imediata atenção pastoral.

A partir de 1971, na medida em que o processo de urbanização continuava a crescer, a verdade das observações feitas pelo Papa Paulo VI tornavam-se mais claras. Os Padres sinodais observaram que na maioria das vezes o movimento das pessoas rumo às cidades é causado pela pobreza, pela falta de oportunidades e pelos serviços insuficientes nas áreas rurais (cf. Ecclesia in America ). A atracção aumenta cada vez mais porque as cidades apresentam promessas de trabalho e de lazer, e aparentemente são uma resposta à pobreza e ao tédio, mas na realidade geram novas formas de ambos.

Para muitas pessoas, especialmente para os jovens, a cidade torna-se uma experiência de erradicação, de anonimato e de desigualdade, com a consequente perda da identidade e do sentido da dignidade humana. O resultado é com frequência a violência que hoje em dia caracteriza um vasto número de grandes cidades, não em menor medida no vosso país. No cerne desta violência encontra-se o protesto que deriva de uma profunda decepção: a cidade promete demasiado, enquanto a um grande número de pessoas oferece pouquíssimo. Este sentido de desilusão está também vinculado à perda da confiança nas instituições políticas, jurídicas e educativas, mas também na Igreja e na família. Neste mundo, um mundo de grandes ausências, parece que os céus se fecharam (cf. Is Is 64,1) e que Deus se encontra muito distante. Torna-se um mundo profundamente secular, um mundo que só conhece uma dimensão e para muitas pessoas pode parecer uma prisão. Nesta «cidade do homem», somos chamados a edificar a «cidade de Deus»; e diante de um dever tão desafiador podemos ser tentados, como o profeta Jonas em Nínive, a desanimar e a abandonar a missão (cf. Jn Jn 4,1-3 cf. também Octogesima adveniens Jn 12). Porém, como aconteceu com Jonas, o próprio Senhor nos há-de orientar com determinação ao longo do caminho que Ele escolheu para nós.

4. Os Padres sinodais não promoveram uma nova evangelização urbana de maneira indeterminada, mas estabeleceram os elementos da actividade pastoral exigidos por esta evangelização. Além disso, falaram da necessidade de «uma evangelização urbana metódica e capilar através da catequese, da liturgia e do mesmo modo de organizar as próprias estruturas pastorais» (Ecclesia in America ). Por conseguinte, dispomos de três elementos muito específicos: a catequese, a liturgia e a organização das estruturas pastorais – elementos que estão radicalmente vinculados às três dimensões do ministério do Bispo: ensinar, santificar e governar. Estimados Irmãos, aqui tocamos o ponto fulcral daquilo que Cristo nos chama a ser e a fazer no contexto da nova evangelização.

Estas três dimensões têm como objectivo uma experiência nova e mais profunda da comunidade em Cristo, que é a única resposta eficaz e duradoura a uma cultura caracterizada pela erradicação, pelo anonimato e pelas desigualdades. Lá onde esta experiência é frágil, pode-se esperar que cada vez mais fiéis se afastem da religião ou se desviem rumo a seitas e grupos pseudo-religiosos, que se fundam sobre a alienação e se desenvolvem no meio de cristãos decepcionados com a Igreja por qualquer razão que seja. Não se pode mais esperar que as pessoas venham às nossas comunidades espontaneamente; pelo contrário, é necessário um renovado impulso missionário nas cidades, com homens e mulheres devotos, sobretudo jovens, que em nome de Cristo se comprometam em exortar as pessoas a unir-se à comunidade eclesial. Trata-se de um elemento central na organização das estruturas pastorais, necessário para uma nova evangelização das cidades. Essa proporcionará um impulso renovado, como aquele que consentiu o nascimento da Igreja na vossa terra: em particular o compromisso heróico de Jean de Brébeuf e de Isaac Jogues, de Marguerite Bourgeoys e de Marguerite d'Youville. Mas agora a meta é a cidade, pois é ali que o novo heroísmo missionário deve brilhar com o mesmo esplendor do passado, embora de forma diversa. Isto dependerá em grande parte do impulso e do devotamento dos missionários leigos urbanos; assim, estes terão necessidade do serviço de sacerdotes verdadeiramente zelosos, impregnados do espírito missionário, que saibam acender este espírito também no próximo. É vital que os seminários e as casas de formação sejam claramente vistos como escolas para a missão, formando sacerdotes que possam ajudar os fiéis a tornar-se os novos evangelizadores de que hoje a Igreja tem necessidade.

5. Quando os fiéis respondem ao chamamento do Senhor e procuram penetrar mais profundamente no seio da comunidade dos fiéis, devem ser levados a permanecer em intimidade com Cristo, através da vida cultual e da catequese, das quais os Padres sinodais falaram. O lugar privilegiado para esta experiência continua a ser a paróquia, não obstante todas as grandes transformações que nela se verificam, no contexto urbano contemporâneo (cf. Ecclesia in America ). É verdade que a paróquia tem necessidade de se adaptar para fazer face às rápidas mudanças actuais; todavia, é também verdade que no passado ela demonstrou a capacidade de extraordinárias adaptações e que mesmo hoje é capaz disto.

Entretanto, perante todas as adaptações é necessário ter claramente presente o facto de que acima de tudo está a Eucaristia, que revela a verdade imutável da vida cristã. Eis o motivo por que a liturgia ocupa um lugar tão fulcral, e é preciso que os Bispos e os sacerdotes façam tudo o que está ao seu alcance para assegurar que a vida cultual da Igreja, de maneira especial a Missa, esteja centrada na presença real do Senhor – «porque na sagrada Eucaristia está contido todo o bem espiritual da Igreja» (Presbyterorum ordinis PO 5). Isto exige uma catequese sistemática dos jovens e dos adultos, ao mesmo tempo que um profundo espírito de fraternidade entre todos os cristãos que se congregam para celebrar o Senhor. Não se pode deixar que o anonimato das cidades invada as nossas comunidades eucarísticas. Devem-se encontrar novos métodos e novas estruturas para construir pontes entre as pessoas, de maneira que se realize realmente esta experiência de acolhimento mútuo e de proximidade, exigida pela fraternidade cristã. Talvez esta experiência e a catequese que a deve acompanhar se cumpram melhor no seio de comunidades mais reduzidas, como se afirma na Exortação pós-sinodal: «Um meio de renovação paroquial, particularmente urgente nas paróquias das grandes cidades, pode ser encontrado talvez na paróquia como comunidade de comunidades» (Ecclesia in America ). Este empreendimento deverá ser levado a cabo com prudência, a fim de não gerar novas fracturas; mas talvez seja «mais fácil, no âmbito deste contexto humano, reunir-se na escuta da Palavra de Deus, para reflectir à sua luz sobre os vários problemas humanos e amadurecer opções responsáveis inspiradas no amor universal de Cristo» (Ibidem).

Não apenas as paróquias, mas inclusivamente as escolas católicas e outras instituições devem abrir-se às urgências pastorais necessárias para evangelizar as cidades. Mas para isto, elas devem certificar-se de que a sua identidade católica não é de alguma forma alterada pelos influxos ligados à secularização. No Canadá, estas influências às vezes são graves e vós, queridos Irmãos, tendes lutado para resistir às mesmas. Exorto-vos com vigor a prosseguir este caminho com coragem e clarividência, de maneira que as instituições católicas, precisamente em virtude da sua identidade católica, possam contribuir de maneira eficaz na obra de evangelização, tão importante para a Igreja. Tudo isto faz profundamente parte da tarefa de sentinelas, que Cristo confiou aos Bispos.

6. Contudo, jamais se deve esquecer que o desenvolvimento a nível de estruturas e estratégias pastorais só tem uma finalidade: conduzir as pessoas a Cristo. Esta era a simples e luminosa visão do Sínodo e reflecte-se também na Exortação pós-sinodal. É certamente isto a que as pessoas aspiram, não obstante às vezes não o consigam ver. A Escritura não deixa qualquer dúvida acerca do facto de que não se pode encontrar Cristo fora da experiência da comunidade cristã. É-nos impossível encontrar Cristo sem a Igreja, a comunidade de fé e a graça salvífica. Sem a Igreja, certamente formularemos uma ideia de Cristo à nossa própria imagem, enquanto a nossa verdadeira tarefa consiste em deixar que Ele nos crie à sua própria imagem. O Novo Testamento é também bastante específico na sua descrição do encontro com Cristo. Vemos isto de maneira especial no período pascal, quando lemos as narrações das aparições do Senhor ressuscitado, que foram as verdadeiras sementes do Cristianismo compreendido como uma religião não só de iluminação, mas sobretudo de encontro. O Evangelho narra-nos que o encontro com Cristo é sempre inesperado, surpreendente e comprometedor. O chamamento de Cristo, assim como a chamada de Deus no Antigo Testamento, chega àqueles que não o esperam – num momento, num lugar e duma forma que eles jamais poderiam ter previsto. É surpreendente, no sentido que a vida nunca pode voltar a ser a mesma de novo: existe sempre um efeito arrebatador na chamada de Cristo, que diz: «Segui-me!» (Mt 4,19), com toda a conversão de vida que isto implica. E enfim, aqueles que encontram Cristo recebem sempre d'Ele o mandato a ir e compartilhar com o próximo o dom que receberam (cf. Mt Mt 28,19-20). Assim, esta será a tríplice forma do encontro com Cristo, que leva as pessoas mais profundamente ao seio da comunidade de fé e permanece a única finalidade do seu caminho de fé dentro da Igreja.

7. Numa comunidade mais plenamente consciente da presença de Cristo, as megalópoles encontrarão o sinal divino que indica para além da cultura da erradicação, do anonimato e da desigualdade. Alimentar-se-á a cultura da vida que vós, dilectos Bispos, vos prodigalizais de forma tão consistente em promover; e isto, por sua vez, há-de gerar uma cultura da dignidade, aquele verdadeiro humanismo que está radicado no acto criativo de Deus e constitui sempre um sinal do poder redentor de Cristo. Tal comunidade será a semente da «descida do Céu de junto de Deus, a Cidade santa, uma Jerusalém nova, que desce do céu e vem de Deus» (Ap 21,2). Nós somos aqueles que tiveram esta visão da Igreja: por conseguinte, «aprendemos que existe uma Cidade de Deus e aspiramos a tornar-nos cidadãos desta Cidade» (Santo Agostinho, Cidade de Deus, XI, 1), onde «estaremos em paz e veremos; veremos e amaremos; amaremos e louvaremos» (Ibid., XXII, 30).

Louvando a Santíssima Trindade nos nossos corações e com os nossos lábios, olhemos para Maria, «Mãe da América» (Ecclesia in America ). Oxalá Ela, através de quem a luz brilhou na terra, ilumine o vosso caminho enquanto peregrinais juntamente com o vosso povo através da escuridão, rumo ao encontro do Senhor ressuscitado. Confiando a Igreja que está em Ontário ao seu amor infalível e invocando a infinita misericórdia de Deus sobre vós, os sacerdotes, os religiosos e os fiéis leigos, concedo-vos de bom grado a minha Bênção Apostólica.




Discursos João Paulo II 1999